Resumo: O papel da Defensoria Pública indicado pelos ditames da Constituição Federal de 1988 se revela também pela análise da Teoria Institucional. Neste sentido sua função de legítimo ente com função e atuação no ordenamento jurídico e social em viés contramajoritário pode ser entendida a partir dos argumentos e elementos institucionais como o formalismo e o isomorfismo
Palavras chaves: Defensoria Pública, Direito Constitucional. Sociologia Jurídica. Teoria Institucional
FORMALISMO INSTITUCIONAL E DEFENSORIA PÚBLICA
A expressão normativa criadora da Defensoria Pública no Brasil pode ser entendida de forma moderna a partir do artigo 134 da Constituição Federal, cujos contornos foram delineados a partir de 2014, nele se inscrevendo os ideais e razão de existência da instituição.
Para tanto, se destacam neste ensaio as características de expressão do regime democrático e da atuação na assistência jurídica aos grupos vulneráveis.
Neste sentido, a formação institucional da Defensoria Pública é processo relativamente recente no ordenamento jurídico brasileiro, bem assim como ainda representa atendimento excepcional para significativa parcela da população brasileira, dada a ausência do órgão em diversas localidades do País (IV Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil).[1]
Com efeito, a premissa de condição essencial ao Sistema de Justiça regido pelos princípios estabelecidos na Constituição Federal legitima a Defensoria Pública no tocante a atuação funcional, todavia, importa investigar a formação dos meios e ações da organização a partir da leitura da Teoria Institucional.
Ainda de modo mais específico, compreender as ações de caráter contramajoritário a partir do entendimento dos conceitos elaborados à luz da Teoria Institucional, especialmente no tocante ao formalismo e isomorfismo institucional.
A institucionalização representa, assim, um processo condicionado pela lógica da conformidade às normas socialmente aceitas. Nessa linha de análise, a legitimidade se torna imperativa para as entidades sociais. Em busca de legitimação social, as organizações tentam conformar suas estruturas e práticas aos valores ambientais. A procura da conformidade se dá porque ao que parece, aumenta as chances de sobrevivência das organizações em grau maior do que a eficácia ou o desempenho imediato das estratégias e dos procedimentos adotados (MEYER e ROWAN, 1977).
Esses mecanismos institucionais isomórficos relacionam-se quer à manutenção quer à mudança de valores e práticas culturais. A situação de mudança se configura pela incorporação de novos valores e práticas no contexto institucional com base em diferentes origens e possibilidades: influência de novas concepções provenientes de um contexto institucional mais amplo, transformações estruturais nas relações de poder entre entidades sociais, conflitos de interesse entre grupos sociais, inovações tecnológicas significativas e assim por diante.
Nesta interpretação, é possível perceber que a atuação da Defensoria Pública em ambientes socialmente desfavoráveis, tais como o atendimento à população carcerária, resguardo de direitos sociais a grupos minoritários, defesa jurídica da população de rua dentre outros, aparenta indicar oposição à conformidade necessária para sobrevivência institucional.
De outro modo, alterando-se a perspectiva para o prisma da normatividade jurídica, a devida atuação da Defensoria Pública nos exemplos citados pode ser entendida como meio de aplicação da conformidade aos estratos sociais dos preceitos constitucionais e democráticos que orientam a vida comunitária brasileira, entendidos estes como a normatividade vigente.
A tradição jurídica brasileira, por seu turno, implica no reconhecimento institucional vinculado ao processo formal. Neste sentido, a criação de órgão vocacionado para o enfrentamento de questões em processo de discussão no tecido social, ainda que juridicamente ordenadas, representa medida de fracionamento intermediário com a estrutura formalista.
Com efeito, importa destacar a importância dos direitos individuais e sua proteção constitucional, inclusive como limitação às maiorias de ocasião, na forma teorizada pelo constitucionalismo moderno.
Devemos começar anotando uma distinção entre democracia e regra de maioria. Democracia quer dizer regra da maioria legítima, o que significa que o mero fator majoritário não constitui democracia a menos que condições posteriores sejam satisfeitas. É controverso o que essas condições exatamente são. Mas algum tipo de estrutura constitucional que uma maioria não pode mudar é certamente um pré-requisito para a democracia. Devem ser estabelecidas normas constitucionais estipulando que uma maioria não pode abolir futuras eleições, por exemplo, ou privar uma minoria dos direitos de voto (DWORKIN, 2005).
Notadamente, o efeito de atuação de enfrentamento às concepções majoritariamente estabelecidas repercute pelo menos em duas esferas: A uma, legitimando a conformação da regra por meio de atuação positiva dentro do Sistema de Justiça, e outra no sentido de reconstruir identidades e contextos sociais à margem da realidade objeto da norma.
O formalismo legitima o mecanismo institucional de coercitivo como instrumento de manutenção da ordem e, paradoxalmente, de transformação social, considerando a necessidade de expressão do regime democrático.
ISOMORFISMOS E ATUAÇÃO DEFENSORIAL
O isomorfismo coercitivo resulta de expectativas culturais da sociedade e de pressões exercidas por uma organização sobre outra que se encontra em relação de dependência. O isomorfismo mimético consiste na de arranjos estruturais e procedimentos bem-sucedidos implementados por outras organizações, em face da incerteza decorrente de problemas tecnológicas , objetivos conflitantes e exigências ambientais. O isomorfismo normativo refere-se à profissionalização que envolve o compartilhamento de um conjunto de normas e métodos de trabalho pelos membros dos segmentos ocupacionais (DiMaggio e Powell, 1983).
Com efeito, a estruturação e efetivação das Defensorias Públicas nos estados da Federação tem permitido a observação de certo isomorfismo normativo, na medida em que estabelecem órgãos de atuação específica para atendimento e enfrentamento de temas e questões que, a despeito de presentes na normatividade jurídica, ainda aguardam implementação das políticas públicas pertinentes, ou ainda, destacam posições de confronto com a maioria dos segmentos sociais.
Com relevo, da análise das comissões temáticas de atuação criadas pela Associação Nacional dos Defensores Públicos se tem: política penal e penitenciária; previdenciária; mobilidade urbana, moradia e questões fundiárias; saúde; infância e juventude; diversidade sexual; direitos do consumidor; direitos das famílias; e direitos da mulher[2].
Notadamente, o viés contramajoritário se encontra também presente, desta feita legitimado institucionalmente por órgão de classe em âmbito nacional, cuja abrangência irradia efeitos de caráter comportamental nas diversas Defensorias Públicas Estaduais, em perceptível efeito de isomorfismo mimético.
A estruturação de comissões temáticas também implica na conformidade de entendimentos e compartilhamento na resolução de situações enfrentadas em caráter estadual, ampliando a capacidade de atuação positiva nos casos de prévio resultado favorável em outras unidades da federação.
De igual modo, o estabelecimento de órgãos responsáveis pela atuação contramajoritária também respondem a necessidade de aperfeiçoamento da relação interinstitucional, uma vez que legitima cada unidade da Defensoria Pública frente as outras, a despeito do quadro de evidente disparidade financeira, administrativa e funcional evidenciado no IV Diagnóstico outrora citado.
ATUAÇÃO DEFENSORIAL E INSTITUCIONALIZAÇÃO DE DIREITOS
No ambiente de construção de direitos e democratização do acesso à justiça, a função essencial da instituição Defensoria Pública incorpora vetores de efetivação do formalismo, expressando atividade de implementação da regra, cuja eficácia importa na alteração do modelo social existente, conforme se empresta a lição:
O processo se inicia com a necessidade de imposição de normas e regras que seriam adequadas em face de pressões externas legitimadoras, visando a ordenação ou a mudança do comportamento social. A criação da regra não reflete a conduta social ou as demandas e valores que a sociedade em interação construiu. As regras e leis são expressões de força exterior que impõe limites ou mudança de comportamento. Sua legitimidade não é reconhecida internamente, pois não encontram contrapartida no comportamento social, e, portanto, existe maior dificuldade de serem aceitas.
Portanto, diante de direitos e garantias individuais inscritos na Constituição Federal, o quadro social revelado se contrapõe às normas estabelecidas, enfraquecendo a efetividade da norma e a implementação da regra geral. A partir da atuação contramajoritária da Defensoria Pública a regra é inscrita no rol de demandas levadas ao Poder Judiciário, que por seu turno efetiva o comando normativo e submete a sociedade a aplicação da norma, efetivando a transformação da realidade.
Em tal contexto, opera a Defensoria Pública como instituição responsável pelo acesso à Justiça de parte considerável da população brasileira, assistindo juridicamente a população hipossuficiente.
Notadamente, as diversas formas de atuação da Defensoria Pública permitem observar ao mesmo tempo a possibilidade de adesão ao formalismo institucional como também a oposição à sua instituição. No primeiro caso, buscando implementar normas constitucionais e garantir acesso à Justiça dentro do contexto do ordenamento jurídico. De outro lado, enfrenta por meio de ações extrajudiciais conscientizar a sociedade para a necessidade de mudança de paradigmas, buscando a reversão de entendimentos jurisprudenciais e atuando como grupo de pressão junto ao Poder Legislativo com vistas a alteração de normas legais.
Nesta, a regra assume relevância como instrumento para a institucionalização de comportamento e atividades na sociedade, podendo ao longo do tempo, vir a ser aceita e completar o processo de construção social da realidade.
Com efeito, o patamar civilizatório tão almejado pela sociedade civil por vezes se encontra diretamente vinculado a contraposição de instituições sedimentadas no tecido social. A exemplificar, leva-se em consideração as recentes pesquisas acerca da tortura policial. No caso, a maioria dos pesquisados entende por válida a produção de provas colhidas após tortura pela autoridade policial. [3]
Neste sentido, o atuar em defesa das garantias e individuais representa posição de confronto com a acepção majoritária a respeito do devido processo legal. Não obstante, ao passo que se pretende garantir o acesso à justiça do indivíduo submetido às condições de ilegalidade, no caso do exemplo, tortura, o agir institucional também pretende conformar a obediência da norma aos demais cidadãos.
No caso específico elencado outrora, pode-se indicar a realização das audiências de custódia como meio de garante de acesso à justiça tendente a coibir a prática de ato considerado ilegal e proceder com a apuração da responsabilidade dos agentes do Estado. A atuação da Defensoria Pública neste mister se entende como preventiva e objetiva efetivar a normatividade inclusive em âmbito internacional, uma vez que a realização da audiência mencionada se encontra inscrita no Pacto Internacional de San José da Costa Rica, devidamente recepcionado pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Portanto, o agir contramajoritário da Defensoria Pública opera efeitos paradoxais em relação ao formalismo destacado na Teoria Institucional. A princípio conformando o tecido social às normas vigentes, fruto de deliberação legislativa competente e de aplicabilidade irrestrita e geral. Em outra posição, enfrentando concepções majoritárias de clara ruptura com o entendimento da sociedade.
Por fim, em interessante fenômeno recente observado por conta da criação de novas Defensorias Públicas destaca-se a presença dos elementos isomórficos em relação ao agir institucional, priorização de agendas e escolha de ações relevantes
Informações Sobre o Autor
Messi Elmer Vasconcelos Castro
Mestrando em Segurança Pública Cidadania e Direitos Humanos pela Universidade Estadual do Amazonas e Defensor Público do Estado