Substituição processual pelos sindicatos: avanço ou retrocesso? A legitimação dos sindicatos para a ação civil pública

Resumo: Este texto procura abordar a legitimidade dos
sindicatos para ajuizar a ação civil pública e a correspondente atuação do
Ministério Público na defesa da classe trabalhadora.

A
Constituição Federal, em seu artigo 8º, III dispõe que cabe aos sindicados a
defesa dos direitos e interesses coletivos e individuais da categoria,
inclusive em questões judiciais ou administrativas. No mesmo sentido, o artigo
3º, III da lei 8073/90 assegura que as entidades sindicais poderão atuar como
substitutos processuais dos integrantes da categoria.

A
combinação destes dois dispositivos legais nos permite concluir, em um primeiro
momento, que avançamos no sentido democrático, uma vez que mais entidades, além
do Ministério Público, estariam possibilitadas a defender os interesses
metaindividuais. Porém, tal assertiva somente é verdadeira se confundirmos o
sentido da palavra qualidade com quantidade.

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A simples
ampliação, advinda do código de defesa do consumidor, para aumentar o rol dos
legitimados a ajuizar a ação civil pública não significa que os interesses
coletivos lato sensu sejam mais bem
defendidos pelos novos legitimados.

Para
Raimundo Simão de Melo, historicamente existe em nosso país a cultura
individualista que privilegia os interesses individuais em detrimento dos
coletivos(1). Tal fato faz com que o Poder Judiciário fique
abarrotado por questões individuais que, em muitas das vezes, deveriam ser
apreciadas de forma coletiva. Ademais, os sindicatos pouco uso fazem dos
instrumentos processuais coletivos de que dispõem, seja por motivos econômicos
ou por falta de conhecimento dos mesmos. Os motivos econômicos se justificam
pelo fato de que não são devidos honorários advocatícios no caso das ações
coletivas (Enunciado 310,III TST), o que desencoraja sua ação, embora o sentido
de existência deles seja lutar pela classe trabalhadora e contarem com as
contribuições financeiras a que fazem jus. Já a falta de conhecimento é um fato
absurdo, porém real e triste que caracteriza o preparo incipiente das nossas
entidades sindicais.

No mesmo
sentido histórico, o Ministério Público se apresenta como defensor da
sociedade, cabendo-lhe o zelo pelo ordenamento jurídico, o regime democrático e
os interesses sociais e individuais indisponíveis. Para tal, desde 1985 tem
como instrumento a ação civil pública. No caso da justiça do trabalho, o
Ministério Público do Trabalho ajuíza esta ação com espeque no artigo 129,
inciso III, da Constituição, combinado com os artigos 83, inciso III, 84,
inciso V, e 6º, inciso VII, alíneas a, b, c ou d, da lei complementar n.75, de
20.5.93.

A
legitimação dos sindicatos para ajuizar a ação civil pública não é pacífica na
doutrina, havendo aqueles que a defendem e outros que a vedam.Torna-se
necessária a consulta aos dispositivos legais para entendermos a questão.

Para
Carlos Henrique Bezerra Leite, os sindicatos não têm legitimidade para ajuizar
a ação civil pública quando a tutela for referente a direitos difusos. Entende
o eminente Procurador do Trabalho que os sindicatos não tem legitimidade para a
defesa de interesses ou direitos difusos, já que estes não seriam destinados
especificamente a grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte
contrária por uma relação jurídica-base, e sim pessoas indeterminadas ligadas
por circunstância jurídica de fato(2).

Para
Raimundo Simão de Melo, os sindicatos possuem legitimidade para ajuizar ação
civil pública com base no artigo 129, inciso III e §1º da Constituição Federal
e artigo 5º da lei 7347/85, para defender os interesses coletivos. Leciona o
mestre que na área trabalhista as associações civis são os sindicatos e,
portanto, nada de errado há em reconhecer aos mesmos esta legitimidade. Ainda
segundo o autor:

“Por
isso, não reconhecer aos sindicatos a defesa dos direitos e interesses
coletivos da categoria por meio do eficaz instrumento da ação civil pública,
num sistema como o nosso, em que são constantes as ameaças e lesões aos
direitos mínimos dos trabalhadores, é desconhecer a própria razão de ser dessas
entidades, como temos afirmado; é negar o seu papel como seguimento organizado
da sociedade num regime de Estado Democrático de Direito. Finalmente é
desconhecer a realidade do trabalhador brasileiro, hipossuficiente, subordinado
e de pouca cultura (especialmente na área rural), sem condições reais,
portanto, de demandar individualmente com seu empregador.”(3)

Sem
dúvida a legitimidade conferida pela Constituição da República e pelas leis
citadas aos sindicatos para ajuizamento da ação civil pública constitui um
avanço político e social na busca da justiça e realização da igualdade material
em nosso país.

Quanto a
questão dos interesses difusos é pacífico que os sindicatos não se encontram
legitimados para sua defesa através da ação civil pública, cabendo a defesa
pelo Parquet. No tocante aos interesses coletivos é salutar que os sindicatos
os tutelem utilizando-se da ação civil pública no âmbito da justiça
trabalhista.

Nossa
organização sindical é inadequada para a época, pois como é cediço, limita a
quantidade de sindicatos quando deveria estimular sua criação, pois um
sindicato único não dá a certeza de força e representatividade. Muitas vezes,
tais sindicatos não possuem esta última qualidade e, deste modo, permanecem
inertes quando há lesão aos direitos dos trabalhadores. Não há dúvidas que, politicamente,
tal como defende o mestre Raimundo Simão de Melo, são os sindicatos os entes
mais autorizados para representar a classe trabalhadora. No entanto, defendemos
que cabe, sobretudo, ao Ministério Público do Trabalho a defesa da classe
trabalhadora através da ação civil pública. Não basta atuar apenas como órgão
interveniente, quando a ação já estiver em curso através de outro legitimado. A
responsabilidade na defesa da sociedade é grande e perfeitamente acolhida pelos
membros do Parquet. É imprescindível que este faça uso do inquérito civil
público, firmando acordos de ajustamento de conduta. Tal instrumento, além de
poderoso, faz com que o Judiciário fique menos afogado com questões que podem
ser resolvidas através do firmamento de um termo de ajustamento de conduta que,
por sua vez, servirá de título executivo perante a Justiça do Trabalho caso
seja descumprido.

Os
sindicatos, dependentes financeiramente de seus filiados, muitas vezes não
dispõem de recursos para manter a qualidade na defesa dos trabalhadores.
Servem-se de advogados que não estão qualificados satisfatoriamente para a
defesa dos interesses coletivos, além da questão anteriormente colocada, a
respeito dos honorários não devidos, o que desestimula este tipo de ação.

Certamente
os argumentos não justificam a vedação da atuação dos sindicatos. Pelo
contrário, defendemos que estes devem continuar a defender a classe
judicialmente e administrativamente, de forma a aprimorar sempre esta função.
Apenas acreditamos que o Ministério Público do Trabalho está muito melhor
equipado para a defesa de tais interesses, sobretudo porque os Procuradores do
Trabalho são pessoas extremamente qualificadas e especialistas na defesa de
tais interesses. Além disso, a questão do tempo é importante, pois o Parquet
tem como finalidade a defesa da sociedade e da coletividade, sendo reconhecido
há tempos como o defensor da coletividade, função nobre e importante para a
construção de uma sociedade com menos injustiças. É inegável que a atuação do
Ministério Público através do inquérito civil público resolve inúmeras
questões. Por isso, devem os procuradores fazer uso adequado e salutar deste
instrumento tão importante e privativo do Parquet, não deixando de agir quando
for evidente a lesão aos interesses difusos, coletivos e individuais
homogêneos. A classe trabalhadora não pode ficar ao sabor de uma questão de
legitimidade possível ou não, obrigatória ou não de uma entidade ou de outra. O
Parquet laboral tem sua função constitucional e deve agir quando entender que houve
lesão aos direitos dos trabalhadores, pouco importando se o sindicato ficou
inerte ou não.

Portanto,
podemos considerar um avanço democrático digno de um Estado Democrático de
Direito e extensão para legitimar os sindicados na defesa da classe trabalhadora.
Mas não abrimos mão da qualidade desta defesa, entendendo que a
responsabilidade maior é do Parquet trabalhista, pois o Ministério Público é
instituição permanente, essencial a função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis, bem como dos coletivos e
individuais homogêneos. A sociedade confia sua defesa ao Parquet e os
trabalhadores ganham muito mais se houver um Ministério Público do Trabalho
forte a atuante, frisem este último adjetivo.

 

Notas:

(1)  Raimundo Simão de Melo,
Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho, São Paulo, Ltr, 2002, p.55

(2)  Carlos Henrique Bezerra
Leite, Ministério Público do Trabalho, 1ªed. São Paulo, Ltr, 1998, p.127

(3)  Raimundo Simão de Melo,
Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho, p.121


Informações Sobre o Autor

Felipe Silva da Conceição

Advogado. Formado pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO


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