Considerações sobre as figuras do nome comercial e da marca, da sua proteção e critérios de solução de conflitos à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

Resumo: Relevância da proteção ao nome empresarial e à marca para salvaguarda os direitos dos empresários e consumidores e mitigação da concorrência desleal e do enriquecimento ilícito nocivos ao ambiente econômico. Na formação dos nomes empresariais devem ser necessariamente observados os princípios da veracidade e da novidade. A fixação dos critérios para a solução de conflitos pelo Eg. STJ, em julgado paradigma, é medida relevante para a segurança jurídica. Os princípios da territorialidade e da especialidade devem ser adotados, ao lado do princípio da anterioridade, para se a solução de conflitos entre marca e nome empresarial. Análise da jurisprudência do Eg. Superior Tribunal de Justiça

Sumário: I- Introdução. II – Desenvolvimento. a Contexto fático do paradigma EDcl nos EDcl no AgRg no Resp n. 653.609. b Nome empresarial e da marca. c Proteção do nome empresarial e da marca. Relevância e extensão territorial. d Princípios norteadores da formação do nome. Do direito ao uso do patronímico do sócio no nome empresarial e Conflito entre marca e nome empresarial. Princípios da anterioridade e especialidade. III – Conclusão

I – Introdução

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Objetiva-se com o presente artigo tecer considerações sobre as figuras do nome empresarial e da marca, bem como analisar os critérios para a solução de conflitos entre essas, quando colidentes.

Apesar de protegidos pela Constituição Federal, pela Lei 9. 2679/96 (Lei de Propriedade Industrial) e também por tratados internacionais, como a Convenção da União de Paris e o TRIPs, uma variedade de situações de mercado e interesses em conflito faz com que muitas demandas sobre esse tema cheguem ao STJ. 

Questionamentos sobre anterioridade e validade de registros, semelhança de nomes, uso de elementos comuns, identidade de embalagens, funcionamento do INPI e marcas de alto renome estão entre os assuntos discutidos no tribunal.

O presente trabalho se parametrizará na legislação pertinente, na doutrina e nas considerações e conclusões alcançadas pelo Eg. Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do EDcl nos EDcl no AgRg no Resp no 653.609, oportunidade em que a sua 4a Turma debruçou sobre o tema e foram estabelecidos critérios de interpretação e solução de conflitos até hoje pacificamente aplicados.

II – Desenvolvimento

a) Contexto fático do paradigma EDcl nos EDcl no AgRg no Resp n. 653.609

Os EDcl nos EDcl no AgRg no Resp n. 653.609 foram julgados pela 4a Turma do Eg. STJ no âmbito da ação ordinária ajuizada pela Odebrecht S/A contra a Odebrecht Comércio e Indústria de Café Ltda e o Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI reclamando o reconhecimento do direito à exclusividade do uso comercial do termo “Odebrecht” e a consequente declaração de nulidade dos registros da marca concedidos pelo INPI à Odebrecht Comércio e Industria de Café Ltda.

O Superior Tribunal de Justiça decidiu pela regularidade do registro, como marca, do termo “Odebrecht” concedido pelo INPI à empresa Odebrecht Comércio e Indústria de Café Ltda, após concluir que ambas as partes fazem jus ao uso do termo Odebrecht, pois patronímico dos respectivos fundadores, e não há possibilidade de confusão dos usuários dos produtos e serviços oferecidos pelas partes, nem concorrência desleal, vez que as atividades exercidas por cada uma delas, bem como o respectivo público alvo, são bastantes distintos.

Para decidir pela regularidade da marca, analisou a viabilidade da proteção da denominação Odebrecht S/A em face da denominação da Odebrecht Comércio e Indústria de Café Ltda, bem como da marca daquela em face da marca dessa. Nesse caminho, estabeleceu critérios de interpretação e solução de conflitos entre nome empresarial e marca.

b) Nome empresarial e da marca.

Embora possam eventualmente coincidirem, o nome empresarial e a marca são figuras distintas.

O nome empresarial destina-se à identificação do empresário no exercício das suas atividades. Consiste um direito personalíssimo. Através do seu nome a pessoa jurídica existe, adquire direitos e obrigações, exerce suas atividades. Seu registro é simultâneo ao do contrato social perante a Junta Comercial do Estado em que estiver sediada e onde esta tiver filiais.

O Código Civil Brasileiro, no artigo 1.155, define o nome empresarial:

Art. 1.155. Considera-se nome empresarial a firma ou a denominação adotada, de conformidade com este Capítulo, para o exercício de empresa.

Parágrafo único. Equipara-se ao nome empresarial, para os efeitos da proteção da lei, a denominação das sociedades simples, associações e fundações.”

Para Fábio Ulhoa o “nome empresarial é aquele utilizado pelo empresário para se identificar, enquanto sujeito exercente de uma atividade econômica[1].

Existe uma discussão doutrinária sobre a natureza jurídica do instituto. Parte o compreende como um direito personalíssimo, inerente à personalidade servindo para designar a própria pessoa do empresário no exercício da empresa, tendo uma função subjetiva. Outra parte entende possuir uma função objetiva, sendo uma forma de qualificação da atividade desenvolvida pelo empresário, ou seja, a empresa. Seria um verdadeiro bem que integra o patrimônio. 

As marcas, diversamente, identificam produtos produzidos ou serviços prestados por uma determinada empresa, diferenciando-os uns dos outros. São bens imateriais, integrantes do estabelecimento empresarial.

Um exemplo: Omo e Ariel. Ambos são sabão para lavar roupas, mas designam fabricantes diferentes. Seu registro é feito perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI.

De acordo com a Lei. 9.279/96, consideram-se marcas todos os sinais visualmente perceptíveis utilizados para distinguir produtos ou serviços. A ver:

Art. 122. São suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais.”

“Art. 123. Para os efeitos desta Lei, considera-se:

I – marca de produto ou serviço: aquela usada para distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa;

II – marca de certificação: aquela usada para atestar a conformidade de um produto ou serviço com determinadas normas ou especificações técnicas, notadamente quanto à qualidade, natureza, material utilizado e metodologia empregada; e

III – marca coletiva: aquela usada para identificar produtos ou serviços provindos de membros de uma determinada entidade.”

A doutrina, ao definir a marca, vai além. Não se atem ao seu caráter distintivo, destacando também os aspectos que dizem respeito à qualidade dos produtos ou serviços a que estão relacionadas.

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Segundo Carvalho de Mendonça, as marcas “(…) consistem em sinais gráficos ou figurativos, destinados a individualizar os produtos de uma empresa industrial ou as mercadorias postas à venda em uma casa de negócio, dando a conhecer sua origem ou procedência, e atestando a atividade e o trabalho de que são resultado.”[2]

Para Ricardo Negrão, as marcas são sinais visualmente perceptíveis utilizados para distinguir, atestar conformidade ou caracterizar produtos ou serviços:

Considerada em sua tríplice aplicação exposta no art. 123 do Código da Propriedade Industrial, marca é o sinal distintivo visualmente perceptível usado para distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa, bem como para atestar a conformidade de um produto ou serviço com determinadas normas ou especificação técnicas e, ainda, para identificar produtos ou serviços provindos de membros de determinada entidade[3]”.

Em resumo, o nome empresarial identifica a empresa enquanto a marca identifica produtos ou serviços prestados por uma empresa.

Ocorrem, contudo, casos em que são feitos pedidos de registro de marcas idênticas ou muito similares a nomes empresariais, como o enfrentado pelo Eg. STJ no citado EDcl nos EDcl no AgRg no Resp no 653.609, em que foi concedido registro à Odebrecht Comércio e Industria de Café Ltda, como marca, da expressão “Odebrecht”, idêntica ao nome da empresa Odebrecht S/A.

A solução do conflito passa pela análise dos aspectos referentes à proteção legal do nome e da marca.

c) Proteção do nome empresarial e da marca. Relevância e extensão territorial.

Tanto o nome empresarial como a marca são protegidos pela legislação haja vista a sua importância na salvaguarda dos interesses dos consumidores e para evitar a concorrência desleal e o enriquecimento ilícito. São ativos primordiais de diferenciação e identificação e, nesse contexto, permitem, ao mesmo tempo, a criação de valor para o empresário, com o reforço da notoriedade e imagem, bem como evitam confusão pelos consumidores entre produtos e estabelecimentos.

A Constituição Federal garante a proteção ao nome empresarial e a marca dentre os direitos fundamentais:

“Art. 5º(…)

XXIX – a lei assegurará aos autores de inventos industrias privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;” (negritamos)

O Código Civil assegura o uso exclusivo do nome empresarial nos limites do Estado em que arquivados os atos constitutivo da empresa. A ver:

“Art. 1.166. A inscrição do empresário, ou dos atos constitutivos das pessoas jurídicas, ou as respectivas averbações, no registro próprio, asseguram o uso exclusivo do nome nos limites do respectivo Estado.

Parágrafo único. O uso previsto neste artigo estender-se-á a todo o território nacional, se registrado na forma da lei especial.” (negritamos)

No que concerne à marca, a Lei 9.279/96 garante o uso exclusivo da marca em todo o território nacional. Nos termos do seu art. 129, ninguém poderá utilizar-se da marca em todo território brasileiro, observada a classe de produtos ou serviços. A ver:

“Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos arts. 147 e 148.” (negritamos)

A jurisprudência, diante desse contexto, proclama de forma pacífica a proteção jurídica ao nome empresarial e à marca:

Tanto o nome comercial quanto a marca gozam de proteção jurídica dupla finalidade: por um lado, ambos são tutelados contra usurpação e proveito econômico indevido; por outro, busca-se evitar que o público consumidor seja confundido quanto à procedência do bem ou serviço oferecido no mercado.” (REsp 1.707.881/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 29/11/2017, negritamos)

3. "Nos termos da tranqüila jurisprudência da Corte, o nome comercial e a marca devidamente registrada merecem proteção, não sendo permitida a utilização no mercado interno por qualquer outra empresa que não detenha a titularidade" (REsp 537.756/RS, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, julgado em 04/11/2003, DJ 10/02/2004, p. 253).” (AgInt no AREsp 1.054.024/RJ, Rel. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 01/09/2017, negritamos)

A proteção do nome empresarial está circunscrita à unidade da federação de jurisdição da Junta Comercial em que registrados os atos constitutivos da empresa, podendo ser estendida a todo território nacional caso haja pedido complementar de arquivamento nas demais Juntas Comerciais.” (AgInt no REsp 1.280.061/SP, Rel. Min. Raul Araújo, DJe de 15/09/2016, negritamos)

A tutela ao nome comercial se circunscreve à unidade federativa de competência da junta comercial em que registrados os atos constitutivos da empresa, podendo ser estendida a todo o território nacional desde que seja feito pedido complementar de arquivamento nas demais juntas comerciais. Por sua vez, a proteção à marca obedece ao sistema atributivo, sendo adquirida pelo registro validamente expedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, que assegura ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, nos termos do art. 129, caput, e § 1º da Lei n. 9.279/1996.” (REsp 1.184.867/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 06/06/2014)

Atente-se que a proteção à marca é restrita à classe de produtos ou serviços em que se encontra registrada no INPI e o respectivo registro vigora pelo prazo de 10(dez) anos, prorrogável por períodos iguais e sucessivos.

O direito ao uso exclusivo do nome empresarial, apesar de estar protegido apenas no âmbito estadual, se estende por todo o período em que a empresa existir, independentemente do ramo de atividade econômica a que se dedique o empresário. A ver:

“3.- Vige no Brasil o sistema declarativo de proteção de marcas e patentes, que prioriza aquele que primeiro fez efetivo e concreto uso da marca, constituindo o registro no órgão competente mera presunção, que se aperfeiçoa pelo uso. Pelo princípio da especialidade, em decorrência do registro no INPI, o direito de exclusividade ao uso da marca é, em princípio, limitado à classe para a qual foi deferido, não abrangendo esta exclusividade produtos outros não similares, enquadrados em outras classes, excetuadas, contudo, as hipóteses de marcas notórias, justamente o que se verifica no caso em análise, em que a marca VIGOR pertence, há dezenas de anos, à ora Recorrente e é efetivamente usada com ampla notoriedade.” (REsp 1.353.531/RJ, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 20/03/2014, negritamos)

Pautando-se nesses aspectos que a 4a Turma do Eg. STJ concluiu que, tanto a Odebrecht Comércio e Indústria de Café Ltda como a Odebrecht S/A, “têm assegurado o direito ao uso exclusivo de suas denominações sociais tão-somente no território da unidade federativa em que localizadas as Juntas Comerciais nas quais registradas”.

Destacou o relator, Min. Jorge Scartezzini, em seu voto condutor, que a proibição de registro de nomes iguais ou análogos a outro anteriormente inscrito incide automaticamente com o arquivamento dos atos constitutivos da empresa na Junta Comercial dos Estado. Porém, restringe-se ao território sob a jurisdição da Junta em que foi realizado o registro, somente podendo ser estendida para todo o território nacional se feito pedido complementar de arquivamento em todas as Juntas Comercial.

Daí, observando que a Odebrecht Comércio e Indústria de Café Ltda tem seus atos societários arquivados na Junta Comercial do Paraná e que a Odebrecht S/A na Junta Comercial da Bahia, bem como que nenhuma delas providenciou o arquivamento complementar nas demais Juntas do país, o Superior tribunal de Justiça concluiu que o campo de proteção dos nomes das empresas não se colidem, em virtude do que não há falar em ofensa ao direito ao uso exclusivo do nome em detrimento de nenhuma das duas empresas.

d) Princípios norteadores da formação do nome. Do direito ao uso do patronímico do sócio no nome empresarial.

A coexistência dos nomes empresariais de ambas as empresas também se apoiou nos fatos de que ambos contêm corretamente o patronímico Odebrecht dos seus fundadores e que não há possibilidade confusão entre eles pelos consumidores, vez que compostos dos termos “construtora” e “comércio e indústria de café”, o que permite a distinção clara das atividades de cada uma das empresas.

O Superior Tribunal de Justiça verificou que a legislação adotou dois princípios norteadores para a formação do nome empresarial que ditam diretrizes relevantes.

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Na formação do nome empresarial devem ser observados os princípios da veracidade e da novidade conforme esclarece a Instrução Normativa do DNRC nº 99, 21 de dezembro de 2005. A ver:

“Art. 4º O nome empresarial atenderá aos princípios da veracidade e da novidade e identificará, quando assim exigir a lei, o tipo jurídico da sociedade.

Parágrafo único. O nome empresarial não poderá conter palavras ou expressões que sejam atentatórias à moral e aos bons costumes.

“Art. 5º Observado o princípio da veracidade:

I – o empresário só poderá adotar como firma o seu próprio nome, aditando, se quiser ou quando já existir nome empresarial idêntico, designação mais precisa de sua pessoa ou de sua atividade;” (negritamos)

Segundo o princípio da veracidade, o nome empresarial deve conter o nome do empresário ou pelo menos de um dos sócios, revelando sua responsabilidade, a atividade prevista no contrato social e a estrutura empresarial.

O nome não pode conter dados inverídicos, a fim de não induzir o consumidor a erro. “É imprescindível que o nome empresarial só forneça dados verdadeiros àquele que negocia com o empresário”.[4]

Pelo princípio da novidade, o nome empresarial deve ser diferente dos já existentes, contendo elementos suficientes a torná-lo inconfundível. Não poderão coexistir, na mesma unidade federativa, dois nomes empresariais idênticos ou semelhantes. Se a denominação for idêntica ou semelhante a de outra empresa já registrada, deverá ser modificada ou acrescida de designação que a distinga.

Deve ser feita uma busca prévia na Junta Comercial a fim de verificar se já há algum nome parecido ou idêntico ao que se pretende criar. Não havendo, pode-se realizar o registro do nome empresarial. É o que o Código Civil prevê em se art. 1.163:

“Art. 1.163. O nome de empresário deve distinguir-se de qualquer outro já inscrito no mesmo registro.

Parágrafo único. Se o empresário tiver nome idêntico ao de outros já inscritos, deverá acrescentar designação que o distinga.”

Foi com fulcro nesses princípios que o Eg. STJ decidiu que os nomes das empresas Odebrecht S/A e Odebrecht Comércio e Indústria de Café Ltda podem coexistir sem ofenderem qualquer direito. Isso porque contêm corretamente o patronímico Odebrecht dos seus fundadores e os termos “construtora” e “comércio e indústria de café” permitem a distinção clara das atividades de cada uma das empresas, não havendo possibilidade de gerar duvidas aos consumidores. A ver:

Deste último princípio, infere-se que o nome comercial não admite homonímia ou semelhança capaz de gerar confusão no âmbito de certa circunscrição territorial, valendo-se a lei, para concessão de exclusividade de uso, em caso de conflito, do critério de anterioridade do registro. Todavia, não esclarece a legislação o que constitui denominação idêntica ou semelhante, pelo que a doutrina pátria, ao esmiuçar o tema, firmou a seguinte conclusão, no que interessa ao caso: a análise da identidade ou semelhança entre duas ou mais denominações integradas por nomes civis e expressões de fantasia comuns deve considerar a composição total do nome, a fim de averiguar a presença de elementos diferenciais suficientes a torná-lo inconfundível (cf. FÁBIO ULHOA COELHO, "Manual de Direito Comercial", 14ª ed., São Paulo, Ed. Saraiva, 2003, pp. 83⁄84).

Neste sentido, afasta-se qualquer possibilidade de conflito entre as sucessivas denominações da embargada (Norberto Odebrecht Ltda., Construtora Norberto Odebrecht S⁄A – Comércio e Indústria, Construtora Norberto Odebrecht S⁄A e Odebrecht S⁄A) e da embargante (Edmundo Odebrecht & Filhos Limitada e Odebrecht – Comércio e Indústria de Café Ltda.), a uma, porque o termo Odebrecht consiste no patronímico dos fundadores de ambas as sociedades, cujos prenomes, aliás, diferem substancialmente (Norberto e Edmundo), sendo que, como consabido, o uso do nome civil como nome comercial constitui direito nato das pessoas naturais. Outrossim, os patronímicos Odebrecht fizeram-se acompanhar de palavras perfeitamente individualizadoras de ambas as denominações sociais, quais sejam, "construtora" e "comércio e indústria de café", distinguindo suficientemente as atividades comerciais das litigantes e, pois, o público alvo das mesmas, pelo que, afastada qualquer possibilidade de confusão, possível a coexistência de ambas as denominações sociais.” (negritamos)

Em suma, o Superior Tribunal de Justiça fixou como critério para a solução de conflitos entre nomes empresariais a observância dos princípio da veracidade e da novidade, dos quais decorrem a impossibilidade de haver homonímia ou a semelhança capaz de ensejar dúvidas pelos consumidores, devendo o nome empresarial apresentar elementos diferenciais suficientes a torná-lo inconfundível com outros previamente registrados, sob pena de nulidade.

e) Conflito entre marca e nome empresarial. Princípios da anterioridade e especialidade.

Além da possibilidade de colidência entre nomes empresariais, ocorrem casos em que são feitos pedidos de registro de marcas idênticas ou muito similares à aqueles.

Desde o Decreto-lei no 7.309/45 é prevista a proteção legal de marca registrada anteriormente à pretensão de arquivamento de nome empresarial. Atualmente a Constituição Federal assegura o direito à propriedade das marcas como um direito fundamental:

 “Art. 5º(…)

XXIX – a lei assegurará aos autores de inventos industrias privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;”

E a Lei 9.279/96 prevê a denominada proteção inversa, assegurando o direito ao uso exclusivo do nome empresarial em face de registro posterior de marca. A ver:

 “Art. 124. Não são registráveis como marca:(…)

 V – reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome de empresa de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos; (…)

XV – nome civil ou sua assinatura, nome de família ou patronímico e imagem de terceiros, salvo com consentimento do titular, herdeiros ou sucessores;” (negritamos)

A solução, nessa esteira, do conflito entre nome e marca passa, por primeiro, na aplicação do princípio da anterioridade do registro. Prevalece, em regra, o registro mais antigo.

Segundo Daniel Adensohn de Souza, o princípio da anterioridade eleito pela legislação implica:

“Assim, a proteção ao nome de empresa impede o registro posterior, por terceiro, de marca que reproduza ou imite expressão característica do nome, ainda mais quando no mesmo ambiente de mercado. Da mesma forma, uma vez registrada a marca não pode ela ser utilizada, ainda que parcialmente, na composição de nome de empresa, em havendo similitude de atividades.

Em outras palavras, o titular de uma marca não pode impedir que outro empresário utilize-a para compor seu nome de empresa, em ramo de atividade distinto. Isso significa que, no conflito entre nome de empresa e marca deve-se levar em consideração o princípio da especialidade. Logo, é fundamental a determinação dos ramos de atividade das empresas litigantes. Se distintos, de molde a não importar confusão, nada obsta possam conviver concomitantemente no universo empresarial.”[5].

Todavia, a questão não é tão simples. A anterioridade soe não ser suficiente para a solução de conflitos entre marcas. Se faz necessária a adoção de outro critério. E o STJ no julgamento do paradigma também o definiu.

No caso analisado, a aplicação do princípio da anterioridade do registro ficou prejudicada, pois, como visto nos itens anteriores, verificou-se que os nomes de ambas as empresas podem coexistir sem ofender o direito ao uso exclusivo ao nome uma das outras.

O Eg. STJ, então, através de uma interpretação sistemática dos preceitos legais referentes à reprodução de marcas, observou que outros dois princípios – da territorialidade e da especialidade – orientam a proteção do direito de propriedade das marcas e permitem a devida solução do referido conflito. Ambos os princípios são aplicáveis a todas as espécies de marcas, salvo as notoriamente conhecidas e de alto renome.

A adoção desses princípios pela legislação está bem clara nos artigos 123 e 129 da Lei 9.279/96, verbis:

Art. 123. Para os efeitos desta Lei, considera-se:

I – marca de produto ou serviço: aquela usada para distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa;” (negritamos)

“Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos arts. 147 e 148.” (negritamos)

Pelo princípio da territorialidade, uma vez registrada a marca pelo INPI, a sua proteção valerá contra o uso de terceiros para produtos ou serviços idênticos ou análogos em todo o território nacional.

A proteção da marca é restrita ao território do país em que foi concedida, não se estendendo aos demais. Aqueles que possuem uma marca registrada em outro país e que tenham interesse em protegê-la no Brasil, deverão efetuar o registro da mesma no território brasileiro, salvo se a marca se a marca é notoriamente conhecida, o que é garantido pelo artigo 6 bis da Convenção da União de Paris, acolhido pelo direito brasileiro.

Conforme o princípio da especialidade, a proteção ao uso exclusivo da marca é restrita à classe em que está inserida, correspondendo a classe ao ramo de atividade empresarial exercida pelo titular.

O titular de uma marca, ao requerer seu registro deverá, no ato do depósito, especificar o tipo de produto ou serviço ao qual a marca se destinará, ou seja, em qual ramo de atividade será aplicada a marca. Uma vez registrada a marca, não serão aceitos outros registros de signos iguais ou semelhantes, para produtos ou serviços idênticos ou afins aos assinalados por ela.

Há, contudo, a ressalva das marcas notoriamente conhecidas e de alto renome, as quais, como adiantado, cuja proteção ultrapassa o território em que registada, bem como à classe do produto ou serviço. Ela se estende para todas as classes, nos termos do art. 125 da Lei 9.279/96. A ver:

Art. 125. À marca registrada no Brasil considerada de alto renome será assegurada proteção especial, em todos os ramos de atividade.”

A jurisprudência explica que a proteção às marcas notoriamente conhecidas veda o registro de outras marcas que configurem reprodução, imitação ou tradução suscetível de estabelecer confusão entre os consumidores com aquela dotada de notoriedade, a qual não fica restrita aos produtos que sejam registráveis na mesma classe, verbis:

O art. 6º bis, 1, da Convenção da União de Paris, que foi ratificado pelo Decreto n. 75.572/75 e cujo teor foi confirmado pelo art. 126 da Lei n. 9.279/96, confere proteção internacional às marcas notoriamente conhecidas, independentemente de formalização de registro no Brasil, e vedam o registro ou autorizam seu cancelamento, conforme o caso, das marcas que configurem reprodução, imitação ou tradução suscetível de estabelecer confusão entre os consumidores com aquela dotada de notoriedade. 2. Referida proteção não fica restrita aos produtos que sejam registráveis na mesma classe, exigindo-se apenas que sejam integrantes do mesmo ramo de atividade. 3. As marcas notoriamente conhecidas, que gozam da proteção do art. 6º bis, 1, da CUP, constituem exceção ao princípio da territorialidade, isto é, mesmo não registradas no país, impedem o registro de outra marca que a reproduzam em seu ramo de atividade. Além disso, não se confundem com a marca de alto renome, que, fazendo exceção ao princípio da especificidade, impõe o prévio registro e a declaração do INPI de notoriedade e goza de proteção em todos os ramos de atividade, tal como previsto no art. 125 da Lei n. 9.279/96.” (REsp 1.447.352/RJ, Rel. Min. João Otavio de Noronha, DJe de 16/06/2016, negritamos)

Nesse diapasão, voltando para o nosso caso paradigma, verifica-se que o Eg. STJ concluiu que devem ser adotados como critério para a solução de conflitos os princípios da territorialidade e da especialidade, especialmente esse último, quando a anterioridade do registro não consegue resolvê-los, verbis:

De citado dispositivo se depreendem os dois princípios básicos do direito nacional marcário, quais sejam: 1) princípio da territorialidade, pelo qual, ainda que se explore determinada marca apenas em certo município ou região, uma vez registrada pelo INPI (órgão encarregado da execução do registro de marcas no Brasil), a proteção incidirá contra o uso de terceiros, para produtos idênticos ou análogos, em todo o território nacional; e 2) princípio da especialidade, especificidade ou novidade relativa, em razão do qual a proteção da marca, salvo quando declarada pelo INPI de "alto renome" (ou, com base no art. 67 da Lei nº 5.772⁄71, quando declarada "notória"), está diretamente vinculada ao tipo de produto ou serviço indicado quando do requerimento do registro.(…)

Outrossim, como o princípio da especialidade é corolário da necessidade de se evitar erro, dúvida ou confusão entre os usuários de determinados produtos ou serviços, argumenta-se que se cuida de um preceito relativo, de modo que, para se atingir aludido intuito, admite-se a extensão da análise quanto à imitação ou à reprodução de marca alheia, seja parcial, total ou com acréscimo de palavras, ao ramo de atividade desenvolvida pelos respectivos titulares (art. 65, XVII, da Lei nº 5.772⁄71). Ou seja, de qualquer forma, alegada a colidência marcária, é imprescindível que se perquira acerca das classes em que pleiteados e deferidos os registros pelo INPI, ou, ainda, acerca das atividades sociais desenvolvidas pelos titulares das marcas em conflito.(…)

Portanto, de acordo com o princípio da especialidade, diversas as classes de registro e o âmbito das atividades desempenhadas pelas partes, não se cogitando, ademais, da configuração de marca notória, não se vislumbra impedimento ao uso, pela embargante, da marca Odebrecht como designativa de seus serviços.

O entendimento firmado, desde então, vem sendo aplicado de forma pacífica pelo Tribunal para solução de conflitos similares. A ver:

5- Para aferição de eventual colidência entre nome empresarial e marca e incidência da proibição legal contida no art. 124, V, da Lei 9.279/96, não se pode restringir-se à análise do critério de anterioridade, mas deve também se levar em consideração os princípios da especialidade e da territorialidade. Precedentes.” (REsp 1.673.450/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 26/09/2017)

“2. O princípio da especialidade é comando limitativo do direito exclusivo da marca, a indicar que referido direito não é absoluto (art. 124, XIX, Lei n. 9.279/1996). A exclusividade do uso do sinal distintivo somente é oponível a produtos ou serviços idênticos, semelhantes ou afins, com o fim de evitar que o consumidor seja induzido em erro ou associe determinado produto com outro, de marca alheia. Autoriza-se, assim, a coexistência de marcas idênticas, desde que os respectivos produtos ou serviços pertençam a ramos de atividades diversos.” (REsp 1.548.849/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, DJe de 04/09/2017)

O Eg. STJ, portanto, fixou como critério para a solução de conflitos entre nomes e marcas o princípio da territorialidade e da especialidade. Deve ser averiguado se coincidentes os territórios e, especialmente, os ramos das atividades em que registradas as marcas. Não pode subsistir marca idêntica ou semelhante a outra no mesmo território e/ou se refira ao mesmo ramo de atividade.

III – CONCLUSÃO

Diante todo o exposto, salta aos olhos a relevância jurídica, social e econômica da proteção ao nome empresarial e à marca. Salvaguarda os direitos dos empresários e dos consumidores, mitiga a concorrência desleal e o enriquecimento ilícito, nocivos ao ambiente econômico.

O nome empresarial tem papel fundamental na individualização do empresário perante o mercado, visto que é o nome empresarial que irá identificá-lo frente a tantos outros, seja nos seus atos negociais seja na sua identificação pelos consumidores que devem ser capazes de individualizá-lo seja para fazer negócios novamente ou mesmo efetuar reclamações. 

A marca, a seu turno, é a identidade do produto. Faz com que os consumidores associem o produto ou serviço de um fabricante/prestador a ele mesmo. Permite que se atribua a responsabilidade e qualidade e várias outras características.

Uma variedade de situações de mercado e interesses geram conflitos entre empresas em razão dos nomes empresariais e das marcas dos seus produtos e serviços que precisam ser sanados.

A fixação dos critérios para a solução dos conflitos pelo Eg. STJ é de grande importância. Foram apontadas a diretrizes a serem seguidas, o que gera segurança jurídica imprescindível num Estado de Direito.

Os princípios da veracidade e da novidade e suas implicações devem pautar a formação dos nomes empresariais e respectiva validação. Já os princípios da territorialidade e da especialidade, juntamente com o da anterioridade do registro, devem mostrar se há colidência no tempo e espaço previstos na lei entre as marcas e os nomes empresariais.

Urge, contudo, a atualização da legislação, bem como da jurisprudência, para adequá-la ao novo perfil das empresas, melhor, dos negócios. Nos dias em que a internet e os modelos digitais assumem papel protagonista, rompendo barreiras de tempo e espaço, não se pode admitir regras como a que permite a coexistência, no território nacional, de empresas com nomes idênticos ou semelhantes porque registrados em Juntas diversas. Importa grande o risco da confusão pelos consumidores e prejuízos aos empresários.

 

Referências
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BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, Institui o Código Civil.
BRASIL. Lei n. 8.934, de 18 de novembro de 1994, Dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins e dá Outras Providências.
BRASIL. Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996, Regula direito e obrigações relativos à propriedade industrial.
BRASIL. Decreto Lei nº 1.800/96, de 30 de janeiro de 1996, Regulamenta a Lei nº 8.934, de 18 de novembro de 1994, que dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins e dá outras providências.
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Notas
[1] COELHO, Fábio Ulhoa: Manual de Direito Comercial: Direito de Empresa – 22 ed. -São Paulo: Saraiva, 2010.

[2] MENDONÇA, Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. 5a ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955. Vol. V, parte I. p. 215.

[3] NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa, volume 1. 3a edição – São Paulo: Saraiva, 2003. p.142.

[4] RAMOS, André Luiz Santa Cruz: Curso de Direito Empresarial: O novo regime jurídico-empresarial brasileiro – 4 ed. rev. e atual. Salvador: Editora Jus Podivm, 2010. 

[5] SOUZA, Daniel Adensohn. Questões atuais sobre a colidência entre nome e marca. Disponível em: http://riccipi.com.br/questoes-atuais-sobre-a-colidencia-entre-nome-de-empresa-e-marca/


Informações Sobre o Autor

Adriene Maria de Miranda Veras

Sócia fundadora da Advocacia Adriene Miranda Associados. Ex-conselheira do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais-CARF. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais 1999. Possui especialização em Direito Tributário e cursos avançados em Direito Empresarial Ambiental Imobiliário Constitucional e Processo Civil


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