Resumo: É certo que o Código de Defesa do Consumidor é norteado principalmente pelo reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor e pela necessidade de que o Estado atue no mercado para minimizar essa hipossuficiência, garantindo, assim, a igualdade material entre as partes. O nascimento de um forte direito à informação é corolário de todas essas normas relacionadas à função social e à boa-fé, por intermédio das quais a liberdade de contratar assume novel feição, uma vez que a lei, detentora de preponderante papel nessa nova realidade, impõe a necessidade de transparência em todas as fases da contratação: desde o momento pré-contratual, passando pela formação e execução do contrato, e até mesmo o momento pós-contratual. Insta pontuar que o dogma da identificação obrigatória da mensagem como publicitária é corriqueira no direito comparado, eis que busca promover a cultura de conscientização do consumidor, na condição de comprador potencial, que ele é o destinatário de uma mensagem publicitária, patrocinada por um fornecedor com o fito de promover a compra de seu produto. Nesta linha, de maneira paradigmática, em recente julgamento do Recurso Especial nº 1.515.895-MS, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça sobre a disposição da informação, em sede de embalagens, para alimentos com a presença de glúten, visando atender a hipervulnerabilidade apresentada pelos celíacos, sobre o qual o presente se debruça.
Palavras-chaves: Defesa e Proteção do Consumidor. Princípio da Informação. Hipervulneráveis. Entendimento Jurisprudencial.
Sumário: 1 Comentários Introdutórios; 2 A Valoração dos Princípios: A Influência do Pós-Positivismo no Ordenamento Brasileiro; 3 A Proeminência dos Corolários da Informação e da Transparência na Proteção e Defesa do Consumidor; 4 Anotações ao Recurso Especial nº 1.515.895-MS: O Direito à Informação para os Hipervulneráveis
1 Comentários Introdutórios
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida hastear como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis.
2 A Valoração dos Princípios: A Influência do Pós-Positivismo no Ordenamento Brasileiro
Em sede de ponderações introdutórias, tendo como pilares de apoio as lições apresentadas por Marquesi[4] que, com substancial pertinência, dicciona que os postulados e dogmas se afiguram como a gênese, o ponto de partida ou mesmo o primeiro momento da existência de algo. Nesta trilha, há que se gizar, com bastante ênfase, que os princípios se apresentam como verdades fundamentais, que suportam ou asseguram a certeza de uma gama de juízos e valores que norteiam as aplicações das normas diante da situação concreta, adequando o texto frio, abstrato e genérico às nuances e particularidades apresentadas pela interação do ser humano. Objetiva, por conseguinte, com a valoração dos princípios vedar a exacerbação errônea do texto da lei, conferindo-lhe dinamicidade ao apreciar as questões colocadas em análise.
Com supedâneo em tais ideários, salientar se faz patente que os dogmas, valorados pelas linhas do pós-positivismo, são responsáveis por fundar o Ordenamento Jurídico e atuar como normas vinculantes, verdadeiras flâmulas desfraldadas na interpretação do Ordenamento Jurídico. Desta sorte, insta obtemperar que ter conhecimento dos preceitos e dogmas permite adentrar no âmago da realidade jurídica. Afora isso, toda sociedade que se encontre politicamente organizada ostenta uma tábua principiológica, a qual, com efeito, oscila e evolui em consonância com a cultura e os valores adotados. Ao lado disso, em razão do aspecto essencial que apresentam, os preceitos podem variar, de maneira robusta, adequando-se a realidade vigorante em cada Estado, ou seja, os corolários são resultantes dos anseios sagrados em cada população. . Entrementes, o que assegura a característica fundante dos axiomas é o fato de estarem alicerçados em cânones positivados pelos representantes da nação ou de regra costumeira, que foi democraticamente aderida pela população.
Nesta senda, os dogmas que são salvaguardados pela Ciência Jurídica passam a ser erigidos à condição de elementos que compreendem em seu bojo oferta de uma abrangência mais versátil, contemplando, de maneira singular, as múltiplas espécies normativas que integram o ordenamento pátrio. Ao lado do apresentado, com fortes cores e traços grosso, há que se evidenciar que tais mandamentos passam a figurar como super-normas, isto é, “preceitos que exprimem valor e, por tal fato, são como pontos de referências para as demais, que desdobram de seu conteúdo”[5]. Os corolários passam a figurar como verdadeiros pilares sobre os quais o arcabouço teórico que compõe o Direito se estrutura, segundo a brilhante exposição de Tovar[6]. Essa concepção deve ser estendida a interpretação das normas que integram o ramo Consumerista da Ciência Jurídica, em especial devido à proteção dispensada pelo Ordenamento Pátrio aos consumidores, em razão da vulnerabilidade desses.
Salta aos olhos, desta sorte, o relevo indiscutível que reveste o Direito do Consumidor, sendo considerada, inclusive, como irrecusável importância jurídica, econômica e política, sendo dotado de caráter absolutamente inovador, eis que elevou a defesa do consumidor à posição eminente de direito fundamental, atribuindo-lhe, ainda, a condição de princípio estruturador e conformador da própria ordem econômica. Diante do exposto, é verificável que com as inovações apresentadas no Texto Constitucional erigiram os consumidores como detentores de direitos constitucionais fundamentais, conjugado, de maneira robusta, com o relevante propósito de legitimar todas as medidas de intervenção estatal necessárias e a salvaguardar as disposições entalhadas na Carta de 1988.
Em decorrência de tais lições, destacar é crucial que o Código de Defesa do Consumidor deve ser interpretado a partir de uma luz emanada pelos valores de maciça relevância para a Constituição Federal de 1988. Isto é, cabe ao Arquiteto do Direito observar, de forma imperiosa, a tábua principiológica, considerada como essencial e exaltada como fundamental dentro da Carta Magna do Estado Brasileiro, ao aplicar a legislação abstrata ao caso concreto. A exemplo de tal afirmativa, pode-se citar tábua principiológica que orienta a interpretação das normas atinentes à Legislação Consumerista. Com o alicerce no pontuado, salta aos olhos a necessidade de desnudar tal assunto, com o intento de afastar qualquer possível desmistificação, com o fito primordial de substancializar um entendimento mais robusto acerca do tema.
3 A Proeminência dos Corolários da Informação e da Transparência na Proteção e Defesa do Consumidor
Em sede de ponderações introdutórias, calha rememorar que o direito à informação se apresenta como o mais básico dos direitos do consumidor, configurando-se como verdadeiro dever-direito. Ao lado disso, cuida salientar que informação consiste no ato de comunicar, compartilhar o que se tem conhecimento de boa-fé, cooperando, assim com o outro. Como dever, a informação é motivada, em juízo ético-político-jurídico, de um lado pela própria competência técnica ou profissional do fornecedor, de outro pela inexperiência ou incapacidade do consumidor de se informar. A proeminência do dever-direito de informação é decorrente dos diversos atribuições e funções que desempenha, tanto no que tange à sustentação do modelo capitalista do livre mercado, substancializado notadamente na proteção da concorrência, assim como na viabilização de vários outros direitos relativos ao consumidor, como, por exemplo, o acesso à justiça.
É certo que o Código de Defesa do Consumidor é norteado principalmente pelo reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor e pela necessidade de que o Estado atue no mercado para minimizar essa hipossuficiência, garantindo, assim, a igualdade material entre as partes. O nascimento de um forte direito à informação é corolário de todas essas normas relacionadas à função social e à boa-fé, por intermédio das quais a liberdade de contratar assume novel feição, uma vez que a lei, detentora de preponderante papel nessa nova realidade, impõe a necessidade de transparência em todas as fases da contratação: desde o momento pré-contratual, passando pela formação e execução do contrato, e até mesmo o momento pós-contratual. De maneira pacificada, o Superior Tribunal de Justiça construiu entendimento que:
“Ementa: Agravo Regimental – Ação de cobrança – Decisão Monocrática que negou provimento ao agravo. Insurgência do réu. 1. Violação do art. 535 do CPC não configurada, pois o acórdão estadual hostilizado enfrentou, de modo fundamentado, todos os aspectos essenciais à resolução da lide. 2. O dever de exibição de documentos por parte da instituição bancária decorre do direito de informação ao consumidor (art. 6º, III, do CDC), enquanto não prescrita eventual ação. 3. Recurso desprovido, com aplicação de multa”. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ AgRg no AREsp 241.731/MG/ Relator: Ministro Marco Buzzi/ Julgado em 21.03.2013/ Publicado no DJe em 08.04.2013).
“Ementa: Direito do Consumidor. Publicidade enganosa. Empreendimento divulgado e comercializado como hotel. Mero residencial com serviços. Interdição pela municipalidade. Ocultação deliberada de informação pelo fornecedor. Anulação do negócio jurídico. Indenização por lucros cessantes e por danos morais devida. 1. O direito à informação, no Código de Defesa do Consumidor, é corolário das normas intervencionistas ligadas à função social e à boa-fé, em razão das quais a liberdade de contratar assume novel feição, impondo a necessidade de transparência em todas as fases da contratação: o momento pré-contratual, o de formação e o de execução do contrato e até mesmo o momento pós-contratual. […] 3. Se a informação se refere a dado essencial capaz de onerar o consumidor ou restringir seus direitos, deve integrar o próprio anúncio, de forma precisa, clara e ostensiva, nos termos do art. 31 do CDC, sob pena de configurar publicidade enganosa por omissão. […] 5. Recurso especial de Antônio Rogério Saldanha Maia provido. 6. Recursos especiais de Gafisa S/A e Banco BBM S/A não conhecidos. Prejudicadas as demais questões suscitadas.” (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 1.188.442/RJ/ Relator: Ministro Luis Felipe Salomão/ Julgado em 06.11.2012/ Publicado no DJe em 05.02.2013).
“Ementa: Processo Civil e Consumidor. Recurso especial. Portarias. Regulamentos e decretos. Controle. Não cabimento. Curso Superior não. Reconhecido pelo MEC. Circunstância não Informada aos alunos. Impossibilidade de exercer a Profissão. Responsabilidade objetiva da instituição de Ensino. Dano moral. Valor. Revisão pelo STJ. Montante Exorbitante ou irrisório. Cabimento. […] 3. O art. 6º, III, do CDC institui o dever de informação e consagra o princípio da transparência, que alcança o negócio em sua essência, porquanto a informação repassada ao consumidor integra o próprio conteúdo do contrato. Trata-se de dever intrínseco ao negócio e que deve estar presente não apenas na formação do contrato, mas também durante toda a sua execução. 4. O direito à informação visa a assegurar ao consumidor uma escolha consciente, permitindo que suas expectativas em relação ao produto ou serviço sejam de fato atingidas, manifestando o que vem sendo denominado de consentimento informado ou vontade qualificada. […] 8. Recurso especial não provido”. (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 1.121.275/SP/ Relatora: Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 27.03.2012/ Publicado no DJe em 17.04.2012).
Ao lado disso, insta aduzi que a informação, como integrante da extensa rubrica de princípios orientadores do Direito do Consumidor, apresente como axioma maciço a educação e a harmonia de fornecedor e consumidores, no que se referencia aos seus direitos e deveres, com o escopo de promover a melhoria do mercado de consumo. Neste sentido, com clara dicção, o artigo 4º, inciso IV, da Legislação Consumerista, ao dispor sobre os preceitos contidos na Política Nacional de Defesa do Consumidor, espanca, dentre o rol de princípios inspiradores, a “educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo”[7]. Destarte, salta aos olhos que a informação, neste sedimento, se apresenta como postulado da liberdade, eis que inexiste plena liberdade sem acesso à informação. O direito à informação, enquanto integrante da robusta coluna principiológica de sustentação do Direito do Consumidor, visa a assegurar ao consumidor uma escolha consciente, permitindo que suas expectativas em relação ao produto ou serviço sejam de fato atingidas, manifestando o que vem sendo denominado de consentimento informado ou vontade qualificada.
Afora isso, impõe o reconhecimento que a informação é a pedra de sustento que viabiliza a utilização, por parte dos consumidores, dos produtos comercializados com ampla segurança e de modo satisfatório aos interesses acalentados. Neste alamiré, tão somente os consumidores bem informados conseguem, de fato, usufruir, de maneira integral dos benefícios econômicos que o produto ou serviço lhe proporciona, assim como proteger-se de maneira adequada dos riscos apresentados. Nesta linha de dicção, ainda, a proteção contra riscos decorre dos ideários fundantes da obrigação de segurança que, contemporaneamente, por força das imposições legais, são colocados como premissas para o exercício de qualquer atividade profissional no mercado de consumo, assumindo verdadeira natureza autônoma. Ademais, há que se anotar que a informação é elemento preponderante ao fomento da concorrência, porquanto, em sendo os consumidores bem informados, poderão adquirir produtos e serviços, de maneira mais consciente ou mesmo evitando a sua aquisição, sendo que o corolário em comento se apresenta como axioma que fomenta a conscientização do consumidor.
À sombra do expendido, o direito à informação, consagrado na Legislação Consumerista, está indissociavelmente atrelado aos elementos essenciais para que o consumidor manifeste seu consentimento, de maneira esclarecida e ciente. Dessa sorte, a informação deve guardar relevância para o uso do produto, para a sua aquisição, para a segurança. No mais, a informação tem como fito: (i) a conscientização crítica dos desejos de consumo e da priorização das preferências que lhes digam respeito; (ii) possibilidade de averiguação, em consonância com os critérios técnicos e econômicos acessíveis ao leigo, as qualidades e o preço de cada produto ou de cada serviço; (iii) diversificação de oportunidades para comparar os múltiplos produtos; (iv) conhecimento dos entendimentos jurídicos subjetivos próprios e alheios que se manifestam na contextualidade das séries infindáveis de situações de consumo; (v) celeridade e efetivação da presença estatal preventiva, mediadora ou decisória, de conflitos de mercado de consumo.
No que tange ao cânone da transparência, de modo geral, impende salientar que tal dogma tem como fértil sedimento a clareza qualitativa e quantitativa da informação que incumbe, de maneira recíproca, às partes conceder, nas relações jurídicas. Tal escopo, acresça-se, só será alcançado a partir da adoção de medidas que impliquem no fornecimento de informações verdadeiros, objetivas e precisas ao consumidor, assim como ao fornecedor, por parte do destinatário final do produto e serviço. “Visa, também, proteger o consumidor contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos ou serviços”[8]. Trata-se de instrumento apto a robustecer a concepção de reequilíbrio das forças na relação de consumo, maiormente na conclusão de contratos de consumo, estabelecidos na Legislação Consumerista, como modo de alcançar a ambicionada justiça contratual. No mais, como já se decidiu no Superior Tribunal de Justiça, a inobservância do axioma em destaque acarreta em sanção, pois configura como verdadeiro ilícito administrativo, devendo, portanto, o Ente Estatal, no uso de seu poder de polícia, coibir tais práticas atentatórias. Ao lado disso, colhem-se os seguintes arestos:
“Ementa: Administrativo – Regulação – Poder de Polícia Administrativa – Fiscalização de Relação de Consumo – INMETRO – Competência relacionada a aspectos de conformidade e metrologia – Deveres de Informação e de Transparência Quantitativa – Violação – Autuação – Ilícito Administrativo de Consumo – Responsabilidade Solidária dos Fornecedores – Possibilidade. 1. A Constituição Federal/88 elegeu a defesa do consumidor como fundamento da ordem econômica pátria, inciso V do art. 170, possibilitando, assim, a criação de autarquias regulatórias como o INMETRO, com competência fiscalizatória das relações de consumo sob aspectos de conformidade e metrologia. 2. As violações a deveres de informação e de transparência quantitativa representam também ilícitos administrativos de consumo que podem ser sancionados pela autarquia em tela. 3. A responsabilidade civil nos ilícitos administrativos de consumo tem a mesma natureza ontológica da responsabilidade civil na relação jurídica base de consumo. Logo, é, por disposição legal, solidária. 4. O argumento do comerciante de que não fabricou o produto e de que o fabricante foi identificado não afasta a sua responsabilidade administrativa, pois não incide, in casu, o § 5º do art. 18 do CDC. Recurso especial provido”. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 1118302/SC/ Relator Ministro Humberto Martins/ Julgado em 01.10.2009/ Publicado no DJe em 14.10.2009).
“Ementa: Consumidor. Plano de saúde. Rede conveniada. Alteração. Dever de informação adequada. Comunicação individual de cada associado. Necessidade. 1. Os arts. 6º, III, e 46 do CDC instituem o dever de informação e consagram o princípio da transparência, que alcança o negócio em sua essência, na medida em que a informação repassada ao consumidor integra o próprio conteúdo do contrato. Trata-se de dever intrínseco ao negócio e que deve estar presente não apenas na formação do contrato, mas também durante toda a sua execução. 2. O direito à informação visa a assegurar ao consumidor uma escolha consciente, permitindo que suas expectativas em relação ao produto ou serviço sejam de fato atingidas, manifestando o que vem sendo denominado de consentimento informado ou vontade qualificada. Diante disso, o comando do art. 6º, III, do CDC, somente estará sendo efetivamente cumprido quando a informação for prestada ao consumidor de forma adequada, assim entendida como aquela que se apresenta simultaneamente completa, gratuita e útil, vedada, neste último caso, a diluição da comunicação efetivamente relevante pelo uso de informações soltas, redundantes ou destituídas de qualquer serventia para o consumidor. […] 5. Recurso especial provido.” (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 1.144.840/SP/ Relatora: Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 20.03.2012/ Publicado no DJe em 11.04.2012).
Averbe-se, por necessário, que o princípio da transparência desfralda como pavilhão a obrigação do fornecedor de informar, de maneira prévia, o consumidor, assentando-se em conteúdo claro e correto, como, por exemplo, a respeito das qualidades do produto, da quantidade, aspectos característicos, composição e preço. Com espeque no artigo 46 do Código de Defesa do Consumidor[9], verifica-se que em sendo o contrato redigido de maneira a acarretar dificuldade a compreensão de seu sentido e alcance, a avença será tida como inexistente, demonstrando, via de consequência, a atenção dispensada pelo legislador ao preceito em comento.
4 Anotações ao Recurso Especial nº 1.515.895-MS: O Direito à Informação para os Hipervulneráveis
Em uma primeira plana, quadra destacar que o direito do consumidor à informação, notadamente propulsionado pela ótica protecionista constitucional, alcança, inclusive, o acesso à informação adequada e clara acerca dos diferentes produtos e serviços, com especificação correta acerca da quantidade, aspectos característicos, composição, qualidade e preço. Verifica-se, neste primeiro momento, que o acesso à informação adequada afigura-se, em sede de relações consumeristas, como pilar de salvaguarda da vulnerabilidade do consumidor. Assim, nele encontra-se inserto um dos baluartes do microssistema da sociedade contemporânea, inserindo-se a proteção contra a publicidade enganosa como máxima no Direito do Consumidor. Nesta toada, a promoção do acesso à informação adequada deriva dos princípios da transparência, da confiança e da boa-fé objetiva, tal como dos corolários da solidariedade e da vulnerabilidade do consumidor. No mais, o dever, por parte do fornecedor, de prestar ao consumidor informações adequadas e claras incide nas fases pré-contratual, contratual e pós-contratual, vinculando, em decorrência de seu aspecto, tanto o fornecedor privado e o fornecedor público.
Nesta linha, de maneira paradigmática, em recente julgamento do Recurso Especial nº 1.515.895-MS, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça sobre a disposição da informação, em sede de embalagens, para alimentos com a presença de glúten, visando atender a hipervulnerabilidade apresentada pelos celíacos. Neste aspecto, a relatora pontuou que o próprio Superior Tribunal de Justiça explicitou que o dever de informar, em relação ao fornecedor, comporta quatro categorias distintas, que se complementam e guardam vinculação entre si, a saber: (i) informação-conteúdo, consistente nas características do produto ou do serviço disponibilizado para comercialização; (ii) informação-utilização, materializado nas instruções ao consumidor acerca da utilidade de um determinado produto ou serviço, ou seja, quais são as capacidades desempenhadas por aquele; (iii) informação-preço, compreendendo os dados sobre o preço e formas de pagamento do produto e serviço; e (iv) informação-advertência, abarcando os alertas sobre os riscos à saúde ou segurança do consumidor que a utilização de um determinado produto ou serviço pode acarretar.
Além disso, é oportuno mencionar que o Recurso Especial nº 1.515.895-MS, de maneira expressa, aludiu o dever de informação demanda do fornecedor comportamento ativo e positivo, tendo em vista que a legislação consumerista não aceita a regra caveat emptor, também afastando qualquer tipo de silêncio ou informações parciais pelo fornecedor. Para tanto, o julgamento reafirma o ideário de que a legislação consumerista estabelece uma regra geral de informação – também nominada de regra comum, ordinária ou primária -, ao passo que a Lei nº 10.674, de 16 de maio de 2003[10], que obriga a que os produtos alimentícios comercializados informem sobre a presença de glúten, como medida preventiva e de controle de doença celíaca, apresenta uma regra especial de dever de informação – também chamada de regra secundária, derivada ou tópica -, insculpida em seu artigo 1º.
Ademais, cuida destacar que, conquanto haja a consagração de um dever específico de informar trazido pela Lei nº 10.674/2003, essa é incapaz de afastar a aplicação e incidência das normas contidas no Código de Defesa e Proteção do Consumidor na hipótese de informação acerca do glúten, ante a eventual necessidade de complementações. No julgamento em exame, o Superior Tribunal de Justiça reafirmou a preocupação com os consumidores hipervulneráveis, in casu, os celíacos, cuja boa saúde depende de informações verídicas e precisas contidas nas embalagens de produtos alimentícios disponibilizados ao consumo. Assim, colaciona-se a ementa do julgado:
“Ementa: Recurso Especial. Direito do Consumidor. Ação coletiva. Associação de defesa do consumidor. Direito individuais homogêneos. Direito de informação. Produto. Glúten. Doença celíaca. Advertência. Proteção suficientemente adequada. Informações complementares. Desnecessidade. Ônus de sucumbência. Compensação. Má-fé. Ausência. Impossibilidade. – Ação ajuizada em 12/08/2010. Recurso especial interposto em 01/06/2014 e distribuído a este gabinete em 25/08/0216. – Cuida-se de ação coletiva com a finalidade de obrigar empresa a veicular no rótulo dos alimentos industrializados que produz a informação acerca da presença ou não da proteína denominada glúten e que essa substância é prejudicial aos portadores da doença celíaca. – É fundamental assegurar os direitos de informação e segurança ao consumidor celíaco, que está adstrito à dieta isenta de glúten, sob pena de graves riscos à saúde, o que, em última análise, tangencia a garantia a uma vida digna. – A expressão “contém glúten” ou “não contém glúten” constitui uma clara advertência aos consumidores, sendo uma proteção suficientemente adequada àqueles que são adversamente afetados pela mencionada substância. É desnecessária a inserção de informações adicionais nos rótulos e embalagens. – A associação civil que ajuíza ação coletiva para a defesa dos interesses e direitos de seus associados consumidores é isenta do pagamento dos ônus de sucumbência, salvo na hipótese de comprovada má-fé. – Ante a isenção dos ônus sucumbências de uma das partes, não se pode determinar sua compensação. – Recurso especial parcialmente provido” (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ Recurso Especial nº 1.515.895-MS/ Relatora: Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 06.12.2016).
No mais, ao analisar o pleito contido no recurso, a Ministra Relatora asseverou que a legislação em comento não possuía nenhuma lacuna a ser preenchida, ao contrário do que sustentou o recorrente, porquanto a legislação preconizava que a informação a ser apresentada na embalagem do produto alimentício não era informação-conteúdo, que é satisfeita quando indica os ingredientes empregados para se fazer um determinado produto. Ao reverso, trata-se de informação-advertência, expressa e inequívoca àqueles que são afetados pela substância, o que ocorre com os celíacos, em caso de presença de glúten no produto alimentício. Tanto é o caso que o próprio §1º do art. 1º da Lei 10.674/2003 classifica as inscrições “contém glúten” ou “não contém glúten” como uma advertência que deverá ser expressa nos rótulos, embalagens, cartazes e materiais de divulgação de produtos alimentícios industrializados. Assim, no caso examinado, a Ministra Relatora manifestou entendimento que a presença da advertência, por si só, é suficiente para atender os comandos geral e especial de informação, sendo despicienda a alocação de outro elemento.
Informações Sobre o Autor
Tauã Lima Verdan Rangel
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES