O uso do monitoramento eletrônico como instrumento de controle penal estatal: breve discussão sobre sua (in)constitucionalidade

Resumo: O presente artigo tem como objeto o uso do monitoramento eletrônico como instrumento de controle penal estatal. O seu objetivo é demonstrar se o uso de tornozeleiras eletrônicas fere ou não direitos fundamentais e o princípio da dignidade da pessoa humana.

Palavras-chave: Monitoramento Eletrônico. Ressocialização. Direitos Fundamentais.

Abstract:  The purpose of this article is to use electronic monitoring as an instrument of state criminal control. Its purpose is to demonstrate if the use of electronic ankle wounds violates or not fundamental rights and the principle of the dignity of the human person.

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Keywords:  Electronic Monitoring. Ressocialization. Fundamental Rights

Sumário: Introdução. 1. Histórico e experiências no Brasil e no exterior. 2. Fundamentos constitucionais e infraconstitucionais – argumentos desfavoráveis e favoráveis ao uso do monitoramento eletrônico. 3. Resolução do aparente conflito entre o controle via tornozeleira eletrônica e os princípios constitucionais. Conclusão.

Introdução

O presente artigo tem como objeto o uso de tornozeleiras como instrumento de controle penal estatal. O seu objetivo é demonstrar se o uso de tornozeleiras eletrônicas fere ou não direitos fundamentais e o princípio da dignidade da pessoa humana, analisando o monitoramento eletrônico com seu histórico, as experiências realizadas no Brasil e no exterior, os fundamentos constitucionais e infraconstitucionais que legitimam seu uso, argumentos favoráveis e desfavoráveis e a resolução do aparente conflito entre o controle via tornozeleira eletrônica e os princípios constitucionais.

Ao final, são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre o monitoramento via tornozeleiras eletrônicas e a hipótese de afronta aos princípios constitucionais.

1. Histórico e experiências no Brasil e no exterior

Ao contrário do que se pensa o monitoramento eletrônico de presos não é algo tão atual assim, sua utilização como alternativa à prisão é bem antiga (CARVALHO, 2010).

O aumento da população carcerária no final da década de 70 do século passado, assim como o elevado custo penitenciário unido à crise da pena privativa de liberdade e o fracasso do tratamento ressocializador, gerou em seu conjunto, a necessidade de uma reorientação da política penal até então imperante, na busca de alternativas à prisão no âmbito da criminalidade de menor e médio potencial ofensivo. Assim, com o processo de globalização aliado ao avanço tecnológico se introduziu no debate político criminal de orientação progressista, a possibilidade de introduzir determinados mecanismos de controle eletrônico no âmbito penal e penitenciário em face do marco tradicional das sanções penais e nesse contexto surgiram as primeiras experiências sobre monitoramento eletrônico de presos (PRUDENTE, 2012, p.140).

Devido ao êxito alcançado nos países pioneiros, rapidamente o sistema foi se espalhando pelo mundo e hoje constitui uma importante ferramenta utilizada pelo Estado na fiscalização do cumprimento das decisões judiciais e como alternativa à pena privativa de liberdade.

No que diz respeito à origem do monitoramento eletrônico, leciona Prudente (2011) que teve início nos Estados Unidos sendo que o primeiro dispositivo de monitoração foi desenvolvido nos anos 60 pelos irmãos Ralph e Robert Schwitzgebel. Robert entendeu que sua invenção poderia fornecer uma alternativa humana e barata à custodia para pessoas envolvidas criminalmente com a justiça.

Segundo o autor, a máquina consistia em um bloco de baterias e um transmissor capaz de emitir sinal a um receptor. Foi com esse equipamento que os irmãos realizaram no ano de 1964 as primeiras experiências de monitoramento eletrônico com dezesseis jovens reincidentes.

Ressalta-se que, embora se atribua as origens do monitoramento aos irmãos Schwitzgebel alguns doutrinadores apontam o Juiz Jack Love, do Estado do Novo México (EUA) como sendo o precursor da ideia que atualmente vem sendo utilizada em vários países. Diz-se que sua inspiração teria se dado ao ler uma edição de “Amazing Spider Man” do ano de 1077, na qual o rei do crime havia prendido um bracelete ao Homem-Aranha a fim de monitorar seus deslocamentos (PRUDENTE, 2011).

Assim o Juiz Jack Love após ler a história achou que a ideia poderia efetivamente ser utilizada no monitoramento eletrônico de presos e em virtude disso procurou seu amigo Mike Gross, técnico em eletrônica e informática, a fim de persuadi-lo a projetar e produzir os receptores que seriam afixados nos pulsos, tal como havia visto na história em quadrinhos. Alguns anos depois, mais precisamente em 1983 após ter realizado durante três semanas testes em si mesmo com o bracelete, o Juiz Jack Love determinou o monitoramento de cinco delinquentes da cidade de Albuquerque.

A partir de então essa medida foi rapidamente aceita pelos demais estados norte-americanos sendo que no ano de 1988 havia 2.300 apenados monitorados eletronicamente nos Estados Unidos. Passados dez anos, o número de monitorados chegou a ser de 95.000 (noventa e cinco mil) pessoas nos Estados Unidos, e por conta disso se reconhece a inegável contribuição dos Estados Unidos como sendo o pioneiro no desenvolvimento e implantação do monitoramento eletrônico dos presos (CARVALHO, 2010).

Devido aos números obtidos pelo sistema prisional norte americano outros países passaram a adotar o monitoramento eletrônico como forma alternativa e mais humana à prisão (CARVALHO, 2010), sendo o sistema considerado um instrumento moderno e eficaz, com condições de proporcionar um positivo auxílio à administração da justiça na tarefa de fiscalizar e acompanhar os movimentos dos infratores na fase processual ou na condenação dos presos que fossem submetidos à pena alternativa (ZANOTTO, 2013). Prudente (2012, p.142) afirma que foi nesse contexto que se iniciaram as experiências de controle a distância através da utilização do monitoramento eletrônico de presos o qual é considerado hoje como instrumento indispensável aos sistemas de justiça criminal.

Na Europa a vigilância eletrônica começou a ser utilizada pioneiramente pela Inglaterra, Suécia e Holanda como forma de execução da pena privativa de liberdade nos mesmos moldes do país norte-americano. Com o passar dos anos a experiência foi se alastrando e hoje integra o sistema criminal da maioria dos países europeus. Além desses, a Austrália, Nova Zelândia, China, Japão, Israel, Singapura e África do Sul também passaram a utilizar a tecnologia (CARDOSO, 2011).

Prudente (2011) assinala que atualmente o monitoramento eletrônico é uma realidade mundial e vem sendo utilizado em diversos países. Cita a título de exemplo a Inglaterra, França, Portugal, Escócia, Suécia, Austrália e a Argentina, e destaca que este foi o primeiro país da América Latina a usar esse tipo de tecnologia para vigiar os movimentos de pessoas condenadas pela justiça.

Isto posto, cabe fazer uma breve análise das experiências realizadas em alguns dos países que adotaram o sistema de Monitoramento Eletrônico de presos.

Quanto à França, o primeiro relato acerca do Monitoramento Eletrônico de presos ocorreu em 1989 quando o Senador Gilbert Bonnemaison fez menção desse instituto em um relatório sobre a modernização do serviço público penitenciário. O documento, que foi entregue ao “Garde dês Sceaux” e ao Primeiro Ministro Francês (CARVALHO, 2010), previa a aplicação do Monitoramento Eletrônico tanto como modalidade de detenção provisória quanto modalidade de execução de penas de curta duração e de semiliberdade (MACHADO, 2009).

Em 1995 um relatório versando sobre a melhor prevenção da reincidência apresentou um balanço positivo do monitoramento eletrônico e recomendou sua utilização como modalidade de execução da pena privativa de liberdade, e assim, a ideia do Senador Gilbert foi transformada em lei no ano de 1997 (lei n.º 97-1159, de 19/12/1997). Contudo o sistema só começou a ser efetivamente utilizado três anos após, e em caráter experimental (MACHADO, 2009).

Somente a partir de 2003 a lei do Monitoramento Eletrônico de presos passou a ter maior aplicabilidade no país, sendo destinada aos condenados à pena de prisão igual ou inferior a um ano, ou aos que faltasse um ano ou menos para o cumprimento de sua pena total (CARVALHO, 2010).

Segundo explica o autor, na atualidade para se ter direito ao monitoramento eletrônico é necessário que o condenado tenha residência fixa ou pelo menos uma hospedagem estável no período em que estiver sendo monitorado, uma linha telefônica, e um atestado médico certificando que não há nenhuma rejeição de seu corpo para a utilização do bracelete ou tornozeleira eletrônica. Machado (2009) que há ainda a verificação do comportamento do condenado em família e no meio social em que vive, através da qual é feita uma análise prévia sobre a compatibilidade da medida com o beneficiado.

Quanto a experiência na Inglaterra, ensina Reis (2004) que se iniciou com a formação do “The Offenders Tag Association”, uma instituição buscava estudar o Monitoramento Eletrônico como alternativa ao encarceramento. A instituição iniciou os debates acerca do uso do sistema no ano de 1981, porém a ideia foi rejeitada em 1985 tendo em vista que o sistema não era considerado suficientemente severo. Em 1987 o Comitê da Casa dos Comuns (House of Commons Home Affairs Committee) elaborou algumas sugestões sobre o uso do monitoramento eletrônico em prisioneiros, criando um clima favorável à aplicação de programas experimentais, os quais aconteceram somente em 1989.

Segundo Carvalho (2010), primeiramente o monitoramento eletrônico tinha o objetivo de evitar o aumento da população carcerária “pela porta da frente”, ou seja, o juiz ao deferir a medida optava pelo monitoramento em detrimento da privação da liberdade e assim aumentava-se o número de monitorados, diminuindo o número de encarcerados, sistema que ficou conhecido como “front-door”. Após alguns anos, mais precisamente em 1999, foi estabelecido um novo programa que objetivava facilitar a transição dos apenados do cárcere para a sociedade. Esse sistema, conforme explica Reis (2004), era chamado de “back-door” e sua sistemática consistia em retirar o preso das penitenciárias após ter cumprido parte de sua pena, para que cumprisse o restante em sua casa. Reis citando Dodgson afirma que essa medida trouxe resultados satisfatórios para o governo britânico, sendo um sucesso na transição do cárcere para a comunidade e alcançando uma economia significante para o sistema prisional, embora tenha obtido pouco impacto sobre a reincidência.

A Suécia, seguindo o exemplo dos Estados Unidos também introduziu o Monitoramento Eletrônico de presos em seu sistema prisional. Conforme ensina Carvalho (2010), tudo começou em 1992 quando o Comitê Jurídico Sueco apresentou uma proposta como alternativa ao encarceramento e, em consequência disso, em 1994 foi elaborada a lei que tratava sobre o monitoramento eletrônico.

Reis (2004) sustenta que no mês de agosto do mesmo ano o sistema foi introduzido experimentalmente em 06 (seis) distritos como alternativa ao encarceramento, tendo como objetivos principais a redução dos custos com o encarceramento e a implementação de medida punitiva mais humana em comparação à privação de liberdade.

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Assinala o autor que as experiências suecas de agosto de 1994 até fevereiro de 1995 obtiveram relativo sucesso e que através de seu estudo pode-se observar que o índice de participação com sucesso era aproximadamente de 90% e que as violações estavam vinculadas ao uso indevido de drogas e principalmente, que maiores economias em termos financeiros poderiam ser alcançados com a expansão do programa para todo o país, o que segundo Reis (2004), acabou acontecendo em 1999.

De acordo com os resultados obtidos na pesquisa do autor, atualmente o Monitoramento Eletrônico é usado no país como ferramenta de supervisão ao cumprimento das condições preestabelecidas, obrigando o indivíduo monitorado a participar de programa de trabalho ou estudo e em geral, as despesas de utilização do sistema são pagas pelo próprio participante.

Ainda como resultado consta que dentre as pessoas monitoradas o grupo mais proeminente é o dos condenados por dirigir veículo automotor em via pública sob influência de álcool (crime considerado grave na Suécia) e que os condenados por crimes sexuais e violentos não são elegíveis para participar do programa de monitoramento eletrônico no país (REIS, 2004).

Por fim a pesquisa demonstra que desde 1994 a Supervisão Intensiva com o Monitoramento Eletrônico substituiu aproximadamente 17 mil penas privativas de liberdade e que 10 pequenas unidades prisionais com capacidade para 400 detentos foram fechadas no país, do que se conclui que diante dessa realidade o “Probation Service”, ou seja, o serviço público responsável pelas execuções penais sueco tem desempenhado um papel importante na condução do programa, uma vez que existe um alto grau de interação entre eles e os(as) participantes.

Em Portugal, Explica Carvalho (2010), o Monitoramento Eletrônico teve início em 2002, tendo sido inicialmente aplicado em 11 comarcas da Grande Lisboa com o objetivo primário de reduzir as taxas de aplicação da prisão preventiva e contribuir para frear o elevado índice da população carcerária.

Segundo o autor, desde sua implantação a vigilância eletrônica em Portugal mostrou-se uma medida de sucesso e, citando Mariath, sustenta que lá a vigilância eletrônica obteve significativos índices de adesão tanto por parte dos magistrados, advogados e demais operadores do direito quanto por parte dos presos e seus familiares e da comunidade em geral.

Mariath (2007) explica que a solução alcançou excelentes níveis de operacionalidade e eficácia e os seus custos revelaram-se muito inferiores aos do sistema prisional, provando ser uma real alternativa à prisão preventiva. Sendo assim, os bons resultados levaram o governo Português a estabelecer um programa de ação para o desenvolvimento da solução no sistema penal visando por um lado, concluir a fase de experimentação do monitoramento procedendo a generalização de sua utilização em todo o País, e por outro lado, "desenvolver condições que permitam a sua utilização, ainda que de forma progressiva e faseada no contexto da execução de penas”.

Na Austrália o sistema é utilizado como alternativa à pena e também como meio de permitir que o preso cumpra parte de sua condenação em casa. Citando Mariath, Carvalho (2010) aponta o “Bail Act” de 1985 como o embrião do Monitoramento Eletrônico, pois permitia que o Juiz impusesse fiança determinando que a pessoa permanecesse em casa ao invés de impor uma pena privativa de liberdade, admitindo algumas exceções, como por exemplo, o trabalho.

Conclui o autor que na verdade o Monitoramento Eletrônico é utilizado para acompanhar qualquer decisão conforme interpretação da Suprema Corte Australiana, embora não haja nenhum documento autorizando tal medida.

A Argentina, conforme já mencionado, foi o primeiro país latino-americano a utilizar o monitoramento eletrônico de presos em seu sistema prisional, cujo objetivo era a detenção de presos provisórios em suas próprias casas (CARVALHO, 2010).

No Brasil, conforme explica Prudente (2012, p.143), diante da nova realidade do país, iniciativas ainda tímidas do legislador brasileiro apontam a intenção de adaptar o sistema jurídico pátrio “às incipientes mudanças tecnológicas”. No Brasil o monitoramento eletrônico foi implantado pela primeira vez em 2007 na cidade de Guarabira/Paraíba, embora o governo de São Paulo já estudasse a adoção do monitoramento eletrônico.

Afirma o autor que os Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Pernambuco aprovaram o monitoramento eletrônico de presos no ano de 2008 enquanto o legislativo do Rio de Janeiro deu o aval no ano de 2009, mesmo ano em que Goiás começou a testar o sistema enquanto o Mato Grosso do Sul e Paraíba estavam com debates em andamento no legislativo.

O Estado de Alagoas e o Distrito Federal também já realizavam seus testes, os quais eram feitos com presos que concordassem em participar da experiência. Contudo, somente em 2010 o Monitoramento Eletrônico se firmou com o expresso reconhecimento legal através da lei n.º 12.258 que regulamentou o sistema em todo o país, até então somente na fase da execução penal. Posteriormente, em 2011 com a lei n.º 12.403 adotou o sistema também como medida cautelar diversa da prisão em todo país.

Atualmente os serviços relacionados à monitoração eletrônica vêm sendo estruturados progressivamente no país. Segundo dados do Ministério da Justiça e do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) já está implementado ou em fase de testes em ao menos 18 unidades federativas, além de outras 5 que já possuem convênio com departamento, mas ainda estão em estágio preliminar de contratação do serviço.

O DEPEN vem financiando desde 2013 projetos de estruturação de centrais de monitoração eletrônica no país, objetivando intervir na diminuição do alto número de presos provisórios existentes. Os projetos preveem a utilização da tecnologia para monitoração das medidas protetivas de urgência e para população carcerária vulnerável, já havendo entre os anos de 2013 e 2014 convênios firmados com os estados de Alagoas, Bahia, Goiás, Paraíba, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Tocantins, Santa Catarina e com o Distrito Federal, tendo sido investido o montante de R$ 10.392.741,50. Essa informação, porém, não é unânime, já que de acordo com o Portal Brasil os investimentos chegaram de R$ 26 milhões e os projetos estão abrangendo também outros Estados.

Recentemente, mais precisamente dia 9 de abril do corrente ano, o Supremo Tribunal Federal, o Ministério da Justiça, o Conselho Nacional de Justiça e o Instituto de Defesa do Direito de Defesa assinaram três acordos de cooperação técnica para facilitar a implantação do projeto “Audiência de Custódia” em todo o Brasil e viabilizar o uso das tornozeleiras eletrônicas, prevendo a compra de novos aparelhos e a construção de centros de monitoração. Pelo acordo, o Ministério da Justiça fica responsável em parceira com os Estados pela compra das tornozeleiras e pela montagem dos centros.

A assinatura dos documentos alinha-se a uma das principais diretrizes da atual gestão do Conselho Nacional de Justiça que é o combate à “cultura do encarceramento”. Os acordos buscam incentivar o desenvolvimento da prática das penas alternativas e da política de monitoramento eletrônico e objetivando estimular e aproveitar o “potencial desencarcerador”, assegurando o uso dessas ferramentas “com respeito aos direitos fundamentais”.

Para o ministro José Eduardo Cardozo é necessário desnudar problemas típicos do sistema prisional brasileiro, a exemplo da superlotação carcerária e da falta de capacidades para a ressocialização de presos. Existe também a ideia de que a pena restritiva de liberdade é eficaz, mas que há medidas cautelares, como a monitoração eletrônica, que precisam ser aplicadas.

Apesar de ser um sistema em expansão, dados oficiais da Spacecom S/A, responsável pelo monitoramento eletrônico dos presos de vários estados, a empresa já alcançou a marca de 36.082 monitorados divididos da seguinte forma:

a) Acre: 1.500;

b) Ceará: 1.300;

c) Goiás: 4.000;

d) Paraná: 500 (de competência da Justiça Federal) e 5.000 (da Justiça Estadual);

e) Maranhão: 1.500;

f) Mato Grosso: 5.000;

g) Minas Gerais: 3.982;

h) Pernambuco: 1.500;

i) Piauí: 1.000;

j) Rio de Janeiro: 5.000;

k) Rondônia: 1.000;

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l) São Paulo: 4.800.

Segundo informações obtidas pelo site oficial do Governo do Estado, Santa Catarina já teve alguns projetos piloto no que se refere à tornozeleiras eletrônicas. Em dezembro de 2014 a Secretária de Estado da Justiça e Cidadania teve um projeto aprovado junto ao DEPEN para a implantação de um Centro de Monitoração Eletrônica para presos provisórios ou cumprindo medidas cautelares diversas. Esse projeto prevê a colocação de 150 tornozeleiras num período de 24 meses e atenderá a 06 comarcas (Araranguá, Blumenau, Criciúma, Florianópolis Itajaí e São José). Atualmente o projeto está na fase de licitação, segundo informação apresentada pela Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado.

Apesar dos dados apresentados não foi encontrado um levantamento oficial a cerca de quantos monitorados existem atualmente no Brasil.

2. Fundamentos constitucionais e infraconstitucionais – argumentos desfavoráveis e favoráveis ao uso do monitoramento eletrônico

Embora seja considerado por muitos uma ótima alternativa, a utilização do Monitoramento Eletrônico recebe críticas muito pertinentes. Parte da doutrina questiona a constitucionalidade da medida, assim como apresenta argumentos desfavoráveis à utilização do monitoramento eletrônico como instrumento do direito penal.

Quanto aos fundamentos autorizadores do uso do monitoramento eletrônico Scheffer (2011) salienta que o artigo 5°, inciso XLVI da Constituição da República Federativa do Brasil prevê a possibilidade da criação de outras penas quando o legislador colocou o termo que está entre vírgulas “entre outras”. Para o autor, o rol de penas é portanto, aberto, permitindo com isso a possibilidade do uso da monitoração eletrônica como pena e continua sustentando que “se considerarmos então que a carta magna vislumbrou a possibilidade da criação da pena de monitoramento eletrônico como sanção, ou seja, como uma pena autônoma, é viável pensar então no uso do dispositivo eletrônico também como medida cautelar auxiliar, como na fiscalização da prestação de serviços à comunidade ou na prisão domiciliar, ou como substituto penal na prisão preventiva, por exemplo”.

A primeira possibilidade de uso, na forma de monitoramento sanção, foi autorizada pela Lei n.º 12.258 de 2010. A segunda, como monitoramento processo, foi previsto posteriormente com o advento da Lei n.º 12.403 de 2011.

A Lei n.º 12.258, sancionada pelo Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva e publicada no dia 16 de junho de 2010, foi elaborada para alterar dispositivos do Código Penal (Decreto-Lei n.º 2.848/1940) e da Lei n.º 7.210/1984 (Lei de Execução Penal), trazendo a possibilidade de utilização de equipamento de vigilância indireta pelo condenado nos casos em que fosse beneficiado com as saídas temporárias ou com o cumprimento de pena em regime domiciliar (art. 146-B).

Com efeito, a lei em destaque não só alterou os diplomas acima mencionados como também introduziu um novo instituto jurídico no Direito Penal brasileiro, o monitoramento eletrônico (CARVALHO, 2010). Para isso foi adicionado à Lei de Execução Penal, no título V (que trata sobre a execução das penas em espécie), capítulo I (que versa sobre as penas privativas de liberdade), a seção VI, referindo-se exclusivamente da monitoração eletrônica.

É nesta seção, entre os artigos 146-A e 146-D que está disciplinado o monitoramento eletrônico no direito brasileiro, quem pode deferir tal medida, em quais circunstâncias ele será adotado, os cuidados e os deveres que o acusado deve ter com o equipamento eletrônico e as hipóteses em que o monitoramento poderá ou deverá ser revogado.

De acordo com o artigo 146-B, o Juiz poderá definir o monitoramento eletrônico somente em duas situações: (inciso I) quando for autorizada as saídas temporárias no regime semiaberto, ou (II) quando for estabelecido em seu favor o cumprimento da pena no regime domiciliar.

Conforme visto em capítulo anterior, a saída temporária é um benefício concedido ao condenado que esteja cumprindo a pena no regime semiaberto, que sem vigilância direta, será autorizado a sair por prazo não superior a sete dias, prazo este que pode ser renovado por mais quatro vezes durante o ano, desde que seja para o condenado visitar a sua família, estudar ou participar de alguma atividade que contribua para seu retorno ao convívio social (art.122 da LEP). Cabe ressaltar que o parágrafo único desse mesmo dispositivo disciplina que a ausência de vigilância direta não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, se assim determinar o juiz da execução.

Uma vez deferida a medida do monitoramento eletrônico, o acusado tem o dever de conservar o equipamento disponibilizado pelo Estado e será instruído acerca dos cuidados e deveres que deverá adotar, dentre eles o de receber visitas do servidor responsável pela monitoração eletrônica, responder aos seus contatos e cumprir suas orientações, abster-se de remover, violar, modificar, danificar de qualquer forma o dispositivo de monitoração eletrônica ou permitir que outrem o faça (art. 146-C da LEP).

O parágrafo único do referido artigo disciplina que a violação comprovada dos deveres previstos poderá acarretar, a critério do juiz da execução e ouvidos o Ministério Público e a defesa a (I) regressão do regime, (II) revogação da autorização de saída temporária, (VI) revogação da prisão domiciliar ou (VII) uma advertência por escrito, para todos os casos em que o juiz da execução decida não aplicar alguma das medidas anteriores.

De acordo com o exposto no artigo 146-D da LEP o Juiz da execução poderá revogar a monitoração eletrônica do acusado desde que verifique que a medida se tornou desnecessária ou inadequada para o fim a que foi submetida. Também será revogada quando o acusado ou condenado violar os deveres a que estiver sujeito durante o período de vigência da medida ou cometer alguma falta grave.

Quanto à Lei n.º 12.403, sancionada pela Presidente da República em 04 de maio de 2011 e publicada no dia seguinte, esta introduziu alterações no Código de Processo Penal relativas à prisão processual, fiança, liberdade provisória e as medidas cautelares.

A lei modificou o artigo 319, inciso IX, do Código de Processo Penal, inserindo a monitoração eletrônica como uma medida cautelar manejável no curso do procedimento penal, o que de acordo com Neto e outros (2011), inovou ao autorizar a aplicação do monitoramento eletrônico aos indiciados ou acusados e não apenas, como até então, somente aos condenados.

Deste modo, o artigo 319 passou a fixar como medidas cautelares diversas da prisão:

a) o comparecimento em juízo, no prazo e condições estabelecidas em Juízo;

b) a proibição de frequentar determinados lugares com o fim de evitar o risco de novas infrações penais;

c) a proibição de manter contato com pessoas com quem deva permanecer distante;

d) a proibição de se ausentar da Comarca;

e) o recolhimento domiciliar;

f) a suspensão de função pública ou atividade de cunho econômico ou financeiro;

g) a internação provisória;

h) a fiança; e,

i) a monitoração eletrônica.

De acordo com Prudente (2012, p.152) essas medidas visam justamente impedir o encarceramento do indiciado ou acusado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, podendo ser aplicado antes mesmo do decreto condenatório, ou seja, durante a fase do inquérito policial e também da ação penal, afirmando que assim “a lei em comento inova ao autorizar a aplicação do monitoramento eletrônico aos indiciados ou acusados e não apenas, como até então, somente aos condenados”.

Segundo o autor, um dos fundamentos que corroboram com a aplicação do monitoramento eletrônico é a própria dignidade da pessoa humana que na definição de Lenza (2008, p.593), “é o fundamento da República Federativa do Brasil e princípio matriz de todos os direitos fundamentais (art. 1.º, III, da CF/88). Daí a importância de ser respeitado, pois trata-se de um dos pilares do Estado Democrático de Direito”.

Nesse viés cabe salientar que embora parte da doutrina funde o monitoramento eletrônico com base no princípio da dignidade da pessoa humana, a parte contrária ao sistema sustenta que o monitoramento eletrônico fere este princípio.

No entendimento de Prudente (2012, p.156), “deve ressaltar acerca da necessidade de que o ME seja adequadamente aplicado, principalmente por que o emprego deste mecanismo de controle supõe uma atuação sobre o corpo do infrator, com capacidade de interferir em determinados direitos fundamentais como a dignidade da pessoa humana”.

O outro princípio que legitima o uso do monitoramento eletrônico é a Presunção da Inocência consagrado no art. 5°, inciso LVII da CRFB/88, que é um desdobramento do princípio do devido processo legal (art. 5° inciso LIV da CRFB/88).

Conforme explica Scheffer (2011), as medidas cautelares justificam-se na medida em que no inquérito ou na instrução processual ainda não há a convicção do cometimento do crime pelo suspeito e com isso podem-se cometer grandes injustiças. Nesse sentido o uso da monitoração como medida cautelar além assegurar o princípio da inocência também representaria um avanço no princípio do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (art. 5°, LV, CRFB /88).

Para o autor citado, o uso do monitoramento eletrônico se justifica também pelo princípio da proporcionalidade, contrapondo-se à pena privativa de liberdade que pune, contamina (como fator criminógeno) e não ressocializa. “O controle eletrônico, se por um lado restringe a liberdade e possui alguns efeitos negativos, por outro é uma medida menos danosa como pelo fato de permitir o convívio social e familiar permitindo a reeducação e ressocialização” (SCHEFFER, 2011).

Na opinião de Lehner (2011, p. 7-21), o monitoramento eletrônico foi introduzido para o uso criminológico como meio de reabilitação e é bastante benigno em comparação com outras formas de sanções penais. Aparentemente ele tem um forte efeito simbólico sobre os delinquentes e, considerando seu preço, abre interessantes perspectivas econômicas para o Estado.

Sobre os argumentos desfavoráveis, segundo observa Jesus (J., 2011), em todo sistema novo são encontradas vantagens e desvantagens e com o monitoramento eletrônico não poderia ser diferente.

São várias as desvantagens apontadas pelos opositores do sistema, como o estigma e o constrangimento ao portador, a intromissão na esfera privada do infrator e de seus familiares, a violação de determinados direitos fundamentais tais como a privacidade, intimidade, e ainda, alguns doutrinadores afirmam que o monitoramento eletrônico não impede a prática de crimes e criticam as dificuldades na implantação do sistema e as eventuais falhas técnicas que possam vir a ocorrer.

Os doutrinadores afirmam que o uso do equipamento será mais uma fonte de estigmatização dos condenados com a identificação pública dos que estiverem sob monitoramento (SCHEFFER, 2011).

Prudente (2012, p.156) afirma que a visibilidade de tornozeleiras ou pulseiras eletrônicas pode gerar estigmatização, chegando mesmo a representar um risco de segregação de monitorados nas comunidades em que vivem, e por essa razão é fundamental que os aparelhos sejam discretos e passiveis de ser escondidos pelas vestimentas do monitorado.

Em consonância com essa ideia, Vianna (2012, p.189) critica que, em virtude do clima quente brasileiro o uso de bermudas é extremamente comum em nosso país e o condenado teria que optar pelo uso de calça comprida caso quisesse ocultar a tornozeleira. Não obstante, o próprio autor acrescenta que tais críticas não atacam uma característica essencial do sistema, mas tão somente sua forma, que pode ser perfeitamente alterada conforme as necessidades locais e sugere que, talvez fosse o caso de se desenvolver no Brasil pulseiras semelhantes a relógios de pulso que poderiam ser usadas até mesmo em praias e clubes.

Na concepção do referido autor, “a maioria das críticas que se tem feito ao rastreamento eletrônico dos condenados limita-se a atacar aspectos operacionais do sistema”. Nesse sentido destaca Prudente (2012, p.156) que com certeza algumas dificuldades na implantação do sistema se apresentam, tais como o desgaste do material utilizado e a necessidade da manutenção periódica que garantam o adequado funcionamento dos equipamentos.

Prudente (2012, p.157) considera também a possibilidade de eventuais interferências que podem ser causadas por fatores meteorológicos ou por um espaço ambiente desfavorável, tais como campos eletromagnéticos provenientes de eletrodomésticos, motores industriais, celulares, segurança da integridade do sistema de informática etc. Dessa forma conclui que nenhuma tecnologia é 100% segura ou totalmente à prova de erros, surgindo então a possibilidade de violações de dados registrados por condutas praticadas por hackers/crackers através de invasões nos terminais e Centros de Controle, bem como a ocorrência de defeitos técnicos, disfunções e panes nos aparelhos.

Outra crítica imposta pelos opositores é que devido ao baixo grau de escolaridade da maioria dos condenados brasileiros muitos teriam dificuldades em operar o equipamento, o que poderia acarretar alarmes falsos na central e consequentemente a prisão do usuário. Não pelo descumprimento doloso de suas obrigações, mas pelo mau uso do dispositivo. Contudo, tem-se que o uso do equipamento é bastante simples e o condenado deve evitar tão-somente que o dispositivo rastreador afaste-se da pulseira ou que a bateria seja descarregada completamente. Nesse sentido Vianna (2012, p.190) conclui que “é fundamental que as explicações sejam passadas oralmente e de forma didática ao condenado no momento da instalação do equipamento, pois muitos não sabem ler e o manual de instruções pouco ou nada lhe seria útil. É fundamental ainda que o dispositivo rastreador tenha um aviso visual e sonoro bastante claro indicando que a pulseira afastou-se demasiadamente dele ou que a bateria precisa ser carregada. A possibilidade de troca por uma bateria reserva também é importante, pois muitas vezes a autonomia da bateria é pequena e o condenado não dispõe de meios para recarregá-la em seu local de trabalho”.

Outro aspecto desfavorável aludido pelos opositores ao monitoramento eletrônico é a falta de estudos eficazes que demonstrem a eficácia do sistema.

Nesse sentido assinala Grecco (2010), ensinando que “dizem os opositores do monitoramento eletrônico, que não existem estudos suficientemente amplos e rigorosos que tenham por finalidade apontar se realmente existe uma eficácia preventivo-especial da sanção daqueles que foram submetidos ao monitoramento eletrônico, em comparação aos condenados que cumpriram suas penas inseridos no sistema prisional. Ou seja, para eles, não se pode dizer, com a necessária precisão, que permitir o cumprimento monitorado de pena extramuros não diminui o índice de reincidência. Com todo o respeito que merecem os opositores do monitoramento eletrônico, não se pode negar que os benefícios de um cumprimento de pena monitorado fora do cárcere são infinitamente superiores aos prejuízos causados no agente que se vê obrigado a cumprir sua pena intramuros”.

O autor entende que entre colocar o condenado num sistema falido que ao invés de ressocializá-lo fará com que retorne completamente traumatizado ao convívio em sociedade, com toda a certeza será preferível o seu controle pelo Estado em algum local extramuros, previamente determinado. Esse local poderá ser a sua própria residência ou outro qualquer, que viabilize a execução da pena com o seu perfeito controle.

Segundo Grecco (2010), a doutrina afirma que essa modalidade de cumprimento de pena é demasiado benigna aos condenados, não possuindo assim o necessário efeito intimidante característico da teoria retributiva e apontam que a sanção se centra somente no controle do condenado dedicando pouco ou mesmo nenhum esforço no seu tratamento ressocializante.

Nesse sentido, citando Luzón Peña, Grecco (2010) assevera que as acusações de que o monitoramento eletrônico é por demais benigno ao condenado, além de possuir pouca ou nenhuma eficácia intimidante, tem-se rebatido com o correto argumento de que a ele são reservadas somente as infrações penais de pouca gravidade, a exemplo do que ocorre com os delitos de trânsito, subtrações patrimoniais não violentas, consumo de drogas etc. e só excepcionalmente para algum delito que preveja alguma forma de violência, como pode ocorrer com as lesões corporais.

 Além disso, o prognóstico que se faz do condenado lhe é favorável, ou seja, tudo leva a crer que o cumprimento da pena monitorada extramuros exercerá sobre eles os necessários efeitos, evitando-se a prática de futuras infrações penais. Não podemos nos esquecer que, mesmo com certo grau de liberdade, temos limitada uma grande parcela desse nosso direito. Assim, por mais que, aparentemente, se mostre benigna ao condenado, ainda assim essa forma de cumprimento de pena poderá exercer sua função preventiva (geral e especial), pois que, para a sociedade, ficará demonstrado que o Estado, através do Direito Penal, cumpriu com sua missão protetiva de bens jurídicos, fazendo com que o autor da infração penal fosse por ela responsabilizado, com uma pena correspondente ao mal por ele praticado.

Ademais, sustentam que tal instituto violaria direitos fundamentais como intimidade, privacidade e locomoção (JESUS, J., 2011), o que seria incompatível com o nosso Estado Democrático de Direito (VIANNA, 2012, p.191).

Contudo, explica Vianna que toda pena por definição consiste na imposição de uma limitação a um direito fundamental, variando desde a limitação da própria vida (na pena de morte, da integridade corporal (nos açoites), da liberdade (na prisão), e do patrimônio (na pena de multa, etc.) e nesse sentido argumenta o autor que algumas destas limitações a direitos fundamentais com efeito de pena são expressamente limitados pela Constituição da República em ser art. 5.º, XLVII. Nenhuma vedação constitucional há, porém, em relação à limitação do direito constitucional à privacidade como pena, estando ela autorizada implicitamente pelo art. 5º, XLVI, da Constituição da Republica que prevê a possibilidade de pena de “suspensão e interdição de direitos”. Destarte, se é possível a restrição dos direitos fundamentas à liberdade a ao patrimônio como efeito da pena criminal, também é perfeitamente possível restrição semelhante ao direito à privacidade que em momento algum perderá seu status de direito fundamental por conta disso.

Nessa mesma ótica defende Jesus (J., 2011) afirmando que os que são contrários ao sistema de monitoramento eletrônico alegam que tal instituto violaria o direito a intimidade, privacidade e locomoção, mas esquecem que tais direitos já são mitigados pela pena privativa de liberdade e que ao contrário do que se pensa, através desse sistema o apenado além de ter direito ao convívio social, terá ampliado o seu direito à liberdade, tendo a possibilidade efetiva de ressocializar-se.

CORREA Jr (2012) sustenta que a conotação negativa referente ao “controle total da vida da pessoa” pode ser mitigada com a especificação do objeto da vigilância, ou seja, vigilância eletrônica de penas e alternativas penais e não de pessoas ou de delinquentes. Em outras palavras, a vigilância eletrônica deve fiscalizar as condições e restrições impostas ao infrator em razão da pena ou medida aplicada e não vigiar a vida privada da pessoa ou outros aspectos não atingidos pela decisão judicial.

Relacionado à crítica do uso do monitoramento eletrônico como forma de invadir a privacidade do condenado, Grecco (2010) acentua que sistema prisional, com toda certeza, não seria o melhor ambiente para o cumprimento da pena aplicada ao condenado que em muitos países da América Latina eliminariam a sua personalidade. E assim, “por mais que tenhamos que proteger o direito à intimidade daqueles que foram condenados pela Justiça Penal, entendemos que a submissão do autor da infração penal ao monitoramento eletrônico deve ser entendida em seu benefício, mesmo que venha a causar pequenos transtornos”.

Apesar das críticas citadas, é com base no princípio da dignidade humana, alicerce da Constituição Federal de 1988, que os doutrinadores contrários ao monitoramento eletrônico fundamentam suas opiniões. Para eles, o uso das tornozeleiras eletrônicas colocaria em risco a integridade física e moral do apenado posto que ao sair na rua utilizando o equipamento eletrônico, de longe seria caracterizado como criminoso, somente por utilizar o referido equipamento (CARVALHO, 2010). Nesse sentido, acrescente Leal (2011, p.422) que em certas circunstâncias, como avaliação médica, ingresso em agência bancária, relação sexual, partida de basquete ou futebol, tornar-se-ia um constrangimento insuperável.

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é um instrumento criado para a proteção da autonomia vital da pessoa, a sua autodeterminação relativamente ao Estado, proteção dos direitos da pessoa frente à ofensa a sua dignidade em suas mais variadas espécies, tutelando tanto a integridade física como a espiritual.

Nos dizeres de Ingo Wolfgang Sarlet (2004, p.40), no caso da dignidade da pessoa, diversamente do que ocorre com as demais normas jus-fundamentais, não se cuida de aspectos mais ou menos específicos da existência humana (integridade física, intimidade, vida, propriedade etc.), mas, sim, de uma qualidade tida como inerente a todo e qualquer ser humano, de tal sorte que a dignidade – como já restou evidenciado – passou a ser habitualmente defendida como constituindo o valor próprio que identifica o ser humano como tal.

Os opositores sustentam que a simples ideia de amarrar os pés do condenado à uma tornozeleira eletrônica, por meio da qual os seus movimentos serão minimamente controlados, não necessita de maiores argumentos racionais para que, a qualquer ser humano, se mostre forma abjeta, degradante e vil de sujeitar o indivíduo ao cumprimento da pena, sendo incompatível com o princípio da humanização das penas, com a própria natureza das penas restritivas de direito e com a dignidade da pessoa humana (SIMANTOB, 2004, p.14). Ademais, constitui um plus no controle e na severidade em penas e medidas que regularmente se aplicam sem necessidade desses dispositivos tecnológicos (WEYS, 2008, p.147).

As penas restritivas de direitos se sobrepõem aos princípios e às garantias constitucionais a pretexto de imprimir maior efetividade ao seu cumprimento, vez que não faria sentido aplicá-las na tentativa de eliminar as indignidades da pena de prisão, se as formas escolhidas para monitorá-las apenas fariam ressuscitar as mazelas e degradações próprias do encarceramento, como a violação da intimidade e da vida privada, além da odiosa estigmatização social dos sentenciados que teriam que esconder as suas tornozeleiras eletrônicas durante o período de cumprimento da pena (SIMANTOB, 2004, p.13-14).

Morais (2010) se posiciona no sentindo de que os que defendem que a preocupação de que a tornozeleira possa ferir a dignidade da pessoa humana, ao impor ao cidadão a utilização de uma “coleira”, na forma como ocorria no período da escravatura, não merece prosperar, haja vista se estiver absolutamente convencido de que o atual sistema carcerário brasileiro é o maior elemento de ataque à dignidade humana. Aqueles que conhecem o sistema prisional sabem que ali a última coisa que podemos encontrar é o tratamento digno e correto de um ser humano.

Nesse mesmo viés Borges D’Urso (2007) observa que as pessoas condenadas ou que aguardam julgamento ficam sujeitas às mazelas comuns do sistema carcerário que não garante a integridade física do preso, pela superlotação, sevícias sexuais, doenças como aids e tuberculose e rebeliões. Segundo o autor, o monitoramento eletrônico traria duas vantagens: evitaria o confinamento e os problemas dele decorrentes e manteria a responsabilidade do Estado diante de uma condenação de pequena monta ou prisão antes da condenação.

Diante dessa análise, afirma que o uso da tornozeleira eletrônica não veio aumentar o estigma social nem afetar a dignidade, pois os equipamentos são pequenos e discretos, podendo ser escondidos facilmente embaixo de roupas. Para o autor é incomparavelmente melhor transitar livremente pelas ruas, ainda que portando esse tipo de aparelho, do que passar o dia trancado em uma cela (D’URSO, 2012, p.31).

Conforme entende Souza (2014), pode-se concluir que o uso da monitoração eletrônica do preso é antes e acima de qualquer coisa medida que deve resultar na redução da população carcerária e que possibilita a adoção de formas mais efetivas de ressocialização dos internos, uma vez que traz o detento para o convívio com sua família e com a sociedade, obtendo-se de forma induvidosa, uma recuperação mais célere e econômica para o Estado.

Neste contexto, pode se afastar qualquer discussão a respeito de uma possível estigmatização do preso pelo uso das pulseiras e tornozeleiras eletrônicas, uma vez que as prisões são muito mais danosas e, em comparação com o uso deste novo meio de monitoramento e vigilância do preso, são, com muito mais intensidade, um instrumento que deixam marcas definitivas no indivíduo condenado (SOUZA, 2014).

Em contrapartida, os defensores do uso dos dispositivos eletrônicos têm como premissa o fato que a maioria das pessoas preferiria ter seus passos rastreados a ser aprisionado em uma penitenciária. Nesse sentido sustenta Vianna (2012, p.196) que “até um cão sabe que é melhor passear pelas ruas atado a uma coleira a viver preso em uma jaula”.

Outro aspecto levantado pela doutrina que merece destaque, é que o uso desse sistema traria vantagens com a economia de recursos e também melhoraria a inserção dos condenados na sociedade, evitando a ruptura dos laços familiares e da perda do emprego, além da redução da população carcerária e a diminuição na reincidência.

No entendimento de Prudente (2011, p.7-21) o monitoramento eletrônico onera o Estado em proporções muito inferiores que a pena privativa de liberdade e ainda confere ao condenado a oportunidade de trabalhar para arcar com os custos da própria pena.

Seguindo essa linha de raciocínio Vianna (2012, p.197) afirma que o uso da tecnologia de monitoramento eletrônico como alternativa ao cárcere, viabilizando as prisões domiciliares e as penas de proibição de frequentar determinados lugares pode representar o fim dos gastos com estabelecimentos penais de regime semiaberto e abertos, permitindo uma economia de recursos que compensaria o investimento realizado na aquisição e manutenção do sistema de rastreamento eletrônico.

O DEPEN também considera vantajosa a economia de custos ao poder público, na medida que enquanto um preso custa em média R$ 1.800 por mês (mil e oitocentos reais), a monitoração eletrônica de uma pessoa pode custar de R$ 200 a R$ 600 mensais, dependendo dos termos contratuais da empresa fornecedora dos equipamentos.

Outra questão ressaltada pelos favoráveis ao monitoramento eletrônico, é que a procura por formas alternativas de controlar condenados é uma tendência mundial visto o sucesso obtido nas experiências em outros países (SCHEFFER, 2011).

Segundo Prudente (PRUDENTE, 2012, p.155) sabe-se que a experiência com o monitoramento eletrônico em outros países tem sido positivas e esperançosas e assim observa que, nestes, é preciso pontuar que a sua aplicação teve como foco a substituição das prisões preventivas e progressivamente, a substituição da própria pena privativa de liberdade, como exemplo Argentina e Portugal. Isso significa que nesses países houve sensível diminuição nos gastos públicos na medida em que o monitoramento eletrônico foi implementado como sucedâneo da prisão e não como requisito adicional para a conquista da liberdade.

Para o autor, se utilizado como medida cautelar é eficaz pois, como é sabido, hoje nas prisões cautelares os presos provisórios devem ficar separados dos presos definitivamente condenados (em celas distintas), toda via, diante da nossa desestruturada realidade carcerária, poucas vezes se tem garantido essa separação, igualando o suspeito ao condenado e o sujeitando ambos a tratamentos desumanos.

Outra questão abordada pela doutrina é que, segundo explica Scheffer (2011), a essência do sistema é a valorização da autonomia e a capacidade de autodisciplina do condenado. O autor observa que diferente da prisão, não há um obstáculo físico à fuga, mas apenas psicológico, consistente na ameaça de prisão para o caso de violação das regras de rastreamento, e nesse sentido, será o temor da imposição de uma sanção mais gravosa que evitará o descumprimento das condições impostas.

Na visão de Lehder (2011, p.7-21), o monitoramento eletrônico combinado com supervisão social favorece uma abordagem individual, diminuindo os elementos do controle e da supervisão de acordo com o aumento da colaboração e da cooperação do delinquente.

Prudente (apud Vianna, 2012, p.155) salienta que considerando o monitoramento eletrônico como substituto das prisões processuais, pode significar o fim da restrição de liberdade àqueles que a Constituição Federal presume inocentes.

A doutrina que defende o monitoramento encontra nesse novo sistema a solução para os problemas de superlotação carcerária, reincidência dos presos e principalmente a possibilidade da ressocialização e reintegração do apenado, já que com a medida este não será retirado do convívio familiar e social, de modo a não romper os laços afetivos, reduzindo o grau de sofrimento que o encarceramento produz no preso e nos seus familiares e amigos (PRUDENTE, 2011, p.7-21).

Vianna (2012, p.193) afirma que a possibilidade do condenado cumprir sua pena inserido na sociedade aumenta em muito suas expectativas de reintegração.

Embora pouco explorado pela doutrina, alguns autores defendem o uso do monitoramento eletrônico como meio de acompanhar o cumprimento das penas restritivas de direitos e até das medidas cautelares diversas da prisão.

Nesse sentido sustenta Correa Jr. (2012) que o monitoramento eletrônico deveria ser estabelecido como instrumento de execução das penas restritivas de direitos que demandam fiscalização efetiva, a fim de consolidar um sistema alternativo de penas realmente capaz de promover a prevenção e substituir a pena privativa de liberdade para delitos de menor gravidade.

Oliveira (2012) traz como exemplo o condenado a pena de interdição temporária de direitos na modalidade de proibição de acesso ou frequência a determinados lugares, quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações. Através da monitoração eletrônica, o juiz terá plenas condições de saber se o indiciado ou acusado descumpriu a medida inicialmente aplicada, visto que o juízo receberá relatórios periódicos sobre o cumprimento das medidas estabelecidas. Ocorrendo o descumprimento, poderá substituir a pena aplicada.

Na medida cautelar de proibição de ausentar-se da comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução, o monitoramento eletrônico também demonstra ser uma forma de efetivo controle do cumprimento. De acordo com o autor, é bem verdade que a simples aplicação dessa proibição não impedirá que o indiciado ou acusado se ausente da comarca, se realmente quiser fazê-lo. Dessa forma, surge a oportunidade, conveniência e, por que não dizer, necessidade, em algumas situações, de se cumular essa cautelar com a monitoração eletrônica, a qual, de todas as possibilidades legais, se mostra mais adequada para efetivo controle dos deslocamentos do indiciado ou acusado. Se o indiciado ou acusado ausentar-se da comarca sem autorização judicial, prejudicando o bom desenvolvimento da investigação ou da instrução, descumprindo uma ordem judicial o Juiz ficará sabendo de forma inequívoca através dos relatórios emitidos pelas centrais de monitoramento.

No caso do condenado a recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos, ou mesmo a prisão domiciliar, essa aplicação conjunta permitirá efetivo controle sobre a conduta do indiciado ou acusado, ao mesmo tempo em que irá gerar maior credibilidade ao sistema judiciário. Isso serve de incentivo para que os próprios operadores do direito que atuam num determinado processo sintam a eficácia da medida em meio aberto (OLIVEIRA, 2012), visto que conforme já mencionado, o Brasil não possui estruturas físicas suficientes que possibilitem o cumprimento das penas do regime aberto e semiaberto segundo os ditames da lei.

Na opinião de Scheffer (2011), o monitoramento eletrônico é uma solução viável e equilibrada quando se refere à inexistência de estabelecimentos adequados ao cumprimento da pena de prisão em regime aberto e semiaberto. Assim, para promover a finalidade preventivo-especial preconizada pela lei penal, e fiscalizar o cumprimento da pena privativa de liberdade defende-se o uso de vigilância eletrônica indireta.

Nesse sentido, a expectativa que se tem em relação à monitoração eletrônica é de que sirva como reforço e motivação para que o indiciado ou acusado possa cumprir suas obrigações legais, ao mesmo tempo em que não volte a praticar outras infrações penais.

Diante da abordagem de todos os argumentos favoráveis e desfavoráveis do uso do monitoramento eletrônico, Grecco conclui que não há dúvida que os riscos (reais, iminentes e de toda sorte) que a pessoa corre ingressando em nossas cadeias prematuramente, são infinitamente maiores ao que correria estando solta sob vigilância eletrônica. Assim, qualquer solução que venha a rechaçar o encarceramento ou a propiciar a extração do sistema para reintegração a sociedade deverá ser acolhida, ainda que experimentalmente.

O autor finaliza sustentado que “não se pode negar que os benefícios de um cumprimento de pena monitorada fora do cárcere são infinitamente superiores aos prejuízos causados no agente que se vê obrigado a comprimir sua pena intramuros”.

3. Resolução do aparente conflito entre o controle via tornozeleira eletrônica e os princípios constitucionais

As Constituições modernas, a exemplo da brasileira, não só preveem expressamente o princípio da Dignidade Da Pessoa Humana, mas também direitos que lhe são decorrentes como acontece com o direito à intimidade, conforme se verifica pela leitura do art. 5.º, X da CRFB/88, que diz: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (GRECCO, 2010).

Segundo o autor, conceituar direito à intimidade não é tarefa das mais fáceis. É extremamente difícil, na verdade, não somente conceituar o que venha a ser direito à intimidade, como também traçar os seus exatos contornos, fazendo uma distinção entre o público e o privado.

Grecco (2010) explica que a primeira teoria que trata do direito a intimidade é a denominada de teoria objetiva, a qual adota a chamada teoria das esferas (do direito alemão), onde pode-se visualizar, figurativamente, vários círculos concêntricos, sendo que no centro se encontra aquilo que existe de mais íntimo e reservado; ao redor, a intimidade familiar; e por último, na sua face mais externa, a área destinada à esfera pública. Nesse sentido, observa: “é claro que essa definição não é absoluta, mas sim uma mera representação teórica” (GRECCO, 2010).

A segunda teoria, conhecida como subjetiva, como a própria denominação está a sugerir, entende que somente a pessoa e mais ninguém pode determinar o que é ou não íntimo, ou seja, cabe somente a ela determinar os limites entre o particular e o público.

Nesse sentindo, conclui Grecco (2010) que assim, embora seja complexa a sua definição, podemos entender como direito à intimidade aquela porção, inerente ao nosso direito de personalidade, que compete única e exclusivamente a nós, e que deve, de acordo com nossa vontade, ser subtraída do conhecimento público, ou, conforme as lições de Edson Ferreira da Silva, “o direito à intimidade deve compreender o poder jurídico de subtrair do conhecimento alheio e de impedir qualquer forma de divulgação de aspectos da nossa vida privada, que segundo um senso comum, detectável em cada época e lugar, interessa manter sob reserva”.

O direito à intimidade, cuja violação se atribui à possibilidade de monitoramento eletrônico, encontra-se no rol dos direitos da personalidade. A personalidade a seu turno, pode ser apontada como decorrência direta do princípio da dignidade da pessoa humana, significando, resumidamente, a capacidade que tem todo ser humano de possuir direitos e de contrair obrigações. Nessa esfera o autor afirma que a intimidade, portanto, é um direito fundamental assegurado constitucionalmente, devendo o Estado protegê-lo de todo e qualquer ataque.

O princípio da Dignidade da Pessoa humana constitui-se um dos mais importantes princípios sob os quais se fundamenta o Estado brasileiro conforme preceitua a Constituição Federal (1998):

“Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana.”

A dignidade, como um valor espiritual e moral inerente à pessoa, manifesta-se especificamente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida, portando em si a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas e constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar. Envolve necessariamente o respeito e a proteção da integridade física e corporal do indivíduo, uma qualidade inerente à pessoa humana. É algo que simplesmente existe, sendo irrenunciável e inalienável na medida em que constitui elemento que qualifica o ser humano e dele não pode ser retirado. Trata-se de valor próprio, da natureza do ser humano, que independe das circunstâncias concretas e que é intrínseca a toda e qualquer pessoa humana, independentemente de sua condição (MORAES, 2003).

Naiara Antunes Dela Bianca (2008) ensina que a palavra dignidade, vem de origem latina, qual seja a expressão (dignitas), entendendo por este termo, respeitabilidade, prestigio, consideração, estima, nobreza, excelência, indicando “qualidade daquilo que é digno e que merece respeito ou reverência”.

Na lição de Sarlet (2004, p.110) o princípio da dignidade da pessoa impõe limite à atuação estatal, objetivando impedir que o poder público venha a violar a dignidade pessoal, mas também implica (numa perspectiva que se poderia designar de programática ou impositiva, mas nem por isso destituída de plena eficácia) que o Estado deverá ter como meta permanente a proteção, promoção e realização concreta de uma vida com dignidade para todos.

Nesse contexto, não restam dúvidas de que todos os órgãos, funções e atividades estatais encontram-se vinculados ao princípio da dignidade da pessoa humana, impondo-lhes um dever de respeito e proteção, que se exprime tanto na obrigação por parte do Estado de abster-se de ingerências na esfera individual que sejam contrarias à dignidade pessoal, quanto no dever de protegê-la (a dignidade pessoal de todos os indivíduos) contra agressões oriundas de terceiros, seja qual fora a procedência, vale dizer, inclusive contra agressões oriundas de outros particulares, especialmente – mas não exclusivamente – dos assim denominados poderes sociais, ou poderes privados (SARLET, 2004, p.110).

Assim resta como claro que o princípio da dignidade da pessoa humana se trata da proteção dada ao indivíduo contra o ato afrontador de seus direitos fundamentais. Medidas tais que podem ser de caráter positivo ou negativo, ou seja, obrigando ou impedindo que determinada atitude seja tomada. Protege as relações do Estado no particular como também entre os próprios particulares. Deve ser utilizado concomitante aos outros princípios constitucionais que podem divergir, como também por vezes, se contrapor (REZENDE, 2011).

Segundo posição doutrinária amplamente majoritária, a dignidade da pessoa humana não possui caráter absoluto. Com isso afirma-se que em determinadas situações, deve-se, obrigatoriamente, trabalhar com outros princípios que servirão como ferramentas de interpretação, levando-se a efeito a chamada ponderação de bens ou interesses, que resultará na prevalência de um sobre o outro (MARIATH, 2009).

De acordo com Grecco (2010), embora todo raciocínio que tente preservar a dignidade do ser humano seja louvável, não podemos nos esquecer que não existe direito absoluto, a não ser, como se afirma majoritariamente, o direito em não ser torturado ou de ser escravizado. Não podemos, ainda, agir com ingenuidade na defesa de certos princípios fundamentais, sob pena de inviabilizarmos qualquer projeto, mesmo os benéficos à pessoa humana.

Diante do exposto, passa-se a uma análise do paradigma de confronto para aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana, pois, este preceito que é fundamento da República Federativa do Brasil segundo o art. 1.º, inciso III da Carta da República deverá servir como pilar tanto da proteção da pessoa do acautelado provisoriamente nas unidades prisionais quanto da sociedade pela preservação da segurança pública e da manutenção do devido processo legal (SOUSA, S., 2010).

Conforme ensina Gomes (2007), diversamente das regras que normatizam determinada situação fática e vale a lógica do tudo ou nada, os princípios não conflitam, “colidem” e quando se colidem, não se excluem. Como expressam critérios e razões para uma determinada decisão, os princípios podem ter incidência em casos concretos (por vezes, concomitantemente). Assim, há que se promover investigação minuciosa e ponderar, à luz da razoabilidade, em que momento deverá um prevalecer em face do outro.

Nessa esteira, Grecco (2009, p.12) assevera que, dependendo do caso em concreto, a ponderação de bens ou interesses imporá que um princípio se sobressaia em detrimento do outro, mesmo nos casos em que um dos princípios em conflito seja o da dignidade da pessoa humana.

Especificamente em relação ao sistema penitenciário o autor é categórico ao afirmar que embora o princípio da dignidade da pessoa humana esteja expresso na Carta Magna, o mesmo é afrontado diuturnamente pelo próprio Estado. Os indivíduos presos estabelecimentos penais "são afetados diariamente em sua dignidade, enfrentando problemas como os da superlotação carcerária, espancamentos, ausência de programas de reabilitação etc.". Ou seja, aquele que deveria zelar pela sua observância acaba se tornando seu grande infrator.

Em relação ao conflito de princípios, Conte (2010, p, 410) afirma que é necessário ponderar os interesses individuais dos interesses públicos, onde de um lado está o interesse do condenado em não ter sua intimidade violada, e de outro, o interesse da coletividade em ver aquela pessoa sendo punida. Os poderes têm o dever de preservar a dignidade como direito fundamental sob o crivo da proporcionalidade, cumprindo saber que se em um dado momento os princípios se colidem, um jamais anulará o outro, mas sob um juízo de proporcionalidade se buscará o máximo cumprimento de todos (SILVA Jr., 2013).

Assim, o Estado, para impor a utilização de tornozeleiras eletrônicas, deverá avaliar, em nome da segurança coletiva, a margem de invasão sobre a esfera privada do condenado de maneira razoável e levando em conta os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da ponderação (DIAS, 2014).

Conforme ensinamento do Ilustríssimo Ministro Gilmar Ferreira Mendes (2013, p.184), o juízo de ponderação a ser exercido liga-se ao princípio da proporcionalidade, que exige que o sacrifício de um direito seja útil para a solução do problema, que não haja outro meio menos danoso para atingir o resultado desejado e que seja proporcional em sentido estrito, isto é, que o ônus imposto ao sacrificado não sobreleve o benefício que se pretende obter com a solução estrito, isto é, que o ônus imposto ao sacrificado não sobreleve o benefício que se pretende obter com a solução.

Nesse passo, entendemos que o uso da tornozeleira é medida salutar, mesmo tendo sua aplicação mitigada pela lei, pois o que deve ser levado em conta é o benefício gerado, tanto ao preso quanto à sociedade (SOUSA S., 2010).

Quanto à sociedade, ela se beneficia, pois, os crimes não deixam de ser punidos e a paz social se torna mais tangível, pois o uso do monitoramento eletrônico impõe uma certa limitação aos ânimos daqueles (apenados) que pensam em uma recaída. Quanto ao preso, se por um lado pode ser discriminado, por outro se beneficia por não ter que conviver com criminosos de alta periculosidade, colocando sua vida em risco ou aprendendo como ser bandido. Infelizmente, o período que tiver que passar com o equipamento até a extinção da punibilidade é preço justo a se pagar pelo desvio da conduta social (SOUSA S., 2010).

Com estas considerações, pode-se concluir que o uso da monitoração eletrônica do preso é antes e acima de qualquer coisa, medida que deve resultar na redução da população carcerária e possibilita a adoção de formas mais efetivas de ressocialização dos internos, uma vez que traz o detento para o convívio com sua família e com a sociedade, obtendo-se, de forma induvidosa, uma recuperação mais célere e econômica para o Estado. Neste contexto, pode se afastar qualquer discussão a respeito de uma possível estigmatização do preso pelo uso das pulseiras e tornozeleiras eletrônicas, uma vez que as prisões são muito mais danosas e, em comparação com o usa deste novo meio de monitoramento e vigilância do preso, são, com muito mais intensidade, um instrumento que deixam marcas definitivas no indivíduo condenado (SOUZA J., 2014).

Conclusão

O presente artigo teve como objetivo estudar a aparente afronta do uso monitoramento eletrônico via tornozeleiras eletrônicas aos direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana do acusado ou condenado.

Primeiramente foi feita a análise da origem histórica e das experiências realizadas tanto no Brasil quanto no exterior, através das quais se obteve resultados bastante positivos.

Num segundo momento foram avaliados os aspectos constitucionais e infraconstitucionais e os principais argumentos favoráveis e desfavoráveis ao uso do monitoramento eletrônico apontados pela doutrina, discorrendo sobre a crítica apontada pelos opositores de que o uso das tornozeleiras eletrônicas causariam a estigmatização do preso, a violação dos direitos fundamentais como exemplo a privacidade, e a afronta ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Por último, tratou-se da resolução do aparente conflito entre o controle via tornozeleiras eletrônicas e os princípios constitucionais, concluindo-se por fim, que não existe nenhum direito absoluto e que o monitoramento eletrônico é medida benéfica e eficaz, e o que deve ser levado em conta é o benefício gerado tanto ao preso quanto a sociedade, devendo, contudo, ser aplicado segundo os princípios da proporcionalidade e da ponderação.

Concluiu-se que o uso da tornozeleira eletrônica não estigmatiza nem afeta a dignidade da pessoa humana, visto que os equipamentos são pequenos e discretos e podem ser facilmente escondidos embaixo das roupas. Além disso, a forma do equipamento pode ser perfeitamente alterada conforme as necessidades locais, podendo ser desenvolvido um equipamento em forma de pulseiras semelhantes a relógios de pulso que não chamaria atenção para a pessoa do condenado ou acusado.

Concluiu-se que os que são contrários ao sistema de monitoramento eletrônico e alegam que tal instituto violaria o direito à intimidade, privacidade e locomoção, esquecem que tais direitos já são mitigados pela pena privativa de liberdade. Assim, mesmo diante dessa possível estigmatização do preso, que segundo os opositores será visto de forma pejorativa pelo simples fato de ter o equipamento atrelado ao corpo, sem dúvidas é melhor transitar livremente pelas ruas, ainda que portando esse tipo de aparelho, do que passar o dia trancado em celas superlotadas e sem as mínimas condições de higiene.

Neste contexto, pode se afastar qualquer discussão a respeito da possível afronta aos direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana pelo uso das pulseiras e tornozeleiras eletrônicas, uma vez que as prisões são muito mais danosas em comparação com o uso dos equipamentos para o monitoramento e vigilância do preso.

Feitas essas considerações, entendeu-se que por se tratar de um assunto novo e pouco abordado pela doutrina, deve-se dar continuidade aos estudos e reflexões sobre o tema, haja vista se tratar de uma forma promissora de reduzir os problemas ligados à crise no sistema carcerário, garantindo que os presos cumpram suas penas de forma mais humana e contribuindo para que o cumprimento das as penas e medidas alternativas sejam efetivamente acompanhadas pelo poder judiciário.

 

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Informações Sobre o Autor

Andréa Masiero

Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí


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