Resumo: A mudança no direito é um fenômeno corriqueiro, mas que, aparentemente, necessita de estudos mais aprofundados. Por isso, buscamos na Teoria Tridimensional do Direto de Miguel Reale uma forma de melhor explicar como ocorre e/ou como deve ocorrer uma mudança no mundo jurídico. Para desenvolver o presente trabalho, utiliza-se como suporte teórico principal a obra de Miguel Reale. Por isso, foi necessária a realização de uma pesquisa de cunho eminentemente bibliográfico das obras do autor supracitado, que nos levou a ter uma perspectiva sobre o que pensa o filósofo paulista em relação a nosso tema.
Palavras-chave: Teoria Tridimensional do Direito. Mudança no Direito. Miguel Reale.
Abstract: The change in law is a common phenomenon, but apparently requires further study. For this reason, we look for Miguel Reale's Three-Dimensional Theory of Law as a way to better explain how a change in the legal world must occur. In order to develop the present work, the main theoretical support is the work of Miguel Reale. Therefore, it was necessary to carry out an eminently bibliographical research on the works of the above-mentioned author, which led us to have a perspective on what the philosopher thinks about our theme.
Keywords: Three-dimensional theory of Law. Change in law. Miguel Reale.
Sumário: Introdução. 1 As Teorias Tridimensionais do Direito. 2 A Teoria Tridimensional Específica Dialética (Dinâmica ou Concreta) de Miguel Reale. 2.1 A Dialética da Complementaridade – Polaridade. 2.2 Dos elementos do Direito. 2.2.1 Dos fatos. 2.2.2 Dos valores. 2.2.3 Das normas. 3 Como ocorrem as mudanças no Direito segundo a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale. 4 Considerações finais. Referencias.
Introdução
A percepção de que o direito se modifica durante o decorrer do tempo, sempre foi algo inquietante. Por que o direito muda? Como há essa mudança? Quando se deve modificar o direito? Qual a forma correta de trazer inovações e novas respostas ao direito?
Claramente tais questões não podem ser respondidas por meio de apenas um artigo, sem levar em consideração todo o estado da arte sobre o tema, e ser objeto de aprofundadas reflexões. Dessa forma, o presente é apenas uma parte de um objetivo mais abrangente: o estudo de como ocorrem e como devem ocorrer as mudanças no direito.
Para responder a esta pergunta maior, portanto, resolvemos estudar e apresentar o resultado desses estudos na forma de pequenos artigos, de maneira a demonstrar como alguns teóricos notam as transformações no mundo jurídico. Assim, este trabalho cuidará de como Miguel Reale e a Teoria Tridimensional do Direito vêm esse fenômeno.
A escolha deste Autor não é aleatória. Embora se tenha, na atual conjuntura da ciência jurídica uma grande rede de pensadores que tratam do tema – o que é o direito? A Teoria Tridimensional do Direito sempre foi muito valiosa por possibilitar um estudo multifacetado, que, aparentemente, é capaz de proporcionar uma visão do direito mais abrangente sobre diversas perspectivas que podem ser de grande valia para quem estuda o direito.
Isso porque, são essas perspectivas que unidas formam o próprio conceito de Direito realeano. “O Direito é uma integração normativa de fatos segundo valores” (REALE, 1994, p. 97), diz o Autor de nosso estudo. E é essa capacidade de tratar da perspectiva fática, axiológica e normativa do direito que chama a atenção da teoria por ele desenvolvida.
Dessa maneira, o presente artigo tem dois objetivos principais. Primeiro, o de apresentar da Teoria Tridimensional do Direito desenvolvida por Miguel Reale, através de uma breve exposição sobre sua história e sobre seus principais conceitos. Segundo, o de demonstrar como Reale e sua Teoria Tridimensional analisam e explicam as mudanças que ocorrem no mundo jurídico.
Obviamente, por se ter a consciência de que a Teoria Tridimensional de Reale é bastante complexa e abrangente, não se pretende fazer uma análise exaustiva e completa do referido paradigma. Por isto, expõem-se, apenas, os conceitos básicos necessários para a compreensão desta, e, com isto, analisa-se o problema do presente estudo. Ao mesmo passo, não se tem como ambição tecer críticas ou considerá-la como verdadeira em absoluto, mas, apenas, utilizá-la como ferramenta de uma melhor compreensão do fenômeno analisado.
Por isto, o primeiro capítulo cuida das diferentes Teorias Tridimensionais do Direito que já se apresentavam na ciência jurídica antes mesmo de Miguel Reale assumir sua postura Tridimensional e propor a sua.
O segundo capítulo tratará da Teoria Tridimensional do Direito Específica Dinâmica, a classificação pela qual Miguel Reale faz de sua própria teoria. Nele trabalharemos o conceito de dialética da complementariedade, dos fatos, dos valores e das normas.
O terceiro capítulo, por fim, falará das mudanças oriundas no direito segundo a perspectiva da Teoria Tridimensional do Direito realeana.
O presente artigo se desenvolve por meio de pesquisa bibliográfica, com ênfase nas seguintes obras de Miguel Reale: Filosofia do Direito (1999), Lições Preliminares do Direito (2004) e Teoria Tridimensional do Direito (1994), além de artigos por ele publicados.
1 As Teorias Tridimensionais do Direito
Há muito vêm, os estudiosos, em busca de métodos e conceitos que possam ajudar a definir o Direito e explicar como se dá a experiência jurídica. Dentre os diversos modelos teóricos existentes que cuidam deste problema, se encontra a teoria tridimensional do direito. Esta se propõe a definir o direito e, ao mesmo tempo, apresentar um método próprio de obtenção de conhecimento para a ciência jurídica.
Para os teóricos tridimensionalistas, o direito só pode ser percebido em sua concretude quando o estudioso compreender que no fenômeno jurídico há sempre três elementos, também chamados de “momentos” ou “perspectivas”: o fato, o valor e a norma. É o que sintetiza a chamada fórmula Reale: “o Direito é uma integração normativa de fatos segundo valores” (REALE, 1994, p. 97).
Por meio das teorias tridimensionais, os teóricos, que a seguem, buscam a superação das posições vistas por eles como “unilaterais” ou “parciais” do direito, tais como o normativismo jurídico abstrato, eticismo jurídico e empirismo jurídico (REALE, 1999). Por isto, diz Reale (1994, p. 119): “Direito não é só norma, como quer Kelsen. Direito não é só fato como rezam os Marxistas, ou os economistas do Direito, porque Direito não é economia. Direito não é produção econômica, mas envolve a produção econômica e nela interfere; o Direito não é principalmente valor, como pensam os adeptos do Direito Natural tomista, por exemplo, porque o Direito é ao mesmo tempo norma, fato e valor”.
Segundo os tridimensionalistas, quem se apega às correntes reducionistas e só consegue focar seus estudos a um aspecto do que seria o direito, terá sempre uma visão parcial do problema, e também, parcial será a sua solução.
Quanto a isto, argumenta Miguel Reale (1994, p. 11) que “quem assume, porém, uma posição tridimensionalista, já está a meio caminho andado da compreensão do direito em termos de experiência concreta, pois até mesmo quando o estudioso se contenta com a articulação final dos pontos de vista do filósofo, sociólogo e do jurista, já está revelando salutar repúdio a quaisquer imagens parciais ou setorizadas, com reconhecimento da insuficiência das perspectivas resultantes da consideração isolada do que há de fático, de axiológico ou ideal ou de normativo na vida do Direito”.
Segundo Reale (1994), é possível encontrar, em diversas literaturas da ciência jurídica ocidental, vestígios da percepção da estrutura tríade do direito[1]. No entanto, a teoria tridimensional somente começou a se formar a partir do entendimento de que os objetos das ciências jurídicas (sociologia jurídica, jurisprudência, filosofia do direito) deveriam ser estudados em conjunto.
Reale divide a escola tridimensionalista em dois grupos: (I) os da tridimensionalidade genérica (abstrata) e (II) os da tridimensionalidade específica, sendo que, a seu ver, “[…] só cabe à segunda a qualificação de teoria, por não se limitar ao exame de problemas metodológicos” (REALE, 2005, p. 1).
Segundo a teoria genérica (abstrada), traçada por Radbruch, e seguida por vários autores, como Carlos Cossio, Garcia Maynez e Recasens Siches, “o Direito pode, em suma, ser estudado seguindo três pontos de vista distintos, o fato, o valor e a norma” (REALE, 2005, p. 2). Por sua vez a teoria específica, entende que o Direito só pode ser visto pelos três fatores em conjunto[2], sem divisões. Segundo esta posição, “o Direito é sempre tridimensional, quer o estudo seja sociológico, filosófico ou científico positivo” (REALE, 2005, p. 2).
Para melhor nos explicar a diferença entre as duas teorias, Reale nos propõe a seguinte metáfora.
Para quem pensa de acordo com a teoria tridimensional genérica, o Direito seria como um bolo dividido em três sabores ou finalidades complementares, a factual, a axiológica e a normativa. No entanto, para quem pondera em consonância com a Teoria Tridimensional Específica, o Direito seria como um bolo com sabor necessariamente trino, sendo sempre factual, axiológico e normativo, e não um bolo dividido em fatias, cada uma delas com propriedades próprias (REALE, 2005, p. 3).
Ocorre que a Teoria Tridimensional Específica pode ser ainda estática ou dinâmica (concreta).
A primeira percepção, chamada de estática por Reale, é representada principalmente pelo pensador W. Sauel. Este, “[…] apresenta um caráter mais estático ou descritivo” (REALE, 1994, p. 48) do que é o direito. “Não nos explica, com efeito, como é que os três elementos se integram em unidade, nem qual o sentido de sua interdependência no todo. Falta a seu trialismo, talvez em virtude de uma referibilidade fragmentada ao mundo infinito das ‘mônadas de valor’, falta-lhe o senso de desenvolvimento integrante que a experiência jurídica reclama” (REALE, 1999, p. 542).
A segunda corrente, chamada por vezes de dinâmica, concreta ou dialética, “resulta de uma apreciação inicial da correlação existente entre fato, valor e norma no interior de um processo de integração, de modo a abranger, em unidade viva, os problemas do fundamento, da vigência e da eficácia do Direito.” (REALE, 1999, p. 515).
É Miguel Reale quem melhor irá desenvolver a Teoria Tridimensional Específica Dialética. Com o intuito de melhor apresentá-la, passa-se a explanar sobre ela em seção própria.
2 A Teoria Tridimensional Específica Dialética (Dinâmica ou Concreta) de Miguel Reale
Como já se pode perceber, Miguel Reale apresenta à Teoria do Direito uma Teoria Tridimensional própria. Sendo a dialética da complementaridade, o principal conceito que o diferencia dos demais tridimensionalistas. Ela será o liame condutor que une todos os elementos e é de fundamental importância para entendermos a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale.
Por isso, nesse capítulo começaremos a explicar o que é a dialética da complementaridade, para somente em seguida adentramos nos conceitos de cada um dos elementos formadores do direito.
2.1 A Dialética da Complementaridade – Polaridade
Conceito fundamental para entendimento da Teoria Tridimensional proposta por Reale é o da dialética da complementaridade, pois, é por meio dela que o ser cognoscente deverá interpretar e perceber a relação entre os três elementos do direito, sempre de forma dinâmica e reconhecendo as implicações existentes entre cada um dos elementos.
Assim sendo, primeiramente, cumpre explicar que tipo de dialética Miguel Reale está tratando. Isto porque, como explica Reale (2003, p. 1), “[…] de Platão a Aristóteles, dos estóicos a Sartre, passando por Hegel e Marx, a palavra dialética teria as mais contrastantes acepções, entendida como forma de conhecimento da verdade […]”, sendo importante pensarmos a dialética como um “[…] processo de ideias ou de princípios que se contrapõem a respeito de determinado tema. No fundo, o fulcro de seu entendimento é a concordia/discórdia que nos faz vislumbrar uma verdade ou uma conjetura em seu processo de realização” (REALE, 2003, p. 2).
O processo dialético passou a ter uma grande notoriedade, sobretudo nas ciências humanas, com o desenvolvimento de Hegel e Marx. No entanto, a fonte da qual Miguel Reale retira o fundamento da dialética por ele trabalhada vem de origem da física com Niels Bohr (REALE, 2003).
Diferentemente do que prega a dialética hegeliana, para Reale, os elementos que formam o direito não se reduzem uns aos outros para formar um terceiro distinto – tese e antítese formando sínteses –, mas, sim, os elementos se implicam entre si, relacionam-se, modificam-se, mas não perdem a sua unidade. Em suma, “[…] os elementos em contraste não se fundem, mas, ao contrário, se correlacionam, mantendo-se distintos” (REALE, 2003, p. 3).
Assim como nêutrons, elétrons e prótons não se excluem para formar um átomo, podendo cada um existir separadamente, os fatos, valores e normas não se excluem para formar o direito, podendo, também, existirem separadamente. No entanto, é quando nêutrons, elétrons e prótons se relacionam, implicando-se entre si que se constitui um átomo. Do mesmo modo é quando fato, valor e norma se implicam, relacionam-se, formando-se um todo, que chagamos ao Direito.
Em consequência disto, os elementos do direito, nas palavras de Reale (2004, p. 67), “[…] se correlacionam de tal modo que cada um deles se mantém irredutível ao outro (polaridade), mas se exigindo mutuamente (implicação) o que dá origem à estrutura normativa como momento de realização do Direito”.
Assim, não é que o fato, o valor e a norma deixam de existir para que juntos formem um novo elemento chamado direito, como seria na dialética hegeliana. Em verdade, o fato, o valor e a norma, juntos, porém sem deixar de existirem como unidade separada, ao relacionarem-se entre si, formam um fenômeno chamado direito. E isso jamais deverá deixar de ser considerado quando formos tratar do Direito.
Dessa forma, entendendo a maneira que se relacionam os elementos do Direito, é possível perceber o porquê de se tratar de uma dialética da complementaridade, haja vista que o próprio conceito de dialética tratado por Reale trazem em si a necessidade de que esses elementos se complementem ao relacionarem entre si para formar outro fenômeno: o Direito.
Firmado o conceito de dialética da complementaridade, que é marco distintivo e conceito fundamental da Teoria Tridimensiona Específica Dinâmica, é necessário aprofundar um pouco mais sobre o que é cada elemento do direito para Reale, a fim de demonstrar o conceito de cada um e possibilitar uma melhor compreensão sobre o tema.
2.2 Dos elementos do Direito
Neste capítulo, passaremos à explanação de cada um dos elementos do Direito que, por opção metodológico-didática, encontram-se separados na exposição. No entanto, não se pode esquecer que nenhum deles pode ser analisado de forma separadas dos demais, e, por isso, durante a exibição de cada elemento é demonstrada a relação (implicação) existente entre cada um deles.
2.2.1 Dos fatos
O fato é qualquer evento que ocorra no mundo. Durante a história humana, Reale (1999, p. 500) estima que “o Direito primeiro foi vivido como fato”, e, somente depois de um longo processo de diferenciação é que se construiu o se chama hoje de Direito (REALE, 1999). A relação entre o direito e o fato, também, origina-se da relação em que há entre o direito e a sociedade. Nestes termos, lembra Reale (2004, p. 2): “O Direito é, por conseguinte, um fato ou fenômeno social; não existe senão na sociedade e não pode ser concebido fora dela. Uma das características da realidade jurídica é, como se vê, a sua socialidade, a sua qualidade de ser social”.
Tão forte é a correlação entre fatos e direito, que “[…] onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e necessariamente, um fato subjacente (fato econômico, geográfico, demográfico, de ordem técnica, etc.)” (REALE, 2004, p. 65), que vem fundamentar o direito.
No entanto, este forte encadeamento pode levar ao equívoco de pensar que todo fato é fato jurídico, tal como fizeram os juristas da Escola neo-empirista (REALE, 2004). Alerta Reale (2004, p. 199) que é verdade que “o Direito, segundo uma velha lição que vem dos romanos, nasce do fato: ex facto oritur jus”, mas, “quem pensa que o Direito provém do fato, assim como uma lei física resulta de uma experiência realizada em laboratório, engana-se redondamente” (REALE, 2004, p. 199).
Isto porque, segundo o autor, o Direito se origina do fato, porque, sem que haja um acontecimento ou evento, não há base para que se estabeleça um vínculo de significação jurídica. Isto, porém, não implica a redução do Direito ao fato, tampouco em pensar que o fato seja mero fato bruto, pois os fatos, dos quais se origina o Direito, são fatos humanos ou fatos naturais objeto de valorações humanas (REALE, 2004, p. 200).
Por isto, para que o fato passe a ser jurídico é preciso que haja outros elementos capazes de lhe dar esta característica, afinal, “o fato é dimensão essencial do Direito, mas, tal como a teoria tridimensional o reconhece, só é uma de suas dimensões” (REALE, 2004, p. 201).
Neste momento, a norma jurídica exerce um importante papel de definir o que é ou não fato jurídico, isto, pois, “[…] fato jurídico é todo e qualquer fato, de ordem física ou social, inserido em uma estrutura normativa” (REALE, 2004, p. 200).
É preciso perceber que fato jurídico é, também, “[…] todo e qualquer fato que, na vida social, venha a corresponder ao modelo de comportamento ou de organização configurado por uma ou mais normas de direito” (REALE, 2004, p. 201). É na norma que se encontra a dupla representação do fato, pois, “o Direito nasce do fato e ao fato se destina” (REALE, 2004, p. 201). O fato está, ao mesmo tempo, no início e no fim do direito. No início, como fato-tipo, previsto na regra, e como fato concreto, no momento de sua aplicação (REALE, 2004).
Tanto assim o é que “[…] o fato, numa estrutura normativa, dá origem ao fato jurídico, mas também pode pôr termo a ele, como acontece, por exemplo, com a morte, que extingue a relação jurídica penal” (REALE, 2004, p. 201), bem assim, ocorre na seara cível em que os fatos modificam a relação jurídica, podendo eles ser constitutivos, extintivos e modificativos (REALE, 2004).
Assim sendo, o fato, por conseguinte, pode ser visto como elemento de mediação entre os dois elementos que compõem a regra de direito: entre a previsão que há nesta de um fato-tipo, e o efeito que ela atribui à ocorrência ou não do fato genericamente previsto (REALE, 2004, p. 201).
Se por um lado é forte a relação existente entre fato jurídico e a norma jurídica, não é diferente a implicação que o valor possuir diante do fato. Em todo momento o direito “[…] ordena normativamente fatos segundo valores, ou correlaciona valores a fatos segundo normas, o que significa que não pode dispensar o prisma do valor, na apreciação dos fatos sociais abrangidos por normas jurídicas” (REALE, 2004, p.29).
Isto porque, antes do fato tornar-se jurídico o corpo social faz uma seleção de quais comportamentos são valiosos, para então, por meio da norma, selecionar “[…] comportamentos não só valiosos, mas obrigatórios” (REALE, 2004, p. 29), o convertendo em jurídico.
Como bem lembrado por Reale (2004, p. 285), “[…] cada fenômeno social – diz Gény – já traz em si mesmo, no seu próprio desenvolvimento, a razão de ser de sua norma”. Não podendo haver Direito sem fato, o fenômeno para ser jurídico precisa ter existido (suporte fático) e ter chances de novamente existir. É preciso que tenha ocorrido o homicídio para que incida as penas sobre o agente, é preciso que tenha sido firmado o contrato para que este provoque seus efeitos, que se tenha celebrado o casamento, que sejam emitidas letras de câmbio, etc.
Nesse sentido Reale (2004, p. 258) afirma: Direito, não destinado a converter-se em momento de vida, é mera aparência de Direito. Norma de direito que enuncia uma possibilidade de fazer ou de pretender algo, sem que jamais surja o momento de sua concretização na vida dos indivíduos e dos grupos como ação ou pretensão concretas, é uma contradição em termos.
2.2.2 Dos valores
O segundo elemento aqui trabalhado é o valor. De acordo com Reale (1999) o valor é um elemento do direito impossível de se conceituar. Isto ocorre porque ele foge das nossas capacidades de formulações lógico-formais. Trata-se “[…] de uma impossibilidade absoluta de mensuração. Não se numera, não se quantifica o valioso” (REALE, 1999, p. 187). Por isto, Reale busca os ensinamentos de Lotze, afirmando que “do valor se pode dizer apenas que vale. O seu ‘ser’ é o ‘valer’” (REALE, 1999, p. 187).
Em verdade, o valor acaba funcionando como uma espécie de lente que possibilita enxergar outra face da realidade, “[…] ou vemos as coisas enquanto elas são, ou as vemos enquanto valem; e, porque valem, devem ser” (REALE, 1999, p. 188).
Neste sentido, “ser e dever ser são como que olho esquerdo e olho direito que, em conjunto, nos permitem ‘ver’ a realidade, discriminando-a em suas regiões e estruturas, explicáveis segundo dois princípios fundamentais, que são o de causalidade e o de finalidade” (REALE, 1999, p. 188).
No mundo jurídico, o referido Autor parte da ideia de que toda regra de direito visa um fim, e, por isto, o entendimento da pluralidade e complexidade dos valores é essencial para se entender a realidade jurídica. Por isto, “utilidade, tranquilidade, saúde, conforto, intimidade e infinitos outros valores fundam as normas jurídicas. Estas normas, por sua vez, pressupõem outros valores como o da liberdade (sem o qual não haveria possibilidade de se escolher entre valores, nem a de se atualizar uma valoração in concreto) ou os da igualdade, da ordem e da segurança, sem os quais a liberdade redundaria em arbítrio” (REALE, 2004, p. 375).
Não obstante esta dificuldade de se conceituar o que seria um valor, Reale nos apresenta algumas características deste fundamental elemento do direito.
Primeiramente, todo valor é bipolar internamente. Somente existe um valor porque existe também um desvalor. Só se pode dizer que algo é bom, porque sabemos que existe algo que não o é. Em outras palavras, “[…] o bom se contrapõe o mau; ao belo, o feio; ao nobre, o vil; e o sentido de um exige o do outro. Valores positivos e negativos se conflitam e se implicam em processo dialético” (REALE, 1999, p. 189).
Essa dialeticidade de opostos é o que traz dinamicidade ao mundo jurídico. Lembra Reale (1999, p. 189), “não é por mera coincidência que existe sempre um autor e um réu, um contraditório no revelar-se do direito”. Há sempre “[…] o ‘direito’ e o ‘torto’, o ‘lícito’ e o ‘ilícito’” (REALE, 1999, p. 189). “A vida jurídica é uma luta incessante contra a transgressão legal e o delito, para salvaguarda de bens e de valores” (REALE, 199, p. 201).
Desta forma, “o direito tutela determinados valores, que reputa positivos, e impede determinados atos, considerados negativos de valores: até certo ponto, poder-se-ia dizer que o direito existe porque há possibilidade de serem violados os valores que a sociedade reconhece como essenciais à convivência” (REALE, 1999, p. 189).
Se por um lado, internamente os valores são bipolares, externamente eles se apresentam como polares, implicam-se, influenciam-se uns aos outros. Dessa maneira, “[…] nenhum deles se realiza sem influir, direta ou indiretamente, na realização dos demais” (REALE, 1999, p. 189).
A justiça, por exemplo, é um valor que embora tenha em si a bipolaridade do justo/injusto, ela é, dentre os valores, “[…] a condição primeira de todos eles, a condição transcendental de sua possibilidade como atualização histórica. Ela vale para que todos os valores valham” (REALE, 2004, p. 375). O valor do “bom” não escapa da valoração do justo/injusto, o útil não pode ser alheio ao seguro/inseguro. A própria justiça, condicionante “[…] de todos os valores jurídicos, funda-se no valor da pessoa humana, valor-fonte de todos os valores” (REALE, 2004, p. 377), e assim sucessivamente.
Essa polaridade existe também entre o valor e o fato. “Todo valor contrapõe-se ao já dado, ou seja, ao que se apresenta como mero fato aqui e agora, como algo já realizado: o valor, em suma, contrapõe-se ao fato, não se reduz jamais ao fato. Ao mesmo tempo, porém, todo valor pressupõe um fato como condição de sua realizabilidade, embora sempre o transcenda” (REALE, 1999, p. 190).
A terceira característica apresentada é a referibilidade, a necessidade de que para o valor existir já exista algo que lhe dê sentido. Importante lição nos traz Reale (1999, p. 209), com as palavras de Scheler: “Só as pessoas, podem ser (originariamente) boas ou más; e tudo o mais é bom e mau unicamente em relação com as pessoas”. Em outras palavras, “tudo aquilo que vale, vale para algo ou vale no sentido de algo e para alguém” (REALE, 199, p. 190).
Somente o homem é capaz de valorar[3], de dar sentido a algo, e, portanto, dar valor. Assim, só há valor porque há o homem para distinguir se algo é bom ou ruim, ou se é bom ou ruim para determina ocasião, ou para determinado fim, por exemplo. Por isto a realidade dos valores é tão próxima com a realidade da humanidade. Afirma Reale (2004, p. 26), “[…] a vida humana é sempre uma procura de valores. Viver é indiscutivelmente optar diariamente, permanentemente, entre dois ou mais valores. A existência é uma constante tomada de posição segundo valores […]. Viver é, por conseguinte, uma realização de fins”.
É graças a essa característica do valor que ele é sempre um vetor que faz mover todo o mundo jurídico. Por isto, reconhece Reale (1999, p. 190) que “os valores são entidades vetoriais, porque apontam sempre para um sentido, possuem direção para um determinado ponto reconhecível como fim”.
Ocorre que o mundo, por possuir uma infinidade de valores, faz com que o homem seja obrigado a optar por algum valor em detrimento de outros. Disso surgem duas outras características do valor: a preferibilidade e a hierarquia.
É necessário que quando posto diante de dois valores, que não podem ser escolhidos (vividos) em conjunto, o homem tenha em mente qual deles deve prevalecer em sua escolha. A liberdade ou a legalidade? O conforto ou o justo? A tranquilidade ou a luta? A confiança ou o prazer? Questões como essas que permeiam o cotidiano de qualquer indivíduo, também estão presentes na vida do direito, e, por isto, o valor possui a “[…] possibilidade de ordenação ou graduação preferencial ou hierárquica, embora seja, como já foi exposto, incomensurável” (REALE, 1999, p. 191).
É preciso ter em mente, também, que todo valor é um valor construído no mundo da cultura, no mundo histórico, por isto, a historicidade é outra característica do valor. A hierarquia, preferibilidade, dos valores muda de acordo com a história. O valor do sacro, por exemplo, não tem atualmente o mesmo poder que tinha na idade média. Por isto, sentencia Reale (1999, p. 207) “o valor não se compreende sem referência à História”. Para o Autor, os valores “[…] constituem-se na História e pela História porque esta é, no fundo, o reencontro do espírito consigo mesmo, do espírito que se realiza na experiência das gerações, nas vicissitudes do que chamamos "ciclos culturais", ou civilizações” (REALE, 1999, p. 206).
Outra qualidade inerente aos valores é a sua objetividade. Embora seja necessário que o valor esteja presente no subjetivo do homem, pela necessidade de se atribuir sentido a ele, o valor é sempre objetivo. Ele não fica apenas no mundo das ideias. Para ser valor ele precisa ser objetivado, transformado em atos e obras no mundo dos fatos. É, em suma, uma tomada de decisão sobre o mundo que o rodeia. “A atitude do jurista implica uma tomada de posição perante os fatos, perante aquilo que na conduta humana se refere a valores” (REALE, 1999, p. 193).
Isto permite distinguir os valores dos objetos ideais, utópicos, porque o valor precisa sair do mundo puramente subjetivo para adentrar-se à realidade, chegar ao mundo dos fatos. Para Reale (1999, p. 207), “entre valor e realidade não há, por conseguinte, um abismo; e isto porque entre ambos existe um nexo de polaridade e de implicação, de tal modo que a História não teria sentido sem o valor: um ‘dado’ ao qual não fosse atribuído nenhum valor, seria como que inexistente”.
Esta capacidade dos valores em se converter em algo no mundo real permite deduzir mais um de seus atributos, a realizabilidade. Os valores “[…] não possuem uma existência em si, ontológica, mas se manifestam nas coisas valiosas” (REALE, 1999, p. 208). É preciso ser possível realizar-se através da conduta humana. Ressalta Reale (1999, p. 207), “um ‘valor’ que jamais se convertesse em momento da realidade, seria algo de abstrato ou de quimérico”.
Mas nem por isto, o valor confunde-se com a realidade, com o fato, pois, “o valor não se reduz ao real, nem pode coincidir inteiramente, definitivamente, com ele: um valor que se realizasse integralmente converter-se-ia em ‘dado’, perderia a sua essência que é a de superar sempre a realidade graças à qual se revela e na qual jamais se esgota” (REALE, 1999, p. 207).
Este não esgotamento do valor demonstra outra característica, sua inexauribilidade. Por mais que o homem realize o valor, ele jamais conseguirá realizá-lo por completo. Por mais justa que seja uma sentença, ela jamais será toda a justiça. Por mais útil que seja um aparelho eletrônico, ele jamais irá conter em si toda a utilidade. Por mais bela que seja uma música, ela jamais será toda a beleza. Isto porque, os valores “[…] representam sempre uma abertura para novas determinações do gênio inventivo e criador” (REALE, 1999, p. 208).
2.2.3 Das normas
A palavra norma, antes de tudo, lembra aquilo que é normal, o que deve ser esperado em uma escala de valores dominantes em uma sociedade (REALE, 2004). É através da tensão oriunda entre fatos e valores que surge a norma (REALE, 1994). A norma pode vir enunciando uma conduta ou uma forma de organização, mas sempre contém um “dever ser” em sua estrutura, mesmo que se utilize o verbo “ser” no texto da norma positiva, ela sempre terá em si o “dever ser”. Reale (2004, p. 95) demonstra isto com o seguinte exemplo: “É certo que a Constituição declara que o Brasil é uma República Federativa, mas é evidente que a República não é algo que esteja aí, diante de nós, como uma árvore ou uma placa de bronze: aquela norma enuncia que ‘o Brasil deve ser organizado e compreendido como uma República Federativa’”.
Assim sendo, “a norma jurídica é sempre redutível a um juízo ou proposição hipotética, na qual se prevê um fato (F) ao qual se liga uma consequência (C), de conformidade com o seguinte esquema: Se F é, deve ser C” (REALE, 2004, p. 93). Desta forma, “a norma jurídica é a integração de algo da realidade social numa estrutura regulativa obrigatória” (REALE, 1994, p. 124), de maneira que sempre que não houver obediência a ela, haverá certo tipo de sanção (REALE, 2004).
No entanto, embora a norma jurídica possua essa estrutura lógica, ela sempre assinalará o “[…] momento de integração de uma classe de fatos segundo uma ordem de valores […]” (REALE, 2004, p. 104).
Como elemento fundamental do Direito e da vida em sociedade, a norma funciona como a “[…] indicação de um caminho, porém, para percorrer um caminho, devo partir de determinado ponto e ser guiado por certa direção: o ponto de partida da norma é o fato, rumo a determinado valor” (REALE, 1994, p. 119).
Nestes termos, “a norma é a forma que o jurista usa para expressar o que deve ou não deve ser feito para a realização de um valor ou impedir a ocorrência de um desvalor” (REALE, 1994, p. 25).
A norma jurídica funciona como importante elemento para o direito e para a significação dos outros dois elementos, “não se pode falar em Direito, no sentido pleno desta palavra, sem se abranger o seu momento essencial de normatividade, pois os fatos sociais só são jurídicos inseridos em um contexto normativo” (REALE, 2004, p. 178).
Ou seja, “sem norma, sem o sentido normativo dos fatos, focados axiologicamente, não há Direito. Donde ser a Ciência do Direito uma ciência normativa, embora ela não estabeleça normas, por ser-lhe próprio apenas determinar em que consiste o significado das disposições produzidas pelas fontes do Direito” (REALE, 2004, p. 178).
Neste ponto é importante frisar que “a norma não fica antes, nem o fato vem depois no raciocínio do juiz, pois este não raro vai da norma ao fato e vice-versa, cotejando-os e aferindo-os repetidas vezes até formar a sua convicção jurídica, raiz de sua decisão” (REALE, 2004, p. 301). Assim ocorre, porque quando levado em consideração pelo intérprete o Direito é sempre uno (REALE, 2004).
Também presente na norma está o valor, pois, “hipoteticidade ou condicionalidade da regra de conduta não tem apenas um aspecto lógico, mas apresenta também um caráter axiológico, uma vez que nela se expressa a objetividade de um valor a ser atingido, e, ao mesmo tempo, se salvaguarda o valor da liberdade do destinatário, ainda que para a prática de um ato de violação” (REALE, 2004, p. 101).
Em outras palavras, a norma possui em si o valor como fundamento. O valor torna-se a “razão de ser da norma, ou ratio júris. Impossível é conceber-se uma regra jurídica desvinculada da finalidade que legitima sua vigência e eficácia” (REALE, 2004, p. 115). Isto porque, “[…] toda regra jurídica, além de eficácia e validade, deve ter um fundamento. O Direito, consoante outra lição de Stammler, deve ser, sempre, ‘uma tentativa de Direito justo’” (REALE, 2004, p. 115).
Assim, tendo sido exposta a compreensão de que o direito é uma integração normativa de fatos segundo valores, bem como a maneira com que tais elementos se relacionam por meio da dialética da complementaridade, torna-se possível uma compreensão suficiente para tratarmos da mudança no Direito.
3 Como ocorrem as mudanças no Direito segundo a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale
Para Reale (2004, p. 14), “o Direito é um fenômeno histórico-social sempre sujeito a variações e intercorrências, fluxos e refluxos no espaço e no tempo”. São essas variações e intercorrências que irão determinar as mudanças no mundo fático, axiológico e normativo.
Para a Teoria Tridimensional do Direito Específica Dinâmica o direito surge quando seus três elementos se encontram e passam a relacionar-se entre si. Primeiro vem o fato, depois o despertar negativo ou positivo de tal fato, chegando-se à síntese da norma que “[…] só ocorre em virtude da interferência de um centro de poder, o qual, diante de um complexo de fatos e valores, opta por dada solução normativa com características de objetividade” (REALE, 1994, p. 141).
Sobre a função do poder na criação normativa, afirma Reale (1994, p. 194) que a seu ver: “não surge a norma jurídica espontaneamente dos fatos e dos valores, como pretendem alguns sociólogos, porque ela não pode prescindir da apreciação da autoridade (lato senso) que decide de sua conveniência e oportunidade, elegendo e consagrando (através da sanção) uma das vias normativas possíveis […] quando falo em Poder, não penso apenas no Poder governamental, pois, através de sucessivas decisões homogênicas o poder Judiciário edita normas jurisprudenciais (ex.: súmulas do Supremo Federal) assim como o Poder social anônimo consagra normas costumeiras ou consuetudinárias. Há ainda o Poder negocial que dá via aos contratos”.
Ou seja, para que haja as mudanças no Direito, não basta que somente ocorram mudanças nos fatos ou na valoração incidentes sobre os fatos, é necessário que haja uma apreciação por parte da autoridade (lato senso) a fim de tornar essa variação apta a entrar no mundo jurídico através da norma. “Deve observar-se que não se sabe qual o maior dano, se o das leis más, suscetíveis de revogação, ou o poder conferido ao juiz para julgar contra legem, a pretexto de não se harmonizarem com o que lhe parece ser uma exigência ética ou social” (REALE, 2004, p. 113).
A fim de ilustração, Reale representa a criação da norma jurídica através da seguinte figura[4]:
Ocorre que depois de posta, a norma passa a sofrer “[…] alterações semânticas, pela superveniência de mudanças no plano dos fatos e valores, até se tornar necessária sua revogação” (REALE, 1994, p. 101).
No entanto, Para Reale (2004), enquanto a Lei não for revogada ou modificada, ela deve ser cumprida e reconhecida a sua supremacia perante a vontade individual, ainda que injusta e iníqua. O que, segundo o Autor, “[…] não impede que se deva procurar neutralizar ou atenuar os efeitos do ‘direito injusto’, graças a processos de interpretação e aplicação” (REALE, 2004, p. 46). Ou seja, na hora da interpretação, para Reale, caso a lei não esteja de acordo com a justiça, poderia, o intérprete, atenuar a injustiça presente na lei”.
Isto seria possível, pois, “[…] o que interessa não é o signo verbal da norma, mas sim a sua significação, o seu ‘conteúdo significativo’, o qual varia em função de mudanças operadas no plano dos valores e dos fatos” (REALE, 2004, p. 169).
No entanto é importante perceber que “[…] a elasticidade do texto tem um limite, além do qual começa o artifício da interpretação, conferindo aos termos uma significação que, a rigor, não lhes corresponde” (REALE, 2004, p. 283). É o que alerta Pontes de Miranda quando “[…] dizia, sabiamente, que a norma jurídica tem certa elasticidade. A norma é elástica. Mas chega um certo momento em que a elasticidade não resiste e a norma se rompe. Logo as variações na interpretação da norma devem ser compatíveis com sua elasticidade” (apud REALE, 1994, p. 127).
Essas mudanças ocorrem por diversos motivos e é natural que ocorram, pois, “o progresso social e, sobretudo, as novas realizações no plano da ciência e da tecnologia isto é, as novas situações fáticas e os novos valores e aspirações que com elas se correlacionam – é o que se costuma denominar ‘impacto da ciência e da tecnologia sobre a sociedade’- determinaram o aparecimento de novos corpos ou sistemas de normas, destinados a disciplinar, de maneira própria, determinadas relações e situações jurídicas” (REALE, 2004, p. 367).
Neste sentido, Reale (2004, p. 6) observa que “as diferentes partes do Direito não se situam uma ao lado da outra, como coisas acabadas e estáticas, pois o Direito é ordenação que dia a dia se renova”.
Assim sendo, a vida do direito poderia ser ilustrada da seguinte maneira:
Fatos e valores criam normas, que buscam modificar/manter determinados fatos e valores. Estes se concretizando ou fracassando implicam a criação de novas normas, que, por sua vez, repetirá o ciclo sucessivamente.
Essencialmente, para “[…] o Direito se atualizar como fato, valor e norma, é preciso tomar estas palavras significando, respectivamente, os momentos de referência fática, axiológica e lógica que marcam o processus da experiência jurídica, o terceiro momento representando a composição superadora dos outros dois, nele e por ele absorvidos e integrados” (REALE, 2004, p. 103-104, grifo do autor).
Considerações Finais
Qualquer pesquisa que se propõe a analisar o direito inclina-se a ser uma proposta carreada de grandes dificuldades, decorrentes da supercomplexidade presente no atual estágio de desenvolvimento da ciência jurídica. Desta maneira, quaisquer tentativas de estudo reducionistas do direito que não levam em consideração seu todo e, ao mesmo tempo, suas partes com suas relações, tendem a não se mostrar suficientes para o fim ao qual se destinam.
Reconhecido isto, a Teoria Tridimensional do Direito demonstrou ser uma valiosa ferramenta para alcançar um melhor entendimento, não só das facetas que o direito possui, mas, também, para compreender como seus elementos se relacionam entre si e como a participação de cada um deles implica diretamente na forma como o direito é realizado e se modifica.
Miguel Reale apresenta, também, importantes reflexões sobre como o direito deve se adequar as mudanças ocorridas no mundo fático, axiológico e normativo, não abrindo mão do que se refere a necessidade de mudança legislativa em alguns casos, sopesando, porém, a possibilidade de modulação interpretativa, quando o signo normativo permitir, a fim de evitar um Direito injusto.
Informações Sobre o Autor
Rodrigo Alvares Carneiro
Possui graduação em Direito pela Universidade do Estado da Bahia. Especialização em Direito Previdenciário. Advogado do escritório Alvares Leal – Advogados Associados