Índice: Notas
introdutórias; 1. A linhagem
parental; 1.1. Linha reta; 1.2. Linha colateral; 2.
Parentesco por consangüinidade; 3.
Parentesco por afinidade; 4.
Parentesco e afinidade ilegítimos; 5.
O código civil de 2002 e a matéria face ao direito processual; 5.1. Separação cautelar de corpos; 5.2. Embargos à execução; 5.3. Abertura da sucessão pelo
companheiro supérstite; 5.4. Companheiro
em juízo como testemunha; 5.5. Renúncia
a alimentos; 5.6. Pedido de
interdição;
Notas introdutórias:
As pessoas vivem, essencialmente, em sociedade. Fazem-no
de diversas formas, durante a vicissitude da vida. É o que nos permitem defluir
as sociedade civis, comerciais e familiares. Todos entes abstratos que, sem
constituir uma realidade do mundo sensível, pertencem ao universo das
instituições e dos ideais destinados a perdurarem no tempo, não raro em caráter
perpétuo.
Limitemo-nos à família. Nesta instituição jurídica, as pessoas se
amoldam e se enquadram de três formas distintas, ora vinculando-se em razão da
união conjugal ou convivencial, ora por força dos laços sangüíneos que os unem,
ora simplesmente em razão da afinidade que se fizeram nascer. Parentesco,
assim, “é o nexo existente entre pessoas unidas pelo mesmo sangue ou que se
unem pelo sangue de seu cônjuge.” (Antônio José de Souza Levenhagem. Código
civil – comentários didáticos, p. 206)
Na dinâmica atual do Direito, ao lado do vínculo matrimonial, que dá
ensanchas aos laços de afinidade, deve-se arrolar a união estável, que também
compõe o tripé constitucional da entidade familiar (ao lado do casamento e da
família monoparental) e, certamente, inegável tratar-se de forte célula na
formação do Estado.
Saber da ocorrência do instituto do parentesco é de extrema relevância
aos operadores do Direito. É de sua presença que nascem direitos e obrigações,
espelhados por todo o Código. Já no início da entidade familiar, vê-se a
lembrança do instituto, ao trazê-lo como fator proibitivo do casamento,
impedindo-o caso haja grau de parentesco entre os nubentes, bem ainda no
Direito Processual, quanto às pessoas que podem ser testemunhas. Também o é
quanto à união estável, pois a presença do impedimento matrimonial transforma
esta união em
concubinato. Segue-se, ao depois, a questão do direito
sucessório, o fim da vida e da personalidade jurídica da pessoa natural. Também
aqui, interessa o parentesco, para saber, verbis
gratia, da ordem na vocação hereditária e da qualidade do herdeiro.
Enfim, “a compreensão do parentesco é a base para inúmeras relações de
dierito de Família, com repercussões intensas em todos os ramos da ciência
jurídica.” (Silvio Venosa. Direito civil, p. 215)
Vejamos, então, de que forma estes institutos interessam ao Direito,
no que diz respeito às relações de parentesco.
1. A linhagem parental
O liame parental se estabelece através de linhas. Linhas que tais
referem-se a ordem de parentesco, à série de pessoas oriundas de um tronco
ancestral comum, podendo ser reta ou transversal. Cada linha representa uma
geração familiar, os mais próximos excluindo os mais remotos, seja subindo a
contagem até o tronco comum, seja descendo dele; seja, enfim, contando-se
transversalmente a partir da origem comum.
As linhas são a série de pessoas provindas do mesmo tronco ancestral.
O grau é a distância entre uma geração e outra, de modo que a série de graus é
que forma a linha.
Há duas linhas no parentesco:
1.1. Linha reta
Encontram-se nesta linha todos os parentes que descendem diretamente
uns dos outros. É nesta em que se pode encontrar o filho em relação ao pai, ou
em relação ao avô, ou vice-versa, de forma infinita. A linha reta é ascendente
ou descendente. Quando, partindo do tronco comum, iniciar-se a contagem para
baixo, haverá descendência. Se, ao contrário, trilhar-se para cima, haverá
ascendência.
1.2. Linha colateral
A colateralidade, como o próprio nome está a sugerir, se verifica
quando se traça um paralelo, dois caminhos ladeados e originados de um tronco
ancestral comum, conquanto descendam de pessoas diferentes. São parentes
transversais, ou colaterais, as pessoas que provêm de um só tronco, sem
descenderem uma da outra.
A linha colateral pode ser igual ou desigual. Aquela, “quando entre o
antepassado comum e os parentes considerados a distância em gerações é a
mesma”; esta, “quando há diversidade de distâncias entre os parentes
considerados e o tronco comum” (Washington de Barros Monteiro. Curso de direito
civil, p. 233).
2. Parentesco por
consangüinidade
Tratou o Código Civil do vínculo jurídico havido entre os membro de
uma família, que descendem de um tronco comum. São todos unidos,
umbilicalmente, pelos laços de seus antepassados. Nesta categoria de parentes,
as ramificações da árvore familiar, em tempos idos e remotos, se encontram de
modo a especificar a sua origem. As vertentes da árvore familiar têm uma mesma
raiz, têm um tronco comum.
Estabelece-se tanto pelo lado masculino, como pelo lado feminino. Ao
primeiro, observa-o bem, Washington de Barros Monteiro, denominou-se outrora de
agnação, em contraposição ao segundo, denominado cognação. No período de
Justiniano, contudo, a expressão cognado abrangia todos os parentes, tanto os
da linha masculina como os da linha feminina (ob. cit., p. 231).
3. Parentesco por afinidade
Em verdade, a afinidade não deveria ser tratada como causa de
parentesco, porque tecnicamente parentes são apenas os que descendem de tronco
comum, os que tem a mesma origem sangüínea. Afinidade seria apenas um
fingimento da lei, uma ficção jurídica, porque não decorre da natureza humana
ou de laços sangüíneos. Contudo, assim não entende o legislador, porém atento à
situação, cingiu o instituto aos parâmetros ditados pela lei, deixando com
índole estritamente pessoal. Nesse particular afigura-se tenha sido mais
técnico o Código Civil de 1916, que não tratou explicitamente os afins como
parentes, mas disse apenas que cada cônjuge é aliado aos parentes do outro pelo
vínculo de afinidade (art. 334).
De sua vez, o Código Civil de 2002 repetiu o mesmo texto do revogado
artigo 334, acrescendo-lhe o companheiro, mas, trouxe o § 1º do artigo 1.595,
dizendo “parentesco por afinidade”. Afinidade, então, é causa legal expressa de
parentesco, ou seja, quando então o artigo 1.694 do Código Civil de 2002
verberou que “podem os parentes … pedir uns aos outros os alimentos …”,
possibilitou a faculdade de pleitear alimentos dos cunhados e dos sogros?
Aparentemente, sim, porém essa conclusão vulnera todo um sistema legal, social,
ético e moral.
De todo modo, o parentesco por afinidade resulta daquele estabelecido
entre um cônjuge ou companheiro e os parentes consangüíneos do outro. Não
haverá, contudo, nenhum parentesco por afinidade entre os afins de uma pessoa,
com os parentes afins da outra (os concunhados).
Com a constituição da união estável, vêm à baila uma variada gama de
efeitos jurídicos, como facilmente se vislumbra dos direitos e obrigações
pessoais e patrimoniais, tanto em relação aos companheiros como em relação à
prole. Entre os efeitos dessa entidade familiar, arrola-se o liame que se
constitui entre os parentes de um dos companheiros com os do outro, por força
da novel disciplina material privada, insculpida no já citado artigo 1.595 do
Código Civil de 2002.
A este vínculo estabelecido dá-se o nome de parentesco por afinidade,
que assemelha-se ao por consangüinidade no que concerne às gerações, espécies e
contagem de graus. Diferencia-se, contudo, pela extinção, pois mantém-se
incólume ad eternum a afinidade em
linha reta, mesmo após a dissolução do vínculo que a originou (casamento ou
união estável), o que aliás justifica o impedimento matrimonial neste tocante;
porém, extingue-se a linha transversal quando do passamento de um dos
companheiros.
O instituto não é novo. Nova é a sua instituição para a união estável.
Antes, havia apenas para o casamento, gerando efeitos entre os cônjuges. Na
nova Lei Civil, tal abrangerá também os companheiros.
4. Parentesco e afinidade
ilegítimos
Tanto no parentesco por consangüinidade, como no por afinidade, há a
distinção de ilegítimo com legítimo. Questão que se coloca sobre o parentesco
por afinidade, quanto à espécie, é saber se na união estável é possível a
ilegítima. Seria? Na vigência do Código de 1916, comentava-se essa espécie como
sendo a “afinidade entre determinado varão e os parentes de sua companheira, se
entre eles existe simples mancebia; ou melhor, a afinidade será ilegítima se
decorre tão-somente de união livre ou extraconjugal”(Washington, ob. cit., p.
235). Após a Constituição Federal de 1988, irrompeu-se a fronteira da filiação
ilegítima com a legítima, proibindo-se qualquer discriminação quanto aos
filhos.
Ilegítimo é o parentesco que não procede do casamento, mas da união de
duas pessoas de sexo diferente, sem estarem vinculadas ao casamento.
Subdivide-se o parentesco ilegítimo em simplesmente ilegítimo e em espúrio, e
este, por sua vez, subdividindo-se, ainda, em adulterino e incestuoso. Neste
sentido Levenhagem (ob. cit., p. 207).
Para Silvio Venosa, “com a proteção e reconhecimento legal da união
livre, o parentesco ilegítimo deve-se submeter aos mesmos princípios e
restrições do parentesco legítimo, sob pena de converter-se a união estável em
instituição proeminentemente ao casamento, desse modo, por exemplo, ainda que lege ferenda, os impedimentos
matrimoniais devem atingir também o parentesco ilegítimo e, na esfera
processual, os parentes ilegítimos devem sofrer restrições para servir como
testemunha (art. 405, § 2º, I, do CPC)” (Direito Civil, p. 216).
Contudo, é exatamente a extramatrimonialidade que caracteriza a união
estável, donde se pode defluir a inaplicabilidade desta classificação ao
instituto sub studio. Porém, com
passar d”olhos mais acurado, mostra-se possível aplicá-lo. É que, quando tratou
da união estável, o Código Civil recepcionou o concubinato, tratando-o como
sendo as uniões entre pessoas sob os efeitos dos impedimentos matrimoniais.
Logo, o parentesco por afinidade
eventualmente existente, aqui, será classificado como ilegítimo, embora não se
pode olvidar que a Lei reservou afinidade apenas ao casamento e à união
estável, não ao concubinato.
5. O Código Civil de 2002 e a
matéria face ao Direito Processual
Desde a Constituição de 1988, mais célere e eficaz tornou-se o
acolhimento das pretensões inerentes às uniões extramatrimoniais, máxime o
concubinato. Porém, como sói poderia ser, denegação de pleitos não faltaram
jurisprudência afora. E, por força do artigo 1.595 do Código Civil de 2002, cada cônjuge ou companheiro é aliado aos
parentes do outro pelo vínculo da afinidade, complementando no §§ 1º e 2º
que o parentesco por afinidade limita-se
aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro, sendo
que, na linha reta, a afinidade não se
extingue com a dissolução do casamento ou da união estável. Vejamos, sucintamente, algumas questões
que a priori interessam ao objeto do
presente estudo.
5.1. Separação cautelar de
corpos
Há muito fundamentou-se repetidamente que esta medida não era de separação de corpos, pois as partes não
eram casadas. Tratavam-nas, mais das vezes, como reles titulares de imóvel
comum, portanto condôminos por força de sociedade de fato regida pelo direito
das obrigações, onde ademais conviviam amasiados. Satisfativa a cautela, não
podia ser deferida uma medida liminar, já que a ação, na qual se busca uma
sentença definitiva, é principal e não cautelar. Ou seja, o nome cautelar é
falsidade, dado apenas para que na ação ordinária se logre obter uma liminar. E
na contenda não existia o caráter conjugal da coabitação, porquanto concubinos
não coabitam: coabitação é nomen iuris do
dever jurídico específico de darem-se em relações carnais os casados.
Concubinos se entregam nas relações sexuais, mas isto não lhes é dever
jurídico. Tudo se resolvia, então, num conflito de interesses patrimoniais.
Negava-se, portanto, medidas cautelares de afastamento do companheiro
ou, simplesmente, para a separação de corpos autorizando a saída do lar. Com
mais abrandamento, porém ainda contrário à tutela cautelar, é o venerando
Aresto inserto em JTJ 201/139, que entendia inadmissível “sem motivo
justificado o pedido de afastamento do lar em caso de união estável”.
Com o tempo, evoluiu o pensamento. Se é verdade que, segundo o
entendimento jurisprudencial então predominante, inadmissível era a medida
cautelar de separação de corpos para os casos de concubinato ou de sociedade de
fato – privativa do cônjuge, por ter a obrigação de coabitar com o outro
(RJTJESP 111/189, 126/105 e 134/168), decisões em contrário existiam,
sustentando, com base nos §§ 3º e 8º do artigo 226 da Constituição da
República, que a entidade familiar formada pela união estável entre o homem e a
mulher gozava da proteção do Estado, devendo ser criados mecanismos para coibir
a violência no âmbito de suas relações, baseados no poder geral de cautela do
Juiz (RJTJESP136/216 e JTJ 155/95. No mesmo sentido: RJTAMG 58/46, RSTJ 25/472 e
STJ-RJ 171/49; RT 721/87, JTJ 160/53, 164/119, 187/63 e 212/122), com
aplicação, se houver necessidade, do princípio da fungibilidade, para eventual
adequação da inicial à idéia de cautelar inominada (RJTJESP132/202).
A tese contrária ao pleito escudava-se no paralelo entre concubinato e
casamento, paralelo esse que facilmente pôde-se afastar. Bastou que não se
formulasse o pleito da medida provisional do artigo 888, inciso VI, do Código
de Processo Civil (afastamento temporário do cônjuge da morada do casal). Essa
medida, específica, é claro que se circunscreve aos que são casados, o que não
se confunde com a pretensão de retirada do concubino, ou companheiro, do lar,
em vista dos riscos que seu comportamento acarreta. Embora perfeitamente
justificável o enfoque diferenciado, tendo-se em vista o texto do inciso do
artigo 888 do Código de Processo Civil, qualificado por Galeno Lacerda como
eufemismo para designação de separação de corpos (Cfr. Comentários ao Código de
Processo Civil, t. II/206), em se tratando de mero concubinato, a matéria
somente poderia ter sido decidida à luz do artigo 798 do mesmo Código, que
cuida do poder geral de cautela do Juiz.
Não se pode negar que a figura do concubinato existe e que dessa
convivência nasceu uma família. Ora, se essa união existe e inclusive tem o
reconhecimento constitucional, é forçoso convir que ela se concretiza pela vida
em comum de duas pessoas, os concubinos. Resultando, pela conduta de um deles,
insuportável essa comunhão diuturna, acrescida da recusa, ao mesmo tempo, de
afastar-se da moradia, não há razão jurídica para, em tese, obstar que o outro
pleiteie sua remoção coercitiva. Inexiste proibição, nesse sentido, no
ordenamento, a revelar a possibilidade da pretensão deduzida. E, ademais, o
interesse de agir está presente, não só na perspectiva da necessidade, mas
também da adequação, pois valer-se-á o companheiro de cautelar inominada.
Logo, o recurso ao Judiciário é a única opção que resta ao
companheiro, demonstrando, quantum satis a
necessidade da prestação jurisdicional e, pois, a presença do interesse de
agir.
5.2. Embargos à execução
Tendo um bem constrito em processo de execução, poderia o companheiro
do devedor opor-se à execução através de embargos, nestes aduzindo
impenhorabilidade de bem de família? Entendeu que sim o E. Tribunal de Justiça
paulista (JTJ 164/136).
Tratava-se de recurso manejado pela Fazenda do Estado de São Paulo
aduzindo, em apertada síntese: I) que há ilegitimidade ativa porque a
embargante não se enquadra nas expressões previstas no artigo 1º da Lei n.
8.009, de 1990 (cônjuges, pais, filhos); II) que o bem pertence ao concubino e
não à embargante; III) que a embargante não merece a proteção da lei porque não
provou a estabilidade da união; e, IV) que a geladeira penhorada é do tipo
“duplex”, bem de luxo, que não pode em absoluto ser considerado
indispensável.
Não obstante o respeitável arrazoado do fisco, vê-se que a razão
acompanha a Corte. É a própria Constituição da República que estabelece que
“para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o
homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão
em casamento” (artigo 226, § 3º), entendendo-se, “também, como
entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”
(artigo 226, § 4º). Não resta dúvida, assim, que se aplica ao caso concreto o
artigo 1º da Lei n. 8.009, de 1990, donde se dessume a possibilidade da
oposição, por embargos, externada pela companheira.
5.3. Abertura da sucessão pelo
companheiro supérstite
Que o companheiro ostenta direito sucessório, havido em razão de
passamento, não se discute mais. Abrigava-lhe a Lei n. 8.971/94 e, mais
modernamente, o Código Civil de 2002.
Realmente, a atual Constituição da República reconheceu “a união
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar” (§ 3º do
artigo226).
Situação que se põe é a possibilidade do companheiro requerer a
abertura do inventário e a partilha (CPC, art. 987) ou ainda, se tem
legitimidade concorrente, a teor do artigo 988 da Lei Instrumental Civil.
Estando o companheiro na posse e administração de bens deixados pelo de cujus, está aquele legitimado para
requerer a abertura do arrolamento (artigo 987 do Código de Processo Civil),
conforme, aliás, já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
(RJTJESP 104/172).
Quer-nos parecer, entretanto, que a situação não é bem assim. Uma
hermenêutica mais sistemática do ordenamento jurídico, quanto à sucessão, induz
a possibilidade de haver legitimidade do companheiro apenas e tão-somente
quando não houver descendentes ou ascendentes do de cujus. Em casos que tais, outrossim, poderá pleitear o
reconhecimento de sua qualidade no próprio inventário (Neste sentido: JTJ
101/667. Apud: Theotônio Negrão, Código de processo civil …, nota. 1b ao
artigo 988, p. 907).
5.4. Companheiro em juízo como
testemunha
Testemunha é a pessoa física chamada
a depor em processo com o fim de fornecer prova de fatos relativos ao objeto
litigioso. Podem sê-lo, como sabido, todas as pessoas capazes, exceto as
impedidas ou suspeitas – e, obviamente, as proibidas. Entre os impedidos, diz o
Código, está o cônjuge, bem como o ascendente e o descendente em qualquer grau,
ou colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consangüínidade ou
afinidade, salvo se o exigir o interesse público, ou, tratando-se de causa
relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova, que o
juiz repute necessária ao julgamento do mérito. Entre os suspeitos,
encontra-se, genericamente, quem tiver interesse no litígio. Pessoas que tais,
entretanto, podem depor sem prestar compromisso, atribuindo-lhes o julgador o
valor que possam merecer.
De igual, o artigo 228 do Código
Civil de 2002 diz que não podem ser testemunhas, os menores de dezesseis anos;
aqueles que, por enfermidade ou retardamento mental, não tiverem discernimento
para a prática dos atos da vida civil; os cegos e surdos, quando a ciência do
fato, que se quer provar dependa dos sentidos que lhes faltam; o interessado no
litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das partes; bem como os
ascendentes e os descendentes, ou os colaterais, até o terceiro grau de alguma
das partes, por consangüinidade ou afinidade; e os cônjuges. Assim, em nosso
entender, não só a afinidade em linha reta, que é a que se estabelece entre
sogro, sogra, padrasto, madrasta, genro, nora e enteado (RT 467/330), desobriga
a testemunha do compromisso legal como também são desobrigadas as pessoas
relacionadas nos cinco incisos do artigo
228 do Código Civil de 2002.
Entretanto, nenhum dos dispositivos supra mencionados faz referência
expressa sobre o companheiro. Lembrou-se do vínculo matrimonial, mas não da
união estável. Sofreu do mesmo defeito
havido no Código Civil de 1916, na redação do artigo 142. Não obstante, tem-se
decidido que a união estável também estabelece um vínculo gerador de
impedimento da testemunha (STJ-3ª Turma, REsp 81.551-TO, rel. Min. Waldemar
Zveiter, j. 23.9.97, dju 27.10.97, p. 54.786). Aliás, o Colendo Superior
Tribunal de Justiça tem acolhido contradita soerguida contra companheiro, até
mesmo aventando que “não afasta o vinculo gerador do impedimento ante a
equiparação constitucional do concubinato, com a entidade familiar”. Ainda que não seja impedida, inegável se
mostra a suspeita em razão da amizade
íntima (para se dizer pouco).
Não se deslembre que, em matéria penal, tem-se descaracterizado o
crime de falso testemunho quando o depoimento é de companheiro, porque, por
muito natural se tem que o parente, o amigo íntimo, o criado, o dependente não
sejam capazes de se libertar da influência efetiva ou econômica decorrente
dessas relações” (RT 448/359, in “Código Penal e sua Interpretação
Jurisprudencial”, de ALBERTO SILVA FRANCO e outros, pág. 1.775, 4ª ed.,
Editora Revista dos Tribunais).
Diante disto, tem-se que, pode-se ouvir o companheiro como testemunha,
dês que não compromissada, eis que se trata de pessoa impedida, em face da
união de fato e amizade íntima com a parte, não se podendo apontar pelo que
relatou, ainda que não corresponda à verdade, nem mesmo que fique tipificado o
crime de falso testemunho.
5.5. Renúncia a alimentos
A Constituição de 1988 provocou sensíveis alterações no âmbito do
Direito de Família. Desde então, homens e mulheres são iguais em direitos e
obrigações (artigo 5º, inciso I) e os direitos e deveres referentes à sociedade
conjugal (no mesmo sentido a união estável) são exercidos igualmente pelo homem
e pela mulher (artigo 226, § 5º). Ante o reconhecimento da igualdade entre os
sexos, que importa, inclusive, no desaparecimento da obrigação alimentar
exclusiva a cargo de um dos companheiros – observado, contudo, obrigatoriamente
o dever de mútua assistência, fundamento legal da referida obrigação entre os
companheiros -, natural que na hipótese de dissolução amigável do vínculo
convivencial qualquer deles possa renunciar aos alimentos.
O artigo 404 do Código Civil de 1916, que prescrevia a
irrenunciabilidade, montava regra que, pela sua própria colocação na lei, se
aplica aos alimentos devidos por efeito do parentesco. E, conforme entendimento
pacífico, companheiros (tal como os cônjuges) não são parentes, donde se infere
a plena possibilidade e validade da renúncia externada pelo companheiro. Assim
sempre nos manifestamos.
Questão que merece especial atenção diz respeito ao artigo 1.707 do
Código Civil de 2002. Segue-se ainda a dicção sumular do verbete 379 do Excelso
Pretório, in verbis: “No acordo de
desquite não se admite renúncia aos alimentos, que poderão ser pleiteados
ulteriormente, verificados os pressupostos legais.”
Na nova disciplina, a lei verberou que “pode o credor não exercer,
porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos”. Veja que o Código Civil de
1916 dizia apenas que “pode-se deixar de exercer, mas não se pode renunciar o
direito a alimentos”. A novidade influente é a expressão “credor”, pois, como
já se disse, o artigo 1.694 conferiu direito a pedir alimentos aos parentes,
aos cônjuges e aos companheiros. Qualquer destes, portanto, pode ser credor do
direito a alimentos. Sendo credor, pode apenas dispensá-lo mas não renunciá-lo.
É uma interpretação forte, razoável e de extrema congruência com o texto legal.
Contudo, data maxima venia, ainda que
apenas por agora, entendemos que o companheiro pode renunciar o direito a
alimentos.
É que, em última análise, apenas os alimentos devidos em razão do
parentesco são irrenunciáveis. Uma vez dissolvido o vínculo convivencial,
rompidos todos os liames, os companheiros – que não são parentes – passam a ser
pessoas estranhas para as quais não subsiste o dever de mútua assistência. Por
este ângulo, até mesmo independentemente da possibilidade ou não de dispensa ou
renúncia aos alimentos, não tem o ex-companheiro legitimidade para reclamar o
pagamento de pensão alimentícia.
Como sustentamos em matéria intitulada de União Estável: Extinção e Alimentos entre os
Companheiros:
“… a própria Suprema Corte aprimorou seu entendimento, admitindo a
renúncia se houve, para o renunciante, reserva de bens e meios suficientes para
manter a própria subsistência (Cf. v.g., RT 85/208).
E o Superior Tribunal de Justiça, Corte não-eminentemente política,
tem entendido eficaz a renúncia, como também o Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo. Igual posição sustenta Luiz Augusto Gomes Varjão, acrescendo o
incontestável argumento (no nosso sentir) de que a renúncia vedada pela Lei
refere-se apenas a alimentos devidos entre parentes, o que não ocorre entre os
cônjuges ou os companheiros.”
De um jeito ou de outro, entendemos válida e eficaz a cláusula de
renúncia, seja pela em razão da nova ordem isonômica constitucional, seja pela
ausência de parentesco entre os companheiros, seja, enfim, pela possibilidade
de o renunciante ter reservas e meios suficientes para sua manutenção e
sobrevivência.
5.6. Pedido de interdição
Tratando da curatela dos interditos, menciona o artigo 1.177 da Lei
Processual Civil, que a interdição pode ser promovida pelo pai, mãe ou tutor
(inciso I); pelo cônjuge ou algum parente próximo (inciso II) ou ainda pelo
órgão do Ministério Público (este, nos casos do artigo 1.178 da mesma Norma de
Rito). Para os efeitos do presente trabalho, interessa-nos apenas a pertinência
subjetiva ativa dos parentes e do cônjuge.
Quanto aos ascendentes, não parece haver a menor dúvida. O mesmo se
diga em relação ao tutor. Igual, porém, não é a hermenêutica do inciso II. A
questão que se põe, agora, diz com o indagar-se do alcance da regra do artigo
1.768, inciso II do Código Civil de 2002, que manteve a mesma disciplina do seu
equivalente no Código revogado (art. 447, inc. II), de resto repetida no artigo
1.177, inciso II, do Código de Processo Civil.
Quanto aos parentes legitimados, tem-se que, embora não tenha o
legislador especificado explicitamente até que grau de parentesco se
consideraria o interessado como legitimado à postulação, não se deve deixar de
considerar que como a lei não contém expressões inúteis, há obrigatoriamente
que se inferir tenha pretendido limitar as pessoas que pudessem manejar a
postulação de interdição. A melhor doutrina e a jurisprudência se encarregaram
de aclarar a intenção da lei. Pontes de Miranda ensina que “A expressão
parente próximo não é técnica. Deviam evitá-la os legisladores. Não se pode
perceber, legalmente, o que sejam parentes próximos. Na falta de critério
seguro, não se deve entender que todos os parentes, conforme a lei civil,
possam promover a interdição; a proximidade, aí, deve ser compreendida
restritamente, e portanto só compete a promoção ao ascendente, ao descendente,
ao irmão. Os afins, mesmo os mais próximos, não podem, em caso algum, provocar
a interdição” (Tratado de Direito Privado, t. IX/329, § 1.037).
Já Washington de Barros Monteiro adota posição menos rigorosa:
“Essa enumeração é taxativa. Não se permite assim a estranho ou mesmo a
parente afastado requerer a interdição. Sendo parente próximo, porém, surge a
qualidade para requerê-la, ainda que menor ou incapaz, hipótese em que agirá
por intermédio do representante legal” (Curso, p. 325).
Embora não seja tão restritivo quanto Pontes de Miranda, Washington de
Barros Monteiro, como se viu, também não admite qualquer parente a manejar o
pedido de interdição. Ao contrapor a expressão “parente próximo” a
“parente afastado”, parece induvidoso que quis distinguir entre os
que sucedem e os que não sucedem.
A jurisprudência, de seu turno, alinha-se também no sentido de
considerar como “parente próximo” – na linha colateral – , aqueles
aos quais a lei legitima a suceder. Confira-se, a respeito,
“RJTJESP”, ed. LEX, vols. 50/119 e 56/226. Assim definido, assente
que “parente próximo” não é qualquer parente, mas, sim, somente
aqueles abrangidos até o quarto grau.
Entre o conceito de parente próximo, certamente, não se enquadra a
pessoa do companheiro, posto que não é parente. Deste modo, estaria ele ao lado
do cônjuge, por elastério e equiparação? Cremos que sim. Para tanto, basta que
não haja parentes próximos plenamente capazes, nem outros da lista legal. Mesmo
e a té porque, a não menção do companheiro ao lado do cônjuge no inciso II do
artigo 1.768 do Código Civil de 2002 afigura-se-nos possa ser tributado à
desatenção do legislador, pois mais adiante, no artigo 1.775, verberou que “o
cônjuge ou companheiro, não separado judicialmente ou de fato, é, de direito,
curador do outro, quando interdito”. Ora, se pode ser curador, evidente que
também tem legitimidade para pleitear a interdição. Em suma, nada obsta
outorgar-se ao companheiro a legitimidade para requerer a interdição (Neste
sentido: JTJ 235/108).
Informações Sobre o Autor
Alex Sandro Ribeiro
Advogado, Escritor e Consultor.
Pós-Graduado em Direito Civil pelo uniFMU.
Membro do IV Tribunal de Ética da OAB/SP.
Autor dos livros Ofensa à Honra da Pessoa Jurídica e
Arrematação e Adjudicação de Imóvel: Efeitos Materiais.
Autor de dezenas de artigos e trabalhos publicados.
Consultor especializado em ME e EPP.