Uma reflexão filosófica sobre a boa-fé, autonomia da vontade e os limites morais nos contratos de prestação de serviços celebrados com instituições financeiras

Resumo: O presente artigo visa proporcionar uma reflexão filosófica acerca dos princípios da boa-fé e o da obrigatoriedade contratual nas contratações de prestadores de serviços pelas Instituições Financeiras, pois não é forçoso imaginar, que vários contratos, mesmo quando estabelecidos em comum acordo e vinculados à autonomia de pessoas maiores e capazes, e as vezes até entre pessoa jurídica, sejam, diante do Poderio Econômico de uma parte em detrimento da outra, injustos desde seus primórdios, ou se tornem, no decorrer de sua execução.Na relação bancária propriamente dita – relação entre o banco e cliente – é mais fácil de visualizar que o contrato celebrado entre eles que criam direito e deveres, é, via de regra, típico de adesão, e por sua própria natureza acaba por colocar em xeque a autonomia da vontade e a boa-fé contratual, elementos estes que, apesar da necessidade de estarem presentes ao menos em outras relações contratuais com Instituições Financeiras, como o caso da contratação de prestadores de serviços, nem sempre são encontrados conjuntamente, e quando encontrados, por vezes não se aplicam na prática, portanto, imprescencivel para melhor compreensão, se fazer uma abordagem sobre a  moralidade contratual buscando entender princípios norteadores da vida em sociedade, da relação entre contratantes ‘fora’ da atividade típica bancária, bem como a vigência de leis positivadas, de modo a possibilitar o vislumbre dos caminhos da justiça e da injustiça.

Palavras-chave: Reflexão filosófica; Princípios; Boa-fé; Obrigatoriedade Contratual; Autonomia; Instituições Financeiras.

Abstract: This article is to provide a philosophical reflection on the principles of good faith and on contractual obliga- tions in the contracting of service providers by the Financial Institutions, as it should not be imagined that a number of contracts, even when established in common accord and linked to autonomy of great and capable persons, and sometimes even between juridical person, are, before the Economic Power of one party to the detriment of the other, unjust since its beginnings, or become, in the course of its execution. In the banking relationship itself – the relationship between bank and client – it is easier to visualize that the contract between them that creates rights and duties, is, as a rule, typical of adhesion, and by its very nature ends up putting in check the autonomy of the will and the good faith of the contract, which, despite the need to be present at least in other contractual relations with financial institutions, such as the hiring of service providers, are not always found together, and when found , sometimes do not apply in practice, therefore, essential for a better understanding, if to approach the moral limits in contracts, seeking to understand guiding principles of life in society, the relationship between contractors 'outside' typical banking activity, as well as the enforcement of positive laws, in order to allow a glimpse of the paths of justice and injustice.

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Keywords: Philosophical reflection; Principles; Good faith; Contractual Obligation; Autonomy; Financial Institution.

Sumário: Introdução. 1. Materiais e Métodos. 2. Resultados e Discussão. 3. O Papel das Instituições Financeiras. 4. A reflexão filosófica e os princípios contratuais em discussão. Conclusão.

Introdução

O presente artigo propõe trazer reflexão filosófica acerca da liberdade na contratação e os limites morais nos contratos de prestação de serviços celebrados com instituições Financeiras.

Partindo-se da premissa que contratos são negócios jurídicos bilaterias ou plurilaterais, onde se busca o acordo de vontades com a finalidade de criar, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos e deveres, subentender-se-ia que esse ‘acordo’, em tese voluntário, seria indispensável para o início e o prosseguimento de um contrato, contudo, há determinadas ocasiões que a supremacia econômica de uma das partes contraentes acaba por sobrepor os interesses da parte economicamente mais fraca, sendo possível perceber que, na realidade jurídica ‘atípica’ bancária, contratos são celebrados, sem o devido e prévio consentimento das partes, ferindo a autonomia da vontade onde, cláusulas contratuais são impostas, em detrimento da boa-fé contratual.

A importância deste trabalho, de viés pragmático, reside na fiel interpretação dos princípios expostos alhures e alcance dos contornos numa abordagem filosófica sobre as relações contratuais entre prestadores de serviços e Instituições Financeiras, circunscrevendo-os sob a premissa de que a razão, ética e moralidade nessas relações contratuais jamais poderá ou deveria ser esquecida.

1. Materiais e métodos

O levantamento das informações foi realizado por meio de pesquisas doutrinárias e legislativas.

Para a conceituação, se fez necessário primeiramente pesquisas sobre os princípios contratuais aplicáveis à espécie para posteriormente conceituar e desenvolver o tema propriamente dito, assim tratamos do estudo do princípio da obrigatoriedade dos contratos, da autonomia da vontade, boa-fé, e por fim, uma reflexão filosófica sobre, inclusive, os limites morais na contratação.  O método de abordagem a ser utilizado será o método hipotético-dedutivo e o método de procedimento será o método bibliográfico, dissertativo-argumentativo.

2. Resultados e Discussão

Com o advento do Código Civil, em vigor desde janeiro de 2003 (BRASIL, 2002), os princípios e regras de interpretação dos contratos foram renovados e o direito contratual consequentemente atualizado, adaptando-se assim com a nova realidade jurídica.

O modelo tradicional de contrato está assentado nas concepções de ampla liberdade de contratar e de total submissão a seus termos, agindo como lei entre as partes, ou seja, o contrato é uma espécie de negócio jurídico estabelecido entre duas ou mais pessoas para constituir, regular ou extinguir entre elas uma relação jurídica patrimonial.

O contrato não pode ser visto como uma simples técnica jurídica; antes, deve ser compreendido como um poderoso meio de circulação de riquezas e de realização dos valores do ser humano.

O tema liberdade de contratar comporta uma ampla interpretação, razão pela qual far-se-á necessário esbarrarmos em alguns princípios que independente com quem está se formalizando, são concebidos para a garantia da ampla defesa e total liberdade entre os contratantes, com a finalidade de poderem dispor de seus interesses da forma como bem desejassem.

No decorrer do tempo, viu-se que essa relação na prestação de serviços envolvendo Instituição financeira, fez com que o contratado ficasse mais enfraquecido diante do poderio econômico. Dessa forma, a liberdade de escolher com quem contratar, aos poucos, foi sendo inviabilizada diante da concentração do capital nas mãos de poucos e assim, cada vez mais tornou-se importante uma regular contratação.

Certamente isso, deve ser ainda que singelamente, melhor analisado, frente as visões filosóficas sobre, mas não se limitando, a moral e Justiça.

3. O Papel das Instituições Financeiras

Entende-se por Instituição Financeira a “empresa de caráter comercial que recebe e concentra capitais próprios e de terceiros, e que tem por objetivo realizar a mobilização do crédito, distinguindo, sistematicamente, entre os que dispõem de capitais e os que precisam obtê-los”. (FRIGERI, 2001, p.5).

A Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964 (BRASIL, 1964), reestrutura a organização bancária e passou a ser o diploma legal a regrar as atividades bancárias.

O artigo 17 da referida Lei define Instituição Financeira como sendo as “pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros”.

Os bancos são em sua maioria instituições financeiras privadas, constituídas sob a forma de sociedades anônimas, que funcionam sob a autorização do Banco Central do Brasil, ou quando estrangeiras, por decreto do Poder Executivo, inteligência do artigo 18 da mesma norma.

As relações bancárias caracterizam-se por serem praticadas e por possuírem conteúdo econômico, visto promoverem a circulação de riquezas. Pode-se dizer que referidas relações classificam-se em essenciais (empréstimo, depósito, abertura de crédito etc) ou acessórias (cobrança de títulos, prestação de informações e esclarecimentos, custódia de valores etc), ou seja, as relações essenciais visam a coleta e distribuição dos capitais, enquanto as acessórias desempenham uma função complementar.

Mas não é só, existem outras relações que, mesmo envolvendo Instituição Financeira, não versam sobre o crédito, como é o caso da contratação de prestação de serviços.

Como bem abordado pela doutrinadora Márcia Regina Frigeri (FRIGERI, 2011, p.11), nem todos os contratos bancários são operações de crédito, na medida que também estão presentes nas relações bancárias os contratos de prestação de serviços, para tanto, sustenta que “Aludidos contratos acessórios, de operações neutras, no entanto, não são privativos das instituições bancárias, podendo ser realizados por outras entidades, não constituindo assim contratos bancários propriamente ditos”.

Nesse diapasão, Orlando Gomes leciona: Distinguem-se as operações bancárias em principais e acessórias. Melhor, porém, qualificar as primeiras como operações típicas, para evitar-se ambigüidade. As operações acessórias não dependem das outras, existem sobre si mesmas, assim se denominando, não obstante, porque não constituem a principal atividade dos bancos sob o ponto de vista da função econômica que exercem”. (GOMES, 1999, p.361).

Nessa esteira, dentro do âmbito das relações bancárias, existem contratações atípicas que interessam ao Direito e também funcionam como fato jurídico propulsor da relação jurídica obrigacional bancária, engendrando direitos subjetivos e deveres jurídicos.

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4. A reflexão filosófica e os princípios contratuais em discussão

O contrato de prestação de serviços é aquele em que uma das partes – prestador -, se obriga com a outra – tomador -, a fornecer a prestação de uma atividade lícita, mediante remuneração.

Thomas Hobbes, teórico político, filósofo e matemático inglês, (1588-1679), defende que o contrato surge da necessidade de “uma translação ou troca mútua de direitos” (HOBBES, 1998). Seu pensamento político está fundamentado no conceito de contrato, ideia que originou a chamada tradição contratualista, que foi seguida de perto principalmente por Locke e Rousseau, além de outros, denominados também jus-naturalistas.

A autonomia da vontade é a liberdade que as partes têm de contratar, ou seja, as partes contratantes podem escolher pela celebração ou não de um contrato, e escolhendo estabelecer os seus termos. Essa liberdade na contratação parte da premissa de que a vontade de ambos os contratantes tem o mesmo peso e que a contratação é lícita e legítima pelo só fato de respeitar a vontade de cada um.

Para Stuart Mill, filósofo britânico (1806-1873) em obra On Liberty (MILL, 1952a, p. 267), o indivíduo possui um campo de liberdade e dentro dele pode atuar como quiser desde que não prejudique terceiros. 

O tema liberdade de contratar comporta uma ampla interpretação e é decorrente da liberdade individual, estando assegurada entre as garantias constitucionais prevista no artigo 5º, XXXVI, da Carta Magna. (BRASIL, 1988). No mesmo sentido, dispõe o artigo 6º, §1º do mesmo diploma que a lei respeitará o ato jurídico perfeito. É certo que as pessoas que se vinculam por meio de um contrato devem ter pleno conhecimento das cláusulas e cumprimento às suas disposições, fazendo com que esse contrato seja um ato jurídico perfeito e como tal deve ser obedecido fielmente, dentro do princípio que consagra o pacta sunt servanda, a qual vincula vontades, sonhos e desejos dos indivíduos e esbarram por caminhos legais, religiosos, morais e filosóficos.

Muito se falava que o contrato vale como lei entre as partes. Tal é o axioma que traduz o princípio tradicional do direito, segundo o qual, uma vez ultimado o contrato, a sua observância se impõe às partes, de modo inflexível, como se fora uma lei, só podendo ser modificado ou revogado pelo consentimento mútuo das partes, ou por causas autorizadas em lei.

Valendo a lei, na expressiva imagem com que se procura dar uma ideia de sua força obrigatória, é natural que nenhuma das partes possa deixar de executá-lo ou cumpri-lo fielmente, sem que sofra uma sanção, salvo se a outra parte concordar em que isso se verifique, desobrigando, assim, o contraente inadimplente. (SANTOS, p.201).

No Magistério de Orlando Gomes (GOMES, p.189), é tamanha a força vinculante do contrato que se traduz, enfaticamente, dizendo-se que tem força de lei entre as partes. O contrato deve ser executado, tal como se suas cláusulas fossem disposições legais para os que o estipularam. Quem assume obrigação contratual tem de honrar a palavra empenhada e se conduzir pelo modo a que se comprometeu.

Há diversas teorias que tentam explicar as razões que justificam a força vinculante do contrato e aqui, no campo filosófico, poderíamos valer-se de duas visões, a positivista que defende que esse principio existe por determinação da lei – nota-se que não há preocupação alguma quanto a eventual revogação da norma -, e a utilitarista, fundamentada na teoria de Jeremy Bentham, ao expor sua máxima ideia de que as situações existentes no nosso meio, incluindo os contratos, são sopesadas na balança “prazer x dor”, onde deve-se  buscar o prazer e distanciar do sofrimento (BENTHAM, 1979). Nesse contexto, observa-se que eventual descumprimento contratual parece estar ligado a uma questão consequencialista ao invés na moral e bo-fé com a outra parte, isto significa que a responsabilidade ligada à virtude do ser humano é deixada de lado.

Bentham, filósofo inglês (1748-1832), foi criador da teoria do comando, pois para ele o Direito é um sistema de comando (conjunto) que criam obrigações jurídicas às pessoas sob pena de coação.

Já para Immanuel Kant, filósofo alemão (1724-1804), passando pelo imperativo moral categórico afirma que os contratos obrigam por si mesmos, demonstrando que não é possível expor racionalmente a força obrigatória dos contratos. Para ele, o dever de manter a promessa e cumprir com o contrato, é um postulado da razão pura, logo, esse imperativo é essencialmente um dos deveres que constituem a boa-fé.

Tem-se, portanto, que esses princípios da autonomia da vontade e força obrigatória dos contratos não subsistem senão interagindo com outros princípios, tal como o da boa-fé.

Dispõe o artigo 422 do Código Civil (BRASIL, 2002) que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

Em que pese a boa-fé apresentar dois aspectos, quais sejam: a subjetiva e a objetiva, aqui para o deslinde do estudo o interesse está nesta última que veio a estabelecer um padrão de comportamento externo, devendo-se observar os fatores concretos de cada caso a fim de se identificar a ação apropriada do homem correto.

Nesse contexto, pode-se afirmar que a cláusula geral de boa-fé objetiva impõe um comportamento honesto, correto, equilibrado nas relações contratuais, assim como me qualquer outra relação jurídica.

Com o surgimento do princípio da boa fé, o intérprete do contrato, não poderá apenas valer-se das vontades da partes, deve analisar caso a caso, adaptando o contrato quando necessário, ordenando que as partes procedam de forma leal e justa, fazendo com que a boa-fé funcione como instrumento para suprimento de lacunas nos casos em que obrigações não forma explicitamente estabelecidas pelas partes, mas que decorrem daquelas ditas legítimas expectativas que os contratantes nutrem em relação ao pactuado.

Assim, a função de probidade e boa-fé devem estar presentes na conclusão e execução da avença, sendo que essa atitude dos contratantes deverá ser seguida não somente durante a fase contratual, mas também antes e após a sua celebração.

No mesmo diapasão, de todas as teorias que tentam explicar as razões que justificam a força vinculante do contrato, não se pode perder de vista que o princípio fundamental que deve inspirar a interpretação e validade do contrato é o da justiça comutativa (reciprocidade de obrigações e equivalência entre duas prestações).

 A noção standard de boa-fé, a sua aplicação sem peias que, por consequência, afasta a desonestidade encobridora da má-fé, consagra a exigência geral de lealdade e probidade que devem existir nas relações contratuais, desde a sua formação até a execução do pacto celebrado (SANTOS, p.79).

Prosseguindo, entende-se por moral, o conjunto de normas que regulam o comportamento do homem em sociedade, e estas normas são adquiridas pela educação, pela tradição e pelo cotidiano.

Immanuel Kant, publicou em 1781, aos 57 anos, seu primeiro livro importante, A crítica da razão pura que desafiava a teoria empírica do conhecimento associada a John Locke e David Hume, sendo que cerca de quatro anos mais tarde publicou o primeiro livro sobre filosofia moral, Fundamentação da metafisica dos costumes, através do qual critica o utilitarismo  e argumenta que a moral não diz respeito ao aumento da felicidade ou qualquer outra felicidade e sim, está fundamentada no respeito às pessoas como fins em si mesmas.

Referido livro, levanta a questão do principio supremo da moralidade, faz também uma abordagem associativa de justiça e moralidade com a liberdade, sendo que para ele, o indivíduo para agir livremente deve-se agir com autonomia e, agir com autonomia é agir de acordo com os ditames da natureza ou das convenções sociais, justificando o filósofo com várias versões do imperativo categórico.

Para Kant o valor moral de uma ação não consiste em suas consequências, mas na intenção em que é realizada, importando o motivo, como exemplo fazer a coisa certa porque simplesmente é a coisa certa.

Ainda, segundo ele, para que uma ação seja moralmente boa, “não basta que ela se ajuste à lei moral – ela deve ser praticada em prol da lei moral”, sendo que o motivo que confere o valor moral a uma ação é o dever – fazer a coisa certa pelo motivo certo (KANT, 2013).

Logo, agir moralmente significa agir por dever em obediência à lei moral, e a mesma consiste em um imperativo categórico, onde só agimos livremente quando agimos de acordo com essa premissa.

Por outro lado, as principais qualidades morais citadas por Platão, filósofo grego, são: a sabedoria, a coragem, a temperança e a justiça (PLATÃO, 2006). Estão apoiadas nos atributos da inteligência e da vontade humana e delas derivam todas as outras virtudes com o propósito de guiar a nossa conduta sob a égide da razão e do bom senso.

Para Platão a responsabilidade moral segundo sua teoria da punição, baseia-se na premissa de que ninguém comete o mal voluntariamente, o que concilia com a necessidade de graduar as penas.

Posto isso, nas contratações de prestadores de Serviços pelas Instituições Financeiras até poderíamos partir do princípio de que, tratando-se de pessoas capazes, os termos avençados entre as partes seriam justos, presumindo então, que os contratos justificam os termos que produzem.

Todavia, levando-se em conta inclusive a visão kantiana de que a natureza da racionalidade por si só impõe certas restrições formais àquilo que pode contar como uma razão eticamente aceitável para uma ação, essa premissa não parece ser verdadeira, pois o simples fato das partes terem ajustado as cláusulas contratuais não significa que o avençado seja justo, até porque, quase sempre, não trazem benefícios mútuos em razão do Poderio Econômico em detrimento do prestador de serviço, parte economicamente mais fraca na relação que, tolhendo muitas vezes de sua autonomia contratual fica refém de uma suposta “boa-fé” da Instituição Financeira, na prática, olvidam as partes, na verdade, de alguns valores morais (autonomia e reciprocidade) com vistas a concretização do negócio.

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Ora, a autonomia kantiana exige muito mais do que o consentimento das partes, ser livre é ser autônomo, e ser autônomo é ser governado por uma lei que outorgamos a nós mesmos (SANDEL, 2016, p. 265).

Nessa linha, tem-se que aquele com maior Poder de Barganha, no caso a Instituição Financeira, acaba por fazer com que, por vezes, a aquiescência do prestador de serviço não seja in totum voluntária (autônoma), mas sim subordinada a algum tipo de pressão ou até mesmo coação, o que acaba por ferir os princípios tratados neste estudo e dificultar, cada vez mais, nessas relações negociais, a busca por uma sociedade justa.

Ainda que não tenhamos poupado esforços para compreender a questão no campo filosófico e diante de tantas abordagens complexas, variadas e distintas, nos parece que a Instituição Financeira nesses casos, não resiste à tentação de agir sob o manto da invisibilidade como narra Platão no livro II em sua obra República ao relatar a história do Anel de Giges.

Conclusão

Podemos considerar que a reflexão filosófica foi de grande valia para o desenvolvimento deste artigo, uma vez que se por um lado, o pensamento utilitarista é um bom caminho às Instituições financeiras, que pelo seu Poderio Econômico podem decidir sobre com quem contratar, por outro lado, todavia, não se afigura justo, que o prestador de serviço lesado por um contrato, em condições anômalas, tenha de mantê-lo a fim de que o prazer proporcionado para um maior número de pessoas (futuros contratantes que almejam esse tipo de contratação) seja mantido, desvalorizando assim, o aspecto moral envolvido na relação contratual ao deixar de lado a responsabilidade ligada à virtude do ser humano.

Observa-se que a liberdade na contratação, apesar de vigente o princípio, deixou de existir na forma inicialmente idealizada, pois muitas vezes não há o que falar em liberdade contratual para ambas as partes e, consequentemente, sem liberdade não há a obrigatoriedade.

Entre tudo que foi abordado, temos a boa-fé um instituto do Direito, com justificação na filosofia, como de extrema importância para trazer segurança, consolidar expectativas e trazer a justiça privada o que, não raro, carece às Instituições Financeiras que agem, contrariamente, inclusive, à virtude como tivesse em suas mãos o anel de Giges.

A intolerância existe quando as partes estão em desigualdades e uma tira proveito injustificado dessa situação, esquecendo-se as Instituições Financeiras da boa-fé ao desrespeitar o imperativo moral categórico e trazer dano a outrem, no caso, o prestador de serviço; movido pelo interesse avarento de obter lucro de maneira injusta, ainda que não só na celebração de seus contratos fundamentais, ou seja, àqueles atrelados nas operações de crédito.

Em vista disso, para finalizar, apesar de longe da realidade prática, preferimos nos valer dos pensamentos de John Rawls, filósofo americano (1921-2002) e acreditar, nos negócios com Instituições Financeiras, na celebração de um contrato de prestação de serviços hipotético baseado no “véu da ignorância”, ao ponto de se garantir a equanimidade do Poder e do conhecimento que a posição original requer, fazendo com que ninguém possa obter vantagens, independente de suas forças ou fraquezas.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Júlio César Guzzi dos Santos

Mestrando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP; Especialista em Direito Processual Civil pela Escola Superior da Advocacia – ESA/SP e em Gestão Estratégica de Negócios pela Universidade de São Paulo – USP; Advogado


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