A confissão e o julgamento antecipado da lide no Processo Penal

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O instituto jurídico do julgamento antecipado da lide encontra esteio,
como se sabe, no artigo 330 do Código de Processo Civil Brasileiro. É aplicável
nas hipóteses de revelia e naquelas em que a questão de mérito é unicamente de
direito ou, sendo de direito e de fato, não haja necessidade de se produzir
prova em audiência.

O julgamento antecipado homenageia o princípio da economia processual,
permitindo uma rápida prestação da tutela jurisdicional às partes e à
comunidade, evitando-se longas e desnecessárias instruções, reduzindo-se ainda
os custos do processo.

Interessante se perquirir, portanto, sobre a possibilidade de se
estender ao âmbito do Direito Processual Penal a aplicação de tão importante
instituto, especialmente nos casos em que, de início, resta clara a inocência
do acusado e também naquelas lides penais em que o réu, desde logo, confessa
cabalmente a prática do crime a si imputado.

A primeira hipótese acima citada já vem sendo bastante defendida na
doutrina, tendo o eminente advogado CECÍLIO DA FONSECA VIEIRA RAMALHO TERCEIRO
asseverado que[1]
“permitir que um inocente se mantenha sob a injusta sombra da espada da
justiça, por vezes, é uma agressão maior que o suposto delito imputado ao
mesmo. Como sabemos, o nosso processo penal é um árduo caminho de colheita de
elementos, tudo voltado a um único fim, a verdade. Se esta verdade, ou sua
semelhança, já se encontra ab initio,
por que esperar todo o desenrolar da instrução para deferir a tutela estatal
eximidora da responsabilidade do acusado, isentando-o do constrangimento de
responder por algo que não deve”.

Seguindo essa linha de pensamento, a jurisprudência pátria passou a
admitir o julgamento antecipado da lide em alguns casos, ou seja, quando há
claro convencimento da inocência do acusado, impedindo-se uma longa e
constrangedora instrução criminal. A propósito, veja-se: “Penal e Processual Penal. Estelionato. Julgamento
antecipado da lide. Possibilidade, quando se tratar de hipótese de absolvição
do réu. Reconhecida pela própria Justiça do Trabalho a
inexistência de relação empregatícia do réu, na atividade de pedreiro,
caracterizada restou a inexistência do delito do art. 171, do CP. Absolvição”
(Processo n.º 2001.85.00.3835-8 – SPCr. – Classe 07000 – 1.ª Vara Federal –
Juiz  Ricardo César Mandarino Barretto).

Mais inovador e ousado, entretanto, é o estudo da segunda hipótese
antes mencionada, qual seja, a de se aplicar o julgamento antecipado com
desfecho condenatório, por força de confissão incontestável feita pelo acusado
às autoridades policial e judicial.

A confissão, no campo do direito processual penal, é o reconhecimento,
pelo acusado, de que praticou a infração penal a si imputada.

Também chamada de rainha das provas, a confissão, segundo ensina o
eminente JULIO FABBRINI MIRABETE[2], é
elemento valioso na formação do convencimento do julgador, sendo que ganha um
valor quase absoluto quando livre, espontânea e não posta em dúvida por
qualquer elemento dos autos, mostrando-se suficiente para embasar uma
condenação.  

Apesar disso, argumenta-se que os obstáculos ou entraves para o
julgamento antecipado da lide processual penal seriam a falta de previsão legal
e a ofensa fatal aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Todavia, de uma análise detida do tema, pode-se concluir por uma
pertinente e profícua aplicação analógica, na esfera penal, do instituto
processual civil do julgamento antecipado da lide.

O
obstáculo legislativo, como já sinalizado pela doutrina, pode ser vencido por
intermédio do artigo 3º do Código de Processo Penal Brasileiro, quando afirma
que “a lei processual penal admitirá
interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos
princípios gerais de direito”.

No tocante à violação aos princípios do contraditório e da ampla
defesa, vê-se que o julgamento antecipado da lide no processo penal pode ser
adequado de forma a que seja compatibilizado com aqueles relevantes postulados.

Ora, se o réu confessar integralmente a prática delitiva a si imputada,
estando suas declarações devidamente corroboradas pelas peças inquisitivas que
instruem o feito, tem-se que a realização do julgamento antecipado, com a
dispensa da colheita da prova oral, não ensejará nenhum arranhão ao princípio
do contraditório. O que contrariar, se já houve a confissão cabal? Que verdade
real buscar, se já foi ela alcançada por meio de irrefutável confissão?

Do mesmo modo, não se pode dizer que haverá afronta ao direito à ampla
defesa, eis que assegurada, além da defesa pessoal pelo interrogatório, a
defesa técnica por intermédio de advogado. O fato de se afastar, em tais casos,
a instrução criminal não significa tolher o direito à manifestação do
causídico, que poderá invocar, já na defesa prévia, benefícios legais em favor
do réu, como a atenuante da confissão, a fixação da pena no mínimo legal, o
direito de apelar em liberdade, a substituição da pena privativa de liberdade
por restritiva de direitos ou a fixação de um menos rigoroso regime de
cumprimento de pena. Desta maneira, como já chegou a sugerir, em proposta
legislativa, o ilustre Promotor de Justiça Goiano ISSAC BENCHIMOL FERREIRA[3], poderá
se dar à defesa prévia um significativo valor jurídico-processual, deixando de
ser uma peça processual meramente formal. 
 

Como se sabe, não são raros os casos simples como, por exemplo, de
crimes de furto, roubo, receptação e estelionato, em que os acusados,
especialmente quando presos em flagrante, confessam, na delegacia e em juízo,
os fatos delitivos que praticaram, afastando qualquer controvérsia fática e
deixando claro suas culpas. Como tais confissões, em regra, estão em plena
concordância com os demais elementos inquisitivos constantes dos autos,
torna-se absolutamente possível o julgamento antecipado da lide, dispensando-se
a realização da instrução probatória pelo juízo criminal. Não fosse assim, os
tribunais não admitiriam condenações tomando por base apenas a confissão
judicial plena e inconteste (RT 744/573).

Também não se pode perder de vista que somente há lide
penal quando existe conflito de interesses entre o direito de punir do Estado e
o direito de liberdade do réu, resultante da prática de um ato delituoso.

Não havendo qualquer divergência em razão da confissão cabal feita
pelo réu, tem-se que inexiste lide no feito, já estado satisfatoriamente
alcançada a verdade, ou seja, o fim do processo penal acusatório.

Por que, então, prosseguir num processo judicial, se o magistrado já
detém, naquele momento, um convencimento formado? Por que ouvir vítimas,
testemunhas de acusação e de defesa, se já houve admissão integral do réu,
confirmando a veracidade dos fatos narrados na denúncia ministerial, estando a
confissão em pleno acordo com os demais elementos probatórios coligidos aos
autos do inquérito policial? Em última análise, por que prosseguir com o
processo criminal, se não há mais controvérsia fática?

Não há dúvidas de que, em casos deste jaez, a idéia de se ter de
esgotar a tramitação do feito criminal, além de formalista, contraria o
princípio da economia processual, pois gera instruções desnecessárias e perda
de tempo, impedindo a pronta e eficaz entrega da prestação jurisdicional penal.
Ademais, nesses casos, o prosseguimento da ação penal implica maiores e
desnecessárias despesas ao erário, conduzindo ainda a uma constrangedora
exposição do réu, que vê repisado o fato criminoso que já admitiu ter praticado.

É evidente, por outro lado, que o julgamento antecipado na forma ora
proposta só deverá ocorrer naqueles casos em que a confissão do réu for cabal,
espontânea, ficando afastada a mais remota hipótese de auto-imputação falsa ou
de insinceridade.

Os que resistem à idéia aqui defendida argumentam que seria mutilada a
possibilidade de ampla cognição da matéria delitiva, atropelando-se o rito
previsto no Código de Processo Penal. Entretanto, como visto, mediante uma
hermenêutica prudente e cautelosa, mostra-se perfeitamente possível e viável a
aplicação do julgamento antecipado da lide no âmbito do processo penal quando
inexistem divergências fáticas em razão de confissão cabal feita pelo réu.

Nos tempos atuais, em que a criminalidade cresce alarmantemente,
gerando sensação de impunidade, há de se tentar tornar o processo criminal mais
célere, o que é possível alcançar mediante a superação do legalismo estrito e
imobilista, que não atende aos fins da justiça.

 

Notas:

[1] in artigo intitulado “A possibilidade do julgamento antecipado da
lide penal”. Disponível em www.jus.com.br

[2] in Código de Processo Penal
Interpretado. 9ª edição. Editora Atlas. Página 540.

[3] in artigo intitulado “Julgamento
Antecipado no Processo Penal – Proposta Legislativa”.


Informações Sobre o Autor

Flávio da Silva Andrade

ex-Juiz de Direito do TJAC e Promotor de Justiça no Estado de Rondônia


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