Resumo: O presente artigo visa a abordar como a justiça restaurativa constitui um importante e eficaz modelo de mecanismo alternativo ao sistema criminal, pois, vítima, ofensor e, quando apropriado, outros indivíduos ou membros da comunidade afetados pela prática de um crime, participam e decidem conjuntamente em como lidar com os efeitos do crime, com a ajuda do mediador, havendo, inclusive, a possibilidade de aplicação aos delitos de maior potencial ofensivo. A Mediação Penal, também conhecida por Mediação “Vítima-Ofensor” é uma das modalidades da Mediação, possuindo como seus principais princípios a voluntariedade, a confidencialidade, a imparcialidade, a informalidade e a interdisciplinariedade, tendo por objetivo principal a resolução dos danos causados pelo conflito exteriorizado pelo cometimento de um delito, assim como a restauração das relações desfeitas, onde, vítima e ofensor, autocomporão o conflito em questão, com o auxílio do mediador, terceiro imparcial, que conduzirá o processo.[1]
Palavras-chave: Mediação Penal. Justiça Restaurativa. Resolução de Conflito.
Abstract: This article aims to address how restorative justice is an important and effective model of an alternative mechanism to the criminal justice system, since victim, offender and, where appropriate, other individuals or members of the community affected by the commission of a crime, participate and decide jointly on how to deal with the effects of crime, with the help of the mediator, and there is also the possibility of applying to offenses of greater offensive potential. Criminal Mediation, also known as "Victim-Offender" Mediation, is one of the modalities of Mediation, with its main principles being voluntary, confidentiality, impartiality, informality and interdisciplinarity, with the main objective of solving damages caused by a conflict arising out of the commission of an offense, as well as the restoration of undone relationships, where the victim and the offender self-assemble the conflict in question, with the help of the mediator, impartial third party, who will conduct the process.
Keywords: Criminal Mediation. Restorative Justice. Conflict Resolution.
Sumário: Introdução. 1. A Justiça Restaurativa. 2. O Processo de Mediação entre Vítima e Ofensor. 3. Aplicabilidade da Mediação em Delitos Mais Graves. Conclusão. Referências.
Introdução
A busca por meios de solução pacífica dos conflitos tem sido constante na sociedade, em especial por aquele que é encarregado de solucioná-los, o Judiciário. Sob o prisma da autocomposição, busca-se estimular, difundir e educar os indivíduos a resolverem os seus conflitos por meio de ações comunicativas.
O conflito é algo natural e inerente nas relações entre as pessoas, entretanto, embora seja uma visão corriqueira e equivocada, não é necessariamente negativo. A falta de diálogo entre os sujeitos é o que proporciona o acirramento da violência.
Diante disto, o modelo de Justiça Restaurativa propõe uma análise crítica do sistema criminal, onde, através do diálogo e autonomia das partes para solucionarem o seu conflito, seja possível encontrar uma solução que acarrete a pacificação social e o empoderamento dos envolvidos, para que as partes, no âmbito criminal, vítima e ofensor, possam compreender o conflito vivenciado, e que, conjuntamente, participem do processo de solução, com vistas à restauração.
1. A Justiça Restaurativa
A mediação penal, também denominada por mediação entre vítima e ofensor, é uma prática que, embora integrada no sistema judicial, está associada à teoria da Justiça Restaurativa.
A justiça restaurativa representa um novo paradigma aplicado ao Processo Penal, pois, intervém positivamente nos conflitos exteriorizados pelo crime, (DE VITTO, 2005, p.9), onde, com o auxílio de um mediador – terceiro imparcial, que facilitará a comunicação entre as partes -, vítimas, ofensores e até mesmo membros da comunidade, participariam juntos na resolução dos conflitos ocasionados pelo delito (VASCONCELOS, 2008, p. 126).
A justiça restaurativa possui uma finalidade político-criminal, a qual representa uma importante ferramenta de intervenção social, podendo transformar de forma positiva, e até mesmo, menos desgastante, o fenômeno criminal (VASCONCELOS, 2008, p. 127).
O modelo de justiça restaurativa visa encontrar a origem e a causa daquele conflito, para que possa possibilitar o amadurecimento pessoal do infrator, bem como a redução dos danos suportados pela vítima e pela comunidade, constituindo um importante e eficaz meio de resolução do conflito (DE VITTO, 2005, p. 9).
A prioridade, após a prática do crime cometida pelo infrator, não deve ser sua punição, mas sim a sua responsabilização, através da conscientização dos danos que causou à vítima e a definição das necessidades desta. Deste modo, busca-se solucionar o conflito enfatizando as necessidades do ofendido, mas atentando-se à reparação do dano, sem, contudo, retirar a cidadania do ofensor (COSTA, A. C. A.; LINDOSO, K. P. M., 2014, p. 86).
Segundo Morales, a justiça restaurativa objetiva romper a dicotomia vítima-agressor, permitindo que o infrator restaure na medida do possível as consequências advindas da prática do delito, bem como, que seja proporcionado à vítima a sua participação em tal reparação (MORALES, 2014, p. 81).
A proposta da Justiça Restaurativa não visa abolir o sistema penal ou sua substituição por outro modo de controle social, mas, o que se pretende, são soluções em que haja um sistema eficaz para todos, tanto vítima, quanto ofensor e até mesmo à comunidade, objetivando uma recomposição dos danos causados pelo conflito, evitando, pois, o desgaste emocional que envolve todo o processo penal, onde, os próprios protagonistas da situação solucionariam a questão envolvida.
Portanto, a mediação proporciona diversos benefícios dentre os quais impende destacar a celeridade combinada à eficácia de resultados, a redução do supramencionado desgaste emocional, bem como do desgaste financeiro, a privacidade e o sigilo, a facilitação da comunicação e promoção de um ambiente cooperativo, potencializando os relacionamentos e as relações interpessoais em geral (PINHO, 2008, p. 241-292).
2. O Processo de Mediação Entre Vítima e Ofensor
De um modo geral, a mediação não visa somente a resolução do conflito, mas também a reconciliação das partes, de modo que contribua para a integração do ofensor na sociedade e principalmente a pacificação social.
De forma específica, a mediação penal como prática restaurativa promove, com a ajuda de um mediador, a comunicação e partilha de sentimentos de uma forma livre, onde as próprias partes constituiriam o veículo no processo de construção de soluções para os seus problemas, conferindo-as plenos poderes para a resolução do seu conflito, de modo que os danos ocasionados pela prática do crime possam vir a serem reparados, na medida do possível, sob uma ótica do conflito de forma não adversarial, mas sim, de uma resolução restaurativa.
Impende destacar que, como em qualquer outro processo de mediação, necessária se faz a anuência de ambas as partes, ofensor e ofendido, daí se emana o princípio da voluntariedade.
Também são princípios caracterizadores do processo de mediação, a confidencialidade que, na seara criminal, se traduz na impossibilidade de a vítima, ofensor e mediador revelarem o teor das sessões de mediação a terceiros, ou de estas serem valoradas como prova em tribunal.
O princípio da imparcialidade que está relacionado com a atividade do mediador, uma vez que este não defende, representa ou aconselha nenhuma das partes, nem possuindo qualquer interesse próprio nas questões relacionadas com o conflito (AZEVEDO, 2013, p. 174).
O da informalidade, pois na mediação o processo vai se amoldando conforme a participação e o interesse das partes, entretanto, não significa a ausência de procedimentos, pois o processo da mediação possui atos coordenados, que devem ser seguidos de maneira cronológica visando sempre uma melhor comunicação entre as partes (AZEVEDO, 2013, p. 233).
E o princípio da interdisciplinaridade, onde se pode fazer necessária a aplicação de técnicas, métodos e conhecimentos de outras ciências para a resolução dos conflitos.
A mediação penal possui por enfoque a restauração da vítima, a responsabilização do ofensor e a recuperação de eventuais danos patrimoniais, morais e perdas afetivas, visando sempre o restabelecimento do diálogo entre vítima e ofensor.
A mediação vítima-ofensor proporciona a oportunidade de os envolvidos no conflito se comunicarem diretamente, podendo explanar o impacto do crime em suas vidas, bem como suas perspectivas, sendo uma importante oportunidade de o ofensor relatar o crime sob seu olhar, podendo compartilhar com a vítima a sua visão das circunstâncias que o levaram ao cometimento de tal delito (AZEVEDO, 2005, p. 9).
A Mediação Penal possui o empoderamento como importante característica, pois, constitui num efetivo meio de dar às partes a oportunidade de autocompor a resolução do conflito, podendo reconhecer conjuntamente os interesses e necessidades que regem suas relações, proporcionando uma aproximação e principalmente uma humanização do conflito (AZEVEDO, 2005, p. 12).
3. Aplicabilidade da Mediação em Delitos Mais Graves
De uma maneira geral, o emprego da mediação em crimes de menor potencial ofensivo é aceito de forma pacífica, inclusive sendo recomendada nos casos de suspensão do processo, transação penal, medidas e penas alternativas (VASCONCELOS, 2008, p. 115).
Contudo, muito se tem discutido a respeito da possibilidade da aplicação da mediação em se tratando de delitos mais graves, havendo um significativo crescimento desta prática, onde, até mesmo, alguns países os preferem, pois, não obstante demande maior cautela, os resultados são percebidos mais facilmente, atingindo grande potencial restaurativo (CARNEIRO, 2007).
Em alguns estados dos Estados Unidos (Alasca, Califórnia, Nova Iorque, Pensilvânia, Minessota e Texas), por exemplo, existem programas com o fito de oportunizar às vítimas de delitos mais graves um encontro que proporcione o diálogo direto com os ofensores na presença de um mediador, no próprio estabelecimento prisional, visando a restauração. Importa salientar que se trata de um procedimento voluntário em relação a ambas as partes e que apenas ofensores confessos que demonstrem arrependimento e contribuição à reparação do dano poderão participar (TIAGO, 2007).
Dentre as vantagens que a justiça restaurativa proporciona, destaca-se o fato de ser permitida às partes que expressem suas emoções e opiniões sobre as conseqüências advindas do delito, bem como em poderem participar de uma possível solução que vise a diminuir a intensidade da ansiedade dos sentimentos negativos que são experimentos num processo judicial (MORALES, 2014, p. 81).
Assim, embora a mediação penal seja aplicada na maioria das vezes em delitos de menor gravidade, não há impedimento em relação aos crimes de maior potencial ofensivo, pelo contrário, o emprego a estes tem mostrado resultados satisfatórios, pois, embora não substitua o processo atual, a mediação penal é capaz de complementá-lo, alcançando os ideais da justiça restaurativa.
Conclusão
Diante do exposto, é possível aferir que a Justiça Restaurativa surge como uma possibilidade de mecanismo alternativo na seara criminal, buscando complementar este sistema e visando a novas soluções em conformidades às normas jurídicas e princípios fundamentais.
Sobretudo, tal modelo de justiça almeja compreender o crime em todos os seus aspectos e consequências, inclusive se fazendo eficaz nos delitos de menor ou maior potencial ofensivo, sempre objetivando a reconstrução das relações e diálogos entre vítima e ofensor, e até mesmo, de uma forma mais ampla, buscando a reintegração deste para com a sociedade.
Pode-se verificar, ainda, que o papel do mediador constitui importante mecanismo na facilitação da comunicação entre as partes, haja vista que estas realizarão a autocomposição do conflito que as cercam.
A mediação, tanto na área criminal, como em suas demais modalidades, ao longo dos anos, vem ganhando destaque no direito brasileiro, dada sua importância, não somente sob uma ótica de valor jurídico, mas, sobretudo, social.
Informações Sobre o Autor
Jullieth Kellyn da Silva Gois
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Alagoas