A aplicabilidade do princípio da prioridade absoluta sob a ótica da lei de responsabilidade fiscal

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Resumo: Este artigo científico tem por objetivo demonstrar a possibilidade de se aplicar o princípio constitucional da prioridade absoluta, destinada às crianças e aos adolescentes, mesmo diante das normas preestabelecidas na lei de responsabilidade fiscal, que dentre outros, limita a forma de utilização do dinheiro público para gastos com a folha de pagamento. O tema se mostra interessante porque põe por terra o discurso que os gestores da máquina pública apresentam se respaldando nesta lei para se escusarem de fazer destinação de verbas à programas que garantem o cumprimento do sobredito princípio. Após explanação do tema, verificar-se-á que estas matérias são correlatas e exatamente em atenção à lei de responsabilidade civil consegue-se dar vida ao princípio da prioridade absoluta.

Palavras-chave: Criança. Adolescente. Responsabilidade Fiscal. Prioridade Absoluta.

Introdução

Este estudo busca demonstrar que a legislação que trata da forma adequada e bem direcionada de se gastar o dinheiro público, a lei de responsabilidade fiscal, veio para demonstrar e otimizar o modo mais eficiente de se gastar o erário, colocando um ponto final nos gastos descontrolados do dinheiro público em contratações desnecessárias e salários exorbitantes.

Não obstante a lei ter sido precursora desta nova forma de se administrar os gastos com pessoal, o que antes era o principal motivo utilizado pelo gestor da coisa pública como desculpa esfarrapada para não implementar os serviços de alta relevância, este estudo tem por finalidade demonstrar o impacto desta lei sobre o âmbito do principio constitucional da prioridade absoluta, garantido às crianças e aos adolescentes, que a partir daí faz-se concretizar o que está preconizado e estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Para tanto, o tema será exposto inicialmente sob a ótica, e com alguns esclarecimentos, do princípio constitucional da Prioridade Absoluta, e, num segundo tempo, sob a ótica, também com alguns esclarecimentos, da Lei de Responsabilidade Fiscal, momento no qual se fará a abordagem quanto ao dever constitucional e infraconstitucional dado ao Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente de deliberar sobre quais seriam as políticas de relevância na área infantojuvenil, mais especificamente sob a esfera municipal deste Conselho. 

Desenvolvimento

Aspectos do Princípio Constitucional da Prioridade Absoluta

Cabe iniciar demonstrando que o princípio da Prioridade Absolta está previsto no artigo 227 da Constituição Federal.

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. (grifei).

Ainda dando abertura ao tema, necessário se faz conceituar a expressão “Prioridade Absoluta” e para isso uma simples norma de hermenêutica gramatical delimita. Segundo o saudoso Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, em sua imortal obra "Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa”:

“PRIORIDADE: 1. Anterioridade. 2. Preferência conferida a alguém, relativamente ao tempo de realização do seu direito, com preterição do de outros.

ABSOLUTA: 1. Que não é relativo. 2. Independente, único.3. Que não tem peias nem restrições. 4. Que é único ou forma sozinho um elemento. 5. Imperioso”.

Para concretizar e dar vida ao princípio constitucional o artigo 4°, parágrafo único, alíneas “a”, “b”, “c” e “d” do Estatuto da Criança e do Adolescente especificou no que compreende a Prioridade Absoluta:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude”. (grifei)

Os comandos legais acima citados são claros e nos leva a entender que a discricionariedade que tem o administrador e apenas quanto a forma que ele escolherá para implantar a política pública voltada ao atendimento das crianças e dos adolescentes, ou seja, o gestor deverá, sempre, priorizar a implantação de equipamentos que atenda ao público infantojuvenil, no entanto ele terá discricionariedade ao fazê-lo, por exemplo, sabemos que a educação é um dos pilares da garantia dos direitos da criança e do adolescente, logo o administrador público é obrigado a construir espaços educacionais, entretanto o local onde ele irá construir ele é quem irá decidir, levando em conta, entre outros, a demanda.

Após bem apontados os comando legais principais que tratam da Prioridade Absoluta vamos agora explanar o tema.

A política do atendimento à criança e ao adolescente deverá ser prioritariamente municipalizada, ou seja, será o gestor municipal, o prefeito, juntamente com seus secretários, quem irá implantar a política de atendimento ao público infantojuvenil, não podendo com isso, esquivar-se, sob qualquer pretexto, inclusive o financeiro, de estar impossibilitado de fazê-lo.

No entanto a lei conferiu aos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, em todos os níveis, municipal, estadual e Federal, a competência para deliberar quanto às políticas públicas voltadas à criança e ao adolescente, que tem prioridade na execução, como decorrência nada menos que do princípio constitucional da Prioridade Absoluta e, também, de controle das ações do administrador público encarregado de sua implementação.

A competência do CMDCA é uma prerrogativa constitucional e, sendo assim, o Conselho deliberará através de resoluções e estas são vinculativas, ou seja, o administrador público, ao decidir o que será privilegiado na lei orçamentária terá que primeiramente observar o que foi deliberado pelo Conselho de Direitos da Criança e do adolescente e, o que foi previsto na resolução do CMDCA, certamente terá que está contemplado no orçamento. Logo, podemos concluir que o chefe do poder executivo não é que decide sozinho qual política irá implantar ou implementar na lei orçamentária.

A propósito, oportuno mencionar que quando se fala em "discricionariedade", deve-se ter em mente que mesmo esta é relativa, na medida em que deve ser ela exercida dentro dos parâmetros estabelecidos pela Lei e, em especial, pela Constituição Federal, que como já faladao, determinam sejam crianças e adolescentes destinatárias da mais absoluta prioridade por parte do Poder Público. 

Citando Celso Antônio Bandeira de Mello:

"Uma distinção clara entre a função  e a faculdade ou o direito que alguém exercita em seu prol. Na função, o sujeito exercita um poder, porém o faz em proveito alheio, e o exercita não porque acaso queira ou não queira. Exercita-o porque é um dever. Então, pode-se perceber que o eixo metodológico do direito público não gira em torno da idéia de poder, mas gira em torno da idéia de dever. (…)Conscientizando-se dessas premissas, constata-se que deste caráter funcional da atividade administrativa, desta necessária submissão da administração à lei, o chamado poder discricionário, tem que ser simplesmente o cumprimento do dever de alcançar a finalidade legal, ou seja, sempre e sempre o bem público, o interesse comum".  

Assim sendo, o Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, ao ditar as medidas a serem tomadas pelo administrador público e este, ao cumprir as respectivas deliberações, não têm outra alternativa além de priorizar a criança e o adolescente em suas ações, inclusive sob pena da prática de crime e de ato de improbidade administrativa, na forma do previsto no art.11 da Lei nº 8.429/92, neste último caso importando na perda da função pública e na suspensão dos direitos políticos de 03 (três) a 05 (cinco) anos, como dispõe o artigo12, inciso III da Lei nº 8.429/92. 

Dado mandamento constitucional da Prioridade Absoluta à criança e ao adolescente, portanto, não há, quer por parte do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, quer por parte do administrador público, a "opção" de privilegiar outra área, a começar pelo orçamento público, além da infanto-juvenil. 

Aspectos da Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei Complementar 101/00

Estabeleceu-se, assim, uma nova forma de governar, que pressupõe a participação direta de representantes da sociedade civil organizada nas decisões de Estado, num típico exemplo de democracia participativa, como disposto no artigo 1º, parágrafo único, in fine, da Constituição Federal, pois afinal, "todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição".

Sendo assim, fica claro que a lei de responsabilidade fiscal guarda consonância também com o princípio constitucional da transparência administrativa, que significa que as leis orçamentárias devem ser divulgadas de forma clara e precisa, possibilitando o controle social, que neste caso também pode e deve ser feito pelo Ministério Público e, até mesmo, pelo próprio Conselho de Direitos.

Insta salientar que as decisões quanto a quais políticas públicas irão se implantar não compete apenas ao gestor, ao contrário, o gestor colocará em prática o que for deliberado pelos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, que cabe ressaltar, é órgão composto por representantes da sociedade civil, ou seja, cidadãos, e por representantes governamentais, como prepondera o artigo 227, 7º combinado com artigo 204, ambos da Constituição Federal, juntamente com o artigo 88, inciso II, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Nesse contexto, não restam dúvidas que os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, assim como os administradores públicos em todos os níveis de governo, estão pela lei e, acima de tudo, pela Constituição Federal, obrigados a destinarem a crianças e adolescentes a mais absoluta prioridade em seus planos e ações de governo, devendo fazer constar do orçamento público a previsão de recursos suficientes à implementação de programas de atendimento nos moldes do previsto nos arts.90, 101, 112 e 129, todos da Lei nº 8.069/90, de modo a atender as demandas específicas existentes, cabendo aos operadores do Sistema de Justiça da Infância e Juventude, notadamente ao Ministério Público[16] e Poder Judiciário, zelarem pelo cumprimento desse verdadeiro imperativo constitucional. 

Conclusão 

Por tudo exposto, observa-se que há consonância entre o princípio da prioridade absoluta e a lei de responsabilidade fiscal, sendo impertinente e inoportuna quaisquer justificativa apresentada pelo gestor visando escusar o estrito cumprimento a obrigatoriedade de sempre considerar o princípio da prioridade absoluta na formulação das políticas públicas.

O gestor que tem como norte uma forma de gestão voltada à aplicação dos princípios constitucionais administrativos, bem assim ao princípio da Prioridade Absoluta garantida às crianças e aos adolescentes não se enfraquecem diante da lei de responsabilidade civil, muito ao contrário, se empoderam quanto a sua atribuição e competência, fazendo se cumprir os ditames legais constitucionais.

Observa-se que a fiscalização dos gastos com o erário, fiscalização de todo processo, zelo pela implementação, manutenção e ampliação de estruturas de atendimento à crianças, aos adolescentes e às famílias, assim como dispõe os artigos 90, 101, 112 e 129, do Estatuto da Criança e do Adolescente, compete a todos cidadãos, ao Tribunal de Constas, ao Ministério Público, que neste último caso deve ser intolerante com aqueles que desrespeitam os direitos conferidos à população infanto-juvenil a um tratamento prioritário e em regime de Prioridade Absoluta, constitucionalmente garantido. 

 

Referências
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Dicionário Aurélio on line.
Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069 de 13 de julho de 1990.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo, Malheiros, 2004.
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Discricionariedade e Controle Judicial. São Paulo, Malheiros, 2010.
PASCOAL, Valdecir Fernandes. Direito Financeiro e Controle Externo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006

Informações Sobre o Autor

Ellem Cristina Rocha Fonseca Bowen

Analista em Direito da Coordenadoria Regional das Promotorias de Justiça de Defesa da Educação e dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes – Macrorregião Vale do Rio Doce. Especialista em Direito do Trabalho, pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce, e em Direito Administrativo, pela UCAMPROMINAS


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