A presunção de recolhimento das contribuições previdenciárias do empregado doméstico

Resumo: O presente artigo tem por finalidade discutir a existência de presunção de recolhimento das contribuições previdenciárias do empregado doméstico à luz das alterações legislativas promovidas pela Lei Complementar nº 150/2015. Para alcançar este objetivo, utilizou-se da análise das alterações promovidas pelo diploma legal anteriormente citado, bem como de construções doutrinárias pertinentes à temática. Foram discutidas, ainda, brevemente, a caracterização da relação de emprego doméstico e a conceituação de empregado doméstico, bem como os recentes avanços da proteção jurídica a esta categoria de trabalhadores nos planos nacional e internacional.

Palavras-chave: Presunção de recolhimento. Contribuição previdenciária. Empregado doméstico. Relação de emprego doméstico.

Sumário: Introdução. 1. Proteção jurídica do trabalho doméstico: breves considerações. 2. Empregado doméstico: conceito e características. 3. Presunção de recolhimento das contribuições previdenciárias. 4. Presunção de recolhimento das contribuições previdenciárias do empregado doméstico.

Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

Introdução

A presunção de recolhimento das contribuições previdenciárias é garantida, desde muito tempo, ao contribuinte empregado e ao trabalhador avulso pela Lei nº 8.213/1991. Entretanto, a legislação brasileira não conferia a mesma presunção em favor do empregado doméstico, categoria que sempre recebeu tratamento jurídico discriminatório ao longo da história.

Nos últimos anos, todavia, houve um significativo avanço na legislação de proteção ao trabalho doméstico no plano internacional, sobretudo com a edição da Convenção nº 189/2011 pela Organização Internacional do Trabalho – OIT. O mesmo movimento pode ser percebido no Brasil, onde a Emenda Constitucional nº 72/2013 e a Lei Complementar nº 150/2015 representaram grandes conquistas para a categoria.

As alterações legislativas promovidas pela Lei Complementar nº 150/2015 extrapolam o âmbito do Direito do Trabalho e refletem, também, no Direito Previdenciário. Neste contexto, o presente trabalho busca verificar se a presunção de recolhimento da contribuição previdenciária passou a existir para o empregado doméstico após a entrada em vigor do diploma legal mencionado.

Este artigo tem cunho interdisciplinar, realizando uma interface entre o Direito Previdenciário e o Direito do Trabalho. Quanto às técnicas de pesquisa, utiliza-se da bibliográfico-doutrinária e, principalmente, da análise de legislação.

1 Proteção jurídica do trabalho doméstico: breves considerações

O empregado doméstico recebe tratamento legal distinto dos demais empregados na maioria dos ordenamentos jurídicos do mundo. No plano nacional, a CLT, diploma jurídico que regula as relações empregatícias em geral no Brasil, excluiu esta categoria da incidência de suas normas[1]. Desta forma, fica clara a opção do legislador de não conferir aos empregados domésticos todos os direitos dos demais empregados.

Entretanto, o tratamento legal discriminatório historicamente dirigido aos empregados domésticos tem sido atenuado, tanto no plano nacional, quanto no internacional. Na perspectiva de combater esta inferioridade de direitos, a Organização Internacional do Trabalho – OIT editou, no ano de 2011, a Convenção nº 189, que dispõe sobre o trabalho decente para as trabalhadoras e os trabalhadores domésticos.

A Convenção nº 189 da OIT, que considera trabalho doméstico aquele “executado em ou para um ou vários domicílios” (artigo 1, a), e define trabalhador doméstico como “toda pessoa, do sexo feminino ou masculino que realiza um trabalho doméstico no marco de uma relação de trabalho” (art. 1, b), é de grande importância para a perspectiva internacional do trabalho doméstico, pois determina que todos os Estados Membros devem adotar medidas que promovam a igualdade de tratamento entre os trabalhadores domésticos e os trabalhadores em geral[2]. Todavia, até o momento, o Brasil não ratificou esta convenção, ao contrário de diversos países da América Latina, como o Uruguai, que foi o primeiro Estado no mundo a ratificá-la.

No entanto, apesar não ter ratificado a convenção acima mencionada, o Brasil tem promovido grandes avanços na legislação de proteção aos trabalhadores domésticos. A Emenda Constitucional nº 72/2013 conferiu a estes trabalhadores grande parte dos direitos constitucionais dos trabalhadores urbanos e rurais, o que significou um grande avanço para a categoria. Na mesma direção, foi editada a Lei Complementar nº 150/2015, que regulamentou vários dos direitos conferidos aos empregados domésticos pela Emenda Constitucional nº 72/2013 e passou a ser o diploma legal regulador do trabalho doméstico no Brasil, revogando a Lei nº 5.859/1972.

2 Empregado doméstico: conceito e características

De acordo com Maurício Godinho Delgado (2013, p. 354), “empregado é toda pessoa física natural que contrate, tácita ou expressamente, a prestação de seus serviços a um tomador, a este efetuados com pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação”. A conceituação de empregado doméstico, entretanto, apresenta distinções em relação à conceituação dos empregados em geral, pois a primeira apresenta elementos específicos.

No ordenamento jurídico brasileiro, o conceito de empregado doméstico é trazido pelo art. 1º da Lei Complementar nº 150/2015, segundo o qual deverá ser considerado empregado doméstico “aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana”.

Do texto do dispositivo legal acima transcrito, podem ser extraídos os pressupostos caracterizadores da relação de emprego doméstico, quais sejam: continuidade; subordinação; onerosidade; pessoalidade; finalidade não lucrativa dos serviços; prestação de serviços à pessoa ou família e âmbito residencial da prestação de serviços.

A continuidade está relacionada à habitualidade com que o empregado executa a prestação de serviços. Desse modo, para que haja relação de emprego doméstico é preciso que a prestação de serviços se protraia no tempo. Para a caracterização deste elemento, o art. 1º da Lei Complementar nº 150/2015 estipulou critério objetivo, qual seja: só será considerado empregado doméstico aquele que, além de cumprir os demais pressupostos caracterizadores da relação de emprego doméstico, laborar mais de dois dias por semana.

Quanto à subordinação, trata-se do principal elemento das relações de emprego em geral, pois, conforme afirma Carrion (2010, p. 35), “relação de emprego é trabalho subordinado”. Esta subordinação tem caráter jurídico e deriva dos poderes conferidos ao empregador pelo contrato de trabalho, que o permitem direcionar, regulamentar e fiscalizar a prestação de serviços do empregado.

Em relação à onerosidade, esta diz respeito ao fato de, em função do contrato de trabalho, ser devida ao empregado doméstico uma contraprestação pecuniária. Esta contraprestação pecuniária consubstancia-se, principalmente, na figura do salário e deverá ser adimplida pelo empregador doméstico.

A pessoalidade, por sua vez, apresenta-se em duas dimensões. Primeiramente, está relacionada ao fato de que o trabalho dever ser prestado pessoalmente pelo empregado, não sendo admitidas substituições frequentes. Uma vez caracterizadas as substituições habituais, estará descaracterizada a relação de emprego. Em segundo lugar, a relação de emprego tem caráter personalíssimo em relação ao empregado e, portanto, não se admite sucessão no polo ativo desta relação jurídica.

No que diz respeito à finalidade não lucrativa dos serviços, trata-se de elemento próprio desta espécie de relação de emprego. De acordo com este requisito, se a prestação de serviços do empregado for dirigida a qualquer atividade que gere lucro ao seu empregador, a relação de emprego doméstico será descaracterizada, pois estará configurada uma relação de emprego comum.

A prestação de serviços à pessoa ou família é, também, um elemento próprio da relação de emprego doméstico. Não se pode falar em relação de emprego doméstico quando o empregado está inserido numa dinâmica empresarial, pois, quando isto ocorre, haverá a caracterização de uma relação de emprego comum.

Por fim, temos o âmbito residencial da prestação de serviços, que é, também, um elemento caracterizador exclusivo da relação de emprego doméstico. Para que este elemento esteja contemplado, é necessário que o trabalho prestado seja dirigido para o âmbito residencial da pessoa ou família que encontra-se na qualidade de empregador doméstico.

Note-se, então que a relação de emprego doméstico apresenta três elementos caracterizadores além dos presentes nas relações de emprego em geral, quais sejam: finalidade não lucrativa dos serviços; prestação de serviços à pessoa ou família; e âmbito residencial da prestação de serviços. Além disso, na relação de emprego doméstico não é necessária apenas a não eventualidade, mas a continuidade na prestação de serviços, que é conceito mais restritivo.

3 Presunção de recolhimento das contribuições previdenciárias

A contribuição previdenciária corresponde a um valor em pecúnia que é deduzido, obrigatoriamente, da remuneração do contribuinte ativo. Esta contribuição incide sobre o salário-de-contribuição, respeitados os limites mínimo e máximo, que serve, também, como base de cálculo para o valor da maioria dos benefícios previdenciários (KERTZMAN, 2016).

A responsabilidade pelo recolhimento da contribuição previdenciária é variável, podendo ser feita tanto pelo próprio empregado, a exemplo do caso do contribuinte individual que presta serviços para mais de uma empresa e pode efetuar o recolhimento baseado no salário de contribuição auferido nos vários locais de trabalho, como também pelo empregador, no caso de segurado empregado ou mesmo do trabalhador avulso.

O ordenamento jurídico brasileiro traz a figura da presunção em alguns dispositivos legais, a exemplo do artigo 202 do Código Civil, que a considera um meio de prova. Entretanto, apesar de fazer referências à presunção, a ordem jurídica brasileira não a conceitua, de modo que coube à doutrina esta tarefa.

Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

De acordo com Marinoni e Arenhart (2011, p. 135), “a noção de presunção parte da ideia de que o conhecimento de certo fato pode ser induzido pela verificação de um outro, ao qual, normalmente, o primeiro está associado”. Neste sentido, entende-se por presunção uma suposição que se tem por verdadeira, ou seja, um julgamento baseado em meros indícios ou aparências.

Em relação ao recolhimento das contribuições previdenciárias, haverá a presunção nos casos em que a responsabilidade para efetuá-lo é do empregador e este não o faz, tendo em vista que não cabe ao empregado verificar se tais recolhimentos estavam sendo repassados à previdência. Havendo a presunção de recolhimento, considera-se, então, como tempo de contribuição, o período equivalente à duração de todo o vínculo empregatício, independentemente de ter havido o recolhimento por parte do empregador.

O art. 34, I, da Lei nº 8.213, na redação anterior à que lhe foi dada pela Lei Complementar nº 150/2015 já garantia esta presunção ao empregado e ao trabalhador avulso:

“Lei nº 8.213/1991. Art. 34. No cálculo do valor mensal do benefício, inclusive o decorrente de acidente do trabalho, serão computados:

I – para o segurado empregado e trabalhador avulso, os salários de contribuição referentes aos meses de contribuições devidas, ainda que não recolhidas pela empresa, sem prejuízo da respectiva cobrança e das penalidades cabíveis”.

A comprovação do vínculo empregatício e do tempo de trabalho em que não houve, de forma indevida, o recolhimento por parte do empregador, poderá ser feita através das anotações constantes na CTPS, que só não serão aceitas como meio de prova quando houver indícios de fraude, ou seja, quando exista defeito formal que venha a comprometer a validade do que fora anotado.

4 Presunção de recolhimento das contribuições previdenciárias do empregado doméstico

Como dito anteriormente, a presunção de recolhimento, desde muito tempo, tem sido aplicada ao empregado e ao trabalhador avulso. Inclusive, o art. 34, I, da Lei nº 8.213, na redação anterior à que lhe foi dada pela Lei Complementar nº 150/2015 já garantia esta presunção de recolhimento em relação a ambos. O empregado doméstico, por sua vez, não tinha presunção de recolhimento assegurada pela legislação.

Contudo, com o advento da Lei Complementar nº 150/2015, que assegurou aos empregados domésticos uma série de direitos que lhe foram negados ao longo da história, a presunção de recolhimento das contribuições previdenciárias passou a ser assegurada também a estes trabalhadores, tendo em vista que o mencionado diploma legal alterou o art. 34, I, da Lei nº 8.213, que passou a ter a seguinte redação:

“Lei nº 8.213/1991. Art. 34. No cálculo do valor da renda mensal do benefício, inclusive o decorrente de acidente do trabalho, serão computados:

I – para o segurado empregado, inclusive o doméstico, e trabalhador avulso, os salários de contribuição referentes aos meses de contribuições devidas, ainda que não recolhidas pela empresa ou pelo empregador doméstico, sem prejuízo da respectiva cobrança e das penalidades cabíveis, observado o disposto no § 5º do art. 29-A”.

A partir da vigência da Lei Complementar nº 150, então, considerar-se-á como tempo de contribuição do empregado doméstico o período relativo à duração de todo o vínculo empregatício, independentemente da realização recolhimento por parte do empregador doméstico. Deste modo, a lei promoveu uma equiparação entre o empregado doméstico, o empregado e o trabalhador avulso no que diz respeito à existência de presunção de recolhimento das contribuições previdenciárias.

Considerações finais

Historicamente, o empregado doméstico foi vítima de discriminação jurídica em grande parte dos ordenamentos jurídicos do mundo, inclusive no Brasil. Entretanto, nos últimos anos, a inferioridade de direitos destes empregados tem sido atenuada, tanto no plano internacional, quanto no nacional, o que pode ser constatado com o advento da Convenção nº 189 da OIT, da Emenda Constitucional nº 72/2013 e da Lei Complementar nº 150/2015.

A presunção de recolhimento das contribuições previdenciárias existe no nosso ordenamento jurídico nos casos em que a responsabilidade de recolher a contribuição é do empregador e este não a cumpre, tendo em vista que não cabe ao empregado fiscalizar o repasse deste valor. Esta presunção, desde muito tempo, já era garantida ao segurado empregado e ao trabalhador avulso.

O empregado doméstico, por sua vez, não gozava de presunção de recolhimento das contribuições previdenciárias até pouco tempo atrás. Contudo, após a Lei Complementar nº 150/2015, que alterou a redação do art. 34, inciso I, da Lei nº 8.213/1991, a presunção de recolhimento passou a ser aplicável também ao empregado doméstico, o que representa mais uma das recentes e importantes conquistas desta categoria.

 

Referências
BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em 01 abr. 2016.
BRASIL. Lei Complementar nº 150, de 1º de junho de 2015. Dispõe sobre o contrato de trabalho doméstico; altera as Leis no 8.212, de 24 de julho de 1991, no 8.213, de 24 de julho de 1991, e no 11.196, de 21 de novembro de 2005; revoga o inciso I do art. 3o da Lei no 8.009, de 29 de março de 1990, o art. 36 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, a Lei no 5.859, de 11 de dezembro de 1972, e o inciso VII do art. 12 da Lei no 9.250, de 26 de dezembro 1995; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp150.htm>. Acesso em 01 abr. 2016.
BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8213cons.htm>. Acesso em 01 abr. 2016.
CARRION, VALENTIN. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 12. ed. São Paulo: LTr, 2013.
KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. 14. ed. Salvador: Juspodivm, 2016.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
OIT. Convenção nº 189, de 2011. Disponível em: http://www.oit.org.br/sites/default/files/topic/housework/doc/nota_5_convencao_recomendacao_450.pdf. Acesso em 01 abr. 2016.

Resumo
[1] CLT. Art. 7º. Os preceitos constantes da presente Consolidação, salvo quando for, em cada caso, expressamente determinado em contrário, não se aplicam: a) aos empregados domésticos, assim considerados, de um modo geral, os que prestam serviço de natureza não econômica à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas.
[2] OIT. Convenção nº 189. Art. 10. Todo Membro deverá adotar medidas para garantir a igualdade de tratamento entre os trabalhadores domésticos e os trabalhadores em geral com relação às horas normais de trabalho, à compensação de horas extras, aos períodos de descanso diários e semanais e férias anuais remuneradas, em conformidade com a legislação nacional e com acordos coletivos, considerando as características específicas do trabalho doméstico.

Informações Sobre os Autores

Jessika Katerine da Silva Fernandes

Graduada em Direito pela Universidade do Estado da Bahia

José Marcelo Matos de Almeida Filho

Graduado em Direito pela Universidade do Estado da Bahia e pós-graduando em Direito do Trabalho e Previdenciário pela PUC Minas. Atua como Conciliador Judicial no TJ/BA


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!
logo Âmbito Jurídico