Estado, poder e segurança: uma visão da caótica situação brasileira a partir da crise do Rio de Janeiro

Resumo: O presente estudo trás uma análise da segurança, do estado e do poder numa visão de dois pensadores afiliados à escola austríaca de pensamento econômico, cujas filosofias divergem, haja vista suas respectivas perspectivas de ideologia, quais sejam, F. A. Hayek, liberal-conservador e H. H. Hoppe, anarcocapitalista, partindo da situação caótica enfrentada pelo Brasil a partir da eclosão da violência em patamares nunca vistos, que demandou o auxílio das forças armadas juntamente às polícias estaduais para apaziguar um enfrentamento de quadrilhas no bairro da Rocinha, localizado na cidade do Rio de Janeiro. 

Abstract: The present study brings an analysis of security, state and power in a vision of two thinkers affiliated to the Austrian school of economic thought, whose philosophies diverge, given their respective perspectives of ideology, namely F. A. Hayek, liberal-conservative and H. H. Hoppe, anarcho-capitalist, starting from the chaotic situation confronted by Brazil from the outbreak of violence in unprecedented levels, which demanded the assistance of the armed forces along with the state police to pacify a clash of gangs in the neighborhood of Rocinha, located in the city of Rio de Janeiro.

Palavras-chave: estado; poder; segurança; liberalismo; anarcocapitalismo; segurança coletiva; segurança privada.

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Keywords: state; power; safety; liberalism; anarcho-capitalism; collective security; private security.

Sumário: Introdução; 1. O estado e a monopolização da administração dos serviços; 2. O poder e sua concentração nas mãos erradas; 3. A segurança pública em confronto com a segurança privada; Conclusões; Referências.

Introdução.

O Estado brasileiro sempre foi monopolista e por mais de uma vez totalitarista, principalmente na chamada “Era Vargas”, sob o comando de Getulio Vargas [1], tomador e administrador de todos os serviços essenciais e essencialmente burocrático, baseado no clientelismo, no populismo e no assistencialismo, a política nacional, bem como a estadual, sempre foi calcada no voto direcionado ao demagogo, ao que mais prometia do que cumpria e se perpetuou nessa condição até os dias atuais.

Comprometidos com um turbilhão de afazeres os governantes, as mais das vezes, nunca deram conta de administrar uma incontável gama de serviços como educação, ciência, tecnologia, previdência, saúde, segurança, transportes, mobilidade, obras de infra-estrutura e conservação, entre diversos outros, logo, a corrupção, o malogrado “jeitinho”, e outros que tais, deram azo para uma máquina estatal gigantesca, burocrática e que facilitaram o inchaço e engessamento da administração pública, causando prejuízos em todas as áreas, seja pela má administração ou pelo incomensurável número de cargos comissionados ocupados pelos apadrinhados de toda sorte de políticos a troco de votos em suas bases eleitorais.

O Estado por não dar conta de seus inúmeros compromissos e governado por incompetentes foi dividido em cidades que foram crescendo desordenadamente, sem políticas públicas, sem planos diretores, sem controle de ocupação espacial, surgindo em seus contornos às comunidades mais pobres, formadas em sua maioria por trabalhadores de baixa renda que habitavam morros, favelas ou conjuntos habitacionais de alta precariedade de serviços básicos, como saneamento, urbanização, serviços de luz e água, entre outros.

O estado da Guanabara, tendo como capital a cidade do Rio de Janeiro – esta também capital nacional, e posteriormente sua mudança política deixando de ser capital nacional, transferindo-se este ente, Distrito Federal, para a cidade de Brasília -, sofreu uma fusão com o antigo estado do Rio de Janeiro, no ano de 1974, restando o espaço fluminense como estado do Rio de Janeiro, e ficando a capital do estado na cidade do Rio de Janeiro, aumentando-se não só o território espacial, mas, igualmente, todos os problemas administrativos.

Desde a década de 1980 que facções criminosas começaram a, literalmente, lotear, as comunidades da capital, cidade do Rio de Janeiro – morros e favelas – coincidindo com a farta entrada de drogas como cocaína e maconha, haja vista a facilidade, e fragilidade de vigília, das fronteiras brasileiras com os países produtores e “exportadores” das drogas, assim como seus cartéis organizados, principalmente na Colômbia e Bolívia.

A falta de políticas públicas voltadas para a educação e inserção social teria fomentado uma complexa rede de distribuição e organização das facções em organizações criminosas de alto poderio bélico e com penetração em todas as fontes de cooptação e capacitação de seus membros, formando-se, assim, verdadeiros exércitos, com táticas de guerrilha, penetração política e práticas de assistencialismo, de modo que, onde o estado não penetrava formava-se um estado paralelo que caminhava para dominar seus territórios seja pela força ou pela distribuição de “favores” de maneira a controlar o poder e se perpetuar no comando das regiões dominadas.

A venda de drogas e outras práticas criminosas, como o roubo de cargas, de agências bancárias e veículos foi abastecendo essa economia informal de tal modo que já na década de 1990 despontavam os chefões do tráfico ostentando riquezas e aclamando-se como “donos do morro”, ordenando seus próprios sistemas jurídicos, com normas, regras e comandos, organizando-se para enfrentar a polícia e formando redes de comunicação nacional e internacional na comercialização ilegal de drogas, troca e venda de veículos e tráfico de armas e munições.

O estado, monopolista e megalomaníaco, perdendo o rumo e o controle de seu próprio território partiu para a política do enfrentamento, deixando no meio do fogo cruzado milhares de trabalhadores, que por falta de opções de moradia, em vultosa vulnerabilidade, foi se vendo diuturnamente acuado e amedrontado, sendo obrigado a se acostumar a um verdadeiro “estado de sítio”, imposto pela disputa sangrenta da guerra urbana travada entre a polícia e os bandidos, enfrentando “toques de recolher” e aprendendo a, tentar, sobreviver ao fogo cruzado, às verdadeiras batalhas cruzadas entre os órgãos de segurança e as facções criminosas.

Haja vista os baixos salários pagos, e as precárias condições de trabalho, intensificaram-se a corrupção, a conivência e leniência entre os maus policiais e os bandidos, facilitando sobremaneira a política da “vista grossa” e o livre comércio de drogas, que foi se expandindo a olhos vistos, formando-se pelotões do tráfico que competiam em poder bélico e no crescente número de “soldados do tráfico” engrossando as fileiras da bandidagem, a ponto de se apoderarem de um incontável número de menores de idade, que ao se deixarem levar pela vida de ilusões aparentada pelo tráfico e seus efêmeros “benefícios” foram galgando posições dentro das quadrilhas com o falso cognato de independência financeira.

Esse fenômeno social, no pior sentido da frase, foi se perpetrando em torno do cotidiano da violência e da disputa entre mais de uma facção no Rio de Janeiro, por mais territórios em todo o seu entorno e ocupando os diversos bairros da cidade, sendo na capital, comandado por três principais, que entraram em forte e violenta disputa, a ponto de tomarem um presídio de segurança máxima, no ano de 2002, para vingar a morte de um de seus líderes, com a morte de outros detentos de uma facção rival [2].

Já na década de 2000 um novo “fenômeno” foi surgindo nas comunidades, principalmente da zona Oeste da cidade, denominado de “milícias”, formado por policiais das diversas corporações, policiais expulsos das corporações, simpatizantes e, pura e simplesmente, bandidos, que a termo de fazerem “justiça de mão própria”, entraram na disputa dos territórios, do mesmo modo que as facções criminosas, impondo o terror e cobrando por serviços essenciais e de lazer, tais como, transportes em Vans, entrega de gás, segurança, entre outros. A princípio a população dessas comunidades “comemorou” e recepcionou com bons olhos as práticas desses milicianos, haja vista a expulsão dos traficantes e ocupação do território outrora ocupado por àqueles, contudo ao longo do tempo foi visto e constatado que só se trocou bandidos que vendiam drogas por bandidos que vendiam serviços, e, em muitos casos, drogas também.

Nesse ponto, uma pergunta que se faz oportuna é: e o Estado onde estaria e o que estaria fazendo? Para isso abriremos um breve relato sobre uma política de “maquiagem” da cidade, denominada de UPP, Unidades de Polícia Pacificadora, emoldurada para dar uma falsa sensação de paz nos eventos da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos sediados na cidade, nos anos de 2014 e 2016.

As UPP foram uma proposta de ocupação dos territórios dominados pelo tráfico e pelas milícias em conjunto com uma política de segurança forjada pelo governo do estado [3], forças de segurança nacional e auxílio das forças armadas, construindo-se bases da Polícia Militar em cada comunidade ocupada e com efetivo de policiais sem nenhuma prática ou treinamento, basicamente recém-formados com o treinamento mínimo dado pela Polícia Militar, tentando fazer uma política de proximidade com os moradores numa tentativa utópica de preencher um vácuo secular de relaxamento do estado, porém sem a implementação de políticas públicas de cunho assistencial, tais como construção de escolas, centros culturais, áreas de lazer, saneamento básico, postos de saúde etc.

Na prática nem chegaram a funcionar, foi, no dizer do atual Secretário de Segurança Pública, Roberto Sá, uma política de “enxugar gelo”, uma referência polida ao escalafobético projeto de “pacificação” do, hoje detento, ex-governador Sergio Cabral, onde, em apartada síntese, visou-se uma “vitrine” para encobrir, como pano de fundo, um esquema de corrupção em obras jamais visto na história do estado, envolvendo empreiteiras, empresários e políticos corruptos que desviaram bilhões de reais em obras superfaturadas e esquemas de propinas pagos ao staff do alto escalão do governo e dos partidos políticos.

Culminou na volta da violência em níveis jamais vistos, na retomada dos territórios pelos traficantes, que nunca deixaram de sair e dominar, apenas ficaram na invisibilidade míope e caótica da fantasiosa UPP, e na recente guerra pelo domínio de territórios ocupados por facções rivais que voltaram a se enfrentar de modo violento, como na comunidade da Rocinha, em plena zona Sul da cidade. Cercada por imóveis de alto valor e pessoas de alta renda, a Rocinha é praticamente uma cidade, contando com mais de 70 mil habitantes – mais que muitos municípios do estado -, é a maior favela do Brasil e uma das maiores da América do Sul, alçando a condição de bairro em 1993, tal a sua magnitude.

O confronto armado na Rocinha tomou proporções de guerra nas últimas semanas do mês de setembro do ano de 2017. Gerou uma polêmica de declarações onde o Governador, o Secretário de Segurança, o ministro da Defesa e o Comandante da 1a Divisão do exército, antagonizaram frases que coadunavam com a certeza do caos que comanda a segurança no estado, mormente na capital, cidade do Rio de Janeiro, gerando mais insegurança no cidadão que se vê acuado e completamente perdido entre tiros e disparates disparados.

Em suma, o estado assistencialista nunca prestou assistência a seus correligionários, a seus cidadãos e eleitores, nunca se comprometeu a prestar os serviços que prometeu cumprir em seus discursos demagogos e populistas na hora de se perpretar no poder através dos votos e da corrupção eleitoral, jamais teve a intenção de desenvolver uma juventude voltada para a livre iniciativa, o pensamento escorreito e as diretrizes da opção de escolha em um mercado justo e competitivo, ao contrário perdeu grande parte dessa mesma juventude para o crime, deixou ao léu uma imensa maioria de possíveis profissionais com potencial futuro promissor, deixou os cidadãos reféns da violência e do caos, da insensatez e da impotência, ou seja, sempre foi um estado estagnado, engessado e pária.

Em vista desse caos resolvemos repensar a ideia de monopolização da administração dos serviços pelo estado, à luz dos ideais de dois pensadores da Escola Austríaca de pensamento Econômico, os consagrados Friedrich Hayek, liberal conservador, e Hans-Hermann Hoppe, anarcocapitalista, e revisar os conceitos sobre estado, poder e segurança.

1. O estado e a monopolização da administração dos serviços [4]

A monopolização do sistema legislativo e judiciário pelo estado leva a desagregação da unidade familiar e à sua desautorização enquanto centro de poder de decisões, ou seja, ao se intrometer em decisões unicamente familiares – às quais deveriam ser definidas pelo poder da família, no âmbito de seus componentes -, o governo descentraliza e pulveriza as ações, justamente com intuito de retirar esse poder para criar um sistema de assistencialismo que tem como meta separar o que antes era unido e integrar, unir, o que sempre foi separado, criando uma série de inconveniências com a finalidade de agregar o poder e retê-lo para si, “vendendo”, em contrapartida, uma falsa sensação de segurança, e, criando situações onde a prática assistencialista pode atuar:

“O estabelecimento de um governo – de um monopólio judicial – não apenas significa que jurisdições anteriormente separadas (como, por exemplo, os distritos étnica ou racialmente segregados) são integradas à força; ele implica, ao mesmo tempo, que jurisdições anteriormente integradas de maneira completa (como, por exemplo, as famílias e os seus lares familiares) são coercitivamente deterioradas ou até mesmo dissolvidas [5].”

“Toda forma de assistencialismo governamental – a transferência coer­citiva de riqueza e de renda dos “ricos” (“possuidores”) para os “pobres” (“não possuidores”) – diminui o valor do ato de pertencer a um sistema familiar estendido (na condição de um sistema social de cooperação, de ajuda e de assistência mútuas). O casamento perde valor. Para os pais, o valor e a importância de uma “boa” criação (educação) para os seus pró­prios filhos são reduzidos. Correspondentemente, no tocante às crianças, menos valor e menos respeito elas atribuirão e mostrarão aos seus próprios pais [6].”

O estado monopolista cria normas legislativas para desautorizar condutas individuais e ao mesmo tempo extermina com a autoridade das famílias, sobrepondo-se a elas e criando situações de ódio entre as classes, os gêneros, os pensamentos, enfim, tentando regulamentar comportamentos que desde sempre foram normais e criando situações de desagregação entre os cidadãos. Os epítetos como homofobia, que jamais alcançaram níveis tão alarmantes quanto nos dias atuais, serviram de pano de fundo para uma política voltada para a desautorização da ordem natural das relações sociais, tendo com centro as famílias, como muito bem apontado na obra de Hoppe:

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“O estabelecimento de um governo – de um monopólio judicial – não apenas significa que jurisdições anteriormente separadas (como, por exemplo, os distritos étnica ou racialmente segregados) são integradas à força; ele implica, ao mesmo tempo, que jurisdições anteriormente integradas de maneira completa (como, por exemplo, as famílias e os seus lares familiares) são coercitivamente deterioradas ou até mesmo dissolvidas [7].”

“Devido à alta concentração de destinatários do assistencialismo, nas grandes cidades a desintegração familiar já se encontra em um estágio bem avançado. Com o fato de o governo recorrer ao sexo (gênero) e à ge­ração (idade) como uma fonte de apoio político e de promover e aplicar a legislação referente ao sexo e à família, invariavelmente a autoridade dos chefes de família (de lares familiares) e a hierarquia “natural” entre as gerações no seio familiar são enfraquecidas, diminuindo-se o valor da família multigeracional como a unidade básica da sociedade humana [8].”

Desse modo, o governo se intromete nas relações familiares de modo a tolher a sua autoridade e promover neologismos e, por conta de suas ingerências, promove o assistencialismo que encobre o verdadeiro alcance de seus fins, quais sejam, abarcar, através do assistencialismo, um maior número de práticas, ditas sociais, que aglutinadas aumentam o seu poder de influência e, a partir daí, crescer sua autoridade e aumenta sua persuasão sobre os cidadãos, implementando políticas que, no estado normal das coisas, seriam fora de suas alçadas:

“Então, assim que são implemen­tadas as políticas governamentais sobre as questões familiares, aumenta a ocorrência de fenômenos como: divórcio; celibato; família monoparental; ilegitimidade; negligência ou abuso por parte de cônjuges, de pais e de filhos; adoção de modos de vida “não tradicionais” – homossexualidade, lesbianismo, comunismo e ocultismo –, estilos esses que se mostram cada vez mais variados e freqüentes [9].”

Esse estado de coisas prejudica o futuro das pessoas, que numa visão distorcida enxergam somente o presente, sem ter a perspectiva do futuro real, atrelando-se a uma “visão de curto prazo”, haja vista o crescente número de leis, transformadas em legislação governamental, que aumentam a insegurança jurídica e destroem a ideia de justiça, corrompendo-a por conta dessa alienação do futuro:

“Paralelamente a essa evolução do estado de coisas, haverá um cresci­mento gradual – mas constante – da criminalidade e do comportamento criminoso. Sob auspícios monopolísticos, a lei invariavelmente se trans­formará em legislação. Em consequência de um interminável processo de redistribuição de renda e de riqueza em nome da justiça racial, social e/ou sexual, a própria ideia da justiça como princípios universais e imutáveis de conduta e de cooperação será corroída e finalmente destruída. Ao invés de ser considerada algo pré-existente (algo, portanto, a ser descoberto), a lei é cada vez mais considerada legislação governamental. Assim, não só se agrava a insegurança jurídica, mas também, em resposta a isso, au­menta a taxa social de preferência temporal – i.e., as pessoas, em geral, se tornarão mais orientadas para o presente, promovendo um horizonte de planejamento cada vez mais curto (visão de curto prazo) [10].”

O conceito do que é certo e do que é errado é, igualmente, manipulado e relativizado, baseado numa projeção mascarada pela falsa moral: “O relativismo moral também será promovido – pois, se não existe um padrão absoluto (firme, imutável, constante) do que é certo, então, da mesma forma, não há um padrão absoluto do que é errado.” [11]

Por concentrarem uma grande massa popular, os centros urbanos, as cidades, onde se concentram os maiores números de diversidades de todos os gêneros, são os destinatários direitos da legislação governamental e é nelas que as disparidades se encontram mais acirradas e enraizadas, sofrendo mais as agruras do assistencialismo:

“Na verdade, o que se considera certo hoje pode ser considerado errado amanhã – e vice-versa. Portan­to, as preferências temporais crescentes, em conjunto com o relativismo moral, fornecem o terreno fértil perfeito para os criminosos e os crimes – uma tendência particularmente evidente nas grandes cidades. É nelas que a dissolução familiar encontra-se mais avançada; que existe a maior concentração de destinatários do assistencialismo; que o processo de em­pobrecimento genético se revela mais adiantado; e que as tensões raciais e tribais em decorrência da integração forçada se mostram mais virulentas. Ao invés de serem centros de civilização, as cidades tornaram-se centros de desintegração social e sarjetas de decadência moral, de corrupção, de brutalidade e de crime [12].”

Na atualidade as cidades já se encontram corrompidas, sendo muito complicado verter a situação de comprometimento a uma neutralidade ou mesmo a uma posição diversa, sendo mais fácil tratar-se a questão em zonas rurais, onde o núcleo familiar, os costumes, a cultura e a civilização ainda se encontram enraizados, sendo necessário cuidar de alguns pontos vitais:

“Ainda há alguns focos de civilização e de cultu­ra – não nas cidades e nas áreas metropolitanas, mas sim nas áreas rurais centrais (no campo). Para preservá-los, alguns requisitos devem ser pre­enchidos: o estado – o monopólio da justiça – deve ser reconhecido como a fonte da descivilização: os estados não criam a lei e a ordem; eles as destroem. Os lares familiares e as famílias devem ser reconhecidos como a fonte da civilização. É essencial que os chefes de família (de lares familia­res) reafirmem a sua autoridade máxima como juízes de todos os assuntos familiares internos. (Os lares familiares devem ser declarados territórios extraterritoriais – assim como as embaixadas estrangeiras o são.) [13].”

Em suma, quanto mais monopolizado e centralizado o poder pelo estado, mais manipuladas ficam as relações, que dependem de práticas assistencialistas e se tornam corrompidas, degradadas e fora do alcance das decisões por parte das famílias, núcleos de poder legítimo dentro da civilização, provocando as diferenças e fomentando a criminalidade em cidades ou centro urbanos de maior densidade populacional, abastecidas por uma “visão de curto alcance” que procura almejar o presente e descaracteriza o planejamento para o futuro, acirrando disputas entre ricos e pobres, diferentes sexos, raças, entre outras diferenças criadas para desmoralizar o centro de poder familiar e criar as reder de poder monopolista e castrador.

2. O poder e sua concentração nas mãos erradas [14]

Poder, autoridade, totalitarismo estão imbricados na sociedade de forma que quanto mais o estado se distancia dos mecanismos de exercê-los mais a liberdade dos indivíduos é respeitada e os torna menos censurados, menos oprimidos e mais senhores de suas vontades, isso ocorre em um sistema ou regime liberal, mutatis mutandis quando os planos estatistas convertem-se em absolutórios e os mandantes exercem total controle das atividades que permeiam as liberdades e cerceiam os direitos individuais ou coletivos os regimes são ditos totalitários e são enormes as diferenças entre eles, tanto em termos de aplicabilidade quanto em termos de condição moral das aplicações [15]:

“Assim como o estadista democrata que se propõe a planejar a vida econômica não tardará a defrontar-se com o dilema de assumir poderes ditatoriais ou abandonar seu plano, também o ditador totalitário logo teria de escolher entre o fracasso e o desprezo à moral comum. É por essa razão que os homens inescrupulosos têm mais probabilidades de êxito numa sociedade que tende ao totalitarismo. Quem não percebe essa verdade ainda não mediu toda a vastidão do abismo que separa o totalitarismo dos regimes liberais, a profunda diferença entre a atmosfera moral do coletivismo e a civilização ocidental, essencialmente individualista.”

“A interação da moral e das instituições poderá fazer com que a ética resultante do coletivismo seja totalmente diversa dos ideais morais que levam a exigir a implantação desse mesmo coletivismo. Embora nos inclinemos a pensar que, como o desejo de um sistema coletivista nasce de elevados motivos morais, em tal sistema se desenvolverão as mais altas virtudes, não existe, na realidade, nenhuma razão para que qualquer sistema estimule necessariamente aquelas atitudes que concorrem para o fim a que ele se destina. As ideias morais dominantes dependerão em parte das qualidades que conduzem os indivíduos ao sucesso num sistema coletivista ou totalitário e, em parte, das exigências do mecanismo totalitário.”

Num regime totalitário não há um líder solitário, mas toda uma complexa divisão de tarefas entre os vários mandantes e suas respectivas tarefas e hierarquias, que num conluio e união de esforços irão reunir-se e através da força, ou da violência, imporão suas vontades aos outros: Para conseguir impor um regime totalitário a toda uma nação, o líder deve em primeiro lugar reunir à sua volta um grupo disposto a submeter-se voluntariamente à disciplina totalitária que ele pretende aplicar aos outros pela força [16].

Hayek faz uma comparação entre inteligência, educação, gostos e opiniões concluindo que quanto mais diferenciadas pelo grau elevado desses parâmetros menor será a chance de se unirem em conformidade, contudo quanto menores forem esses valores, maior será a afinidade de se unirem para perpetrarem-se no poder, ou seja, é necessário descer aos mais brutos graus de educação e cultura, às “massas”, para se ter uma maior semelhança e concordância dos pontos de vista, obtendo-se uma maior dependência entre eles, sobre esse aspecto ele denomina de primeiro princípio ou razão para que os piores elementos alcancem o poder ao invés dos melhores [17]:

“[….] de modo geral, quanto mais elevada a educação e a inteligência dos indivíduos, tanto mais se diferenciam os seus gostos e opiniões e menor é a possibilidade de concordarem sobre determinada hierarquia de valores. Disso resulta que, se quisermos encontrar um alto grau de uniformidade e semelhança de pontos de vista, teremos de descer às camadas em que os padrões morais e intelectuais são inferiores e prevalecem os instintos mais primitivos e “comuns”. Isso não significa que a maioria do povo tenha padrões morais baixos; significa apenas que o grupo mais amplo cujos valores são semelhantes é constituído por indivíduos que possuem padrões inferiores. É, por assim dizer, o mínimo denominador comum que une o maior número de homens. Quando se deseja um grupo numeroso e bastante forte para impor aos demais suas ideias sobre os valores da vida, jamais serão aqueles que possuem gostos altamente diferenciados e desenvolvidos que sustentarão pela força do número os seus próprios ideais, mas os que formam a “massa” no sentido pejorativo do termo, os menos originais e menos independentes.”

Como segundo princípio ele aponta as estratégicas da retórica e da demagogia esculpidas para convencer àqueles que não possuem um forte discernimento e, de modo geral, se deixam “enganar” com mais facilidade, seja por trem ideias e pensamentos simplórios ou mesmo por serem néscios em termos de política [18]: 

“A esta altura entra em jogo o segundo princípio negativo da seleção: tal indivíduo conseguirá o apoio dos dóceis e dos simplórios, que não têm fortes convicções próprias mas estão prontos a aceitar um sistema de valores previamente elaborado, contando que este lhes seja apregoado com bastante estrépito e insistência.

Serão, assim, aqueles cujas ideias vagas e imperfeitas se deixam influenciar com facilidade, cujas paixões e emoções não é difícil despertar, que engrossarão as fileiras do partido totalitário.”

Por fim, apontado como terceiro aspecto negativo está à habilidade do “demagogo” em agregar grupos coesos e homogêneos em torno dos discursos de ódio – dos programas negativos -, onde o “nós” contra “eles” se torna o ingrediente ideal para fomentar as diferenças e unir esse grupo numa ação conjunta e sólida, numa grande massa ungida por esses ingredientes explosivos para se sobrepor ao “imaginável inimigo” em um sistema totalitário [19]:

“O terceiro e talvez mais importante elemento negativo da seleção está relacionado com o esforço do demagogo hábil por criar um grupo coeso e homogêneo de prosélitos. Quase por uma lei da natureza humana, parece ser mais fácil aos homens concordarem sobre um programa negativo – o ódio a um inimigo ou a inveja aos que estão em melhor situação – do que sobre qualquer plano positivo. A antítese “nós” e “eles”, a luta comum contra os que se acham fora do grupo, parece um ingrediente essencial a qualquer ideologia capaz de unir solidamente um grupo visando à ação comum. Por essa razão, é sempre utilizada por aqueles que procuram não só o apoio a um programa político mas também a fidelidade irrestrita de grandes massas. Do seu ponto de vista, isso tem a vantagem de lhes conferir mais liberdade de ação do que qualquer programa positivo. O inimigo, seja ele interno, como o “judeu” ou o “kulak”, seja externo, parece constituir uma peça indispensável no arsenal do líder totalitário.”

O coletivismo tem uma tendência a se particularizar, sob a forma de ideais nacionalistas, racistas ou classistas, ou seja, que atende aos interesses de um grupo limitado, forçando a um mesmo tipo de semelhanças que não os faça que todos se conheçam, mas que comunguem do mesmo tipo de pensamentos e ideias. Na análise de Hayek: “O coletivismo em proporções mundiais parece inconcebível, a não ser para atender aos interesses de uma pequena elite dirigente. Ele por certo suscitaria problemas, não só de natureza técnica mas sobretudo moral, que nenhum dos nossos socialistas estaria disposto a enfrenta [20].”

Hayek também chama a atenção para o fato de que a noção individualista do coletivismo é baseada, na prática, no interior de grupos relativamente pequenos [21]: “Uma das contradições inerentes à filosofia coletivista é que, embora baseada na moral humanista aperfeiçoada pelo individualismo, só se mostra praticável no interior de um grupo relativamente pequeno.”

Nesse diapasão, a comunidade tem prioridade sobre os indivíduos, relativizando sua condição de ser humano, ou seja, uma pessoa nesse âmbito só é respeitada, e considerada membro da coletividade, se trabalha e coopera para os objetivos comuns por ela reconhecidos, uma unidade de propósitos, tornando o coletivismo um sistema particularista e exclusivista, tornando a recepção do indivíduo por um grupo num ato de reconhecimento de suposta superioridade em relação aos outros membros do grupo:

“Se a “comunidade” ou o estado têm prioridade sobre os indivíduos, se possuem objetivos próprios superiores aos destes e deles independentes, só os indivíduos que trabalham para tais objetivos podem ser considerados membros da comunidade. Como consequência necessária dessa perspectiva, uma pessoa só é respeitada na qualidade de membro do grupo, isto é, apenas se coopera para os objetivos comuns reconhecidos, e toda a sua dignidade deriva dessa cooperação, e não da sua condição de ser humano [22].”

 “Além do fato fundamental de que a comunidade coletivista só pode chegar até onde exista ou possa ser estabelecida uma unidade de propósitos individuais, vários elementos contribuem para fortalecer a tendência do coletivismo a tornar-se particularista e exclusivista. Destes, um dos mais importantes é que o desejo de identificação do indivíduo com um grupo resulta com frequência de um sentimento de inferioridade, e por isso tal desejo só será satisfeito se a qualidade de membro do grupo lhe conferir alguma superioridade sobre os que a este não pertencem. Às vezes, ao que tudo indica, o próprio fato de esses instintos violentos que o indivíduo é obrigado a refrear no seio do grupo poderem ser liberados numa ação coletiva contra os estranhos constitui mais um incentivo para fusão de sua personalidade com a do grupo [23].”

Hayek então chega à conclusão que [24]: “Agir no interesse de um grupo parece libertar os homens de muitas restrições morais que regem seu comportamento como indivíduos dentro do grupo.”

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Para o coletivista o poder se configura como um fim em si mesmo, diferente do pensamento de alguns filósofos do século XIX que o viam como um supremo mal, mas para se atingir um poder unitário onde alguns o exerçam sobre os demais é necessário que esse poder alcance magnitudes jamais alcançadas, concentrado em um grupo pequeno e único que aumentará seu alcance de uma forma nunca vista, retirando-o da sociedade e agregando-o em um plano único que aumentará sua concentração, diferentemente dos que pensam que sua dispersão seria necessária:

“Enquanto para os grandes filósofos sociais individualistas do século XIX, como Lord Acton ou Jacob Burckhardt, e mesmo para socialistas contemporâneos como Bertrand Russell, que herdaram a tradição liberal, o poder sempre se afigurou o supremo mal, para o coletivista puro ele é um fim em si mesmo. O próprio desejo de organizar a vida social segundo um plano unitário nasce basicamente da ambição de poder, mas não apenas disso, conforme destacou Russell com propriedade [25]. Esse desejo resulta sobretudo do fato de que, para realizar seu objetivo, os coletivistas precisam criar um poder de uma magnitude jamais vista até hoje – poder exercido por alguns homens sobre os demais – e de que seu êxito dependerá do grau de poder alcançado.”

“Isto permanece válido ainda que muitos socialistas liberais orientem suas ações pela desastrosa ilusão de que, privando os indivíduos do poder que possuem num sistema individualista e transferindo-o à sociedade, lograrão acabar com o próprio poder. O que todos aqueles que usam esse argumento esquecem é que, concentrando-se o poder de modo a empregá-lo a serviço de um plano único, ele não será apenas transferido mas aumentado a um grau infinito; e que, enfeixando-se nas mãos de um só grupo uma autoridade antes exercida por muitos de forma independente, cria-se um poder infinitamente maior – tão amplo que quase chega a tornar-se um outro gênero de poder [26].”

Em uma sociedade pautada pela livre concorrência o poder é completamente fracionado, descentralizado como forma da própria essência da concorrência, logo falar em poder concentrado nas mãos dos capitalistas e empresários é uma falácia ou no máximo uma figura de linguagem [27]:

“Numa sociedade baseada na concorrência, ninguém exerce uma fração sequer do poder que uma comissão planejadora socialista concentraria nas mãos; e se ninguém o pode empregar de modo intencional, não passa de abuso de linguagem afirmar que este se encontra nas mãos de todos os capitalistas reunidos [28]. Falar do “poder conjuntamente exercido pelas diretorias das empresas privadas” é apenas manipular palavras, se essas diretorias não se unem para uma ação comum – o que significaria, é evidente, o fim da concorrência e a criação de uma economia planificada. Fracionar ou descentralizar o poder corresponde, forçosamente, a reduzir a soma absoluta de poder, e o sistema de concorrência é o único capaz de reduzir ao mínimo, pela descentralização, o poder exercido pelo homem sobre o homem.”

A substituição do poder econômico pelo poder político diz respeito a uma forma de limitação a outra forma imprescindível, da qual não podemos escapar, e centralizar-se o poder econômico sob a forma de instrumento do poder político, criaria uma forma de dependência assemelhada à escravidão [29]:

“Devemos acrescentar agora que a “substituição do poder econômico pelo político”, tão demandada hoje em dia, significa necessariamente a substituição de um poder sempre limitado por um outro ao qual ninguém pode escapar. Embora possa constituir um instrumento de coerção, o chamado poder econômico nunca se torna, nas mãos de particulares, um poder exclusivo ou completo, jamais se converte em poder sobre todos os aspectos da vida de outrem. No entanto, centralizado como instrumento do poder político, cria um grau de dependência que mal se distingue da escravidão.”

A ética coletivista aprova como máxima que “o fim justifica os meios” como premissa do bem maior à coletividade, sendo assim, mesmo de forma individual, tudo que o indivíduo faça que se justifique necessário a consecução dos objetivos impostos à comunidade como benéfico à coletividade é bem visto a contrário sensu da boa aplicação da moral [30]:

“Na ética individualista, o princípio de que o fim justifica os meios é considerado a negação de toda a moral. Na ética coletivista, torna-se a regra suprema; não há literalmente nada que o coletivista coerente não deva estar pronto a fazer, desde que contribua para o “bem da comunidade”, porque o “bem da comunidade” é para ele o único critério que justifica a ação. A “razão de estado”, em que a ética coletivista encontrou a sua formulação mais explícita, não conhece outros limites que não os da conveniência – a adequação do ato particular ao objetivo que se tem em vista. E o que a “razão de estado” afirma no tocante às relações entre diferentes países aplica-se também às relações entre diferentes indivíduos no estado coletivista. Não pode haver limites para aquilo que o cidadão desse estado deve estar pronto a fazer, nenhum ato que a consciência o impeça de praticar, desde que seja necessário à consecução de um objetivo que a comunidade impôs a si mesma ou que os superiores lhe ordenem.”

Desse modo, numa visão coletivista, o indivíduo é visto como um instrumento para servir aos fins da sociedade, capaz de agir contra a moral e a ética para satisfazer “um bem maior” que seria o desejo da nação, ou da coletividade, mesmo que essas ações sejam reprováveis e causem horror sob a ótica do direito e dos bons costumes, assim é nos tempos de guerra, cujas atitudes totalmente reprováveis tornam-se “lugar comum” em nome da finalidade de almejar os fins propostos, aos objetivos totalitários e coletivistas, que se tornam permissivos em decorrência dos propósitos da coletividade em superioridade aos direitos de qualquer indivíduo:

“Uma vez admitido que o indivíduo é simples instrumento para servir aos fins da entidade superior que se chama sociedade ou nação, manifesta-se necessariamente a maior parte dessas características dos regimes totalitários que nos enchem de horror. Da perspectiva coletivista, a intolerância e a brutal supressão da dissidência, o completo desrespeito pela vida e pela felicidade do indivíduo são consequências essenciais e inevitáveis dessa premissa básica. O coletivista pode aceitar esse fato, e ao mesmo tempo afirmar que seu sistema é superior àqueles em que se permite que interesses individuais “egoístas” criem embaraços à plena realização das metas visadas pela comunidade [31].”

“Onde existe uma finalidade comum e soberana, não há lugar para uma moral ou para normas gerais. Até certo ponto, nós próprios experimentamos isso durante a guerra. A guerra e o perigo mais grave, no entanto, levaram os países democráticos a uma situação que só de longe se assemelhava ao totalitarismo, poucas vezes prejudicando os demais valores em função de um objetivo único. Mas quando toda a sociedade é dominada por alguns fins específicos, é inevitável que, vez por outra, a crueldade se torne um dever; que ações que nos revoltam, tais como o fuzilamento de reféns ou o extermínio de velhos e doentes, sejam tratadas como meras questões de conveniência; que arrancar centenas de milhares de indivíduos de suas casas e transportá-los compulsoriamente para outro lugar se converta numa linha de ação política aprovada por quase todos, menos pelas vítimas; ou que ideias como a “conscrição das mulheres para fins de procriação’’possam ser consideradas a sério. O coletivista tem sempre diante dos olhos uma meta superior para a qual concorrem essas ações e que, no seu modo de ver, as justifica, porque a busca do objetivo social comum não pode ser limitada pelos direitos ou valores de qualquer indivíduo [32].”

Por fim, Hayek assevera que o indivíduo num estado totalitário está preparado para não agir sob sua própria convicção moral, mas estar preparado para abstrair os fins dos quais as consecuções sejam o propósito da finalidade imposta pela administração, abdicando em prol da fidelidade ao líder, sem o discernimento do que é justo ou injusto, apenas agindo em conformidade ao que lhe seja imputado como o melhor para todos, cedendo aos desmandos e às práticas desse fim, sobrepondo-se ao que a grande maioria não teria satisfação em realizar, mas mesmo que este não seja um sentimento de todos sempre haverá os inescrupulosos e de caráter duvidosos que realizarão esses intentos com esmero e sem relutância:

“Para ser um auxiliar útil na administração de um estado totalitário não basta que um indivíduo esteja pronto a aceitar justificações capciosas de atos abomináveis. Deve estar preparado para violar efetivamente qualquer regra moral de que tenha conhecimento, se isso parecer necessário à realização do fim que lhe foi imposto. Como o chefe supremo é o único que determina os fins, seus instrumentos não devem ter convicções morais próprias. Cumpre-lhes, acima de tudo, votar uma fidelidade irrestrita à pessoa do líder; em seguida, o mais importante é que sejam desprovidos de princípios e literalmente capazes de tudo. Não devem possuir ideais próprios que desejem realizar, nenhuma ideia sobre o que é justo ou injusto que possa criar obstáculos às intenções do líder. Desse modo, as posições de mando oferecem àqueles que possuem convicções morais semelhantes às que têm guiado os povos europeus poucos atrativos que compensem a repugnância causada por muitas das tarefas a executar, e escassas oportunidades de satisfazer os desejos mais idealistas, de recompensar os inegáveis riscos, o sacrifício da maioria dos prazeres da vida privada e da independência pessoal que esses postos de grande responsabilidade sempre impõem. A única satisfação é a da ambição do poder em si mesmo, o prazer de ser obedecido e de fazer parte de uma máquina perfeita, imensamente poderosa, diante da qual tudo deve ceder [33].”

“Por outro lado, embora pouco haja para induzir homens bons, segundo nossos padrões, a aspirar a cargos de importância na máquina totalitária, e muito para afastá-los dessas posições, haverá oportunidades especiais para os insensíveis e os inescrupulosos. Será preciso desempenhar tarefas de inegável crueldade, mas que não podem deixar de ser executadas, a serviço de alguma finalidade superior, com a mesma perícia e a mesma eficiência que quaisquer outras. Havendo, assim, necessidade de ações intrinsecamente nocivas e que todas as pessoas ainda influenciadas pela moral tradicional relutarão em fazer, a disposição para praticar tais ações converte-se no caminho da ascensão social e do poder. Numa sociedade totalitária, são numerosas as posições em que é necessário praticar a crueldade e a intimidação, a duplicidade e a espionagem [34].”

3. A segurança pública em confronto com a segurança privada [35]

O mito da segurança coletiva, monopolizada pelo estado, oferecida precipuamente por seus “soldados”, é, justamente um dos pilares da sua sustentação, assim, para se justificar a formação de um estado, soberano, monopolista, o “súdito” entrega a um “soberano” as suas armas, instrumentos da sua autodefesa, e deixa a seu cargo o papel de defensor contra as agressões externas, é também denominado por Hoppe de mito hobbesiano [36]:

“O mito da segurança coletiva também pode ser chamado de mito hob­besiano. Thomas Hobbes – e incontáveis filósofos políticos e economistas depois dele – sustentava que, no estado de natureza, os homens viveriam em pé de guerra.”

“A solução para essa situação presumivelmente intolerável, de acordo com Hobbes e os seus seguidores, é a instituição de um estado. Com a finalidade de estabelece­rem uma cooperação pacífica entre si, dois indivíduos, A e B, exigem que uma terceira parte independente, E, atue como juiz de última instância e mediador. Contudo, essa terceira parte, E, não é apenas mais um indiví­duo, e o serviço oferecido por E – i.e., o de segurança – não é apenas mais um serviço “privado”. Na verdade, E é um soberano, gozando, como tal, de dois poderes únicos, singulares. Por um lado, E pode insistir que os seus súditos, A e B, não busquem proteção de ninguém, exceto dele; i.e., E é um monopolista territorial compulsório de proteção. Por outro lado, E pode determinar unilateralmente quanto A e B têm de investir em sua própria segurança; i.e., E tem o poder de impor tributos (cobrar impostos) a fim de oferecer segurança “coletivamente” [37].”

Na verdade, criando-se o estado e cedendo o monopólio da segurança, este irá se prevalecer da expropriação, através da cobrança de impostos, para garantir que ele mesmo não irá agir como agressor contra a vida e a propriedade do segurado, além do mais em se tratando de segurança do estado patrocinada com o dinheiro coletivo, essa é, conceitualmente, a segurança privada do estado, outrossim, para se unificar a paz entre os diversos estados seria necessário a criação de um único estado, centralizado politicamente sob a égide de um governo mundial: 

“Pareceria, assim, que a segurança coletiva não é melhor do que a segurança privada. Na realida­de, ela é a segurança privada do estado, E, obtida por meio da expropria­ção – i.e., do desarmamento econômico – dos seus súditos. Ademais, os estatistas – de Thomas Hobbes a James M. Buchanan – sustentam que um estado protetor E surgiria como o resultado de algum tipo de contra­to “constitucional” [38].”

 “Ao supor-se que, para estabelecer uma coo­peração pacífica entre A e B, é necessário haver um estado – E –, segue-se uma conclusão de duas partes. Se houver mais de um estado – E1, E2, E3 –, então, assim como presumivelmente não pode haver paz entre A e B sem E, não poderá haver paz entre os estados E1, E2 e E3 enquanto eles permanecerem em um estado de natureza (i.e., em um estado de anarquia) uns em relação aos outros. Portanto, para que seja alcançada a paz uni­versal, é necessário estabelecer a centralização política, a unificação e, por fim, um único governo mundial [39].”

 “Como afirmado no início, o mito da segurança coletiva se mostra tão disseminado quanto impactante. Não tenho conhecimento de qualquer pesquisa sobre o assunto, mas arriscaria prever que o mito hobbesiano é aceito mais ou menos incondicionalmente por bem mais de 90% da população adulta. Contudo, acreditar em algo não o torna verda­deiro. Na realidade, se aquilo em que alguém acredita é falso, as suas ações o levarão ao fracasso. E quanto às evidências? Elas apoiam Hobbes e os seus seguidores ou confirmam os medos e as alegações dos seus adversá­rios anarquistas? [40].”

Partindo do caso genérico para um específico, como a realidade brasileira e seu caótico estado de insegurança, o resultado da política de legislação excessiva dá uma falsa impressão de que estaríamos protegidos contra todo e qualquer mal que poderia nos atingir. Assim, há em vigor, leis que “previnem” e “punem” os mais variados tipos penais e nos protegem das mais variadas situações aleatórias, mas o que acontece na realidade, que foge do mundo das ideias e elucubrações teóricas, é o excessivo número de leis que não atingem suas finalidades e o crescente número de todos os tipos penalizados por estas, sendo assim, as mais das vezes o contribuinte vê sua renda diminuída sob a forma de impostos pagos, que custeiam uma segurança que não fornece a contrapartida razoável ou sequer mínima, tudo muito bem sintetizado nas palavras de Hoppe [41]:

“Conforme as declarações dos nossos governantes e dos seus guarda­-costas intelectuais (que nunca foram tantos quanto hoje), estamos mais protegidos e mais seguros do que nunca. Estamos supostamente prote­gidos do aquecimento e do resfriamento global; da extinção dos animais e das plantas; dos maus tratos de maridos contra as esposas; de pais e de empregadores; da pobreza, das doenças, dos desastres, da ignorância, do preconceito, do racismo, do sexismo, da homofobia; e de outros in­contáveis inimigos e perigos públicos. Na verdade, entretanto, as coisas são incrivelmente diferentes. Para nos proporcionar toda essa “proteção”, os governantes estatais expropriam – entra ano, sai ano – mais de 40% da renda dos produtores privados. A dívida e o passivo governamentais crescem sem parar, aumentando, assim, a necessidade de expropriações futuras.”

 “Cada detalhe da vida privada, das propriedades, do comércio e dos contratos é regulado por montanhas cada vez mais altas de leis (legislação), gerando, assim, insegurança jurídica e risco moral.”

“[….] quanto mais o estado aumentou os seus gastos em “previdência social” e em “segurança pública”, mais os nossos direitos de propriedade privada foram corroídos; mais a nossa propriedade foi expropriada, con­fiscada, destruída ou depreciada; e mais fomos privados da própria base de toda proteção: a independência econômica, a solidez financeira e a ri­queza pessoal.”

Se pensarmos em termos da renda arrecadada – contribuição paga ao governo sob a forma de impostos -, chegaríamos à conclusão que à medida que o governo usurpa nossas riquezas ou taxa nossas propriedades, esperar-se-ia que aumentasse a proteção e a segurança fosse sentida pela diminuição dos níveis de criminalidade, contudo a contrário sensu tanto a criminalidade quanto a insegurança cresceram em patamares históricos, quanto mais se investe em aportes monetários, seja na proteção da sociedade e do cidadão ou na segurança jurídica das medidas protetivas, através das intervenções das polícias e do judiciário, mais se desvirtuam do padrão esperado como “normal”, ou seja, se experimentam números de homicídios em áreas urbanas, p. ex., comparativos e, as mais das vezes, maiores que inúmeras guerras travadas mundo afora, sendo assim, o monopólio estatal, e seu arcabouço, não cumpre o que promete e utiliza mal, ou desvia sob a forma de práticas de corrupção, a exorbitante quantia que arrecada dos cidadãos. Nesse diapasão Hoppe discursa e aponta formas alternativas de se proteger do estado e seu monopólio financiado pelos nossos impostos, de forma a autoproteger-se e poder financiar sua própria rede de segurança:

“Dado o princípio do governo – o monopólio judicial e o poder de tributar –, é ilusória qualquer noção de limitação dos seus poderes e de proteção da vida e da propriedade individuais. Sob os auspícios monopolísticos, o preço da justiça e da proteção deve subir, e a sua qualidade deve cair. Uma agência de proteção financiada por impostos é uma contradição em ter­mos, conduzindo a impostos cada vez mais elevados e a uma proteção cada vez menor. Ainda que um governo limitasse as suas atividades exclusiva­mente à proteção de direitos de propriedade preexistentes (como todos os estados “protetores” deveriam fazer), surgiria a questão mais profunda de quanta segurança oferecer. Motivados (como quase todos os indivíduos) pelo interesse próprio e pela desutilidade do trabalho, mas possuindo o poder único, singular de impor tributos (cobrar impostos), a resposta do governo será invariavelmente a mesma: maximizar o gasto em proteção – e quase toda a renda de um país pode concebivelmente ser consumida pelo custo da proteção – e, ao mesmo tempo, minimizar a produção de prote­ção. Ademais, um monopólio judicial tem de conduzir à deterioração da qualidade da justiça e da proteção. Se só se pode apelar ao governo por justiça e proteção, então a justiça e a proteção serão distorcidas em fa­vor do governo, não obstante a existência de constituições e de supremos tribunais [42].”

“[….] todos os proprietários privados poderiam tomar parte das vantagens da divisão do trabalho e buscar, por meio da cooperação com outros proprietários e as suas propriedades, uma proteção melhor da sua propriedade do que aquela proporcionada pela autodefesa. Todos poderiam comprar de, vender para ou celebrar contratos com qualquer pessoa no tocante a serviços de resolução de conflitos e de proteção; e seria possível, a qualquer momento, suspender unilateralmente qual­quer cooperação com outros e retornar à defesa autossuficiente ou mo­dificar as suas associações protetoras [43].”

“Para afastar o mito da segurança coletiva, não é sufi­ciente compreender o erro implicado na ideia de um estado protetor. Tão importante quanto – se não mais importante – é obter uma compreensão clara de como a alternativa de segurança não estatista funcionaria na prá­tica [44].”

Mas, discutir a questão da segurança sem a proposta de uma ideia alternativa ou substitutiva é, certamente, navegar no vácuo, sem rumo ou direção e sentido, contudo, Hoppe [45] propõe, com muita clareza, uma alternativa de segurança privada através das companhias de seguro, no sistema de apólices com indenizações para os acontecimentos cobertos pelo sistema securitário:

“Existe um entendimento muito disseminado – tanto entre libertários e liberais, como Molinari, Rothbard e o casal Tannehill, quanto entre a maioria dos outros debatedores da questão – de que a defesa é uma for­ma de seguro e de que os gastos em defesa representam uma espécie de apólice (ou prêmio) de seguro (o preço do serviço). Nesse sentido, como Rothbard e, em especial, o casal Tannehill enfatizavam, no âmbito de uma economia moderna complexa baseada em uma divisão de trabalho mundial, os candidatos com maior probabilidade de oferecerem serviços de proteção e defesa são as agências seguradoras. Quanto melhor for a proteção da propriedade segurada, menos pedidos de indenização serão apresentados; e menores, portanto, serão os custos da seguradora. Assim, oferecer proteção com eficiência parece ser do interesse financeiro de toda seguradora; e, de fato, mesmo hoje em dia, embora restringidas e tolhidas pelo estado, as agências seguradoras oferecem serviços muito diversifi­cados de proteção e de indenização (compensação) a entidades privadas prejudicadas.”

“As empresas seguradoras atendem a um segundo requisito essencial. Obviamente, quem oferece serviços de proteção deve mostrar-se capaz de cumprir as suas promessas para conquistar clientes. Ou seja, é necessário possuir os meios econômicos – recursos tanto humanos quanto físicos – imprescindíveis para a realização da tarefa de lidar com os peri­gos, reais ou potenciais, do mundo real. Segundo esse quesito, as agências seguradoras parecem ser também candidatos perfeitos. Elas operam em escala nacional e até internacional e possuem bens de monta espalhados por amplos territórios e além das fronteiras de um único estado. Dessa maneira, elas possuem um evidente e óbvio interesse próprio na prote­ção efetiva; e elas são “grandes” e economicamente poderosas. Ademais, todas as companhias de seguros estão conectadas por uma complexa rede de acordos contratuais de assistência mútua e de arbitragem, bem como por um sistema de agências internacionais de resseguro, representando, assim, uma combinação de poder econômico que apequena – se não todos – a maioria dos governos contemporâneos [46].”

Agora, a questão é analisar como isso funcionaria na prática, que riscos seriam cobertos, de que forma seriam financiados os riscos e contra quem seriam dirigidas as diversas formas de proteção, vejamos o que Hoppe tem a declarar nas indagações apostas:

“Eu gostaria de analisar mais a fundo – e de esclarecer de forma sis­temática – esta sugestão: proteção e defesa são um seguro, podendo ser oferecidas por agências seguradoras. Para chegar a esse objetivo, duas questões precisam ser abordadas. Em primeiro lugar, não é possível fazer um seguro contra todos os riscos da vida. Não posso fazer um seguro contra cometer suicídio, por exemplo; ou contra queimar a minha pró­pria casa; ou contra ficar desempregado; ou contra não sentir vontade de sair da cama de manhã; ou contra sofrer perdas empreendedoriais; pois nesses casos tenho controle completo ou parcial sobre a probabilidade de ocorrer o respectivo sinistro. Riscos tais como os mencionados têm de ser arcados individualmente. Ninguém além de mim tem qualquer pos­sibilidade de administrá-los. Assim, a primeira pergunta a ser feita é: o que torna a proteção e a defesa um risco segurável ao invés de um risco não segurável? Afinal, como acabamos de ver, isso não é evidente por si mesmo. Na verdade, as pessoas não exercem um controle considerável sobre a probabilidade de um ataque ou de uma agressão à sua pessoa ou à sua propriedade? Agredindo ou provocando alguém, por exemplo, eu não suscito deliberadamente um ataque? E não seria assim a proteção de um risco não segurável, como o suicídio ou o desemprego, pelo qual cada um deve assumir total responsabilidade? [47]”

“[….] a proteção se torna um bem segurável apenas se – e na medida em que – um agen­te segurador restringir contratualmente as ações do segurado, de modo a excluir qualquer possível “provocação” por parte dele [48].”

Como visto, Hoppe considera de fundamental importância que o segurado não seja um “agente provocador”, ou seja, essencialmente quem busca uma proteção ao contratar uma apólice contra agressões externas não pode oferecer agressões para outros quaisquer que sejam, pois tal ação demandará, pelo princípio aqui defendido da autodefesa, uma agressão a ser replicada, reparada, devendo então, quem procurar esse tipo de seguro, se abster de ser um agressor, um provocador, com isso o preço da oferta será aliviado pelas ações de seus demandantes e o mercado poderá oferecer preços atraentes pela qualidade de seus segurados [49]:

“Por mais elementar que possa parecer essa primeira consideração sobre a natureza essencialmente defensiva – não agressiva e não provocativa – do seguro-proteção, ela é de fundamental importância. Em primeiro lugar, ela implica que qualquer agressor ou provocador conhecido não consegui­ria contratar uma seguradora, ficando, portanto, economicamente isolado, frágil e vulnerável. Por outro lado, ela implica que quem desejasse mais proteção do que aquela fornecida pela defesa autossuficiente (autodefe­sa) só a conseguiria caso – e na medida em que – se sujeitasse às normas específicas de não agressão e de conduta civilizada. Além disso, quanto maior fosse o número de pessoas seguradas – e, em uma moderna econo­mia de trocas, a maioria das pessoas deseja mais do que autodefesa para a sua proteção –, maior seria a pressão econômica sobre os não segurados remanescentes para que adotassem padrões idênticos ou semelhantes de conduta social não agressiva. Ademais, como resultado da competição en­tre seguradoras por clientes voluntários, adviria uma tendência à queda de preços por valor de propriedade segurada.”

A questão da propriedade e sua localização, em termos de violência e criminalidade, também é uma questão delicada a ser discutida, tendo em vista que os agressores podem estar em pleno deslocamento de uma área para outra, oferecendo um maior ou menor perigo de acordo com essa localização e status de periculosidade, sendo assim quanto maior a zona de conflito em determinada área, quanto maior seus índices de criminalidades ou agressões, mais cara seria a apólice e menor seria a reparação, logo, haveria uma tendência em restringir as áreas de riscos maiores às apólices mais caras e as áreas onde os riscos fossem menores às apólices mais baratas, numa proporção inversa aos valores das propriedades e dos bens:

“[….] assim como toda propriedade é privada, toda defesa deve ser segurada individualmente por agências seguradoras capitalizadas, de modo muito parecido com seguros contra acidentes industriais. No entanto, também vimos que ambas as modalidades de seguro diferem em um aspecto fundamental. No caso de seguros defensivos, importa, sim, a localização da propriedade segurada. A apólice por valor segurado será diferente em localidades diferentes. Ademais, os agressores podem se locomover, o seu arsenal de armas pode mudar, e toda a natureza da agressão pode se alterar com a presença de estados. Assim, mesmo considerando-se a localização inicial da propriedade, o preço por valor segurado pode se alterar com mudanças no meio social ou nas vizinhanças do local. Como um sistema de agências seguradoras em concorrência reagiria a esse desafio? Em especial: como ele lidaria com a existência de estados e da agressão estatal? [50]”

“[….] os proprietários privados em geral – e, em particular, os donos de empresas – preferem localizações com custos de proteção baixos (apólices mais baratas) e com valores de propriedade em ascensão (em alta) àquelas com custos de proteção elevados (apólices mais caras) e com valores de propriedade em queda (em baixa). Consequentemente, há uma tendência à migração de pessoas e de bens de áreas de alto risco e de valores de propriedade em baixa para áreas de baixo risco e de valores de propriedade em alta. Além disso, os custos de proteção e os valores de propriedade relacionam-se diretamente. Ceteris paribus, custos de proteção mais altos (riscos maiores de agressão) implicam valores de propriedade menores ou em baixa; e custos de proteção menores implicam valores de propriedade maiores ou em alta. Essas leis e essas tendências definem a operação de um sistema concorrencial de agências seguradoras de proteção [51].”

O sistema estatista, coletivo, funciona exatamente ao contrário do aqui proposto, pois ao invés de compensar as vítimas pelas agressões sofridas, o estado financia os agressores com sistemas de reabilitação, confinando-os aos custos cada vez maiores dos impostos dos cidadãos e, derradeiramente, cada vez que há um aumento da criminalidade, ocorre, paralelamente, um aumento desses custos, carreados pelos aumentos dos impostos e dos gastos com a segurança, num círculo infindável e vicioso onde o cidadão e a sociedade financiam a demanda, além disso, sendo os agentes estatistas servidores públicos, não há o interesse em propiciar um serviço de qualidade, uma vez que não existem os sistemas de controle que são essenciais num mercado livre e que se sustente pela qualidade, quais sejam, concorrência, premiação, flutuação de preços e garantias, inexistem no sistema estatista.

“[….] no tocante ao caso aparentemente mais simples da proteção contra crimes e criminosos comuns, um sistema de seguradoras em competição levaria a uma mudança dramática na atual política de crimes. Para reconhecer a dimensão dessa mudança, é instrutivo observar primeiro a atual – e, portanto, familiar – política estatista de crimes. Embora seja do interesse dos funcionários estatais combater o crime privado comum (embora apenas para que existam mais propriedades das quais cobrar impostos), na condição de agentes financiados por impostos, eles têm pouco ou nenhum interesse em ser especialmente eficientes na tarefa de impedi-lo – ou, caso ele já tenha ocorrido, em compensar as suas vítimas e prender ou punir os criminosos [52].”

 “[….] ao invés de compensar as vítimas de crimes que ele não evitou (como deveria), o governo força as vítimas a, mais uma vez, arcarem com prejuízos; como pagadoras de impostos, elas têm de custear a apreensão, a prisão, a reabilitação e/ou o lazer dos seus agressores. E, ao invés de cobrar preços de proteção maiores em áreas de alta criminalidade e preços menores em áreas de baixa criminalidade – como fariam as seguradoras –, o governo faz exatamente o contrário. Ele cobra impostos maiores em áreas de baixa criminalidade e de elevados valores de propriedade do que em áreas de alta criminalidade e de baixos valores de propriedade; ou chega a subsidiar os residentes dessas últimas áreas – as favelas – à custa dos residentes das primeiras áreas, solapando condições sociais desfavoráveis ao crime e promovendo condições que o favorecem [53].”

Contrariamente ao estado – ao sistema coletivo -, o sistema de segurança privado – através das seguradoras -, seria precipuamente destinado à obtenção de resultados, haja vista que todas as vezes que um segurado sofresse uma agressão seria indenizado por isso, o que acarretaria uma maior vigilância e eficiência por parte da seguradora, assim como incitaria a concorrência, a procura de preços e a eficiência por parte das seguradoras que oferecessem seus serviços, garantindo uma melhor destinação e consecução de seus objetivos, diminuindo os índices de criminalidade e oferecendo um serviço de maior qualidade [54]:

“O funcionamento de um sistema de seguradoras concorrentes seria nitidamente distinto. Em primeiro lugar, se uma seguradora não impedisse um crime, ela teria de indenizar a vítima. Assim, as seguradoras – mais do que ninguém – desejariam ser eficientes na prevenção do crime. E, ainda que elas não conseguissem evitá-lo, desejariam ser eficientes na perseguição, na apreensão e na punição dos criminosos, porque, ao encontrarem e prenderem um criminoso, as seguradoras poderiam forçá-lo – em lugar da própria vítima e da própria seguradora – a pagar pelos danos e pelo custo de indenização.”

Conclusões

a) O estado é manipulador dos poderes e, as mais das vezes, intromete-se na vida privada, criando seus tentáculos para poder se perpretar continuamente a frente das decisões e criar obstáculos para que o cidadão exerça seus direitos, monopolizando as instituições e através da cobrança de impostos cria reduções de propriedades e riquezas dificultando sobremaneira a livre concorrência e a fluidez do mercado econômico;

b) Os agentes públicos não contam com respaldo, nem dispõem de infraestrutua, logística e preparo adequado – haja vista que o estado não os provê -, e não oferecem corretamente e com presteza os serviços pelos quais o estado recebe, sob a forma de redução de riquezas e propriedades, de seus cidadãos, deixando a população sem opções de escolha e a mercê de uma turba de burocratas que se locupletam dessa situação para dificultar, em todos os sentidos, o exercício dos diretos da cidadania em seu pleno esplendor;

c) A monopolização dos serviços pode ser considerada como um entrave que torna a vida dos cidadãos um verdadeiro calvário, pois sem opções muita das vezes se veem encurralados entre o correto e o incorreto, sendo assim, famílias de baixa renda recorrem aos meios alternativos para acessarem serviços, oferecidos por meios ilícitos, porque o estado não se impõe e segrega essas famílias, virando as costas e fazendo vista grossa, o que facilita a infiltração de todo o tipo de oportunistas;

d) As famílias, por conta da malversação do serviço público, estatista, acabam por perder e se desvirtuar da sua autoridade, perdendo em valores éticos, perdendo sua cultura, perdendo sua formação ética, moral e religiosa para o contra-culturismo e os modismos que criam tendências capciosas em seu meio, levando muitos jovens a serem cooptados para o caminho do crime e da vida sem planejamento, debandando das escolas, abandonando suas crenças e se voltando para os tortuosos e perigosos contornos escusos;

e) O estado, embora monopolista, não consegue entregar a contrapartida de seus tributos, não é presente na educação, não investe em saúde, não oferece opções para os jovens, investe mais em perpetuação de poder do que em meios de se modificar os alcances e anseios da sociedade, é essencialmente corrupto e engessado em termos de políticas públicas, não investe em prevenção e dá preferência em tentar, sempre atrasadamente, conter a epidemia quando está já está alastrada, ou seja, sempre caminhando a passos atrasados do que deveria ter sido adiantado;

f) É forçoso concordar com Hayek que o poder é concentrado nas mãos da pior espécie de indivíduos, que mancomunados com grupos em partidos políticos fazem todos os tipos de tramóias e conchavos, abastecidos por uma cadeia sem fim de corrupção que movimenta a imensa maioria dos recursos gerados, tornando o mercado fechado para as oportunidades e uma sociedade estagnada em sua força de trabalho e empreendedorismo, gerando um alto desemprego e concentrando a renda numa casta que se perpetua ao longo dos anos, o que torna a economia um exercício de malabarismo para mascarar índices e camuflar estatísticas de flutuações quase sempre negativas, só alavancadas pelos mesmos grupos monopolistas desse mercado cerrado e injusto;

g) A máquina cruel e perversa da manipulação das massas através da continuidade do poder por grupos seletos é azeitada por essa política de frear os impulsos e alcances do cidadão, não permitindo na base que haja uma concentração de políticas públicas que ofereçam reais oportunidades para o crescimento de uma geração de excelência cultural e científica, por conta do açodamento das universidades e dos centros de formação científica, ou seja, há um grande interesse em que a maioria dos eleitores sejam, e continuem a ser, coniventes com os grupos manipuladores de ideias e ideais, para que corroborem da simplória e néscia planificação da concentração do poder coletivista, que segue, sem discordar, um ideal de que os fins justificam os meios, como instrumento de um suposto “bem maior” da coletividade, criando indivíduos imorais e antiéticos que se sujeitam a fazer o papel sujo para obter as finalidades almejadas sem discordar dos meios utilizados para esses fins;

h) O estado totalitário e monopolista cria situações de insegurança, tanto jurídica como de aumento da criminalidade, ao achacar os cidadãos com impostos indecentemente altos, e regular a vida, a propriedade e os costumes dos cidadãos através de um sem fim de legislações inúteis e submetê-las a um sistema judiciário aristocrático, desacreditado e inútil, onde, as mais das vezes, não se obtém mais do que decisões estapafúrdias e teratológicas, criando insegurança jurídica e incredulidade nessa pífia instituição;

i) Ao criar um sistema de segurança coletiva, exercida por servidores públicos, mas “virar as costas” para os problemas essenciais das comunidades, tais como, infra-estrutura básica de saneamento, escolas, postos de saúde, acesso à informação, entre outras tantas, e deixar que essas comunidades tenham sido dominadas por criminosos que exercem o poder, inclusive maior, que o estado, formando um grande estado paralelo, que dita às regras e comandam as ações, o estado perdeu o rumo das rédeas e foi acuado, dependendo do salvo conduto dos verdadeiros “donos das comunidades” para poder realizar uma política de enfrentamento onde já sai em grande desvantagem tática e bélica, tendo que apelar para as forças armadas, que não foram treinadas para esse tipo de ação, o que causa um desconforto e amedrontamento nos cidadãos de bem que habitam as regiões de confronto;

j) A segurança coletiva falhou, em todos os sentidos, em proteger o cidadão, por causas as mais diversas, como: falta de contingente, falta de investimentos em inteligência, equipamentos e treinamento, falta de manutenção de todos os serviços, estoques e inventários, falta de planejamento de longo e médio prazo, despreparo psicológico, baixos salários e desestímulo dos agentes, corrupção desenfreada, falta de comando e sinergia entre eles, moral abalada, entre vários outros; ademais, como visto, não há muito interesse em se realizar um serviço de excelência posto que não existe um sistema de prêmios ou vantagens para o servidor, diferentemente do serviço privado, onde a concorrência e o livre mercado alavanca esse estímulo;

l) A abordagem da segurança privada em relação à segurança coletiva é um ponto assaz interessante porque oferece uma alternativa para esse problema da falta de estímulo do servidor, o que não ocorre com a prestadora de serviço privado, no caso uma seguradora, uma vez que essa empresa terá maior zelo e competência em realizar o serviço com primazia para não ter que arcar com os custos da indenização, e, a concorrência, consequentemente, a oferta de preços, oferecerá uma gama de oportunidades para o contratante, podendo ele optar pelos diversos tipos de planos oferecidos, o que incrementará o mercado e favorecerá tanto o segurado quanto o segurador, desonerando o cidadão que muitas das vezes paga um acachapante imposto que sequer utiliza a contrapartida, posto que o bruto dessa contribuição é utilizado para combater crimes em comunidades onde sequer os contribuintes moram ou freqüentam.

A guisa de considerações finais podemos afirmar que o estado, monopolista, totalitário, intrometido em todas as situações cotidianas, e diuturnamente invasivo, cobra recursos muito altos do cidadão e oferece uma baixa, muito rasa, contrapartida, deixando a mercê de suas instituições falidas, burocráticas e lenientes os serviços mais essenciais a sua sobrevivência, deixando muito a desejar em termos de segurança, prestação jurisdicional, segurança jurídica e legal, políticas públicas de educação, ciência, cultura e tecnologia, atendimento securitário e de saúde e, principalmente, acesso aos direitos básicos do exercício da cidadania plena, com dignidade e respeito mútuo.

Sendo assim, não ocorrendo uma mudança radical nessas vertentes, em se mudando os principais e basilares pontos aqui revistos e apontados e não se preocupando em arrecadar menos e fazer mais, o estado, do jeito que caminha, está cada vez mais caótico e estanque das suas obrigações e deveres e a cada dia mais distante da população e de prover quaisquer de suas atribuições, sendo a melhor medida a ser tomada uma radical mudança em sua estrutura, rompendo com os monopólios e tornando-se o mínimo necessário para continuar sustentável, abdicando de seus afazeres inúteis e de suas ingerências absurdas.

Notas
[1] ALBANO, Wladimyr Mattos e BARCELLOS, Alexandre Basbaum. Formação e reforma do Estado brasileiro. Revista Âmbito Jurídico, No 94, Ano XIV (Novembro. 2011). Disponível em: . Acessado em: 24 de setembro de 2017.
[2] Rebelião em Bangu I termina com morte de Uê. Redação Terra. Publicado em: 12 de setembro de 2002. Disponível em: Acessado em: 25 de setembro de 2017.
[3] VELOSO, Fabio Geraldo; WERCKMEISTER, A. P. Unidades de polícia pacificadora: um breve panorama sobre a primeira experiência. Revista de Estudos Jurídicos da Universo, n. 2, ano IV, 2012. Disponível em: . Acessado em 25 de setembro de 2017.
[4] Estado na compreensão de: HOPPE, Hans-Hermann. Democracia: o Deus que falhou. Trad. Marcelo Werlang de Assis. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 1a Ed., 2014, 372 p.
[5] HOPPE, Hans-Hermann. Democracia: o Deus que falhou. Trad. Marcelo Werlang de Assis. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 1a Ed., 2014. p. 218.
[6] Idem, p. 219.
[7] Ibidem, p. 218.
[8] Ibidem, p. 219.
[9] Ibidem, p. 218-220.
[10] Ibidem, p. 220.
[11] HOPPE, Hans-Hermann. Ibidem, p. 220.
[12] Ibidem, p. 220.
[13] Ibidem, p. 221.
[14] Poder na concepção de F.A. Hayek: HAYEK, F; A. O caminho da servidão. Trad. Anna Maria Capovilla, José Ítalo Stelle e Liane de Morais Ribeiro. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 6a Ed., 2010, 232 p.
[15] HAYEK, F; A. O caminho da servidão. Trad. Anna Maria Capovilla, José Ítalo Stelle e Liane de Morais Ribeiro. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 6a Ed., 2010, p. 140.
[16] Idem, p. 141.
[17] Ibidem, p. 141-42.
[18] Ibidem, p. 142.
[19] Ibidem, p. 142.
[20] Ibidem, p. 143.
[21] Ibidem, p. 144.
[22] Ibidem, p. 144.
[23] Ibidem, p. 144-45.
[24] Ibidem, p 145.
[25] Ibidem, p. 146, Apud, Russell, Bertrand, The Scientific Outlook, 1931, p. 211.
[26] Ibidem, p. 146-47.
[27] Ibidem, p. 147.
[28] NOTA: Não nos devemos deixar enganar pelo fato de que a palavra “poder”, além da acepção relativa aos seres humanos, é também empregada num sentido impessoal (ou melhor, antropomórfico) para designar qualquer causa determinante. É óbvio que sempre haverá algo determinando tudo o que acontece, e nesse sentido a quantidade de poder existente será sempre a mesma. Isso, porém, não se aplica ao poder exercido conscientemente por seres humanos.
[29] Ibidem, p. 147
[30] Ibidem, p. 148.
[31] Ibidem, p. 150.
[32] Ibidem, p. 150-51.
[33] Ibidem, p. 151.
[34] Ibidem, p. 151-52.
[35] Segurança na compreensão de: HOPPE, Hans-Hermann. Democracia: o Deus que falhou. Trad. Marcelo Werlang de Assis. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 1a Ed., 2014, 372 p.
[36] HOPPE, Hans-Hermann. Democracia: o Deus que falhou. Trad. Marcelo Werlang de Assis. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 1a Ed., 2014, p. 275
[37] Idem, p. 275-76.
[38] Ibidem, p. 276
[39] Ibidem, p. 277
[40] Ibidem, p. 278
[41] Ibidem, p. 279
[42] Ibidem, p. 282.
[43] Ibidem, p. 283.
[44] Ibidem, p. 283-84.
[45] Ibidem, p. 284.
[46] Ibidem, p. 284-85.
[47] Ibidem, p. 285.
[48] Ibidem, p. 285.
[49] Ibidem, p. 286.
[50] Ibidem, p. 295.
[51] Ibidem, p. 296.
[52] Ibidem, p. 296.
[53] Ibidem, p. 297.
[54] Ibidem, p. 297.

Informações Sobre o Autor

Wladimyr Mattos Albano

Bacharel em Ciências Contábeis Bacharel em Química Perito Criminal Bacharel em Direito Especializado em Direito Público e Tributário

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