Resumo: O presente estudo possui como objetivo a análise do instituto da adoção internacional de crianças brasileiras por estrangeiros residentes no exterior. Durante o trabalho, serão analisados os requisitos e os procedimentos legais para que a adoção internacional seja efetivada, sempre observando os preceitos legais elencados principalmente no Estatuto da Criança e do Adolescente, na Convenção de Haia, que rege o assunto no âmbito internacional, e também em nossa Constituição Federal. Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica de natureza qualitativa, em doutrinas e artigos científicos pertinentes ao tema. Além disso, serão analisadas algumas problemáticas que envolvem a questão como a adoção internacional envolvendo país que não tenha ratificado a Convenção de Haia, e também um problema elencado na doutrina de uma possível perda de identidade da criança adotada com o seu país de origem, no caso, o Brasil. Dessa forma, o estudo busca uma conscientização à cerca da temática, buscando a melhor tomada de decisão possível para àqueles que estão no olho do problema: nossas crianças e adolescentes.
Palavras-chave: Adoção Internacional. Lei de Adoção. Estatuto da Criança e do Adolescente. Convenção de Haia.
Sumário: Introdução; 1. Requisitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Convenção de Haia; 2. Procedimento legal para adoção internacional de crianças brasileiras; 3. Problemáticas envolvendo a adoção internacional; Considerações Finais; Referências.
INTRODUÇÃO
A adoção de crianças é um tema que, com certeza, todos os membros de nossa sociedade (jurídica e não jurídica) já ouviram falar e possuem certa intimidade, seja de casos presentes no âmbito do seio familiar, casos relatados por amigos ou até mesmo por meio de programas de televisão.
Porém, não tão comum é a situação da adoção internacional, ou como no caso que será discutido e analisado no presente artigo, no caso da adoção de crianças brasileiras por estrangeiros residentes em outro país.
Importante um debate aprofundado sobre tema, pois com a frequente e incessante globalização que permeia nossa sociedade, maiores são as possibilidades existentes em nossas situações cotidianas, que fazem com que coisas antigamente não imaginadas, ou consideradas demasiadamente complexas, surjam como opções plenamente possíveis.
Assim sendo, durante todo o trabalho vamos abordar tópicos importantíssimos para correta absorção do conteúdo que envolve a adoção internacional conforme nosso ordenamento jurídico brasileiro, divididos em três capítulos.
No primeiro capítulo serão abordados os requisitos que devem ser preenchidos para que seja efetivada a adoção.
Já no segundo capítulo, o foco principal será sobre o procedimento adequado para que essa intenção seja realizada em sua completude de acordo com os ditames legais.
Por fim, no terceiro e último capítulo, serão discutidas algumas questões problemáticas que envolvem o tema, como a possibilidade de se efetivar a adoção internacional por países que não sejam signatários da Convenção de Haia, bem como a discussão que envolve uma possível perda de identidade da criança que venha a ser adotada com o seu país de origem.
Importante lembrar que no presente trabalho não serão aprofundadas discussões inerentes ao poder familiar, e todo o procedimento desde a retirada do menor de seu seio familiar até a sua aptidão para que seja adotado. Partiremos do pressuposto de que tal situação já esteja resolvida, e as crianças ou adolescentes, consequentemente, aptos para adoção.
Para tanto, serão utilizados principalmente dois diplomas legais imprescindíveis para compreensão legal do tema: o ECA – Estatuto das Crianças e dos Adolescentes (modificado pela lei 12.010 de 2009 que versa especificamente sobre adoção) e a Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, concluída em Haia, em 29 de maio de 1993, popularmente conhecida apenas como Convenção de Haia, que foi promulgada pela República Federativa do Brasil pelo Decreto 3.087, em 21 de junho de 1999.
Importante ressaltar que uma Convenção Internacional é um tratado multilateral (dois ou mais países), dotado de características legislativas para codificação de normais legais internacionais, criando, portanto, princípios legislativos. No caso da Convenção de Haia, diversos países são signatários.
Durante o trabalho serão utilizados os termos adotado pela Convenção de Haia, quais sejam: Estado de origem (da criança), que é o Estado natural da criança, onde ela nasceu, e Estado de acolhida que é o Estado de destino da criança caso o processo de adoção seja realizado.
1 REQUISITOS PREVISTOS NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E NA CONVENÇÃO DE HAIA
Primeiramente, é necessário destacar que a adoção só é permitida caso o intuito dos adotantes seja o estabelecimento de um vínculo de filiação entre eles e a criança adotada.
O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), prevê os requisitos necessários para efetivação da adoção internacional em seu artigos 51, destacando que tais adoções também devem sempre respeitar os ritos já existentes para a adoção no âmbito nacional.
Assim sendo, primeiramente temos que a adoção deve primordialmente buscar atender o melhor interesse da criança, sendo esse o princípio mor que envolve tal sistema, e que, sempre deve ser buscada a colocação da criança em uma família brasileira, para somente posteriormente ser tentada a sua colocação em uma família estrangeira.
Nesse mesmo sentido, o art.52, § 2o , assevera que “os brasileiros residentes no exterior terão preferência aos estrangeiros, nos casos de adoção internacional de criança ou adolescente brasileiro.”
Caso a adoção trate-se de um adolescente, o inciso III do mesmo diploma legal versa que ele deve primeiramente ser consultado, e esteja comprovado que ele se encontra preparado para a mudança, mediante parecer técnico de uma equipe interprofissional.
Outro ponto importante é o que trata do respeito a uma diferença mínima de idade entre adotante e adotado, que deve ser de pelo menos 16 (dezesseis) anos, conforme corretamente dispõe Ferreira[1]:
“…a necessidade de diferença mínima de 16 anos entre a pessoa do adotante e a do adotando. Tal requisito procura adequar-se a natureza de ficto iuris da filiação constituída pela Adoção. Em outras palavras, a figura da adoção procura recriar com a maior completude possível a relação entre pais e filhos, sendo assim, é mister que haja um mínimo de respeito do filho perante a figura paterna e materna. A diferença de 16 anos busca também evitar a situação esdrúxula da adoção por uma pessoa mais nova que o adotando (por óbvio, a filiação advinda dos laços naturais não permite tal situação, dessa forma, a adoção também não deve conceber-se dessa maneira).”
Após visto as disposições requisitórias do nosso ordenamento jurídico pátrio, é imprescindível também uma análise do que é versado internacionalmente sobre o tema na Convenção de Haia, o artigo 4o explana da seguinte maneira:
“As adoções abrangidas por esta Convenção só poderão ocorrer quando as autoridades competentes do Estado de origem:
a) tiverem determinado que a criança é adotável;
b) tiverem verificado, depois de haver examinado adequadamente as possibilidades de colocação da criança em seu Estado de origem, que uma adoção internacional atende ao interesse superior da criança;
c) tiverem-se assegurado de:
1) que as pessoas, instituições e autoridades cujo consentimento se requeira para a adoção hajam sido convenientemente orientadas e devidamente informadas das consequências de seu consentimento, em particular em relação à manutenção ou à ruptura, em virtude da adoção, dos vínculos jurídicos entre a criança e sua família de origem;
2) que estas pessoas, instituições e autoridades tenham manifestado seu consentimento livremente, na forma legal prevista, e que este consentimento se tenha manifestado ou constatado por escrito;
3) que os consentimentos não tenham sido obtidos mediante pagamento ou compensação de qualquer espécie nem tenham sido revogados, e
4) que o consentimento da mãe, quando exigido, tenha sido manifestado após o nascimento da criança; e
d) tiverem-se assegurado, observada a idade e o grau de maturidade da criança, de:
1) que tenha sido a mesma convenientemente orientada e devidamente informada sobre as consequências de seu consentimento à adoção, quando este for exigido;
2) que tenham sido levadas em consideração a vontade e as opiniões da criança;
3) que o consentimento da criança à adoção, quando exigido, tenha sido dado livremente, na forma legal prevista, e que este consentimento tenha sido manifestado ou constatado por escrito;
4) que o consentimento não tenha sido induzido mediante pagamento ou compensação de qualquer espécie.”
Assim, podemos perceber que a Convenção de Haia vai um pouco além do que o convencionado no ECA, o que é muito favorável para os casos concretos, pois, segundo assevera Gagliano e Pamplona Filho[2]:
“Se por um lado, não podemos deixar de incentivar a adoção, como suprema medida de afeto, oportunizando às nossas crianças e aos nossos adolescentes órfãos uma nova vida, com dignidade, por outro, é de se ressaltar a necessidade de protege-los contra graves abusos e crimes.”
O artigo 5º da Convenção de Haia ainda dita mais, afirmando que as adoções so poderão ocorrer quando as autoridades competentes do país de acolhida tiverem verificado que os futuros pais adotivos encontram-se habilitados e aptos para adotar, bem como tiverem sido convenientemente orientados, e desde que seja certo de que a criança foi ou será autorizada a entrar e residir no país de acolhida.
Assim, esses são os requisitos que devem ser observados e de ciência de todos aqueles que pretendem postular por uma adoção internacional, eis que ao se dar início ao procedimento (conforme será visto no capítulo seguinte), serão os primeiros itens que serão observados pelas autoridades competentes, tanto do país de acolhida quanto do país de origem.
2 PROCEDIMENTO LEGAL PARA ADOÇÃO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS BRASILEIRAS
Para início de considerações a cerca do procedimento legal que envolve a adoção internacional, é de grande valia destacar novamente que ela ocorre quando os adotantes residam fora do país, e não apenas por ela ter sido feita por estrangeiros.
Assim sendo, uma adoção de criança brasileira feita por um casal estrangeiro residente no Brasil não se enquadra neste procedimento. O termo “internacional” é referente à territorialidade que o adotado será submetido, ou seja, um país de acolhida diferente do seu de origem.
Nesse mesmo sentido, Costa[3] define adoção internacional como sendo “aquelas que envolvem pessoas subordinadas a soberanias diferentes”.
Dando seguimento, cada um dos países signatários da Convenção de Haia, chamados de Estados Contratantes, deverá manter uma Autoridade Central em seu território que será responsável por tratar dos assuntos pertinentes à convenção. Aqui vale destacar que a Convenção mantém endereço eletrônico[4] muito bem estruturado, contendo inclusive uma relação dos países contratantes e até mesmo meios de entrar em contato com eles.
Posteriormente, o a pessoa ou casal estrangeiro, interessado em adotar criança ou adolescente brasileiro, deverá formular pedido de habilitação à adoção perante a Autoridade Central em matéria de adoção internacional no país de acolhida, assim entendido aquele onde está situada sua residência habitual (art. 52, inciso I, do ECA).
Se a Autoridade Central do país de acolhida considerar que os solicitantes estão habilitados e aptos para adotar, emitirá um relatório que contenha informações sobre a identidade, a capacidade jurídica e adequação dos solicitantes para adotar, sua situação pessoal, familiar e médica, seu meio social, os motivos que os animam e sua aptidão para assumir uma adoção internacional. Enviando tal relatório para as Autoridades Centrais Estaduais, com cópia para a Autoridade Central Federal Brasileira (art. 52, incisos II e III, do ECA).
No Brasil, o Decreto no 3.174, de 16 de setembro de 1999, ficou designado de explicitar quais seriam as Autoridades Centrais Estaduais e Federais competentes, o que fez nos artigos 1 e 4 do mencionado decreto, da seguinte forma (grifo nosso):
“Art. 1o Fica designada como Autoridade Central Federal, a que se refere o artigo 6 da Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, concluída na Haia, em 29 de maio de 1993, aprovada pelo Decreto Legislativo no 1, de 14 de janeiro de 1999, e promulgada pelo Decreto no 3.087, de 21 de junho de 1999, a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça.
Art. 4o Ficam designados como Autoridades Centrais no âmbito dos Estados federados e do Distrito Federal as Comissões Estaduais Judiciárias de Adoção, previstas no art. 52 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, ou os órgãos análogos com distinta nomenclatura, aos quais compete exercer as atribuições operacionais e procedimentais que não se incluam naquelas de natureza administrativa a cargo da Autoridade Central Federal, respeitadas as determinações das respectivas leis de organização judiciária e normas locais que a instituíram”.
Ainda sobre o relatório, será ele instruído com toda a documentação necessária, incluindo estudo psicossocial elaborado por equipe interprofissional habilitada e cópia autenticada da legislação pertinente, acompanhada da respectiva prova de vigência, sendo que os documentos em língua estrangeira serão devidamente autenticados pela autoridade consular, observados os tratados e convenções internacionais, e acompanhados da respectiva tradução, por tradutor público juramentado (art. 52, incisos IV e V, do ECA).
Após a chegada do relatório, caso a Autoridade Central Estadual entenda necessário, poderá fazer exigências e solicitar complementação sobre o estudo psicossocial do postulante estrangeiro à adoção, já realizado no país de acolhida (art. 52, inciso VI, do ECA).
Verificada, após estudo realizado pela Autoridade Central Estadual, a compatibilidade da legislação estrangeira com a nacional, além do preenchimento por parte dos postulantes à medida dos requisitos objetivos e subjetivos necessários ao seu deferimento (analisados no capítulo anterior), tanto à luz do que dispõe a Lei como da legislação do país de acolhida, será expedido laudo de habilitação à adoção internacional, que terá validade por, no máximo, 1 (um) ano (art. 52, inciso VII, do ECA).
De posse do laudo de habilitação, o interessado será autorizado a formalizar pedido de adoção perante o Juízo da Infância e da Juventude do local em que se encontra a criança ou adolescente, conforme indicação efetuada pela Autoridade Central Estadual (art. 52, inciso VIII, do ECA).
Corroborando com o entendimento do inciso supramencionado, dissertam Barros e Mold[5]:
“…será expedido laudo de habilitação à adoção internacional, com validade de, no máximo, um ano, no caso de haver compatibilidade da legislação estrangeira com a brasileira e se todos os requisitos objetivos e subjetivos necessários ao seu deferimento estiverem preenchidos. Com o laudo de habilitação, a pessoa ou casal interessada será autorizada a formalizar pedido de adoção perante o Juízo da Infância e da Juventude do local em que se encontra a criança ou adolescente, conforme indicação efetuada pela Autoridade Central Estadual”.
Diante desse modus operandi debatido, fica evidenciada a grande e importante participação das autoridades centrais estaduais e federais para que seja efetivado um processo de adoção internacional.
Além disso, cabe à Autoridade Central Federal Brasileira, no caso a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça, o credenciamento de organismos nacionais e estrangeiros encarregados de intermediar pedidos de habilitação à adoção internacional, conforme se depreende de análise do Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda em seu artigo 52:
“§ 2o Incumbe à Autoridade Central Federal Brasileira o credenciamento de organismos nacionais e estrangeiros encarregados de intermediar pedidos de habilitação à adoção internacional, com posterior comunicação às Autoridades Centrais Estaduais e publicação nos órgãos oficiais de imprensa e em sítio próprio da internet;
§ 3o Somente será admissível o credenciamento de organismos que:
I – sejam oriundos de países que ratificaram a Convenção de Haia e estejam devidamente credenciados pela Autoridade Central do país onde estiverem sediados e no país de acolhida do adotando para atuar em adoção internacional no Brasil;
II – satisfizerem as condições de integridade moral, competência profissional, experiência e responsabilidade exigidas pelos países respectivos e pela Autoridade Central Federal Brasileira;
III – forem qualificados por seus padrões éticos e sua formação e experiência para atuar na área de adoção internacional;
IV – cumprirem os requisitos exigidos pelo ordenamento jurídico brasileiro e pelas normas estabelecidas pela Autoridade Central Federal Brasileira.
§ 4o Os organismos credenciados deverão ainda:
I – perseguir unicamente fins não lucrativos, nas condições e dentro dos limites fixados pelas autoridades competentes do país onde estiverem sediados, do país de acolhida e pela Autoridade Central Federal Brasileira;
II – ser dirigidos e administrados por pessoas qualificadas e de reconhecida idoneidade moral, com comprovada formação ou experiência para atuar na área de adoção internacional, cadastradas pelo Departamento de Polícia Federal e aprovadas pela Autoridade Central Federal Brasileira, mediante publicação de portaria do órgão federal competente;
III – estar submetidos à supervisão das autoridades competentes do país onde estiverem sediados e no país de acolhida, inclusive quanto à sua composição, funcionamento e situação financeira;
IV – apresentar à Autoridade Central Federal Brasileira, a cada ano, relatório geral das atividades desenvolvidas, bem como relatório de acompanhamento das adoções internacionais efetuadas no período, cuja cópia será encaminhada ao Departamento de Polícia Federal;
V – enviar relatório pós-adotivo semestral para a Autoridade Central Estadual, com cópia para a Autoridade Central Federal Brasileira, pelo período mínimo de 2 (dois) anos. O envio do relatório será mantido até a juntada de cópia autenticada do registro civil, estabelecendo a cidadania do país de acolhida para o adotado;
VI – tomar as medidas necessárias para garantir que os adotantes encaminhem à Autoridade Central Federal Brasileira cópia da certidão de registro de nascimento estrangeira e do certificado de nacionalidade tão logo lhes sejam concedidos.
§ 5o A não apresentação dos relatórios referidos no § 4o deste artigo pelo organismo credenciado poderá acarretar a suspensão de seu credenciamento
§ 6o O credenciamento de organismo nacional ou estrangeiro encarregado de intermediar pedidos de adoção internacional terá validade de 2 (dois) anos.
§ 7o A renovação do credenciamento poderá ser concedida mediante requerimento protocolado na Autoridade Central Federal Brasileira nos 60 (sessenta) dias anteriores ao término do respectivo prazo de validade.
§ 8o Antes de transitada em julgado a decisão que concedeu a adoção internacional, não será permitida a saída do adotando do território nacional.
§ 9o Transitada em julgado a decisão, a autoridade judiciária determinará a expedição de alvará com autorização de viagem, bem como para obtenção de passaporte, constando, obrigatoriamente, as características da criança ou adolescente adotado, como idade, cor, sexo, eventuais sinais ou traços peculiares, assim como foto recente e a aposição da impressão digital do seu polegar direito, instruindo o documento com cópia autenticada da decisão e certidão de trânsito em julgado.
§ 10. A Autoridade Central Federal Brasileira poderá, a qualquer momento, solicitar informações sobre a situação das crianças e adolescentes adotados.
§ 11. A cobrança de valores por parte dos organismos credenciados, que sejam considerados abusivos pela Autoridade Central Federal Brasileira e que não estejam devidamente comprovados, é causa de seu descredenciamento.
§ 12. Uma mesma pessoa ou seu cônjuge não podem ser representados por mais de uma entidade credenciada para atuar na cooperação em adoção internacional.
§ 13. A habilitação de postulante estrangeiro ou domiciliado fora do Brasil terá validade máxima de 1 (um) ano, podendo ser renovada.
§ 14. É vedado o contato direto de representantes de organismos de adoção, nacionais ou estrangeiros, com dirigentes de programas de acolhimento institucional ou familiar, assim como com crianças e adolescentes em condições de serem adotados, sem a devida autorização judicial.
§ 15. A Autoridade Central Federal Brasileira poderá limitar ou suspender a concessão de novos credenciamentos sempre que julgar necessário, mediante ato administrativo fundamentado.”
Importante a transcrição de todos os parágrafos que envolvem todas as peculiaridades para um correto credenciamento desses organismos citados para que fique nítido que nossa legislação pátria foi minuciosamente protecionista, incluído diversos deveres e requisitos não apenas para que esses órgãos sejam inicialmente cadastrados, mas também para que assim se mantenham.
Somado a isso, observa-se também a previsão legal de meios que possibilitem que o Brasil possa a qualquer momento solicitar informações sobre uma eventual criança que já tenha sido adotada, o que nos leva a crer que há toda uma preocupação com o bem estar dela, mesmo que agora esteja residindo em outro Estado e tenha se naturalizado.
Outra hipótese desse correto protecionismo previsto em nosso ordenamento jurídico é o abordado por Bordallo[6]:
“Para que se inicie o processo de adoção, não é necessário que os adotantes estejam no Brasil. Segundo o disposto no art. 46, § 3o , do Estatuto da Criança e do Adolescente, é necessária a realização do estágio de convivência, em nosso país, no curso da adoção, sendo este o momento em que se faz necessária a presença dos adotantes estrangeiros no território nacional. O período de estágio de convivência será de, no mínimo, 30 dias. Incidirá, assim, a regra do art. 28 da Convenção de Haia, no lugar do art. 21, que indica as hipóteses de transferência do adotando para o país do adotante antes de ultimada a adoção. O referido art. 28 dispõe que a lei do Estado de origem da criança prevalecerá sempre que vetar, antes da adoção, o deslocamento do adotando para o Estado de acolhida.”
Importante ressaltar que em muitos dos casos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente e aqui analisados, também há previsão expressa na Convenção de Haia, porém essa dupla previsão legal pode vir a ser benéfica para o estado de origem da criança, como no caso do estágio de convivência.
Findo o processo de habilitação, terá início o processo judicial, sendo que caso tudo ocorra corretamente, ao final, “a autoridade judiciária determinará a expedição de alvará com autorização de viagem, bem como para obtenção de passaporte, constando as características da criança”[7].
3 PROBLEMÁTICAS ENVOLVENDO A ADOÇÃO INTERNACIONAL
Quando se aborda o tema da adoção internacional sob uma perspectiva da Convenção de Haia, naturalmente surge o questionamento sobre a possibilidade, ou não, da adoção internacional em que o país de acolhida não seja signatário da referida convenção.
Para exemplificação, diversos países da América Central, da África, da Oceania e da Ásia não fazem parte da convenção.
Para resolver esse imbróglio existente, deve-se observar o disposto na terceira cláusula da Resolução no 03/2001 do Conselho das Autoridades Centrais Brasileiras, que dispões que:
“A admissão de pedidos de adoção, formulados por requerentes domiciliados em países que não tenham assinado ou ratificado a Convenção de Haia, será aceita quando respeitar o interesse superior da criança, em conformidade com a Constituição Federal e Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente. Neste caso, os adotantes deverão cumprir os procedimentos de habilitação perante a Autoridade Central Estadual, obedecendo a prioridade dada aos adotantes de países ratificantes.”
Nesse sentido, percebe-se a possibilidade da adoção internacional de crianças brasileiras, mesmo que o país de acolhida não seja signatário da Convenção de Haia. Ocorre que, tais hipóteses são vistas como a exceção da exceção, eis que deve-se dar prioridade à adoção por países signatários (justamente para conceder maior segurança para as crianças adotadas).
Cumpre ressaltar que tal Resolução vai além em sua terceira cláusula, afirmando que os adotantes originários de países não ratificantes, seja recomendada a implementação de medidas que garantam às crianças adotadas no Brasil a mesma proteção legal que aqui recebem.
Outra problemática que merece esclarecimentos é a alegação de que a adoção internacional acarretaria em uma suposta perda de identidade da criança adotada com o seu país de origem.
Tal argumento se baseia principalmente no ponto de vista de que a partir de então a criança residiria em outro país, com pais adotantes estrangeiros, provavelmente seria naturalizado àquela nacionalidade e a partir de então estaria submetido àquela legislação.
Para combater tais argumentos, é imprescindível a lembrança de que as crianças e adolescentes que estão sujeitas e aptas para adoção, se encontram em um estado muito delicado de suas vidas, e que é obrigação do Estado propiciar a melhor alternativa possível para elas.
Embasando o argumento acima, há o posicionamento da Juíza de Direito Valeria da Silva Rodrigues[8]:
“A adoção internacional é o instituto jurídico de ordem pública que concede a uma criança ou adolescente em estado de abandono a possibilidade de viver em um novo lar, em outro país, assegurados o bem-estar e a educação, desde que obedecidas as normas do país do adotado e do adotante. De origem humanitária e finalidade de caráter social, visto que possibilita a colocação de uma criança ou adolescente em estado de abandono em um lar, em que possam ser amados como filho, com direito à educação, saúde, alimentação, etc.”
Nesse sentido, é válido ressaltar que sempre que haja possibilidade de colocação de uma criança brasileiro no seio de uma família brasileira, essa deve ser a opção escolhida. O instituto da adoção internacional vem de modo complementar para auxiliar esse processo tão importante para todos os envolvidos.
Inclusive, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, versa sobre diversos deveres que a família, a sociedade e o Estado possuem para com as crianças e adolescentes:
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Ou seja, instituto não visa uma simples retirada de crianças e adolescentes em situação vulnerável de seus países de origem. O seu principal intuito é oferecer uma oportunidade extra para que elas possam encontrar uma família em que sejam respeitadas e tratadas como devem, conforme preceituado em nossa Carta Magna.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A adoção surgiu como um meio pelo qual seria possível viabilizar uma verdadeira situação ideal de ganha-ganha para os dois lados do processo, a adotante e o possível adotado.
Ao mesmo tempo em que seria possível inserir uma criança ou adolescente que se encontra em uma situação vulnerável de aptidão para adoção em um âmbito familiar em que ela pudesse vir a ser amada e respeitada como merece, também seria possível satisfazer o desejo do adotante(s) de ter um filho (sem diferenciações entre filhos adotivos e biológicos), seja qual for o motivo que os tenham levado a essa decisão de adotar.
No mesmo sentido, a adoção internacional seria somente mais um meio complementar de tentar proporcionar uma melhor qualidade de vida para essas crianças e adolescentes.
Vale ressaltar que a adoção nacional é prioridade e deve continuar sendo, por todas as questões facilitadoras que envolvem uma melhor adaptação da criança com a sociedade em que seria inserida e até com os adotantes, ou seja, a adoção internacional deve ser tratada como uma exceção.
Porém, deve-se levar em consideração que a adoção internacional seria uma saída melhor para elas do que ficarem anos após anos esperando o surgimento de uma família que nunca aparece, seja por motivos de não existência, pela criança não se encaixar no perfil (estético ou etário) pretendido pelos adotantes, ou simplesmente pela burocracia que assola o instituto.
No que concerne à burocracia que envolve a adoção nacional, ela, infelizmente, também atingiria a adoção internacional. Isso porque a legislação que rege o instituto da adoção internacional deve ser sempre complementada pela legislação aplicada no país de origem da criança, no caso, o Brasil.
Para combater tal fator dificultador, o Estado brasileiro deve simultaneamente buscar meios de promover incentivar a adoção internacional e procurar meios de combate à burocracia exacerbada, para que, desta forma, as crianças e adolescentes passem o menor tempo possível à espera de adotantes, e mais tempo convivendo em seus novos lares, no Brasil ou em outros países.
Obviamente que o Estado além de proporcionar meios que efetivem a adoção internacional deve buscar sempre estar em contato com os países de acolhida de crianças brasileiras, fiscalizando e aperfeiçoando o processo.
A grande verdade é que, o Estado deve buscar fornecer a essas crianças e adolescentes todos os direitos previstos no art. 227 de nossa Constituição Federal, quais sejam: vida, saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade, convivência familiar e comunitária, e salvá-los de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e exploração. Seja em território brasileiro, ou, como estudado no presente trabalho, território estrangeiro.
Informações Sobre os Autores
Lucas Spagnol Perrone
Acadêmico de Direito pela Faculdade de Direito de Vitória – FDV
Marcelo Fernando Quiroga Obregon
Graduado em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo, especialista em política internacional pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Mestre em direito Internacional e comunitário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Doutor em direitos e garantias fundamentais na Faculdade de Direito de Vitória – FDV, Coordenador Acadêmico do curso de especialização em direito marítimo e portuário da Faculdade de Direito de Vitória – FDV, Professor de direito internacional e direito marítimo e portuário nos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito de Vitória – FDV.