Resumo: O presente trabalho tem como objetivo propor uma reflexão acerca dos requisitos legais da existência da relação de emprego, analisando o grau de importância da subordinação e suas nuances práticas, além de discutir a respeito do poder diretivo do empregador diante da parassubordinação, como forma de dependência jurídica, surgida em face das inovações tecnológicas e conseqüentemente as novas relações de trabalho.
Palavras-chave: parassubordinação – subordinação – empregado – empregador – direito
Sumário: 1. Introdução. 2. A relação de emprego e a subordinação jurídica. 3. O poder de direção do empregador. 4. A parassubordinação uma nova tendência. 5. Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O trabalho humano existe desde a antiguidade, a sua história se confunde com a história da humanidade. A escravidão foi sua forma inicial, onde a relação entre o escravo e o senhor era de extrema e incondicional obediência, imposta pelo poder absoluto que este possuía. Em função disto, os castigos físicos e torturas eram práticas constantes.
A própria palavra trabalho tem origem em tripalium, do latim vulgar, que era um instrumento de tortura composto de três paus. Trabalhar (tripaliare) nasceu com o significado de torturar ou fazer sofrer. Daí o sentido pejorativo que a história empreendeu ao trabalho, cujo exercício envolvia apenas a força física, sendo indigno a sua prática pelos homens livres.
Na Grécia clássica o trabalho braçal era desonroso e, por isso, entregue aos escravos. Aqueles homens livres que desenvolviam alguma atividade lucrativa eram tratados com desprezo, como negociantes (aqueles que negam o ócio).
O Feudalismo, num segundo momento, trouxe a servidão, sendo esta uma fase intermediária entre a escravidão e o trabalho livre. Os senhores feudais concediam proteção militar e política aos servos, que em troca entregavam a maior parte da produção rural.
A partir do século XVI, com o declínio da servidão, surgem as corporações de ofício, onde havia basicamente três figuras: o mestre, que era dono da oficina autorizado a explorar economicamente determinada atividade profissional; o companheiro, que era o trabalhador remunerado pelo serviço que prestava e o aprendiz, que era o jovem entregue por sua família ao mestre, para que lhe fosse ensinado uma profissão ou ofício. Ao final da aprendizagem, tornava-se companheiro. Vale destacar que a produção no âmbito das corporações de ofício era eminentemente artesanal.
Com o advento do modo de produção capitalista, bem como o incremento dos meios de produção trazidos pela Revolução industrial, surge uma nova realidade: A produção deixa de ser artesanal para ser realizada em série. O capital passa a comprar a força de trabalho de que necessita, pagando pelo mesmo. Neste contexto, a relação de trabalho acabou por tornar-se uma forma de escravidão, mesmo que disfarçada. Os trabalhadores não eram mais escravos ou servos, possuíam a liberdade de ir e vir, mas, as circunstâncias os faziam permanecer cativos dos seus patrões, pela necessidade de subsistência. Assim, vendiam o seu trabalho em troca de uma ínfima contraprestação.
A legislação trabalhista, praticamente inexistente, não estabelecia limites de jornada, nem tampouco normas de proteção à integridade física do trabalhador. Os conflitos e contradições expressos por esta relação capital x trabalho, que segundo o materialismo dialético preconizado pelo marxismo, levariam ao fim do capitalismo para o surgimento de uma sociedade comunista, começaram a tomar proporções insuportáveis.
Este caos social, trazido pelas greves violentas e diversas manifestações populares, levou o Estado a entender a necessidade de criar normas de proteção do trabalhador, como forma de controle social. Esta certamente foi a gênese do direito do trabalho.
2. A RELAÇÃO DE EMPREGO E A SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
O vínculo jurídico estabelecido entre empregado e empregador passa a ter regulamentação e limites legais. O empregado não é mais “servo” e o empregador não é mais o seu “senhor”.
No início do século passado surgiu o primeiro diploma internacional sobre higiene e segurança do trabalho, que foi a convenção de Berna, de 1916, por iniciativa da associação internacional para proteção dos trabalhadores, e que proibia a fabricação, a importação e venda do fósforo branco nos países que o ratificassem.
Surge em 1919, a OIT, Organização internacional do Trabalho, órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), cuja primeira sessão se aprovaram várias recomendações tendo por objeto a segurança e a medicina do trabalho, o que denota uma gradativa preocupação do Estado com as condições de trabalho dos empregados.
No Brasil o decreto lei 5.452 de 1º de maio de 1943, aprova a consolidação da leis do trabalho e traça as diretrizes da relação capital e trabalho.
Segundo o artigo 3º da consolidação das leis do trabalho “considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador sob a dependência deste e mediante salário.” Dessa regra se extraem as condições fáticas e jurídicas para a existência da relação de emprego, ou seja, trabalho não eventual prestado com pessoalidade por pessoa física de forma subordinada e onerosa.
Apesar do termo dependência econômica, utilizado na lei, a doutrina costuma utilizar o vocábulo subordinação, que segundo Sérgio Pinto Martins é conceituada como: “O aspecto da relação de emprego visto pelo lado do empregado, enquanto poder de direção é a mesma acepção vista pelo ângulo do empregador”.[1]
Vale destacar a possibilidade de existência de contrato de trabalho, sem as condições previstas no artigo 3º da consolidação das leis do trabalho, retro-mencionado, o que caracteriza relação de trabalho. Destas proposições pode se afirmar que o contrato de trabalho é gênero onde a relação de emprego e a relação de trabalho são espécies, sendo aquela regida pela Consolidação das leis trabalhistas enquanto esta regulamentada pela lei civil.
Quanto a relação de dependência ou subordinação, pode ser: técnica, no sentido de que o empregador determina as diretrizes técnicas de produção; econômica vez que o empregado depende economicamente do empregador em função do salário; social face a hipossuficiência do empregado e da função social e tutelar da legislação trabalhista.
Conforme o significado tradicional, a subordinação recebe uma conotação de hierarquia, existente entre empregado e empregador. Dentro desse entendimento é definida pela professora Aldacy Rachid Coutinho como:
“Estado pessoal de sujeição do empregado ao poder de direção, que é um estado jurídico criado ou revelado pelo contrato de trabalho; um modo de ser do sujeito, do qual decorrem deveres e obrigações; dentre esses deveres, o de fidelidade, obediência e disciplina.”[2]
Assim, se estabelece uma relação contratual bilateral e sinalagmática, pressupondo deveres e direitos para ambas as partes, ou seja, empregado e empregador. Também se posiciona nesse sentido Délio Maranhão dizendo:
“De um lado, temos a faculdade do empregador utilizar-se da força de trabalho do empregado – um dos fatores de produção de que dispõe – no interesse do empreendimento cujos riscos assumiu; de outro, a obrigação do empregado de se deixar dirigir pelo empregador, segundo os fins que este se propõe alcançar no campo da atividade econômica.”[3]
Evidente que a subordinação é conseqüência desse direito, vez que a atuação do empregado, segundo esse entendimento é guiada caso a caso conforme os fins almejados pelo empregador.
Entretanto, esta deve ser entendida como a subordinação jurídica porque, conforme salientado é oriunda de uma relação contratual encontrando aí seu fundamento e seus limites. Esse elemento, em seu conteúdo, não pode revestir-se do sentido predominante na idade média e no início da era moderna, onde o empregado era visto como servo. Há de partir-se do pressuposto da dignidade da pessoa humana e de sua liberdade individual. A subordinação própria do contrato de trabalho não sujeita ao empregador toda a pessoa do empregado, sendo limitada ao âmbito da execução do trabalho contratado.
Aliás, o respeito e a condição de cidadão impõem tanto para o empregado quanto para o empregador, o respeito mútuo. Nesse sentido, ilustrativo o comentário, do professor Paulo Eduardo V. Oliveira, que a respeito do tema, assim leciona:
“O princípio básico é: empregado e empregador devem reciprocamente, em todas as fases do contrato, incluída a preliminar, respeitar direitos e deveres individuais e coletivos elencados no artigo 5º da Constituição Federal. (…) Dessa forma, têm empregado e empregador direito à intimidade, à liberdade de pensamento e expressão, de acesso a informações e de consciência, de convicção política ou filosófica, além de outras.”[4]
No entanto, incontroverso o direito que o empregador possui de controlar e dirigir a prestação de serviços no âmbito empresarial, o que se constitui no denominado poder de direção. Este seria o reverso da subordinação.
O ilustre professor Sérgio Pinto Martins, comentando as correntes doutrinárias que tratam do assunto assim resumiu:
“Para alguns autores, o poder de direção seria um direito potestativo, ao qual o empregado não poderia opor-se. Esse poder, porém, não é ilimitado, pois a própria lei determina as limitações do poder de direção do empregador. Decorre o poder de direção da lei (artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho e do contrato de trabalho (…) Compreende o poder de direção não só o de organizar suas atividades, como também de controlar e disciplinar o trabalho de acordo com os fins do empreendimento”.[5]
3. O PODER DE DIREÇÃO DO EMPREGADOR
De forma praticamente unânime a doutrina subdivide este poder de direção em: poder de organização, poder de controle, e poder disciplinar, sendo de bom alvitre tecer alguns comentários sobre cada um destes. Senão vejamos:
a) poder de organização: O empregador tem o direito de organizar a empresa ou seu empreendimento, da forma que melhor atenda seus interesses produtivos, financeiros e econômicos. Referido poder decorre até mesmo do direito de propriedade protegido pela Carta Magna em seu artigo 5º inciso XXII.
b) poder de controle: Da mesma sorte, o empregador faz jus ao exercício da fiscalização ou controle da atividade dos seus prepostos, podendo utilizar quaisquer meios lícitos para alcançar seu intento. O controle de horário (artigo 74 § 2º da consolidação das leis do trabalho) por intermédio do cartão de ponto é um exemplo clássico da manifestação desta prerrogativa.
c) poder disciplinar: Ao empregador, assiste o direito de aplicar penalidades aos seus empregados indisciplinados ou desidiosos . São três as penalidades admissíveis: advertência, suspensão dos dias de trabalho, com prejuízo do salário e do descanso semanal remunerado e a demissão por justa causa aplicada nas faltas mais graves, conforme disposto no artigo 482 e em outros dispositivos da consolidação das leis do trabalho.
Com relação ao poder disciplinar, assim como o poder direção como um todo, somente encontra respaldo na lei, sendo inadmissíveis portanto punições arbitrárias ou aplicadas ao mero alvedrio do empregador.
Segundo o professor Arion Sayão Romita:
“Em resumo pode-se dizer que o poder disciplinar é concedido ao empregador não em seu benefício, porém como coordenador das atividades postas à sua disposição pelos empregados para manter o normal funcionamento da empresa. Deve ser exercido com intuito funcional, a fim de satisfazer as exigências da organização do trabalho, e com respeito devido à dignidade do empregado e se seus direitos patrimoniais, repelida qualquer forma de abuso de direito.”[6]
Conseqüentemente, o desvio de finalidade bem como punições sem sustentação fática, são repudiadas pela lei. Nesse sentido, o judiciário trabalhista tem manifestado-se pela ilegalidade de algumas punições aplicadas. A exemplo, decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região cuja ementa abaixo transcrita:
“PODER DISCIPLINAR – ABUSO DE DIREITO – O poder disciplinar patronal encontra limite no abuso de direito. Resulta excessiva pena de suspensão de sete dias à alegação genérica de que o empregado não está produzindo de acordo. Também no exercício do poder disciplinar as sanções devem guardar proporcionalidade à falta cometida. Recurso a que se nega provimento”. [7]
Da mesma sorte, inadmissíveis o rigor excessivo, bem como a aplicação cumulada de penalidades. Nesse sentido, aresto do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região:
“Poder Disciplinar Abuso – Punição – Rigor Excessivo – Constitui rigor excessivo e abuso de poder a imposição cumulativa ao empregado, de suspensão, retenção do holerite, não ressarcimento das despesas com alimentação e, ainda, imposição de reembolso de valor roubado por assalto ao coletivo. Soma-se, também, o amparo da C. coletiva a hipótese de assalto devidamente comprovado. Recurso do reclamante provido.”[8]
Nesse contexto, o judiciário trabalhista, analisando casos concretos, coloca como divisor de águas entre a relação de emprego e a relação de trabalho a existência da subordinação jurídica, traduzida pelos poderes acima mencionados cuja manifestação ocorre de modo mais incisivo na aplicação de penas disciplinares. Dentre inúmeras decisões a este respeito colaciona-se acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região que assim manifestou-se:
“Subordinação – Traço distintivo. O grande ponto de diferenciação entre o autônomo e o empregado, reside na subordinação jurídica. À míngua, inexiste a figura do empregado, o qual, por força de lei é dependente e consoante doutrina se apresenta como jurídica. O traço distintivo está nela e advém do poder disciplinar da empregadora. Ausentes os requisitos do artigo 3º da consolidação das leis do trabalho, improcede a pretensão vestibular “.[9]
Questão bastante controvertida, com farta manifestação por parte do judiciário trabalhista e que serve como exemplo, é relação jurídica que envolve o representante comercial e o representado. Na prática, a existência da subordinação é elemento decisivo no reconhecimento do vínculo de emprego. Muitas vezes, o fato de constituir o representante pessoa jurídica, torna-se irrelevante, em face da realidade fática. Enfrentando o tema o Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região, assim manifestou-se:
“REPRESENTANTE COMERCIAL – VÍNCULO DE EMPREGO – RECONHECIDO – I – Para a configuração da representação comercial autônoma é indiferente tratar-se de pessoa física ou jurídica, consoante definição legal prevista no artigo 1º da Lei nº 4.886/65, sendo que o contrato de trabalho difere do representante comercial autônomo nos seguintes aspectos: 1º) o contrato de trabalho é intuitu personae quanto ao prestador de serviços, sendo que na representação os serviços podem ser realizados pessoalmente ou por terceiros; 2º) no contrato de trabalho os riscos da atividade econômica apenas podem ser suportados pelo empregador, enquanto na representação, a pessoa, física ou jurídica, é quem assume os riscos; 3º) na representação a direção dos serviços fica a cargo do representante, embora na conformidade das instruções do representado, sendo que no contrato de trabalho, por força do poder diretivo, o empregador tem comando pleno das ações; 4º) enquanto o empregado aufere, com certeza, remuneração, na representação somente serão devidas comissões ao representante sobre negócios por ele mediados ou agenciados. II – O elemento nuclear da relação de emprego está representado, de forma contundente, na subordinação jurídica, que consiste na situação jurídica derivada do contrato de trabalho, pela qual o empregado deve acolher o poder de direção do empregador no modo de realização de sua obrigação de fazer. A subordinação, in casu, verifica-se no momento em que o Reclamante estava sujeito a observar as determinações diárias repassadas pelo seu superior via telemarketing ou meio eletrônico, bem como a prestação de contas diárias das vendas efetuadas, utilizando-se, para isto, de computador fornecido pela Empresa para tal finalidade”.[10]
Outro exemplo digno de menção é o empregado eleito para cargo de direção de sociedade anônima. O Enunciado 269 do colendo Tribunal Superior do Trabalho considera que: “o empregado eleito para ocupar cargo de diretor tem o respectivo contrato de trabalho suspenso, não se computando o tempo de serviço deste período, salvo se permanecer a subordinação jurídica inerente à relação de emprego". Como se vê, tal enunciado divide-se em duas partes: a primeira delas prevendo a suspensão do contrato de trabalho para todos os efeitos; e a segunda, admitindo que pode haver subordinação. Não afasta, portanto, a possibilidade de vínculo de emprego, devendo a matéria ser examinada em cada caso concreto.
É certo que, com a evolução histórica e tecnológica, a relação empregado/empregador sofreu profundas alterações, vez que a qualificação profissional em todos os aspectos tem sido decisivo no processo de seleção de mão de obra por parte das empresas. Nesse contexto cabe a seguinte reflexão: de que maneira a subordinação jurídica e o exercício do poder diretivo do empregador podem existir no caso de empregados altamente qualificados? Evidente que o vínculo empregatício não deixa simplesmente de existir nesses casos, já que o empregador continua tendo o controle a coordenação da prestação pessoal de serviços.
4. A PARASSUBORDINAÇÃO UMA NOVA TENDÊNCIA
O que se observa é uma nova tendência doutrinária e jurisprudencial no sentido de que a existência da subordinação jurídica não depende da comprovação de um efetivo e constante controle por parte do empregador, mas da faculdade de exercer os poderes decorrentes da lei. A exemplo, é válido mencionar José Affonso Dellagrave, quando utiliza o neologismo parassubordinação, que traduz a subordinação mitigada, assim definida como:
“Subordinação própria de empregados altamente qualificados ou controlados a distância, ou ainda, das figuras contratuais resididas na zona fronteiriça entre o trabalho autônomo e a relação de emprego, como por exemplo, o representante comercial e o vendedor pracista”.[11]
Da mesma sorte, as inovações na área da informática, telecomunicações e eletrônica, possibilitaram ao empregador o exercício do seu poder de fiscalização, por intermédio de sistemas avançados de controle de horário e produtividade . A internet e a telefonia celular possuem um papel marcante nesse novo contrato de trabalho, onde a direção do empregador manifesta-se de forma muito mais incisiva e eficaz, mesmo quando a presença física ou o contato pessoal e visual estão ausentes.
É certo que o contrato de trabalho é um contrato realidade, ou seja, as condições reais são mais relevantes do que instrumentos formais celebrados muitas vezes com o intuito de descaracterizar a relação empregatícia e, via de conseqüência, sonegar os encargos trabalhistas e previdenciários
O contratualismo do direito civil não se presta a explicar a verdadeira concepção de contrato, no direito do trabalho. O contrato de trabalho existe muito mais na realidade da prestação de serviços do que no acordo abstrato de vontades. Este pode perfeitamente ser celebrado com vícios de consentimento, sendo inservível nos termos do artigo 9º do diploma consolidado, enquanto aquele subsiste independentemente das cláusulas avençadas formalmente.
A subordinação, com as características impressas pelo moderno mercado de trabalho, e a alteridade, requisito de construção doutrinária que significa a prestação de serviços por conta alheia, devem ser conjugados para aferir se existe efetiva autonomia ou se a relação é de emprego, apesar de formalmente constituído como contrato de índole civil.
O significado tradicional da subordinação jurídica ou dependência hierárquica, até então com maior aceitação na doutrina e na jurisprudência, tem gradativamente dado lugar a uma concepção calcada em elementos objetivos, ou seja, para se verificar em casos concretos a existência do vínculo de emprego, não seria exigida a efetiva e constante atuação da vontade do empregados, sendo suficiente apenas a sua possibilidade jurídica.
Dessa forma, a subordinação pode perfeitamente existir, mesmo ausentes a submissão de horários, ordens de serviço expressas ou qualquer tipo de controle direito da atividade do empregado. O que de fato importa é a faculdade que possui o empregador de intervir na atividade do empregado, exatamente em face do exercício do seu poder diretivo.
O jurista Paulo Emílio de Vilhena perfilha o entendimento de que a subordinação, numa perspectiva aperfeiçoada e em consonância com os atuais sistemas de gestão empresarial, tem sua rigidez atenuada, caracterizando-se mais por uma relação de coordenação ou de participação integrativa ou colaborativa. Ilustrativa a citação infra colacionada, do autor em comento que considera a subordinação como:
“Uma relação de coordenação ou de participação integrativa ou colaborativa, através da qual a atividade do trabalhador como que segue, em linhas harmônicas, a atividade da empresa, dela recebendo o influxo próximo ou remoto de seus movimentos.” [12]
O mesmo autor, menciona que este vínculo, que não deixa de ser subordinativo, tem como suposto conformador, como atividade coordenada ou integrativa: “a atitude harmônica do prestador de serviços, rente com a regular manutenção daquela parcela dinâmica empresária e de seu processo produtivo que lhe cabe dar seguimento.”[13]
Ilustrativo o acórdão infra-transcrito, oriundo o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, onde analisa a questão das inovações das relações de trabalho, referindo-se ao trabalho parassubordinado ou coordenado:
“RELAÇÃO DE EMPREGADO E TRABALHO AUTÔNOMO – A contraposição trabalho subordinado e trabalho autônomo exauriu sua função histórica e os atuais fenômenos de transformação dos processos produtivos e das modalidades de atividade humana reclamam também do Direito do Trabalho uma resposta à evolução desta nova realidade. A doutrina mais atenta já sugere uma nova tipologia (trabalho coordenado ou trabalho parassubordinado) com tutela adequada, mas inferior àquela prevista para o trabalho subordinado e superior àquela prevista para o trabalho autônomo. Enquanto continuam as discussões sobre esse terceiro gênero, a dicotomia codicista trabalho subordinado e trabalho autônomo ainda persiste no nosso ordenamento jurídico, levando a jurisprudência a se apegar a critérios práticos para definir a relação concreta. Logo, comprovado nos autos que a prestação de serviços se desenvolveu mediante subordinação jurídica, a relação estabelecida está sob a égide do Direito do Trabalho”.[14]
Alguns acórdãos têm reconhecido a relação de emprego em condições que numa análise perfunctória fugiriam da esfera protetiva do direito laboral, como nos caso de médicos e outros profissionais da área da saúde. A exemplo, o aresto infra-transcrito oriundo do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região:
“Vínculo de emprego – médico plantonista. É inconcebível a contratação de médicos autônomos em setor de pronto socorro, onde a própria natureza da atividade determina a permanência desses profissionais em tempo integral, de tal forma que sofrem permanente vigilância da instituição onde trabalham. Destarte, a condição de profissional liberal não desnatura a relação empregatícia, desde que o obreiro preste serviços subordinados juridicamente, conforme leciona o mestre Délio Maranhão. No caso concreto, o vínculo de emprego se impõe ante a presença dos pressupostos do artigo 3º, caput, da consolidação das leis do trabalho”.[15]
Quanto a questão processual, cumpre ressaltar que o ônus de provar a natureza da prestação de serviços compete ao empregador, sendo que em favor do empregado milita, a presunção da existência do vínculo de emprego. Desta feita, não compete ao obreiro provar o vínculo de emprego, quando este é negado em sede de dissídio individual. Ao empregador, já que beneficiário da prestação de serviços cumpre a demonstração cabal da natureza autônoma ou independente deste. A este respeito, o Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região assim manifestou-se:
“Dispõe o artigo 249, § 2º, do CPC, que não será declarada nulidade quando o juiz puder decidir no mérito em favor da parte. Tal regra, decorrente dos princípios processuais da instrumentalidade e da economia, tem plena aplicação no processo trabalhista (artigo 769 da consolidação das leis do trabalho). Em sede de vínculo empregatício, incumbe ao obreiro somente provar o labor em prol de outrem (subordinação objetiva); aquele que usufrui do trabalho e empresta-lhe outra conotação jurídica que não a de emprego, seja pela eventualidade, ou ainda pela inocorrência de subordinação subjetiva (direito de comando de fiscalização ), em suma, direção dos trabalhos deve demonstrar tais fatos prejudiciais ao direito do trabalhador (artigo 818 da consolidação das leis do trabalho e 333 II do CPC) sob pena de sucumbir na demanda. De qualquer modo, havendo contradição no conjunto probatório sobre a existência da relação de emprego, impõe-se decisão em favor desta (aplicação do princípio in dúbio pro operário) “[16]
5. CONCLUSÃO
O direito tem seu ciclo determinado pelo processo histórico o que o torna tão dinâmico. Nesse contexto, a legislação trabalhista, que tem como foco a relação capital/trabalho, deve acompanhar as mudanças assimilando as mesmas, quer seja através das alterações no próprio texto legal, quer seja através de uma interpretação extensiva dos mesmos, o que resultará em decisões mais coerentes no judiciário trabalhista. A parassubordinação, como forma de subordinação jurídica dentro dos moldes do mercado de trabalho atual deve ser considerada para aferir, no caso concreto, se existente relação de trabalho (trabalho autônomo), ou relação de emprego e, conseqüentemente, se aplicável a consolidação das leis do trabalho ou a legislação civil.
Os operadores do direito do trabalho não poderão jamais perder de vista a essência da função tutelar deste, nascido em meio ao caos social e tendo como foco principal a preservação e proteção da vida daqueles que vendem sua força de trabalho para sobreviver.
Hodiernamente fala-se em flexibilização do direito do trabalho como solução para todos os problemas econômicos e sociais do país. O neoliberalismo, desde o início da década de 90, principalmente após a queda do muro de Berlim tem promovido violento ataque contra todo o sistema jurídico de proteção ao trabalhador.
A tônica, hoje, é a desregulamentação dos direitos laborais, possibilitando a existência de maiores jornadas de trabalho, menores encargos e salários, fragilização da relação de trabalho, com a ampliação dos contratos de prazo determinado, maiores facilidades para a dispensa de empregados, redução dos benefícios previdenciários, etc.
Pretende-se a redução e até mesmo a eliminação da intervenção do Estado, restabelecendo-se a economia de mercado, a livre iniciativa, a liberdade de contratação, em retorno aos tempos do liberalismo.
O fato é que, mesmo com todas as inovações ocorridas no campo tecnológico, com as novas relações de trabalho não se pode perder de vista as condições daqueles que vendem sua força de trabalho para sobreviver, carecendo pois de normas protetivas, independentemente do grau de escolaridade ou do nível de preparação profissional. Empregado é sempre empregado, subordinado de uma forma ou de outra aos interesses do capital. A questão não é puramente jurídica, mas acima de tudo econômica.
Informações Sobre o Autor
Joy Wildes Roriz da Costa
Advogado e professor universitário, especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás