Resumo: O presente trabalho tem por objetivo tratar da importância dos Princípios e Limitações ao poder de tributar nas relações entre contribuintes e Estado. Para tanto, se utilizará o método dedutivo. Inicialmente se abordará de forma sintética os elementos nucleares do sistema tributário nacional e a problemática da ineficácia fiscal verificada atualmente no Brasil. Após, se fará a conceituação de Princípios e Regras. Ao longo do desenvolvimento, serão explorados os Princípios do direito tributário de forma individualizada, sob o ponto de vista legal, doutrinário e jurisprudencial, de forma a contribuir para com a análise do ineficaz quadro tributário noticiado. Ao final, será concluído o tema, analisando-se a pertinência dos Princípios para a construção de relações claras e justas entre os sujeitos passivos e ativos na seara tributária, de forma a suavizar o número de litígios existentes em tal área e tornar mais significativa a arrecadação fiscal.
Palavras-chave: Princípios e Limitações ao Poder de Tributar. Imunidades. Jurisprudência.
Resumen: El presente trabajo tiene por objeto, tratar de la importancia y limitaciones al poder de tributar, en las relaciones entre los contuibuyentes y el estado. Para esto se utilizará el método deductivo. Inicialmente se abordará de manera sintéctica los elementos nucleares del Sitema Tributário Nacional como también el problema de la ineficacia fiscal, los elementos nucleares del sistema tributario nacional y la problemática de la ineficacia fiscal verificada actualmente en el Brasil. Después, se hará la conceptuación de Princípios y Reglas. A lo largo del desenvolvimiento, serán analizados los Princípios del derecho tributário de forma individualizada, sobre el punto de vista legal, doctrinário y jurisprudencial, de modo a contribuir con el análisis del ineficaz quadro tributário noticiado. Al final, será concluído el tema, analisandose la pertinéncia de los Princípios para la construcción de relaciones claras y justas entre los sujetos pasivos y activos en la seara tributária, de forma de suavizar el número de litígios existentes en tal área y tornar mas significativa la arrecaudación fiscal.
Palabras-llave: Princípios y Limitaciones al Poder de Tributar. Inmunidades. Jurisprudencia.
Sumário: 1. Introdução. 2. Panorama tributário nacional. 3. Princípios do direito tributário. 3.1 Princípio da Capacidade Contributiva. 3.2 Princípio da Legalidade Tributária. 3.3 Princípio da Isonomia Tributária. 3.4 Princípio da Irretroatividade. 3.5 Princípio da Não surpresa. 3.6 Princípio da Vedação ao Confisco. 3.7 Princípio da Não Limitação de Tráfego. 3.8 Princípio da Uniformidade Geográfica. 3.9 Princípio da Não-discriminação pela Procedência ou Destino. 3.10 Princípio da Não-cumulatividade. 3.11 Princípio do Non Olet. 3.12 Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público. 3.13 Princípio da Indelegabilidade. 3.14 Princípio da Não-vinculação. 3.15 Princípio da Territorialidade. 3.16 Princípio da Seletividade. 3.17 Princípio da Neutralidade. 4. Limitações ao poder de tributar. 4.1 Imunidade e Isenção. 4.2 Espécies Tributárias Imunes. 4.3 Imunidade Recíproca. 4.4 Imunidade Religiosa. 4.5 Imunidade Assistencial. 4.6 Imunidade Cultural. 4.7 Imunidade Musical. 5. Conclusão. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como tema a defesa do contribuinte frente aos Princípios tributários e as limitações ao poder de tributar, que são observados ao longo de toda a legislação, doutrina e precedentes jurisdicionais.
O tema se justifica na medida em que o Direito Tributário é um ramo do Direito Público que se ocupa do modo pelo qual o Estado é financiado para a consecução de seus serviços e atividades e, para tanto, disciplina a forma pela qual as pessoas, físicas e jurídicas, devem ser constrangidas em seus patrimônios. Tal invasão, por si só, justifica a existência de Princípios que não só explicam o Direito, como o limitam, resguardando uma relação segura e justa entre sujeitos ativos e passivos.
Verifica-se, entretanto, um alto grau de ineficiência no sistema tributário nacional: uma constante e volumosa litigiosidade, administrativa e judicial, associada a uma dívida ativa significante, com baixos índices de recuperação de créditos, demonstram que o modelo adotado está a mercê de insuficiente adequação por parte de ambos os polos da relação jurídico-tributária travada diariamente. É comum nos depararmos com contribuintes insatisfeitos com o modelo tributário vigente no Brasil, seja pela alta carga tributária, seja pelos mecanismos adotados em tal sistema, ao passo que se verifica um grande número de litígios impulsionados pela não observância dos primados fundamentais em tal área pelo Estado. Isso ressalta a importância do estudo dos Princípios e das Limitações ao poder de tributar, na medida em que tais institutos salvaguardam o patrimônio dos agentes passivos, legitimando a atuação estatal tributária. Se por um lado existe uma insatisfação popular, por outro há uma série de delimitadores à tributação, muitos desconhecidos pela população, eis que atinentes a cursos de Direito e a seus operadores no mais das vezes.
A proposta, nesse sentido, tem como objetivo elencar o maior número de Princípios, dos mais conhecidos aos menos usuais, e aperfeiçoar o entendimento a ser sedimentado com as limitações ao poder de tributar, que com os princípios guardam forte correlação, de forma a ponderar a visão distorcida por parte de muitos contribuintes relativamente ao Direito Tributário, ao mesmo tempo ressaltando a importância de o Estado seguir prudentemente tais primados, alcançando um quadro de simbiose de ambas as partes de tal relação como condição sine qua non à majoração da eficiência tributária no país.
2 PANORAMA TRIBUTÁRIO NACIONAL
O sistema tributário nacional é composto por cinco espécies de tributos, quais sejam:
– Impostos
– Taxas
– Contribuição de Melhoria
– Contribuições Especiais
– Empréstimos Compulsórios
A maior parte dos Princípios que serão analisados no presente trabalho é dedicada aos tributos como um todo. Ocorre que alguns primados se destinam a certas espécies de tributos, especialmente aos impostos, isoladamente. Dessa forma, é importante verificar tal distinção quando de sua ocorrência.
Os tributos acima elencados se caracterizam, segundo o próprio CTN, em seu artigo 3º, da seguinte forma:
“CTN, Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”
Assim, temos que um tributo:
– É prestação pecuniária, ou seja, não se presta in natura ou in labore;
– É prestação compulsória, não se permitindo a faculdade do adimplemento das obrigações delas resultantes;
– É prestação em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, ou seja, não se admite o adimplemento com serviços ou mercadorias (admite-se, excepcionalmente, a Dação em Pagamento – CTN 156, XI). Aqui verificamos, salvo melhor juízo, que o legislador infraconstitucional cometeu uma atecnia, eis que repetiu, via pleonasmo vicioso, a qualificação do tributo como espécie pecuniária. Ora, se primeiramente o fez assim, obviamente que o mesmo resta adimplido em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir;
– Não constitui sanção de ato ilícito, ou seja, não é punição estatal, e sim obrigação individual resultante de manifestação de riqueza ou retribuição a serviço público prestado;
– É prestação instituída em Lei, não se originando no eventual acordo entre partes;
– É, por final, prestação cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada, o que nos remete ao Rule of Law, característica clássica dos governos democráticos, nos quais o agente competente age por intermédio de atribuições previamente estabelecidas (em Lei), com pouca ou nenhuma margem de discricionariedade.
Registra-se, ainda, que possuem competência tributária os Entes públicos, pessoas jurídicas aptas a implementar tais exações. É comum a todos os Entes a instituição de Taxas e Contribuições de Melhoria. Com relação às Contribuições Especiais, a maior parte é de competência da União, sendo as contribuições para a iluminação pública de competência dos municípios e as previdenciárias dos Estados e da União (as dos Estados associadas a seus regimes próprios e de seus servidores). Empréstimos Compulsórios são de competência exclusiva da União. Por fim, os impostos são instituídos por todos os Entes, sendo da União o imposto de renda, o imposto sobre a propriedade territorial rural, o imposto sobre produtos industrializados, o imposto sobre operações financeiras, os impostos de importação e exportação, os impostos extraordinários de guerra, os impostos sobre grandes fortunas e os residuais. Com relação aos Estados, os mesmos são competentes para instituir o imposto sobre circulação de mercadorias, o imposto sobre propriedade de veículos automotores e o imposto sobre transmissão causa mortis e doação. Compete aos municípios o imposto sobre a propriedade territorial urbana, o imposto sobre serviços de qualquer natureza e o imposto sobre a transmissão de bens imóveis.
Após as considerações gerais de nosso sistema tributário, passa-se à problemática do presente trabalho. Dados obtidos no site do CARF informam que, de 2011 a 2016, foram interpostos mais de 90.000 recursos administrativos contra autuações fiscais, que somam em torno de 704 bilhões de reais em discussão, o que representa alto percentual do PIB nacional (http://idg.carf.fazenda.gov.br/dados-abertos/processos-julgados-com-valor-ano-v2.pdf). Ora, esses são dados preocupantes, ainda mais se somados aos litígios nos 27 estados da federação e aos incontáveis litígios dos milhares de municípios existentes em nossa Federação, bem como embargos e repetições de indébito na esfera judicial. As execuções fiscais representam 32% das ações em trâmite no país, congestionando o já assoberbado Poder Judiciário (http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/03/2d53f36cdc1e27513af9868de9d072dd.pdf). É, sem sombra de dúvida, um quadro a ser analisado com prudência, razão pela qual se propõe um diagnóstico pelos fundamentos do sistema tributário nacional, quais sejam, os Princípios tributários, limitações ao poder de tributar e a observância dos mesmos pela máquina estatal. O pressuposto é o de que não se observa da forma adequada tais primados, o que se corrobora pela acentuada discussão jurisprudencial existente, seja pela própria evolução do direito tributário, seja pela inobservância de seus preceitos, tanto pelos contribuintes como pelos Estados.
3 PRINCÍPIOS DO DIREITO TRIBUTÁRIO
Princípios são os fundamentos das normas jurídicas, implícitos ou explícitos em diplomas legais, inspirando a criação das normas e instruindo o legislador a tal desiderato, razão pela qual devem ser observados quando da criação normativa, bem como na subseqüente interpretação das regras e sua aplicação. Nas palavras do doutrinador Miguel Reale,
“Princípios são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, a aplicação e integração ou mesmo para a elaboração de novas normas. São verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis.” (REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p 37.)
Importante ressaltar que os princípios não se confundem com preceitos de ordem moral, tampouco econômica. Já com relação à eclosão no sistema jurídico, temos que os princípios se originam a partir do processo legislativo, da atividade jurisdicional, dos usos e costumes e da prática de atos negociais. Ademais, frise-se que não há hierarquia entre os mesmos, de forma que a análise casuística se faz necessária para a aplicação de um ou de outro Princípio, modulando os mesmos conforme o caso concreto, conforme anota Alexy:
“(…) o que sucede é que, sob certas circunstâncias, um dos princípios precede o outro. Sob outras circunstâncias, a questão da precedência pode ser solucionada de maneira inversa. Isso é o que se quer dizer quando se afirma que nos casos concretos os princípios têm diferentes pesos e que prevalece o princípio com maior peso.” (ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madri: Cetro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 89)
É necessário, igualmente, diferenciar Princípios de Regras. Princípios são mandados de otimização, ou seja, aonde se deseja chegar, enquanto as Regras definem de que forma se chegará. As regras são normas dotadas de maior concretude, razão pela qual ocorre a subsunção, ou seja, há o enquadramento do fato perfeitamente à norma: é um sistema de tudo ou nada, ou seja, ou a aplicação da regra A, ou a aplicação da regra B. Princípios são dotados de maior abstração, onde se aplica, a seu turno, a ponderação, com o auxílio da Proporcionalidade (Escola Alemã de Exegese), eis que nem sempre as regras (leis) são justas. Adequação (quais são os meios utilizados para o atingimento dos fins almejados), Necessidade e Proporcionalidade em sentido estrito (juízo de peso) são os elementos da Proporcionalidade nesse ínterim. Há, a seu turno, a incidência múltipla de Princípios, ao contrário das regras. Mas, sobretudo, é necessária a análise casuística.
Por fim, resta assinalar que tal qual os demais ramos, o Direito tributário não é autônomo de forma absoluta, e sim relativa. Segundo Paulo de Barros Carvalho, a autonomia do Direito tributário seria “didática”, enquanto que para Alberto Xavier, a mesma seria “científica”. Entrementes há, sem sombra de dúvidas, comunicação entre os institutos tributários e demais institutos jurídicos encontrados nos diversos ramos do Direito. Essa comunicação é especialmente verificada com o Direito Constitucional e Administrativo. Não são raras às vezes em que um Princípio tributário decorre diretamente de outro, administrativo. E tal conexão com o Direito constitucional é fruto da própria mecânica hierárquica do sistema legal adotado pelo Brasil (Civil Law).
Há, por todo o exposto, inter-relações necessárias e decorrentes. O estudo dos primados e limitações tributários é tecnicamente mais apropriado mediante o confronto dos mesmos com os demais princípios encontrados nas demais áreas do Direito. Assim, tais primados se cristalizam como o norte ao operador do direito, como bem demonstra Hugo de Brito Machado:
“O princípio jurídico tem grande importância como diretriz para o hermeneuta. Na avaliação e na aplicação dos princípios jurídicos é que o jurista se distingue do leigo, que tenta interpretar a norma jurídica com conhecimento simplesmente empírico”. (Os Princípios Jurídicos da Tributação na Constituição de 1988, página 157)
3.1 Princípio da capacidade contributiva
O objetivo da Administração é o de dar caráter pessoal aos impostos, de forma a conferir efetividade em graduar os impostos segundo a capacidade econômica do contribuinte. Assim previu o legislador constituinte:
“CF, Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: (…)
§ 1º – Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”
Importante verificar que o §1º estipulou tal regra aos impostos, e não aos tributos em geral. Entrementes, sobreveio entendimento jurisprudencial no sentido de que se aplica tal primado a todos os tributos, conforme segue:
“IPVA. Progressividade. Todos os tributos submetem-se ao princípio da capacidade contributiva (precedentes), ao menos em relação a um de seus três aspectos (objetivo, subjetivo e proporcional), independentemente de classificação extraída de critérios puramente econômicos.” (RE 406.955 AgR, rel. min. Joaquim Barbosa, j. 4-10-2011, 2ª T, DJE de 21-10-2011.)
“[…] todos os impostos podem e devem guardar relação com a capacidade contributiva do sujeito passivo e não ser impossível aferir-se a capacidade contributiva do sujeito passivo do ITCD. Ao contrário, tratando-se de imposto direto, a sua incidência poderá expressar, em diversas circunstâncias, progressividade ou regressividade direta. Todos os impostos, repito, estão sujeitos ao princípio da capacidade contributiva, especialmente os diretos, independentemente de sua classificação como de caráter real ou pessoal; isso é completamente irrelevante. Daí por que dou provimento ao recurso, para declarar constitucional o disposto no art. 18 da Lei 8.821/1989 do Estado do Rio Grande do Sul.” (RE 562.045, rel. p/ o ac. min. Cármen Lúcia, voto do min. Eros Grau, j. 6-2-2013, P, DJE de 27-11-2013, com repercussão geral.)
Assim, temos que tal primado em comento se estende inclusive à COSIP, tributo sui generis que não se confunde com imposto, previsto ma Constituição Federal em seu artigo 149-A, conforme segue decisão do STF:
“Lei que restringe os contribuintes da Cosip aos consumidores de energia elétrica do município não ofende o princípio da isonomia, ante a impossibilidade de se identificar e tributar todos os beneficiários do serviço de iluminação pública. A progressividade da alíquota, que resulta do rateio do custo da iluminação pública entre os consumidores de energia elétrica, não afronta o princípio da capacidade contributiva. Tributo de caráter sui generis, que não se confunde com um imposto, porque sua receita se destina a finalidade específica, nem com uma taxa, por não exigir a contraprestação individualizada de um serviço ao contribuinte. Exação que, ademais, se amolda aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade”. (RE 573.675, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 25-3-2009, P, DJE de 22-5-2009, com repercussão geral.) (grifei)
Como decorrência de tal postulado, temos que os impostos terão, sempre que possível, caráter pessoal. Dessa forma, almeja-se a construção de uma linha progressiva de tributação, face às características pessoais dos contribuintes. Esse objetivo almejado pelo legislador constitucional encontra amparo na solidariedade social, na justiça e igualdade entre contribuintes que se encontrem em igual situação. Já dizia Aliomar Baleeiro, nesse sentido, que “na consciência contemporânea de todos os povos civilizados, a justiça do imposto confunde-se com a adequação deste ao princípio da capacidade contributiva.” (Uma introdução à Ciência das Finanças, página 383).
A regra da capacidade contributiva se aplica, em princípio, ao impostos pessoais. Impostos Pessoais são aqueles em que a hipótese de incidência leva em consideração as características subjetivas do contribuinte, exemplificados pela lista que segue:
– IR (CF 153, III)
– IGF (CF 153, VII)
Impostos Reais são decorrentes de Fatos Geradores relacionados a um fato, ou estado de um fato, independente do aspecto pessoal do contribuinte. Segue lista exemplificativa:
– II (CF 153, I);
– IE (CF 153, II);
– IPI (CF 153, IV);
– IOF (CF 153, V);
– ITR (CF 153, VI);
– IEG (CF 154, II);
– ITCMD (CF 155, I);
– ICMS (CF 155, II);
– IPVA (CF 155, III);
– IPTU (CF 156, I);
– ITBI (CF 156, II);
– ISS (CF 156, III).
Apesar de serem Reais, os tributos que assim se caracterizam podem, sempre que possível, ser modulados de acordo com elementos subjetivos, relativos ao contribuinte do tributo em pauta. Assim ocorre com o IPTU, e.g. que apesar de Real, pode ser mitigado em razão de características individuais do proprietário do imóvel, a exemplo do que é estipulado pela maioria das leis municipais que instituem este imposto, nas quais há previsão de isenções ou menores alíquotas para contribuintes que apresentem certas características pessoais elencadas pelos Edis como satisfatórias à concessão dos benefícios referidos. Assim, o IPTU, apesar de ser imposto Real, também terá caráter progressivo (característica típica dos impostos Pessoais). Para tanto, a CF estabeleceu a política de Desenvolvimento Urbano (art. 156, §1º), objetivando o desestímulo à subutilização de terrenos urbanos, via progressividade de tal imposto. Configura-se, dessa forma, exceção à Progressividade vinculada aos impostos Pessoais. Vejamos o dispositivo suprarreferido:
“CF, art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
§ 1º – Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:
I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; e
II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel”.
Da inteligência do artigo supracitado, concluímos pela existência de Progressividade Fiscal facultativa, e de Progressividade Punitiva, igualmente facultativa, a serem previstas nas leis municipais que instituam o IPTU. Não obstante a previsão de progressividade do IPTU, cabe alertar para jurisprudência do STF no sentido de que tal primado se aplica apenas à cobrança posterior à Emenda Constitucional 29/2000 (que acrescentou o §1º ao artigo 156, conforme segue:
“IPTU. Incidência de alíquotas progressivas até a EC 29/2000. Relevância econômica, social e jurídica da controvérsia. Reconhecimento da existência de repercussão geral da questão deduzida no apelo extremo interposto. Precedentes desta Corte a respeito da inconstitucionalidade da cobrança progressiva do IPTU antes da citada emenda. Súmula 668 deste Tribunal. Ratificação do entendimento”. (AI 712.743 QO-RG, rel. min. Ellen Gracie, j. 12-3-2009, P, DJE de 8-5-2009, com repercussão geral.)
Assim, concluímos pela possibilidade de aplicação do primado da capacidade contributiva também em relação aos impostos reais. Em consonância a este entendimento, temos a possibilidade de progressividade relativamente ao ITCMD (RE 562.045 – STF), ao IPVA (RE 406.955 – STF) e ao IPTU (RE 586.693 – STF), conforme segue:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. LEI ESTADUAL: PROGRESSIVIDADE DE ALÍQUOTA DE IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO DE BENS E DIREITOS. CONSTITUCIONALIDADE. ART. 145, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRINCÍPIO DA IGUALDADE MATERIAL TRIBUTÁRIA. OBSERVÂNCIA DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. É constitucional a fixação de alíquota progressiva para o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação — ITCD (RE 562045/RS, RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Julgamento em 06/02/2013)
AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE DE VEÍCULOS AUTOMOTORES. IPVA. PROGRESSIVIDADE. 1. Todos os tributos submetem-0se ao princípio da capacidade contributiva (precedentes), ao menos em relação a um de seus três aspectos (objetivo, subjetivo e proporcional), independentemente de classificação extraída de critérios puramente econômicos. 2. Porém, as razões não deixam entrever a má utilização de critérios como essencialidade, frivolidade, utilidade, adequação ambiental etc. Considerado este processo, de alcance subjetivo, a alegação de incompatibilidade constitucional não pode ser genérica. 3. Em relação à fixação da base de cálculo, aplicam-se os mesmos fundamentos, dado que o agravante não demonstrou a tempo e modo próprio a inadequação dos critérios legais adotados. Agravo regimental ao qual se nega provimento. (RE 406.955/MG, Relator Min. Joaquim Barbosa, Julgamento em 04/10/2011)
IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO – PROGRESSIVIDADE – FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE – EMENDA CONSTITUCIONAL N] 29/2000 – LEI POSTERIOR. Surge legítima, sob o ângulo constitucional, lei a prever alíquotas diversas, presentes imóveis residenciais e comerciais, uma vez editada após a Emenda Constitucional nº 29/2000.” (RE 586.693/SP, Relator Min. Marco Aurélio, Julgamento em 25/05/2011)
Já com relação ao ITBI, restou sumulado pelo STF que não se aplica a progressividade de alíquotas pela capacidade contributiva do contribuinte, tendo por base o valor venal do imóvel (Súmula 656).
Por último, cabe frisar a necessidade da observância, pela Administração Pública, dos direitos e garantias individuais dos contribuintes quando da aplicação do princípio da capacidade contributiva, como bem assevera o §1º do artigo 145, o que foi inclusive matéria julgada nesse sentido pelo STF, conforme segue:
“Fiscalização tributária. Apreensão de livros contábeis e documentos fiscais realizada, em escritório de contabilidade, por agentes fazendários e policiais federais, sem mandado judicial. Inadmissibilidade. Espaço privado, Não aberto ao público, Sujeito à proteção constitucional da Inviolabilidade domiciliar (CF, art. 5º, XI). Subsunção ao conceito normativo de "casa". Necessidade de ordem judicial. Administração pública e fiscalização tributária. Dever de observância, por parte de seus órgãos e agentes, dos limites jurídicos impostos pela constituição e pelas leis da República. Impossibilidade de utilização, pelo Ministério Público, de prova obtida com transgressão à garantia de inviolabilidade domiciliar. Prova ilícita. Inidoneidade jurídica (…). Administração tributária. Fiscalização. Poderes. Necessário respeito aos direitos e garantias individuais dos contribuintes e terceiros. Aos direitos e garantias individuais dos contribuintes e de terceiros. Não são absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da administração tributária, pois o Estado, em tema de tributação, inclusive em matéria de fiscalização tributária, está sujeito à observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral. Na realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias individuais, limites intransponíveis, cujo desrespeito pode caracterizar ilícito constitucional. A administração tributária, por isso mesmo, embora podendo muito, não pode tudo. É que, ao Estado, é somente lícito atuar, "respeitados os direitos individuais e nos termos da lei" (CF, art. 145, § 1º), consideradas, sobretudo, e para esse específico efeito, as limitações jurídicas decorrentes do próprio sistema instituído pela Lei Fundamental, cuja eficácia – que prepondera sobre todos os órgãos e agentes fazendários – restringe-lhes o alcance do poder de que se acham investidos, especialmente quando exercido em face do contribuinte e dos cidadãos da República, que são titulares de garantias impregnadas de estatura constitucional e que, por tal razão, não podem ser transgredidas por aqueles que exercem a autoridade em nome do Estado. A garantia da inviolabilidade domiciliar como limitação constitucional ao poder do Estado em tema de fiscalização tributária. Conceito de "casa" para efeito de proteção constitucional. Amplitude dessa noção conceitual, que também compreendem os espaços privados não abertos ao público, onde alguém exerce atividade profissional: necessidade, em tal hipótese, de mandado judicial (CF, art. 5º, XI).” (HC 93.050, rel. min. Celso de Mello, j. 10-6-2008, 2ª T, DJE de 1º-8-2008.) (grifei)
3.2 Princípio da legalidade tributária
Corolário do Princípio Constitucional da Legalidade, a Legalidade Tributária diz respeito à limitação relativa à instituição e à majoração de tributos. É a materialização da máxima “no taxation without representation”, que remonta ao século XVII, preconizado como uma das maiores causas à revolução americana, um sentimento central articulado por John Hampden em seu célebre enunciado “What an English King has no right to demand, na English subject has a right to refuse”, ou seja, não pode o Poder Executivo demandar algo desprovido de autorização, esta concedida pelo Poder Legislativo. A previsão constitucional se encontra no artigo 150, como segue:
“CF, art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;”
O Princípio da Legalidade Tributária é decorrente da Legalidade Negativa, prevista na Constituição Federal, art. 5º, II, no qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” e da Legalidade Positiva, insculpida no art. 37, caput, onde se prevê que “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”, resultando na Tipicidade Tributária, que demanda lei para exigir ou aumentar tributos.
Aqui se torna oportuna a diferenciação entre normas primárias e normas secundárias. O CTN em seu artigo 96 dispõe que a legislação tributária compreende as normas ordinárias e as normas complementares, de forma que qualquer norma tributária, seja qual for sua hierarquia, integrará a legislação tributária. Assim, temos as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares integrando a legislação tributária. Segundo Alexandre de Moraes, “A enumeração do art. 59 da Constituição Federal, traz as espécies normativas primárias, ou seja, aquelas que retiram seu fundamento e validade diretamente da Carta Magna” (Direito Constitucional, 24ª Ed., página 660). São elas as leis ordinárias, as leis complementares, as leis delegadas, as medidas provisórias, os decretos legislativos e as resoluções, observando-se que todos possuem a mesma hierarquia.
As fontes formais primárias (CTN 97 e 98) (leis, tratados e convenções internacionais) têm o poder de inovar no mundo jurídico, criando direitos e obrigações, o que não ocorre com as fontes formais secundárias (CTN 100) (atos normativos, decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas e convênios que entre si celebram a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios), estas últimas qualificadas como normas complementares, que não introduzem normas inéditas no sistema jurídico, não inovando a ordem jurídica, apenas acrescentando normas ao esquema jurídico já organizado. Normas complementares em desacordo com a lei são nulas: se as mesmas contrariarem a lei, os contribuintes que porventura observarem tais normas ficam protegidos de quaisquer encargos decorrentes de tributos não recolhidos, por exemplo.
Importante observar que os decretos, qualificados como atos administrativos, tem o seu conteúdo e alcance restritos aos das leis (CTN 99), e deverão ser observados pelas normas complementares (CTN 100). Exceção que se faz aos famigerados decretos autônomos (CF 84, VI). O decreto autônomo (antigo decreto-lei, este último substituído pelas medidas provisórias) é uma espécie normativa que vem perdendo força, e segundo a Constituição Federal é veículo da competência do Presidente da República para dispor sobre a organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos e para dispor sobre a extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos. Segundo Bandeira de Mello,
“[…] é claro que a disciplina resultante do exercício desta competência não poderá implicar imposição a terceiros de obrigações de fazer ou deixar de fazer, pois a tanto de oporia ao art. 5º, II, já mencionado. Logo, o que o art. 84 VI faculta é que o Executivo proceda no interior dos esquemas já legalmente traçados de maneira genérica, quer no que atina a competências, quer no que atina à organização básica na lei formulada, a ulteriores subdivisões.” (Curso de Direito Administrativo, página 103-104)
Importante destacar que, a despeito de operarem na ausência de lei, os decretos autônomos não são diplomas aptos a versar sobre relações tributárias, dado o campo material previsto para os mesmos como acima mencionado.
Percebe-se que, apesar de a estrutura legal ser piramidal, com a Constituição Federal no topo irradiando os mandamentos para o restante do sistema normativo, é praxe na administração pública, especialmente nos Fiscos e administrações tributárias, a observância de Instruções Normativas, atos administrativos circunscritos à Lei. Tais veículos normativos tratam de forma mais imediata as situações fáticas corriqueiras perante as quais a Administração pública se depara: ocorre que, invertendo-se a pirâmide normativa, e com isso se observando primeiramente tais atos administrativos para depois se observar os veículos hierarquicamente superiores, abre-se temerária margem de irregularidades, situação na qual o controle jurisdicional é fundamental à apreciação de eventuais transgressões ao Princípio da Legalidade.
Pelo Princípio do Paralelismo das Formas, a exigência de Lei para a majoração de tributos traz ínsito o mesmo requisito para a respectiva redução. É que a Separação dos Poderes (CF 2º) é um postulado consagrado na Carta Magna e, sendo assim, se cabe ao Poder Legislativo a função de instituir o tributo, o mesmo Poder deverá ser o titular de tal competência, no caso de alterações ulteriores.
Importante destacar que a instituição e extinção de tributos não possuem exceções quanto à forma: Lei é necessária para ambos os casos. Já no que diz respeito às modificações na alíquota do tributo, a sua perfectibilização pode ou não se dar via Lei. As exceções são as seguintes:
– II (Imposto sobre Importação) (CF 153 I);
– IE (Imposto sobre Exportação) (CF 153, II);
– IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) (CF 153, IV);
– IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) (CF 153, V);
– CPMF (CF ADCT 74);
– CIDE-Combustíveis (CF 177, §4, I, b);
– ICMS-Monofásico-Combustíveis (CF 155, §4º, IV).
O motivo para que o rol de impostos acima descrito seja manipulável via mecanismos infralegais (alterações como majoração ou diminuição via atos administrativos) reside no fato de que os mesmos são considerados Extrafiscais. Os tributos podem ser classificados quanto à sua finalidade, sendo Fiscais ou Extrafiscais. Tributos Fiscais são aqueles de cunho arrecadatório, que são instituídos com a intenção de carrear recursos aos cofres públicos, tão somente. Já tributos Extrafiscais são aqueles que possuem finalidade regulatória, principalmente, no sentido de que o Estado possa interferir no mercado e na Economia por intermédio da tributação. Os tributos Extrafiscais, apesar de possuírem finalidade que não a arrecadatória, podem eventualmente se revelarem de grande importância/significância no campo da arrecadação, tal qual ocorre com o IPI, que originalmente fora previsto como um tributo a ser instituído para regulação do mercado e da inflação: com o tempo, porém, passou a ser um dos tributos de maior arrecadação no País (o que ocasionou a inserção de algumas regras limitadoras no seu trato, por conta de tal fenômeno observado).
Pois bem, dado o exposto, temos então que os tributos Extrafiscais mereceram trato diferenciado pelo Legislador Constitucional, no sentido de que os mesmos são exceções ao uso estrito de Lei para alterações no quantum debeatur dos impostos. O motivo é claro: se tais tributos acima relacionados (II, IE, IPI, IOF, CIDE-Combustíveis e ICMS-Monofásico-Combustíveis) se prestam à regulação do mercado, e tais intervenções no mais das vezes requerem rapidez (como no caso de controle a surtos inflacionários), a utilização do processo legislativo (CF 64 ao 67) tornaria inócuo o caráter Extrafiscal suprarreferido, pois a edição de Lei, pelo Poder Legislativo, é um processo desprovido da necessária agilidade no trato de questões emergenciais. Em sendo assim, faculta-se a utilização, pelo Poder Executivo, de atos administrativos (como Decretos e Portarias) para as requeridas alterações nas alíquotas de tais impostos.
Com relação à extinta CPMF, que era tributo Fiscal (de finalidade arrecadatória), sua presença entre as exceções ao Princípio da Legalidade Tributária se deu pelo fato de a mesma ser cumulativa, o que ocasionava, em potencial, efeitos inflacionários indesejados na Economia. O Poder Executivo, dessa forma, e similarmente aos demais tributos alteráveis via atos administrativos, podia intervir na CMPF, alterando-a por atos infralegais, regulando os efeitos da mesma no mercado.
Cabe, ainda, a visualização de tal Princípio no CTN.
“CTN, art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
I – a instituição de tributos, ou a sua extinção;
II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;
III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;
IV – a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;
V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;
VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.
§ 1º – Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.
§ 2º – Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.”
A ressalva do inciso II do artigo suprarreferido é relativa às alterações do Imposto sobre a Importação (II) (art. 19 c/c art. 21), do Imposto sobre a Exportação (IE) (art. 23 c/c art. 26), do Imposto sobre a transmissão de bens Imóveis e de direitos a eles relativos (ITBI) (art. 39) (neste último caso, tal regra não foi recepcionada, pois as alterações das alíquotas do ITBI não são exceção ao Princípio da Legalidade), do Imposto estadual sobre operações relativas à circulação de mercadorias (ICMS) (art. 57 – revogado) e do Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, e sobre operações relativas a títulos e valores mobiliários (IOF) (art. 63 c/c art. 65).
A ressalva do inciso III foi revogada em 1968, pois para os impostos exige-se lei complementar (CF 146, III, a). A revogação foi feita pela edição do Decreto-Lei 406.
Com relação ao inciso IV, somente por Lei poderá ser fixada alíquota de tributo, bem como sua base de cálculo. São ressalvas a tal regra o imposto de Importação (II) (art. 19 c/c art. 21), o imposto de Exportação (IE) (art. 23 c/c art. 26), o Imposto sobre a transmissão de bens Imóveis e de direitos a eles relativos (ITBI) (art. 39) (neste último caso, novamente, tal regra não foi recepcionada, pois as alterações das alíquotas do ITBI não são exceção ao Princípio da Legalidade), o Imposto estadual sobre operações relativas à circulação de mercadorias (ICMS) (art. 57 – revogado) e o Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, e sobre operações relativas a títulos e valores mobiliários (IOF) (art. 63 c/c art. 65).
A regra disposta no inciso V diz respeito às penalidades, ou seja, parcelas devidas em decorrência do dever de recolher tributos, e não o tributo em si, uma vez que o próprio art. 3º do CTN diferencia tributos de penalidades. A exigência de lei para o estabelecimento de penalidades é mera decorrência do Princípio da Legalidade Negativa, Positiva e da Tipicidade Tributária, como visto anteriormente.
Já a regra explicitada no inciso VI versa sobre as hipóteses de Exclusão, Suspensão e Extinção de créditos tributários ou dispensa ou redução de penalidades. Ou seja, somente por Lei é possível determinar as hipóteses para tas eventos. Suspensão do crédito tributário é evento previsto no CTN 151, no qual se impede a propositura de Execução Fiscal de tal crédito (lembrando que o crédito constituído se reveste de exigibilidade, restando a exeqüibilidade apenas quando do ajuizamento de Execução Fiscal). Na Suspensão, desta forma, é possível o lançamento para a constituição do crédito, tornado exigível a obrigação tributária, mas não exequível. Este evento está adstrito ao Princípio da Legalidade (CTN 97, VI), se interpreta literalmente (CTN 11, I) e possui rol exaustivo (CTN 141), operado pela moratória, pelo depósito do montante integral, pelas reclamações e pelos recursos, pela concessão de medida liminar em mandado de segurança, pela concessão de medida liminar ou de tutela antecipada em outras espécies de ação judicial e pelo parcelamento. Já a Extinção é evento que, pelo próprio nome se conclui, extingue o crédito tributário (CTN 156). Possui rol taxativo, está adstrita ao Princípio da Legalidade (CTN 97, VI) e possui rol exaustivo (CTN 141), operada pelo o pagamento, compensação, transação, remissão, prescrição e a decadência, conversão de depósito em renda, pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º, consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo 164, decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória, decisão judicial passada em julgado e pela a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei. Por último a exclusão (CTN 175), evento impeditivo do lançamento, caracterizada popularmente como uma dispensa do pagamento. É balizada pelo Princípio da Legalidade (CTN 97, VI c/c CF 150, §6º), pela interpretação literal (CTN 11, I), tendo rol exaustivo (CTN 141) e determinada por lei específica (CF 150, §6º). Como formas de exclusão temos a isenção e a anistia.
Pela inteligência do artigo 97 do CTN, adicionamos mais uma exceção à Legalidade Tributária: a Atualização Monetária (CTN 97, §2º). Tal atualização tem como limite o índice oficial. Os estados-membros dispõem de competência para fixar índices de correção monetária de créditos fiscais, desde que o fator de correção utilizado seja igual ou inferior ao utilizado pela União. Assim decidiu o STF:
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 113 DA LEI N. 6.374, DE 1º DE MARÇO DE 1.989, DO ESTADO DE SÃO PAULO. CRIAÇÃO DA UNIDADE FISCAL DO ESTADO DE SÃO PAULO – UFESP. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA PELO ÍNDICE DE PREÇO AO CONSUMIDOR – IPC. UNIDADE FISCAL DO ESTADO DE SÃO PAULO COMO FATOR DE ATUALIZAÇÃO DOS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. ARTIGO 24, INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO. 1. Esta Corte, em oportunidades anteriores, firmou o entendimento de que, embora os Estados-membros sejam incompetentes para fixar índices de correção monetária superiores aos fixados pela União para o mesmo fim, podem defini-los em patamares inferiores — incentivo fiscal. Precedentes. 2. A competência dos Estados-membros para fixar índices de correção monetária de créditos fiscais é tema que também foi examinado por este Tribunal. A União e Estados-membros detêm competência legislativa concorrente para dispor sobre matéria financeira, nos termos do disposto no artigo 24, inciso I, da CB/88. 3. A legislação paulista é compatível com a Constituição de 1988, desde que o fator de correção adotado pelo Estado-membro seja igual ou inferior ao utilizado pela União. 4. Pedido julgado parcialmente procedente para conferir interpretação conforme ao artigo 113 da Lei n. 6.374/89 do Estado de São Paulo, de modo que o valor da UFESP não exceda o valor do índice de correção dos tributos federais”. (ADI 442, Min. Rel. Eros Grau. Tribunal Pleno, julgamento em 14/04/2010, DJE 27/05/2010)
O STF entende também que as alterações no prazo para pagamento do tributo também são exceções ao Princípio em comento. Ou seja, caso o Poder Executivo deseje antecipar a data de adimplemento de um crédito tributário, dentro de um mesmo mês ou competência, poderá fazê-lo por portaria, decreto, resolução, etc. É que o crédito, constituído por lei, permanece o mesmo: a relação jurídico-tributária travada não foi modificada, apenas o momento do desembolso. Assim decidiu o Supremo Tribunal Federal:
“DIREITO CONSTITUCIONAL, TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. PIS. FINSOCIAL. PRAZO DE RECOLHIMENTO. ALTERAÇÃO PELA LEI Nº 8.218, DE 29.08.91. ALEGADA CONTRARIEDADE AO ART. 195, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. Examinando questão idêntica, decidiu a 1ª Turma: "Improcedência da alegação de que, nos termos do art. 195, § 6º, da Constituição, a lei em referência só teria aplicação sobre fatos geradores ocorridos após o término do prazo estabelecido pela norma. A regra legislativa que se limita simplesmente a mudar o prazo de recolhimento da obrigação tributária, sem qualquer repercussão, não se submete ao princípio da anterioridade. Recurso extraordinário conhecido e provido". 2. Precedentes de ambas as Turmas, nos quais têm sido rejeitados os argumentos em contrário, ora renovados pela agravante. 3. Agravo improvido”. (RE 274.949-AgR, Rel. Min. Sydney Sanches, julgamento em 13-11-2001, Primeira Turma, DJ de 1º-2-2002.)
No mesmo sentido, sumulado o entendimento de que o prazo de recolhimento de tributos pode ser estipulado por ato infralegal e dentro do mesmo exercício financeiro:
“SÚMULA STF 669 – Norma legal que altera o prazo de recolhimento da obrigação tributária não se sujeita ao princípio da anterioridade.”
Ou seja, para a Suprema Corte, as matérias não constantes no artigo 97 do CTN não estão abrangidas pelo Princípio da Legalidade (interpretação a contrario senso), o que ocorre com o prazo para pagamento.
Também como exceção ao Primado da Legalidade, temos o CTN 113, in verbis:
“CTN, art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.
§ 1º – A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.
§ 2º – A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.” (grifei)
A Obrigação tributária principal (pagamento de tributos) (obrigação patrimonial) decorre de Lei, exclusivamente, eis que surge com a ocorrência do fato gerador, e este último é circunscrito àquele veículo legal. Já a Obrigação acessória (obrigação não patrimonial) é relativizada, pois admite previsão hipotética na “Legislação tributária”, que comporta não só a Lei, mas outros veículos infralegais, como atos administrativos. É que tal acessoriedade (prestações positivas ou negativas) não se configura como elemento nuclear da relação tributária, papel este reservado ao Fato Gerador, Base de Cálculo e Contribuinte. Assim, a Obrigação acessória cumpre um papel complementar, na medida em que assegura o cumprimento regular da Obrigação principal. Logo, admite-se sua veiculação via atos infralegais.
Outro ponto pertinente é a veiculação das medidas legais pela via ordinária ou complementar. Em regra, a utilização de Lei é pela via Ordinária (Lei Ordinária), quando o assunto é Direito Tributário. Ocorre que, em alguns casos, Lei Complementar é requerida. Apesar de não haver hierarquia entre Lei Ordinária e Lei Complementar, há duas diferenças básicas entre ambas: a primeira diz respeito à reserva temática, ou seja, certos assuntos só poderão ser tratados via Lei complementar, de acordo com a previsão constitucional, para que o Princípio da pertinência temática seja aguçado; a segunda é relativa ao quórum de aprovação de ambas, sendo de maioria simples o da Lei Ordinária (CF 47) e de maioria absoluta o da Lei Complementar (CF 69). Lei complementar é necessária nos seguintes casos:
– Regulação dos conflitos de competência (CF 146, I) (mesmo que tais conflitos de Competência logicamente não devam existir, eis que as competências são delineadas pela CF);
– Limitações ao poder de tributar (CF 146, II) (A Lei Complementar irá apenas regular as Limitações, constitucionalmente previstas, jamais inovando nessa área, uma vez que atos infraconstitucionais não podem invadir áreas restritas à CF) (exceções admitidas pelo STF: Leis Ordinárias 9532/97 e 8212/91);
– Estabelecimento de normas gerais (CF 146, III) (disposições que complementam o texto constitucional, dando significado objetivo a expressões empregadas pela constituição federal), especialmente sobre:
– definição dos Fatos Geradores, Bases de Cálculo e Contribuintes para impostos;
– obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
– adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas;
– definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239, tudo da Constituição Federal.
– Estabelecimento de critérios especiais de tributação (CF 146-A), com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo.
É exigida Lei complementar, igualmente, para a instituição dos seguintes tributos:
– ECG (Empréstimo Compulsório) (CF 148);
– IGF (Imposto sobre Grandes Fortunas) (CF 153, VII);
– IRES (Impostos Residuais) (CF 154, I);
– CRES (Contribuições Residuais) (CF 195, §4º).
Importante observar que alguns autores, como Amaro, definem como instrumento normativo a lei ordinária, e não complementar, para fins da CF 195, §4º, como segue:
“A lei a que se refere o § 4º do art. 195 é a lei ordinária e não a lei complementar. A lei (ordinária), ali prevista, precisa respeitar as mesmas condicionantes a que a lei complementar, exigida pelo art. 154, I, deve obediência (a primeira, na criação de contribuições com base em "outras fontes"; e a segunda, na instituição de impostos residuais). O veículo normativo (lei) já está referido no art. 195, §4º, valendo a remissão ao art. 154, I, para o efeito de vedar a cumulatividade e a usurpação de fato gerador ou base de cálculo de impostos discriminados na Constituição”. (AMARO, Luciano. Direito Tributário, pg. 77) (grifei)
Nesse ínterim, observa-se que o CTN, de acordo com a Constituição Federal (CF 146, III), tem força de lei complementar: ocorre que o mesmo foi promulgado como lei ordinária em 1966, sob a égide da Constituição de 1946, que demandava tal espécie de lei para tanto, até porque a lei complementar é diploma que começou a existir a partir da Constituição de 1967, um ano após a promulgação do CTN. Assim, para que haja harmonia entre as normas anteriores às Constituições elaboradas, dá-se o fenômeno da recepção, a partir do qual o CTN, apesar de formalmente ser uma lei ordinária, é tratado materialmente como lei complementar, desde 1967, podendo ser alterado somente por idêntico diploma legal.
Outro veículo normativo existente e pertinente à área tributária é a Medida Provisória. Prevista no art. 62 da Constituição Federal, a mesma é cabível em caso de relevância e urgência, possuindo força de lei (mas não o sendo, importante frisar-se), submetida à aprovação do Congresso, perdendo seus efeitos, ex tunc, se não for convertida em lei no prazo de 60 dias, prorrogáveis por igual período (CF 62, §3º). No que se refere à sua adoção no campo tributário, a discussão é grande. Primeiramente cabe frisar que quanto à adoção das mesmas para alteração de tributos não há o que se discutir, eis que o artigo 62, §2º da Constituição Federal prevê tal possibilidade. A regra do §2º tem ênfase no Princípio da Não-surpresa (anterioridade ordinária tributária), ditando que as alterações promovidas em tributos via Medida Provisória só produzirão efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada, exceção feita ao II (CF 153, I), ao IE (CF 153, II), ao IPI (CF 153, IV), ao IOF (CF 153, V) e ao IEG (CF 154, II), pois se tratam de tributos Extrafiscais (que atuam em situações sociais ou econômicas) e possuem maior flexibilidade com relação aos critérios para suas modificações. No que tange à instituição de impostos, em tese é possível a utilização de Medida Provisória para tanto, exceto aqueles que requeiram a edição de lei complementar (CF 62, §1º, III).
Ainda sobre o Princípio da Legalidade, cabe a menção aos Tratados e as Convenções internacionais (CTN 98). Pelo princípio da especialidade, tais diplomas revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha, não criando tributos, apenas os autorizando, dentro dos limites que estabelecem. A discussão sempre girou em torno da possibilidade ou não de uma lei posterior ao Tratado alterar o mesmo. Para Amaro, não há revogação de lei por Tratado, e sim a prevalência do Princípio da Especialidade, como afirma o tributarista:
“(…) em vez de revogar a lei interna, o tratado cria (nas situações por ele previstas e em relação aos países com os quais foi firmado) exceções à aplicação da lei interna, cuja revogação (das exceções) restabelece a lei interna (…) Mesmo quando o art. 98 menciona a "modificação" da lei interna pelo tratado, não se deve entender a hipótese como de revogação parcial. Trata-se, como dissemos, de norma especial (que convive com a geral), tanto que, nesse sentido, ela tem a virtude de afetar também a norma de lei interna posteriormente editada, o que, evidentemente, não poderia ser chamado de revogação. O conflito entre a lei interna e o tratado resolve-se, pois, a favor da norma especial (do tratado), que excepciona a norma geral (da lei interna), tornando-se indiferente que a norma interna seja anterior ou posterior ao tratado”. (Direito Tributário, página 204)
Aliás, para Amaro, nem caberia a discussão, via lei (CTN) se um Tratado se incorpora automaticamente ao ordenamento jurídico interno (visão monista) ou se é necessária a conversão do mesmo em norma interna (visão dualista), pois “A eficácia dos tratados e sua inserção no ordenamento jurídico nacional é questão de natureza constitucional” (Direito Tributário, página 206). O tema, entrementes, não é pacífico, nem mesmo no STF. De acordo com a Suprema Corte, o Tratado Internacional pode adquirir posição hierárquica idêntica à de uma lei ordinária, podendo ser disciplinado por outra lei ordinária, ou mesmo revogado por ela, ou seja, há a possibilidade de a lei interna superveniente poder dispor em sentido contrário ao de norma de tratado, eis que o tratado ocuparia o mesmo nível hierárquico da lei ordinária da União. Desta forma, a ulterior edição de lei federal inconciliável com o tratado implicaria revogação deste: no plano interno ter-se-ia uma denúncia do diploma internacional, e no plano externo a sujeição a sanções previstas no Tratado. Esse entendimento foi esposado na forma que segue:
“PARIDADE NORMATIVA ENTRE ATOS INTERNACIONAIS E NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS DE DIREITO INTERNO. Os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa. Precedentes. No sistema jurídico brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia hierárquica sobre as normas de direito interno. A eventual precedência dos tratados ou convenções internacionais sobre as regras infraconstitucionais de direito interno somente se justificará quando a situação de antinomia com o ordenamento doméstico impuser, para a solução do conflito, a aplicação alternativa do critério cronológico ("lex posterior derogat priori") ou, quando cabível, do critério da especialidade. Precedentes.” (ADI 1480/DF, Relator Min. CELSO DE MELLO, Julgamento 26 de Junho de 2001)
O entendimento acima segue a linha da primazia da ordem cronológica, abordada pelo STF no extrato da RTJ que segue:
“PARIDADE NORMATIVA ENTRE LEIS ORDINÁRIAS BRASILEIRAS E TRATADOS INTERNACIONAIS – TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS. Tendo-se presente o sistema jurídico no Brasil (RTJ 83/809), guardam estrita relação de paridade normativa com as leis ordinárias editadas pelo Estado brasileiro. A normatividade emergente dos tratados internacionais, dentro do sistema jurídico brasileiro, permite situar esses atos de direito internacional público, no que concerne à hierarquia das fontes, no mesmo plano e no mesmo grau de eficácia em que se posicionam as leis internas do Brasil. A eventual precedência dos atos internacionais sobre as normas infraconstitucionais de direito interno brasileiro somente ocorrerá, presente o contexto de eventual situação de antinomia com o ordenamento doméstico, não em virtude de uma inexistente primazia hierárquica, mas, sempre, em face da aplicação do critério cronológico (lex posterior derogat priori) ou, quando cabível, do critério da especialidade. Precedentes.” (STF RTJ 064/420-421)
A despeito dos julgados suprarreferidos, a própria Suprema Corte, em 2011, se manifestou de forma diversa, qual seja, a de que os tratados internacionais possuem preponderância frente à legislação infraconstitucional. Em voto do ministro Gilmar Mendes, assim ficou assentado que:
“Portanto, parece evidente que a possibilidade de afastar a aplicação de normas internacionais tributárias por meio de legislação ordinária (treaty override), inclusive no âmbito estadual e municipal, está defasada com relação às exigências de cooperação, boa-fé e estabilidade do atual cenário internacional e, sem sombra de dúvidas, precisa ser refutada por esta Corte. Como enfatizei no voto do RE 466.343/SP, o texto constitucional admite a preponderância das normas internacionais sobre normas infraconstitucionais e claramente remete o intérprete para realidades normativas diferenciadas em face da concepção tradicional do direito internacional público.” (RE 460.320/PR, Relator: ministro Gilmar Mendes, Plenário, julgamento em 31/08/2011)
Dado o exposto, temos que não resta pacificado o tema, qual seja, o da existência ou não de hierarquia de tratados internacionais perante as leis de âmbito interno, restando observar o último entendimento conforme exposto acima.
Ainda sobre tal norma ordinária, cabe menção à possibilidade de por ela se operar isenções, conforme o STF no julgado que segue:
“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS. ICMS. NÃO INCIDÊNCIA. IMPORTAÇÃO DE BACALHAU. ISENÇÃO DE TRIBUTO ESTADUAL PREVISTA EM TRATADO INTERNACIONAL FIRMADO PELA UNIÃO. INCISO III DO ART. 151 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE ISENÇÃO HETERÔNOMA. 1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 229.096, firmou entendimento de ser legítimo à União, no campo internacional, dispor sobre a isenção de impostos da competência estadual. 2. Agravo regimental desprovido.” (RE 234662/BA, Primeira Turma, Relator Min. CARLOS BRITTO, DJe-218 DIVULG 19-11-2009 PUBLIC 20-11-2009)
3.3 Princípio da isonomia tributária
O Princípio da Isonomia Tributária é previsto na Constituição Federal em seu artigo 150, inciso II, conforme segue:
“CF, art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;”
Aqui temos uma particularização do Princípio da Igualdade insculpido no artigo 5º, caput, da Constituição Federal, abaixo transcrito;
“CF, art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”:
Cabe pontuarmos que a isonomia no Brasil é tema relativizado. A Doutrina entende que "tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que eles se desigualam" seria a síntese do primado da igualdade, sendo o mesmo ecoado em nosso país pela famosa “Oração ao Moços” de Rui Barbosa. A origem de tal primado nos remete a Aristóteles. Esse é o fundamento que orienta o Estado a agir de forma ativa, e não passiva, na busca pelo trato isonômico de todos.
Como decorrência de tal Princípio, eclode a Proibição da Concessão de Privilégios Odiosos. É bom lembrar que, ainda há pouco tempo, tínhamos em sede de legislação infraconstitucional, previsão de tratamento diferenciado a certas categorias de profissionais, face a determinados tributos. Tais classes profissionais, devido ao prestígio de seus serviços ou a importância dos mesmos, foram agraciadas com privilégios fiscais, outrora. Ocorre que a CF 88 vedou, expressamente, tais concessões. Ora, essa é uma clara intervenção do legislador constitucional em busca da clarificação das relações jurídicas, na medida em que não se deve subverter um primado (tributário, in casu) na busca de reparações ou compensações a certos indivíduos. Busquem-se tais incentivos com mecanismos mais precisos, sem a utilização de meios transversos.
3.4 Princípio da irretroatividade
Ainda no artigo 150 da Constituição Federal temos a previsão da Irretroatividade como Princípio, na forma que segue:
“CF, art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
III – cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;”
Temos, com tal Princípio, a cristalização de um primado geral do Direito, qual seja, o respeito à Segurança Jurídica, como dispõe a própria Constituição:
“CF, art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;”
Este Princípio nada mais é do que um caso específico da Irretroatividade genérica prevista na CF 5, XXXVI (a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada). O que o legislador constituinte buscou é a observância das situações jurídicas consolidadas. Lei futura não pode regular os fatos presentes. Isso é ratificado inclusive pelo próprio CTN, conforme segue:
“CTN, art. 105. A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início mas não esteja completa nos termos do artigo 116.”
Essa regra geral encontra apenas as seguintes exceções, dispostas no próprio CTN:
“CTN, art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
I – em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;
II – tratando-se de ato não definitivamente julgado:
a) quando deixe de defini-lo como infração;
b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo;
c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.”
Trata-se da retroatividade excepcional, não sendo casos de exceção à irretroatividade prevista na CF, é bom que se diga. Em tese, o Princípio da Irretroatividade não possui exceções (mesmo que o CTN preveja algumas hipóteses de retroatividade); não há, contudo, afastamento absoluto da aplicabilidade de tal Princípio. As “exceções” previstas no CTN decorrem de tal Princípio ser mais amplo no Código do que na CF, pois trata de toda a legislação tributária, e não apenas da instituição/majoração de tributos.
Assim, temos 2 casos de retroatividade, a saber, as Leis expressamente interpretativas (CTN 106, I) e o Retroatio in Melius (CTN 106, II).
As leis interpretativas que geram gravames são aplicáveis a fatos ocorridos a partir de sua entrada em vigor, mas não a situações sujeitas ao domínio temporal exclusivo das normas interpretadas, sob pena de violação ao ato jurídico perfeito. São leis que visam ao esclarecimento de normas obscuras que demandam outra norma para as explicar. Interpretam institutos previstos na mesma lei ou em outras leis. É importante ressaltar que as leis expressamente interpretativas não podem ser aplicadas a atos ou fatos pretéritos se contrariarem orientação favorável aos contribuintes já firmada pelos Tribunais Superiores, tampouco infringir penalidades, como previsto na própria literalidade do dispositivo legal.
Já com relação ao inciso II do citado artigo, temos que o Retroatio in Melius se refere apenas à redução de multas e infrações, nunca de alíquotas e/ou de base de cálculo, e apenas em relação a atos não definitivamente julgados, ou seja, eventual litígio administrativo travado entre sujeitos ativos e passivos não pode estar concluído, mas sim pendente de decisão definitiva. Se estiver concluído, não haverá retroação da lei para mitigar penalidade eventualmente determinada.
Logo, podemos concluir que a irretroatividade é não só a regra mas, se analisada pela óptica constitucional, não deve aceitar exceções, tendo em vista que a letra da Lei Maior não admite situação em contrário (CF 150, III, a). As circunstâncias que a excepcionam se encontram no CTN, e nas restritivas hipóteses em que se admite retroatividade. Após a análise de tais hipóteses, vislumbramos não um retorno da Lei a fatos pretéritos, mas sim uma releitura de ocorrências na área tributária, como a interpretação de Leis anteriores por uma Lei nova (o que em nossa opinião não seria propriamente uma retroatividade, eis que não se cria Direito algum nesse caso, apenas o explica), e a mitigação de infrações sob litígio pendente de resolução, o que também não nos parece um retorno legal a fatos passados, pois infração não é o núcleo de uma relação tributária, ainda mais se levarmos em consideração que a mesma se origina do descumprimento de Obrigações não Principais, mas Acessórias.
3.5 Princípio da não surpresa
Seguindo no inciso III do artigo 150 da CF, temos o então consagrado e muito popular Princípio da Não surpresa, transcrito abaixo:
“CF, art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
III – cobrar tributos:
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;
§ 1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I.”
Trata-se, neste momento, e sem sombra de dúvida, do Princípio mais identificado com o Direito Tributário: o da Não surpresa, subdividido em Anterioridade e Noventena. Tal identificação se dá, em muito, pela ausência de vetores teleológicos entre tal primado e outro dispositivo constitucional, o que o torna figura notável na seara tributária.
Em ambos os casos, o que tal primado visa a garantir é a adaptação dos contribuintes aos novos patamares de tributação eventualmente alterados pela legislação. As alterações objeto de tal resguardo principiológico dizem respeito à instituição e majoração de tributos. Como assevera Rocha, “A lei que estabelece uma maior carga tributária aos cidadãos deve ser de conhecimento da sociedade desde o ano anterior ao do início da cobrança”.
Não se trata de Vacatio Legis, pois nesse caso o deslocamento ocorre entre a vigência e a eficácia (e não entre a publicação e a vigência).
O subprincípio da Anterioridade (CF 150, III, b) diz respeito ao lapso temporal do exercício financeiro para a cobrança de tributos. Assim, o tributo só pode ser exigido no exercício financeiro subsequente ao da sua instituição ou majoração.
Cabe aqui abordarmos a questão da Anualidade. Antigamente, na Constituição de 1946, havia a regra da prévia autorização orçamentária para a instituição de tributos. Era o chamado Princípio da Anualidade (ou Periodicidade). Assim, o Orçamento Púbico, lei formal anual, deveria fixar as despesas e prever as receitas, inclusive no que tange a instituição/majoração de tributos. Ocorre que tal regra não mais existe no ordenamento constitucional (a atual Constituição Federal não estipula que os tributos sejam previstos na Lei Orçamentária anual para cobrança no exercício subseqüente). Assim, teríamos na regra da Anterioridade atual (CF 150, III, b) um resquício da sistemática adotada pela Anualidade, pois em ambos os casos há o transcurso de tempo para a adaptação dos contribuintes às alterações na matriz tributária vigente.
Tendo em vista a possibilidade de instituição de tributos ao final do exercício, e a subseqüente cobrança dos mesmos já no início do exercício financeiro posterior, tornando inócuo o primado da Não surpresa, o legislador incluiu via emenda constitucional a alínea c no artigo 150, III da CF. É o subprincípio da Noventena. Além de observar o transcurso do exercício financeiro atual, deve o Estado aguardar noventa dias para a cobrança de tributos instituídos ou majorados. Assim, mesmo que tais alterações ocorram ao final do mês de dezembro de determinado exercício, e.g., o simples início do exercício subsequente não é suficiente para a cobrança dos tributos envolvidos: há de se observar o interregno de noventa dias para a exigência dos mesmos.
Passemos as exceções aos Princípios acima elencados. O §1º do artigo 150, III da CF elenca um rol de tributos que se caracterizam como exceções à aplicação do Princípio da Não-surpresa. Ocorre que há dois grupos de exceções, cada qual voltado a um dos subprincípios já apontados (Anterioridade e Noventena). Para efeitos mais didáticos, identificaremos a relação de tributos que excepcionam ambos os subprincípios.
Primeiramente, temos os impostos Extrafiscais:
– II (Imposto sobre Importação) (CF 153 I);
– IE (Imposto sobre Exportação) (CF 153, II);
– IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) (CF 153, V).
Tais impostos, dada a natureza de suas finalidades (Extrafiscal) não se submetem ao primado da Não surpresa. Logicamente, pois as alterações nos mesmos se justificam pela necessidade de intervenção estatal no mercado, a fim de regular o mesmo por intermédio de políticas econômicas. O cunho não é o arrecadatório. Dada a agilidade necessária para o implemento de tais ações (políticas econômicas), a submissão à Não surpresa tornaria tais intervenções inócuas. Assim, os impostos sobre importação, exportação e operações financeiras não se sujeitam nem à anterioridade, nem à noventena.
O segundo grupo que não se sujeita ao Princípio da Não surpresa é o dos tributos extraordinários, como segue:
– ECG (Empréstimo Compulsório de Guerra) (CF 148, I);
– ECCP (Empréstimo Compulsório de Calamidade Pública) (CF 148, I);
– IEG (Imposto Extraordinário de Guerra) (CF 154, II).
Aqui, novamente, prevalece a lógica: se os eventos que autorizam a instituição ou majoração dos tributos extraordinários são, igualmente, extraordinários e, acima de tudo, circunstâncias urgentes e graves como as citadas, então restam excepcionadas tais exações com relação ao primado da Não surpresa. Atentemos ao fato de que tais eventos (guerra e calamidade pública) não são fatos geradores, e sim circunstâncias autorizadoras à instituição do tributo. É importante tal diferenciação, eis que circunstância é uma fato da vida, enquanto que fato gerador (sic) é a conjunção de hipótese de incidência (previsão hipotética na lei) com a concomitante ocorrência de um fato imponível (fato concretâneo ocorrido no mundo fenomênico).
Tal hipótese de incidência, para fins tributários, deverá estar ligada a uma manifestação de duas possíveis: ou é um fato do contribuinte, ou um fato do Estado. Expliquemos melhor: os impostos, e.g., são decorrentes de fatos dos contribuintes (manifestações de riqueza dos sujeitos passivos), enquanto que as taxas, v.g., são decorrentes de manifestações do Estado (serviços públicos prestados ou colocados à disposição dos contribuintes). Assim, a eclosão de uma guerra não pode ser “fato gerador” de tributo algum, pois guerra não é fato do contribuinte nem do Estado. Guerra não é manifestação de riqueza (que ensejaria imposto), tampouco serviço público ou Poder de Polícia (que ensejariam taxas), nem obra pública da qual decorra valorização imobiliária (que ensejaria Contribuição de Melhoria). Esse é o entendimento Doutrinário ao qual nos filiamos.
Outra importante exceção diz respeito ao prazo para recolhimento dos tributos. A alteração na data para o pagamento e adimplemento das obrigações principais dos tributos é um evento que, pela ótica do STF, não se sujeita ao Primado da Não surpresa, conforme segue entendimento sumulado:
“Súmula 669 STF: “Norma legal que altera o prazo de recolhimento da obrigação tributária não se sujeita ao princípio da anterioridade.”
Aqui nos posicionaremos de forma contrária ao Pretório Excelso. Suponhamos que determinada exação tenha como data para o respectivo recolhimento o dia 20 do mês subseqüente ao do Fato Gerador (sic) da Obrigação Principal. Assim, os contribuintes, cientes de tal obrigação, se planejam para o desembolso em tal data. Logo, temos que até o início da 3ª semana do mês subsequente ao da ocorrência do Fato Gerador, os contribuintes possuirão recursos financeiros para outros adimplementos. Agora suponhamos que o Poder Executivo, titular da exação proposta como exemplo, venha a alterar a data para recolhimento, do dia 20 para o dia 1º do respectivo mês. Segundo o STF, tal alteração é exigível já no momento de sua ocorrência, sem a necessidade do transcurso de qualquer prazo. Ora, isso significa que os contribuintes não terão prazo para se adequarem a tal modificação: não haverá tempo de ajuste para reorganização das finanças individuais de tais agentes passivos, o que sem sombra de dúvida significará surpresa negativa. Entendemos que isso causa sacrifício aos contribuintes, indubitavelmente, na medida em que os mesmos terão que rescalonar suas cadeias de desembolso, de forma a adimplir corretamente (no prazo) a exação aludida, objeto de alteração no prazo de recolhimento. Em nossa opinião, a aplicação do instituto da Não surpresa seria interessante em tal evento.
Na mesma esteira, temos a questão da atualização monetária. O CTN 97 estabelece hipóteses restritas ao primado da Legalidade, e em seu inciso II condiciona à Lei a majoração de tributos, como segue:
“CTN, art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;
§ 2º – Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.”
Pois bem, o §2º se incumbi de diferenciar majoração de atualização monetária. Ora, se uma coisa não significa a outra, então não podemos atribuir à atualização monetária as regras da CF 150, III, b e c, uma vez que tais dispositivos tratam da instituição e da majoração de tributos. Assim, a atualização monetária seria uma majoração aparente, meramente nominal, sendo aplicável sem a submissão aos Princípios da Anterioridade e da Noventena.
Resumindo, temos como exceções ao Princípio da Não-surpresa como um todo, os seguintes tributos e elementos:
– Impostos Extrafiscais (II, IE, IOF);
– Tributos Extraordinários (ECG, ECCP, IEG);
– Prazo para recolhimento;
– Atualização Monetária.
Agora passemos aos tributos isolados, cada qual excepcionando a Anterioridade ou a Noventena.
Primeiramente, temos o Imposto de Renda (CF 153, III). Tal tributo tem finalidade Fiscal, logo não se presta a políticas econômicas. Assim, não requereria o status de exceção a primado algum da Não-surpresa. Ocorre que há, em sua operacionalização, elementos que o diferenciam dos demais tributos, que autorizam a excepcionalização ao Primado da Noventena.
Expliquemos: o Imposto de Renda é tributo que se manifesta de forma complexiva (seu fato gerador é continuado). Segundo o CTN:
“CTN, art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:”
A aquisição de renda é adstrita anualmente, dentro do período estabelecido pelo ano-calendário (ano-base = ano-calendário). Assim, o fato gerador (sic) vai se aperfeiçoando ao longo do exercício financeiro, de forma que a base de cálculo esteja completa pelo somatório dos ganhos nos 12 meses anteriores ao da declaração. Ao término de dezembro, o Imposto de Renda está apto a incidir perante a base de cálculo então composta. O período para os contribuintes realizarem os levantamentos de seus ganhos, para fins de declaração (Obrigação Acessória) se dá de 1º de janeiro até 30 de abril. Assim, quaisquer alterações (leia-se majorações) do mesmo, caso ocorridas ao final do ano em que o Fato Gerador (sic) está se aperfeiçoando, poderão ser implementadas já para a declaração do ano subsequente. Dessa forma, temos que o Imposto de Renda respeita o Princípio da Anterioridade (alterações a serem cobradas somente no exercício seguinte), porém é exceção ao Princípio da Noventena (alterações no IR em dezembro o ano t podem ser implementadas no ano t+1 anteriormente a noventa dias, de forma a serem declaradas já no mês de março, quando tradicionalmente ocorre a entrega por parte dos contribuintes do Imposto devido).
Outro tributo que é exceção parcial ao Princípio da Não-surpresa é o IPI (CF 153, IV). De origem Extrafiscal (era utilizado para regular o mercado, em especial a produção interna face à inflação), o Imposto sobre Produtos Industrializados ganhou proporções arrecadatórias que, desvirtuando sua natureza, passou a ser encarada como Fiscal por boa parte da Doutrina. Deixando de lado os aspectos teóricos, o fato é que o IPI é, hoje, um dos tributos de maior arrecadação no Brasil, o que despertou a atenção do legislador. Este último, no intuito de preservar a segurança jurídica dos contribuintes decidiu, via Emenda Constitucional, submetê-lo à regra da Noventena. Ou seja, se por um lado o IPI pode ser cobrado no mesmo exercício financeiro ao qual se registrou majorações em suas alíquotas (exceção ao Princípio da Anterioridade), o mesmo não se pode dizer com relação ao Princípio da Noventena: a cobrança de qualquer majoração só pode se dar após o interregno de noventa dias. É que, ao passo que é Extrafiscal, o IPI pelo seu grande vulto arrecadatório precisa ser controlado por pelo menos um dos aspectos da Não-surpresa.
As Contribuições para a Seguridade Social, tributos previstos pela CF 149, e pormenorizadas pela CF 195, se sujeitam ao Princípio da Anterioridade, mas não à Noventena. Aqui iremos nos posicionar conforme Doutrina minoritária. É que, segundo a CF, temos a seguinte regra:
“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
§ 6º – As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b".
Pois bem, o que o §6º estipula é que as Contribuições Sociais se submetam ao transcurso de noventa dias para sua exigência após a respectiva instituição ou majoração. Trata-se, na prática, de replicação da regra disposta na CF 150, III, c (Princípio da Noventena). Ocorre que, segundo a boa técnica legislativa, os dispositivos elencados em uma norma não devem ser desprovidos de elementos imprecisos ou de significância própria. A lei não deve ser elaborada com cópias de dispositivos ou réplicas textuais já utilizadas. Se há, na lei, dispositivo novo, há regra nova, não prevista anteriormente. Esse é o espírito norteador a quem legisla. E partindo dessa premissa, não podemos concluir que a regra da CF 195 é a mesma da CF 150.
Assim, o que temos são duas limitações: a do artigo 150 chamaremos de Noventena, e a do artigo 195 chamaremos de Anterioridade Nonagesimal.
A despeito de ambas disporem de igual prazo e de igual teleologia, não as confundiremos, dado o exposto. E em sendo regra nova (Princípio da Anterioridade Nonagesimal – aplicável às Contribuições Sociais), com ela travaremos a discussão. Em resumo, as Contribuições Sociais se submetem ao Princípio da Anterioridade (CF 150, III, b) e ao Princípio da Anterioridade Nonagesimal (CF 195, §6º), excepcionando o Princípio da Noventena (CF 150, III, c).
Seguindo com as exceções parciais à Não-surpresa, temos o ICMS-Monofásico-Combustíveis (CF 155, XII, h c/c §4º, IV, c), conforme segue:
“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
XII – cabe à lei complementar:
h) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicará o disposto no inciso X, b;
§ 4º – Na hipótese do inciso XII, h, observar-se-á o seguinte:
IV – as alíquotas do imposto serão definidas mediante deliberação dos Estados e Distrito Federal, nos termos do § 2º, XII, g, observando-se o seguinte:
c) poderão ser reduzidas e restabelecidas, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, b.”
Aqui, temos a possibilidade de restabelecimento de alíquotas (e não majoração das mesmas) sem a necessidade de se observar a Anterioridade de exercício (CF 150, III, b), restando a necessidade de obediência à Noventena (CF 150, III, c).
Ainda com relação aos tributos sobre combustíveis, temos mais uma exceção parcial ao Princípio da Não-surpresa, qual seja, a CIDE-Combustíveis (CF 177, §4º), cujo dispositivo reproduzimos abaixo:
“Art. 177. Constituem monopólio da União:
§ 4º – A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos:
I – a alíquota da contribuição poderá ser:
a) diferenciada por produto ou uso;
b) reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150,III, b;”
Também nesse caso, temos que, diferentemente de majoração, o que a CF facultou ao Poder Executivo é o restabelecimento de alíquotas de tal tributo sem a observância do Princípio da Anterioridade (CF 150, III, b), porém respeitando a Noventena (CF 150, III, c).
Há, ainda, duas últimas exceções ao Primado da Noventena: a fixação da base de cálculo do IPVA e do IPTU. Tal ressalva se respalda no fato de que os Fiscos Estaduais e Municipais geralmente revisam os valores dos veículos e dos imóveis ao final dos exercícios financeiros. Como fenômeno econômico, os valores de tais propriedades aumentam ao longo do tempo (fato corriqueiramente observado com relação a imóveis), de forma que, via de regra, as aludidas revisões trazem um aumento no quantum debeatur dos impostos respectivos, pela via transversa, eis que não se alteraram as alíquotas envolvidas. O fato é que haverá majoração dos tributos em pauta sempre que ocorrerem as revisões e ulteriores fixações das bases de cálculo do IPVA e do IPTU. O Fato Gerador e as alíquotas, entretanto, permanecem inalterados e, sendo assim, optou o legislador constitucional pela excepcionalização de tais eventos ao Primado da Noventena, uma vez que a cobrança aos contribuintes de tais impostos ocorre já no início do exercício subsequente. É uma forma de manter o respeito à Não-surpresa (pela observância da Anterioridade, uma vez que houve majoração dos tributos envolvidos), porém com a possibilidade de o Executivo proceder à cobrança de tais impostos, com o fato gerador (sic) ocorrido e a Obrigação Tributária perfectibilizada, já no início da competência anual ulterior.
Outro detalhe a ser ressaltado é que o Princípio da Não surpresa é direcionado às surpresas negativas, somente. Se por um lado as majorações devem se balizar pelas limitações descritas exaustivamente acima, as diminuições dos tributos não requerem observância de tais dispositivos. Por óbvio, diminuições são surpresas positivas, que ao contrário de imporem gravames aos contribuintes, os favorecem. Desnecessário seria o transcurso de qualquer prazo para a efetiva mitigação tributária, uma vez que bem vinda por todos os que dela se beneficiam.
Importante traçarmos um paralelo entre a Constituição Federal e o CTN, no que tange à anterioridade. Reza o código que:
“CTN, art. 104. Entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorra a sua publicação os dispositivos de lei, referentes a impostos sobre o patrimônio ou a renda:
I – que instituem ou majoram tais impostos;
II – que definem novas hipóteses de incidência;
III – que extinguem ou reduzem isenções, salvo se a lei dispuser de maneira mais favorável ao contribuinte, e observado o disposto no artigo 178”.
Aqui cabe uma observação: a Carta magna tratou de tal princípio no que tange à cobrança de tributos. O Código, por sua vez, tratou do mesmo primado no que tange à vigência de impostos. Ou seja, há duas diferenças significantes entre os dispositivos supramencionados.
Ora, é claro que uma Lei pode aumentar, não só um imposto, como qualquer tributo sujeito à Anterioridade, e estar vigendo, porém sem o condão de permitir a cobrança da exação. É que o efeito a ser dilatado é este último, o da cobrança, e não o da vigência (o que se tem, in casu, como o fenômeno da vacatio legis). Assim, consideram-se não recepcionados os incisos I e II, tendo em vista tratarem de instituto jurídico diverso, qual seja, da dilação da vigência da Lei, e não da cobrança da exação em pauta, o que se alinharia à carta Magna. E mais: tais dispositivos tratam de tributos e hipóteses de incidência, e não de impostos, como versa a CF.
Ainda sobre a anterioridade prevista no CTN, o art., III já foi objeto de debates na Suprema Corte. Inicialmente, o entendimento era de que não seria necessário o transcurso de um exercício para que se operasse a revogação de isenções, conforme segue:
“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO: REVOGAÇÃO. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE. I. – Revogada a isenção, o tributo torna-se imediatamente exigível. Em caso assim, não há que se observar o princípio da anterioridade, dado que o tributo já é existente. II. – Precedentes do Supremo Tribunal Federal.” (RE 204.062-2-ES, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, julgado em 27/09/1996, Segunda turma)
Esse entendimento restou superado em recente julgado sobre o tema, sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio, abaixo transcrito:
“IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – DECRETOS Nº 39.596 E Nº 39.697, DE 1999, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – REVOGAÇÃO DE BENEFÍCIO FISCAL – PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE – DEVER DE OBSERVÂNCIA – PRECEDENTES. Promovido aumento indireto do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS por meio da revogação de benefício fiscal, surge o dever de observância ao princípio da anterioridade, geral e nonagesimal, constante das alíneas “b” e “c” do inciso III do artigo 150, da Carta. Precedente – Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.325/DF, de minha relatoria, julgada em 23 de setembro de 2004” (RE 564225 AgR, Relator Marco Aurélio, Primeira Turma, julgamento em 2.9.2014, DJe de 18.11.2014)
Assim transcorreu a evolução da interpretação aplicada ao CTN no que tange à anterioridade, demonstrando-se no caso que a tal exegese não é alcançada simplesmente de forma literal, com o juiz “boca da lei” então abordada em capítulo anterior.
3.6 Princípio da vedação ao confisco
Importante Princípio previsto na Constituição federal é o do Confisco, na forma que segue:
“CF, art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
IV – utilizar tributo com efeito de confisco;”
Primeiramente, devemos nos ater ao termo “confisco”. A Doutrina encontra dificuldades em definir tal conceito, restando o mesmo indeterminado, sujeito a alto grau de subjetividade, variando muito de acordo com as concepções político-filosóficas do exegeta. Frente ao efeito então “confiscatório”, até mesmo o Poder Judiciário se depara com uma verdadeira “zona cinzenta”. Famosa é a passagem do saudoso Jurista Aliomar Baleeiro, conduzindo um Acórdão do STF, quando ressaltou que não saberia dizer ao certo o que era efeito confiscatório; mas certamente sabia o que não era: “batom de mulher”. Segundo De Plácido e Silva:
“Em regra, pois, o confisco indica uma punição. Quer isto dizer que sua imposição, ou decretação, decorre da evidência de crimes ou contravenções praticadas por uma pessoa, em virtude do que, além de outras sanções, impõe a lei a perda de todos ou parte dos bens em seu poder, em proveito do erário público”. (Vocabulário Jurídico, página 505)
Decorrendo diretamente da garantia à propriedade privada (CF 5º, XXII e XXIII), como vetor teleológico da mesma, a Vedação ao Confisco é mais uma das limitações ao poder de tributar. Vale destacar que tal limitação é relativa a tributos, e não apenas impostos. Trata-se de um postulado normativo da Proibição do Excesso. Poderíamos inclusive aludir contornos administrativistas de tal conceito, ao vislumbrarmos o Princípio da Razoabilidade aplicável aos atos administrativos. Ou seja, não pode o Poder Executivo impor de forma desarrazoada a incidência tributária a um mesmo contribuinte. Tampouco a Lei. Tal limitação quantitativa busca impedir que a exigência tributária exceda a capacidade contributiva do indivíduo.
Interessante posicionamento adotou o STF na ADIn MC 1.075-DF, oportunidade na qual entendeu que a aplicação de multa de 300% do valor da operação para hipótese de venda de mercadoria sem a emissão de nota fiscal se configuraria confisco. Segue o acórdão:
“A proibição constitucional do confisco em matéria tributária – ainda que se trate de multa fiscal resultante do inadimplemento, pelo contribuinte, de suas obrigações tributárias – nada mais representa senão a interdição, pela carta política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, ao campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária o exercício do direito a uma existência digna, ou à prática de atividade profissional lícita ou, ainda, á regular satisfação de suas necessiadades vitais básicas. O poder público, especialmente em sede de tributação (mesmo tratando-se de definição do “quantum” pertinente ao valor das multas fiscais), não pode agir imoderadamente, pois atividade governamental acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade que se qualifica como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais” (ADI 1.075-MC/DF, Relator Ministro Celso de Mello, julgamento em 17/06/1998)
Filiamo-nos, nesse caso, ao entendimento de Hugo de Brito Machado, segundo o qual o Princípio do Não Confisco é inaplicável às multas:
“A vedação do confisco é atinente ao tributo. Não à penalidade pecuniária, vale dizer, à multa. O regime jurídico do tributo não se aplica à multa, porque tributo e multa são essencialmente distintos. O ilícito é pressuposto essencial desta, e não daquele”. (Curso de Direito Tributário, página 42)
Expliquemos: multa e tributo não se confundem. Segundo o CTN 3º:
“CTN, art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”
A multa não tem por finalidade a produção de receita pública, mas sim desestimular o comportamento que configura a sua hipótese de incidência, e por isso mesmo constitui receita extraordinária ou eventual, e não tributo. Multa tributária não é tributo, mas a obrigação de pagá-la tem natureza tributária (CTN 113, §1º). A própria dicção da CF 150, IV deixa claro que o Princípio em comento é relativo a tributos, e não a multas.
Em segundo lugar, a aplicação de multa se dá no interesse de desestimular o não atendimento de obrigações existentes. A aplicação de multa em patamares próximos ao do julgado no STF (300%) significa que quis o legislador definitivamente evitar a circulação de mercadorias sem nota fiscal, e o patamar da multa correspondente é um reflexo da preocupação do legislador relativamente ao tema. Ora, limitar a multa pelo Primado do Não Confisco é desvirtuar o sentido da penalidade, qual seja, mitigar comportamentos tipificados em lei como contrários aos interesses sociais. Outros institutos, especialmente penais, como o da Proporcionalidade e o a Razoabilidade, se prestam mais adequadamente para a modulação de penas eventualmente desarrazoadas. Entendemos ser de melhor técnica a separação principiológica dos institutos, para fins de entendimento da lide. Nesse sentido, inaplicável, novamente, o primado do Não Confisco às multas.
Por final, cabe destacar que a Identificação do efeito confiscatório se dá em função da totalidade da carga tributária (efeito cumulativo), em confronto com a capacidade contributiva do contribuinte. Significa dizer que a análise do efeito confiscatório não se presta perante tributos individualizados, somente. Ou seja, um único tributo, analisado individualmente, pode não ter caráter confiscatório: se analisado, porém, em conjunto com demais tributos, tal efeito pode vir a eclodir, e mesmo que individualmente não se verifique, o confisco alcançará a relação travada entre o Estado e o contribuinte de tais tributos em conjunto.
E mais: o tributos porventura confiscatórios devem ser analisados perante um único Ente Político, titular da competência para instituir e cobrar tais exações. Ou seja, a análise deve ser focada no conjunto de tributos incidentes contra um mesmo contribuinte, oriundos de um mesmo Ente tributante, para daí se verificar eventual efeito confiscatório.
3.7 Princípio da não limitação de tráfego
O direito de locomoção constitucionalmente previsto no artigo 5º da Carta Magna foi aguçado pelo Princípio da Não limitação de tráfego, abaixo transcrito:
“CF, art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público;”
Anteriormente à análise do Princípio em questão, faz-se necessária a transcrição do Direito de Locomoção (CF 5º, XV):
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;”
Partindo-se de tal pressuposto, veio o Princípio da Não Limitação de Tráfego aguçar o sentido da liberdade de locomoção. O que tal primado proíbe é a instituição de tributo com hipótese de incidência definida pela transposição de fronteiras entre Estados ou Municípios.
É ressalvada, entretanto, a existência de pedágios. E dessa forma, legítima é a cobrança para a utilização de vias conservadas pelo Poder Público. Tais serviços, de competência dos Estados e da União, podem ser realizados tanto por ele mesmo, como por particulares delegados. Observa-se que a previsão da cobrança de pedágios se encontra numa seção constitucional que trata de tributos, o que inicialmente remete ao entendimento de que tal cobrança teria a natureza tributária, como segue:
“Essa disposição deu legitimação constitucional expressa ao pedágio. Além disso, reconheceu-lhe natureza tributária (por oposição à idéia de que ele traduziria um preço público), pois essa figura está referida num dispositivo que cuida de tributos, e como exceção a um princípio que limita a criação de tributos”. (AMARO, Luciano. Direito Tributário, página 71) (grifei)
Ocorre que, a despeito do entendimento acima exposto, resta um problema incontornável. A cobrança de taxa se origina ou do poder de polícia, ou da prestação de serviços públicos. A cobrança de pedágio, entretanto, se dá pela “utilização” de vias conservadas pelo Poder Público. Ou seja, não há serviço envolvido, tão somente a utilização, o que remeteria a uma taxa com fato gerador não elencado na Constituição. Em recente julgado, o STF sedimentou o entendimento outrora controverso acerca da natureza da cobrança dos pedágios, que é de preço público, conforme segue:
“EMENTA: TRIBUTÁRIO E CONSTITUCIONAL. PEDÁGIO. NATUREZA JURÍDICA DE PREÇO PÚBLICO. DECRETO 34.417/92, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. CONSTITUCIONALIDADE. 1. O pedágio cobrado pela efetiva utilização de rodovias conservadas pelo Poder Público, cuja cobrança está autorizada pelo inciso V, parte final, do art. 150 da Constituição de 1988, não tem natureza jurídica de taxa, mas sim de preço público, não estando a sua instituição, consequentemente, sujeita ao princípio da legalidade estrita. 2. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente”. (ADI 800, rel. min. Teori Zavascki, julgamento em 11-6-2014, Plenário, DJE de 1º-7-2014) (grifei)
Cristaliza-se como mais razoável a qualificação como preço público, na medida em que se taxa fosse, possível seria a cobrança potencial pelo serviço colocado à disposição, o que entraria em conflito com a atual forma de cobrança nas chancelas pedagiadas do sistema viário nacional.
3.8 Princípio da uniformidade geográfica
A Constituição Federal, em seu artigo 151, inciso I, previu tratamento tributário uniforme ao longo de todas as regiões contempladas pela atuação estatal. Segue abaixo a transcrição de tal Princípio:
“CF, Art. 151. É vedado à União:
I – instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País;”
Como decorrência lógica do Princípio da Isonomia, não pode a União conceder privilégios odiosos a determinados Entes federativos. Isso significa dizer que a República Federativa do Brasil prima pela igualdade entre seus Entes, sem distinção no trato tributário.
Logicamente, há exceções a tal primado. A primeira diz respeito à redução das desigualdades sociais e regionais prevista no art. 3º, III, como segue:
“CF, Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;” (grifei)
A segunda exceção é relativa à instituição, pela União, de isenções, reduções e diferimentos temporários, conforme segue:
“CF, Art. 43. Para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais.
§ 2º – Os incentivos regionais compreenderão, além de outros, na forma da lei:
III – isenções, reduções ou diferimento temporário de tributos federais devidos por pessoas físicas ou jurídicas;” (grifei)
O CTN, por sua vez, também mitigou tal primado em alguns artigos. O primeiro diz respeito à moratória restrita (modalidade de suspensão do crédito tributário), tida como a única restrição territorial extensiva a aspectos subjetivos de seus beneficiários, conforme segue:
“CTN, Art. 152. A moratória somente pode ser concedida:
Parágrafo único. A lei concessiva de moratória pode circunscrever expressamente a sua aplicabilidade à determinada região do território da pessoa jurídica de direito público que a expedir, ou a determinada classe ou categoria de sujeitos passivos.”
(grifei)
Já em seu artigo 172, V, o Código tributário previu outra restrição territorial que excepciona o Princípio da Uniformidade Geográfica, qual seja, a remissão restrita (modalidade de extinção do crédito tributário), abaixo colacionado:
“CTN, art. 172. A lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo:
V – a condições peculiares a determinada região do território da entidade tributante.” (grifei)
Ao tratar da exclusão do crédito tributário, previu igualmente exceções ao Princípio da Uniformidade Geográfica, conforme segue:
“CTN, Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração.
Parágrafo único. A isenção pode ser restrita a determinada região do território da entidade tributante, em função de condições a ela peculiares.
CTN, art. 181. A anistia pode ser concedida:
II – limitadamente:
c) a determinada região do território da entidade tributante, em função de condições a ela peculiares;” (grifei)
Tanto a isenção (dispensa legal do pagamento do crédito tributário relativa a fatos geradores futuros) quanto a anistia (perdão do delito relativo a fatos geradores passados) possuem comandos que possibilitam suas concessões a determinadas regiões do território da entidade tributante, levando-se em conta condições peculiares de tais locais. Em todos os casos suprarreferidos, andou bem o legislador infraconstitucional, pois não se trata de privilégios ou discriminações imotivadas, mas sim tratamento diferenciado para regiões diferentes, ou seja, novamente temos a cristalização do primado da igualdade já debatido neste trabalho. Sobre isso, importante retomar o conceito de igualdade. Primeiramente, não se pode cogitar de ofensa ao princípio da igualdade quando as discriminações são previstas no próprio texto constitucional. Em segundo lugar, a Isonomia no Brasil é relativizada, pois se devem tratar desigualmente os desiguais. No constitucionalismo, a existência de discriminações positivas iguala materialmente os desiguais. O tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de justiça, estando consagrado no texto da Constituição Federal de 1988. A igualdade formal nem sempre deságua numa igualdade material, restando ao poder público a implementação de políticas afirmativas (que prevejam tratamentos diferenciados) em prol da igualdade material, fim último sob o âmbito da justiça social, razão pela qual são não somente constitucionais como legítimas as diferenciações territoriais em matéria tributária, quando o quadro fático aponta para desigualdades efetivas.
3.9 Princípio da não-discriminação pela procedência ou destino
Este primado, a seu turno, tem por finalidade o resguardo do Pacto Federativo, qual seja, a coexistência parificada e pacífica entre os Entes Políticos, estando previsto
“CF, art. 152. É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino.”
É importante ressaltar que tal Princípio se aplica exclusivamente aos Estados, Distrito Federal e Municípios. A União, por sua vez, está autorizada a promover tratamento diferenciado entre os Entes suprarreferidos, tendo em vista a teleologia das exceções ao Princípio da Uniformidade Geográfica já tratada (CF 3º, III e CF 43, §2º, III).
A Não-discriminação pela Procedência encontra eco no Princípio do tratamento nacional, previsto em acordo GATT e na Lei 313/1948, conforme segue:
“PARTE II, ARTIGO III, TRATAMENTO NACIONAL EM MATÉRIA DE IMPOSTOS E DE REGULAMENTAÇÃO INTERNOS – 2. Os produtos originários de qualquer Parte Contratante importados no território de qualquer outra Parte Contratante gozarão de tratamento não menos favorável que a concedido a produtos similares de origem nacional no que concerne a todas as leis, regulamentos e exigências que afetem a sua venda, colocação no mercado, compra, transporte, distribuição ou uso no mercado interno. As disposições dêste parágrafo não impedirão a aplicação das taxas diferenciais de transportes, baseadas exclusivamente na utilização econômica dos meios de transporte e não na origem de produtos.”
Assim, prevê o ordenamento jurídico a equivalência no tratamento tributário dos produtos tanto com relação à procedência interna quanto externa. No que tange ao trato externo, quis o legislador impedir que o país se utilize de barreiras protecionistas como mecânica de implemento de sua balança comercial. As ciências econômicas já demonstraram, exaustivamente, os malefícios advindos de tal política.
3.10 Princípio da não-cumulatividade
A não-cumulatividade tem origem na França, em torno de 1936, oportunidade na qual se verificou os malefícios que se originam no sistema econômico oriundos da utilização de tributos cumulativos, sendo introduzido tal primado no Brasil em 1946, pela EC 18/65. Atualmente, é previsto na Constituição Federal conforme abaixo:
“CF, Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
§ 2º – O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;”
Desta forma, previne-se o efeito cascata na cadeia de produção, na qual o ICMS incidiria em cada etapa fabril, o que ocasionaria um tributo total somado maior do que o próprio valor da mercadoria. Ao se eliminar a múltipla incidência, surge a necessidade de um sistema de débitos e créditos, para cada agente na cadeia produtiva, conforme ilustra Cardoso:
“A não cumulatividade do ICMS, na forma prevista na Constituição Federal de 1988, é concretizado por meio de um mecanismo fundado em “compensações”, que permite que se compense o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante do imposto cobrado nas anteriores, criando, assim, direitos públicos subjetivos para o contribuinte”. (Não-cumulatividade do ICMS, página 114)
Assim, resta o caráter de imposto sobre o valor agregado (acrescido) do ICMS.
Quanto a este tema, importante ressaltar que os créditos a serem apropriados em cada etapa, deduzindo-se dos débitos oriundos da operação com mercadorias, não são possíveis de serem corrigidos monetariamente, conforme decisão do STF:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – ICMS. IMPOSSIBILIDADE DE CORREÇÃO MONETÁRIA DOS CRÉDITOS ESCRITURAIS. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro Dias Toffoli, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, em converter os embargos de declaração em agravo regimental e negar-lhe provimento, nos termos do voto da Relatora. Vencido o Ministro Marco Aurélio”. (ED RE 634.468/PR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 14/02/2012)
Essa é uma decisão controvertida, uma vez que os créditos nem sempre são apropriados instantaneamente pela empresa detentora dos mesmos, desta forma sendo qualificados como direitos, sujeitos dessa forma à ação do tempo, o que realça a possibilidade de correção dos mesmos frente ao decurso temporal. Há, sem sombra de dúvida, possibilidade de revisão de tal entendimento no futuro, de forma a prestigiar o contribuinte regular que contribui com o primado da não cumulatividade dentro da cadeia produtiva.
3.11 Princípio do non olet
A cláusula do pecunia non olet é de suma importância ao Direito Tributário. Segundo ela, mesmo que os rendimentos sejam ilícitos, os mesmos serão regularmente tributados. Este princípio foi previsto no Código Tributário conforme segue:
“CTN, Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
§ 1º – A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção.
CTN, Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se:
I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos;
II – dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos”.
A origem de tal Princípio remonta à Roma antiga. À época do imperador Nero, foi criado um tributo para a utilização das cloacas públicas (atualmente, o tributo mais próximo disso seria uma taxa, dada a prestação de um serviço público individualizado ao contribuinte). Vespasiano restabeleceu tal taxa, após a mesma ter sido extinta. Tito, seu filho, o questionou acerca da eventual imoralidade de tal tributo, dada a hipótese de incidência (uso de banheiros públicos). Seu pai então estendeu uma moeda e, aproximando-a de si, exclamou: non olet (não cheira).
A questão reside basicamente na finalidade da tributação. Não se pode confundir tributo com multa (CTN 3º). O objetivo da tributação não é punir. A manifestação de riqueza, sendo fruto de uma atividade ilícita, não descaracteriza os efeitos econômicos de si mesma. A hipótese de incidência, ao prever a tributação de manifestações de riqueza, continua alcançando tal fato imponível, a despeito do mesmo ter origem em atividades eventualmente ilegais. Logo, a atividade ilícita enseja persecução criminal, de um lado, e tributação regular, de outro. Uma instância não se comunica com a outra, nesse aspecto. Pensar diferente significa desonerar, quiçá incentivar a prática de atividades ilícitas, caso as mesmas não sejam alcançadas por hipóteses de incidência tributárias.
O STF já se deparou com tal Princípio, segundo o Informativo nº 637, in verbis:
“É possível a incidência de tributação sobre valores arrecadados em virtude de atividade ilícita, consoante o art. 118 do CTN […] seria contraditório o não-pagamento do imposto proveniente de ato ilegal, pois haveria locupletamento da própria torpeza em detrimento do interesse público da satisfação das necessidades coletivas, a qual se daria por meio da exação tributária”.
O informativo em pauta se originou em habeas corpus impetrado no STF, segundo a decisão que segue:
“Jogo do Bicho. Possibilidade jurídica de tributação sobre valores oriundos de prática ou atividade ilícita. Princípio do Direito Tributário do non olet. Precedente. Ordem parcialmente conhecida e denegada. 1. A pretendida desclassificação do tipo previsto no art. 1º, inciso I, para art. 2º, inciso I, da Lei nº 8.137/90 não foi analisada pelo Superior Tribunal de Justiça. Com efeito sua análise neste ensejo configuraria, na linha de precedentes, verdadeira supressão de instância, o que não se admite. 2. A jurisprudência da Corte, à luz do art. 118 do Código Tributário Nacional, assentou entendimento de ser possível a tributação de renda obtida em razão de atividade ilícita, visto que a definição legal do fato gerador é interpretada com abstração da validade jurídica do ato efetivamente praticado, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos. Princípio do non olet. Vide o HC nº 77.530/RS, Primeira Turma, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 18/9/98. 3. Ordem parcialmente conhecida e denegada”. (HC 94240/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 23/08/2011, Primeira Turma)
Assim, a relação jurídico-tributária é travada quando ocorridos os fatos previstos hipoteticamente na lei, abstraindo-se os elementos de validade no negócio jurídico, tais como agente capaz, objeto lícito possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei.
3.12 Princípio da indisponibilidade do interesse público
O artigo 3º do CTN inaugura uma série de conceitos relativos ao tributo; a indisponibilidade do interesse público, em especial, é destacada, como se observa:
“Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.” (grifei)
Por se tratar a cobrança uma atividade administrativa plenamente vinculada, a mesma não disporá de margem discricionária, ou seja, a autoridade administrativa está obrigada ao estrito cumprimento da lei. O lançamento está vinculado a lei, idem.
Aqui cabe uma observação: nem sempre a atividade será estritamente vinculada. Basta analisarmos o lançamento por homologação previsto no CTN, in verbis:
“Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa”. (grifei)
Ora, da inteligência do artigo 150, resta ao sujeito passivo a perfectibilização do lançamento, apurar a base de cálculo e a competência temporal, e aplicar a alíquota, obtendo o quantum debeatur, tudo isso sem o prévio exame da autoridade administrativa. Assim, é possível que a cobrança se efetue sem a participação de tal autoridade, pois no Autolançamento, que abrange a maioria esmagadora dos tributos, o lançamento é posterior ao pagamento, ou seja, a homologação é o próprio lançamento. A homologação, nesse caso, é extintiva, ou seja, trata-se de lançamento sui generis, pois constitui e extingue o crédito, simultaneamente.
Ainda sobre o princípio em comento, a Constituição Federal exige a edição de Lei específica para concessão de benefícios fiscais, a seguir elencados:
– Isenção (CTN, 175, I);
– Anistia (CTN, 175, II);
– Remissão (CTN, 172);
– Subsídio;
– Redução de Base de Cálculo;
– Concessão de Crédito Presumido.
Não pode o Poder Executivo conceder os benefícios fiscais acima indicados sem a correspondente autorização dada pelo Poder Legislativo, por intermédio de Lei. É que o titular do interesse público é o povo, que se faz representado pelo Legislativo. E tal interesse não está à disposição da máquina pública. Assim está disposto na Carta Magna:
“CF, Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
§ 6º – Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.” (grifei)
Fez mais o legislador constituinte: tais benefícios, quando concedidos, devem vir veiculados por Lei Específica. Ou seja, resguarda-se a pertinência temática dos projetos de Lei; evita-se o artifício da inclusão de benefícios fiscais em Leis totalmente alheias ao tema tributário.
Como decorrência de tal Princípio, temos que o Poder Judiciário não pode estender a outras categorias de contribuintes, sob o pretexto de observar o Princípio da Isonomia, benefícios fiscais concedidos a determinados grupos de sujeitos passivos. Pensar o contrário seria admitir competência estranha a tal Poder, conforme julgado que segue;
“Entendimento diverso, que reconhecesse aos magistrados essa anômala função jurídica, equivaleria, em última análise, a converter o Poder Judiciário em inadmissível legislador positivo, condição institucional esta que lhe recusou a própria Lei Fundamental do Estado”. (AI 142.348-AgR, Relator Ministro Celso de Mello, Primeira Turma, julgamento em 02/08/94, DJ de 24/03/1995)
Excepcionam tal dispositivo as isenções de ICMS aprovadas por Convênios, conforme segue:
“CF, Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
§ 2º – O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
XII – cabe à lei complementar:
g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.”
Os Estados deliberarão tais concessões via convênio, de forma a controlar possíveis guerras fiscais. A deliberação se dá pelo CONFAZ, sede na qual os interesses de todos os Estados membros se cristaliza, e pela maioria dos votos eventuais isenções são outorgadas.
3.13 Princípio da indelegabilidade
Aqui, temos a diferenciação entre competência e capacidade tributárias, temas a serem discutidos perante tal Princípio, conforme segue:
“CTN, art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição.”
Em primeiro lugar, Competência para legislar sobre direito tributário diz respeito a versar sobre tributos, enquanto que Competência tributária diz respeito à instituição propriamente dita de tributos. Ambas são indelegáveis, sendo o núcleo do primado em comento.
A Competência na área tributária é tratada na Constituição Federal, conforme segue:
“CF, art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
§ 1º – No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º – A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3º – Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4º – A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.”
Pois bem, a Competência para legislar sobre Direito Tributário é concorrente entre os Entes federativos. E não poderia ser diferente, na medida em que o próprio desenho constitucional dos mesmos, e suas existências fáticas, são resguardados pelo direito de tributar, ou seja, pelo direito de se financiarem frente aos contribuintes.
O estabelecimento de normas gerais no âmbito tributário é, naturalmente, da União. Isso decorre da necessidade de uniformização nacional das leis concorrentes. Exemplo disso é a Lei Complementar 116/2003, que dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, e dá outras providências. Apesar de ser imposto de competência dos Municípios, o ISS não poderia ter elementos seus como a lista de serviços perante os quais ocorre o fato gerador à disposição de tais entes. Atualmente, há 5.570 municípios no Brasil. Imaginemos o caos jurídico que se estabeleceria caso cada um desses municípios pudesse alterar o rol de serviços que originam a Obrigação Tributária relativa ao ISS. É devido a isso que a União exerce papel fundamental no estabelecimento de normas gerais.
Na ausência de tais normas gerais, os Estados exercem a Competência Legislativa plena. Como exemplo, temos as Leis estaduais que instituem o IPVA. A União, a despeito da previsão constitucional de tal tributo desde 1988 (CF 155, III) até hoje não editou uma Lei de uniformização a respeito do assunto. A inércia legislativa apontada propicia, atualmente, o surgimento de hipóteses de incidência anômalas para o IPVA, a depender do Estado que se esteja analisando. O Poder Judiciário é chamado nesses casos a se pronunciar, conforme segue:
“EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – IPVA – Embargos improcedentes – Incidência do IPVA sobre aeronaves – Impossibilidade – O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de ser declarado inconstitucional o inciso III do artigo 6o da Lei 6.606 /89, do Estado de São Paulo, que previa a incidência do IPVA sobre aeronaves. – Precedentes – Sentença reformada – Recurso provido”. (TJ-SP, Apelação Sem Revisão SR 4635645900, Relator Samuel Júnior, julgamento em 16/09/2008, 2ª Câmara de Direito Público)
Um último detalhe diz respeito ao §4º do artigo 24 da CF, segundo o qual a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende (sic) a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário. Aqui temos, salvo melhor juízo, uma impropriedade técnica: a lei é nacional, e não federal. Seria um absurdo falar em revogação de uma lei estadual ou distrital por uma lei federal, pois não existe hierarquia entre tais leis.
Adiante no assunto, cabe frisar que a Constituição Federal não cria tributos, apenas outorga competência para que os entes políticos o façam, mediante leis próprias. Ou seja, a Competência tributária de instituir tributos é outorgada pela Carta Magna aos diversos Entes, que então possibilitam o surgimento dos tributos previstos no texto constitucional. Trata-se de uma faculdade, e não uma imposição, apesar de a Lei Complementar 101/1999, artigo 11, dispor o seguinte:
“LRF, art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação.
Parágrafo único. É vedada a realização de transferências voluntárias para o ente que não observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos.”
Seria o exercício pleno da Capacidade tributária. A própria LRF tratou de estabelecer uma forma de sanção aos Entes que não instituam todos os impostos de sua Competência. De certa forma faz sentido tal dispositivo, pois se não há a plena instituição de tais exações, não faria sentido o financiamento de tal Ente via transferências voluntárias.
Assim, a Competência tributária é política, e indelegável, como primado. Já a Capacidade ativa, esta sim, delegável. No caso, temos uma atribuição administrativa, e não política, de cobrança dos tributos.
3.14 Princípio da não-vinculação
Tal Princípio informa a característica básica dos impostos, que os distinguem das demais modalidades tributárias, qual seja, a não vinculação de sua cobrança a nenhuma atividade estatal específica. Ou seja, os impostos, diferentemente das taxas, não se originam em um fato do Estado (prestação estatal aos contribuintes), mas sim a uma manifestação de riqueza por parte dos sujeitos passivos (fato do contribuinte). Dessa forma, afirma-se que os impostos não gozam do atributo da referibilidade. É o que prevê o CTN em seu artigo 16, in verbis:
“CTN, art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.”
Os recursos obtidos com a tributação via impostos remuneram os serviços estatais uti Universe, ou seja, de forma geral, universal, ao contrário da remuneração uti Singuli, própria das taxas (tributos sinalagmáticos).
Pensemos no serviço estatal de segurança pública. Ora, essa prestação estatal não pode ser individualizada, pois todos os que estiverem em território nacional estarão cobertos pelos serviços de segurança pública. Até mesmo aqueles que estiverem de passagem pelo território brasileiro gozarão de tais serviços. Assim, impossível a mensuração dos custos individuais de tal prestação. E dada tal impossibilidade, inviável seria a instituição de taxas, que requerem o dimensionamento dos custos individuais (como no caso do serviço de coleta de lixo, onde é perfeitamente possível o levantamento dos custos unitários, ao dividirmos o custo total fixado no orçamento pela quantidade de residências atendidas por tal serviço público).
Se o serviço público de segurança não é passível de mensuração individualizada, é necessária outra fonte de custeio que não a das taxas para o financiamento deste. Assim, impõe-se a necessidade de carrear recursos via impostos, tendo como parâmetro a manifestação de riqueza dos contribuintes, e não o dispêndio governamental no caso. Essa é a origem da não vinculação dos impostos.
O correto entendimento de tal primado é fundamental para a concepção do sistema tributário como um todo. Não são raras as vezes em que nos deparamos com contribuintes alegando que o IPVA pago não é justo, na medida em que as estradas se encontram eventualmente mal conservadas. Nada mais falacioso. O IPVA é devido em função da propriedade veicular, e não pela conservação de estrada alguma. Se um indivíduo possui automóvel, configura-se a manifestação de riqueza. Nem todos os indivíduos possuem automóveis, logo, necessária se faz a justiça social da capacidade contributiva (já analisada no presente trabalho). Quem pode mais, paga mais. E sendo assim, surge a Obrigação Tributária do IPVA, sem qualquer vinculação a serviços de conservação de estradas por parte do Estado.
3.15 Princípio da territorialidade
O Primado em pauta é de fácil percepção e entendimento: a legislação tributária (atos legais e infralegais) se circunscreve ao território no qual foi exarada. Por óbvio, pois a Competência para legislar outorgada aos Entes Políticos o foi justamente para que os mesmos a exercesse. Não faria sentido um Ente abrir mão de tal competência e aplicar analogamente os dispositivos legais de outro. Estamos, assim, tratando do alcance geográfico da legislação tributária sobre suas respectivas relações.
“CTN, art. 102. A legislação tributária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios vigora, no País, fora dos respectivos territórios, nos limites em que lhe reconheçam extraterritorialidade os convênios de que participem, ou do que disponham esta ou outras leis de normas gerais expedidas pela União”.
Importante ressaltar que, no caso de divisão territorial, como no caso de desmembramento de um Ente em dois, nos primeiros momentos de “vida” do Ente novo seria inconcebível o estabelecimento imediato de legislação geral, o que dizer da tributária, alvo de inúmeros detalhamentos. Mas tal Ente requer, desde já, recursos financeiros obtidos por tributação, até para que a máquina pública já existente em tal território funcione. Neste caso, é possível a subrogação das leis existentes no território anterior ao desmembramento, nos termos do CTN 120.
Dentro do Princípio da Territorialidade, temos a mesma segundo os seguintes sentidos:
“- Positivo e Negativo: no sentido positivo, temos a aplicação da legislação tributária a todos os indivíduos localizados no território em pauta, incluindo-se os estrangeiros. Já no sentido negativo, temos que a territorialidade estrangeira não afeta a legislação territorial existente, não se admitindo conexão entre ambas.
– Pessoal e Real: inicialmente, a territorialidade era considerada considerando-se os elementos objetivos dos fatos geradores (sic), como o local onde o qual ocorria (fato imponível), eclodindo uma relação Real. Com o advento da personalização dos tributos (Princípio da Capacidade Contributiva), o Primado em comento passou a ter traços subjetivos, caracterizando-se então o sentido Pessoal de tal relação jurídica.
– Material e Formal: mais tênue é alinha que distingue tais sentidos. Pelo lado Material, temos que a legislação tributária se aproveita de concepções externas ligadas ao Direito Tributário, adaptando-se a elas. A concepção pelo sentido Formal é dada pela coerção da legislação tributária dentro do território ao qual se aplica.”
3.16 Princípio da seletividade
O IPI e o ICMS, apesar de serem classificados como impostos Reais, contam em certo grau com a possibilidade de serem graduados indiretamente por fatores subjetivos, relativos aos contribuintes. Tais impostos possuem previsão de seletividade na Constituição Federal, como segue:
“CF, art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
IV – produtos industrializados;
§ 3º – O imposto previsto no inciso IV:
I – será seletivo, em função da essencialidade do produto;
CF, art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
§ 2.º – O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
III – poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços;”
A seletividade, ao lado da proporcionalidade, é uma técnica utilizada pelo legislador para condicionar a instituição de tributos em atendimento ao Princípio da Capacidade Contributiva. Por meio da Seletividade, os bens de maior utilidade social, ou seja, aqueles que possuem, no jargão econômico, menor elasticidade na demanda (como alimentos e medicamentos), devem ter menor incidência tributária do que os bens de menor utilidade social, quais sejam, os itens de luxo ou supérfluos. Caminhou bem o legislador ao prever a Seletividade na Carta Magna. Assim, é possível aguçar a justiça social por intermédio dos impostos, ao impor maior gravame fiscal aos bens menos úteis (cigarro, bebidas alcoólicas, carros de luxo, etc.) do que com relação a itens básicos, como alimentação. E a aplicação da Seletividade nada mais é do que vincular a incidência do IPI e do ICMS de forma parametrizada com as peculiaridades da demanda dos produtos objeto de tais tributações, o que nada mais é do que acoplar tais tributos a aspectos pessoais dos produtos.
É verdade que, a despeito da teleologia legal, ainda é possível verificar altas alíquotas de IPI e principalmente de ICMS incidindo em bens e mercadorias de primeira necessidade, como no caso de medicamentos (que giram em torno de 18%) (http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2016-09/alta-de-icms-encarece-medicamentos-em-12-estados) e combustíveis (que giram em torno de 30%) (http://sindifisco-rs.tempsite.ws/interna.php?secao_id=12&campo=15008). É que, justamente pelo fato de a demanda perante tais itens ser inelástica (não se alterar frente ao incremento de custos, como o que os impostos geram), o consumo de tais bens persiste, mesmo quando há incidência de tributos com altas alíquotas, pois dada a necessidade de primeira ordem dos mesmos, o contribuinte acaba não tendo alternativa se não a de arcar com a tributação, por vezes não seletiva. Ora, medicamentos e combustíveis são bens de primeira necessidade: seria de esperar, dessa forma, uma menor incidência de ICMS sobre os mesmos, eis que tal incidência onera e desregula o sistema econômico e promove injustiça social, pois pessoas de maior e menor poder aquisitivo demandarão os bens em comento, o que gera uma regressão tributária (o consumo é relativamente igual entre tais contribuintes, porém o tributo devido é proporcionalmente mais significativo para os consumidores de menor capacidade contributiva).
A regressividade talvez seja o maior problema do sistema tributário no Brasil. O Estado, então representante da classe dominante, recolhe tributos de forma não eficiente, ao operar com impostos indiretos, enfraquecendo a economia, e concentra renda através de tal modelo tributário, uma vez que a tributação indireta causa maior impacto nos consumidores de menor renda.
A tributação clássica se dá perante a renda, de forma progressiva (como bem determina a Constituição Federal em seu art. 153, §2º, I), dispensando outras modalidades de impostos que venham a interferir na produção. Ocorre que, por motivos não bem esclarecidos, o imposto de maior envergadura em nosso país é o ICMS (CF, art. 155, II). Segundo levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), o ICMS corresponde a 19,96% dos recolhimentos realizados em território nacional em 2015 (http://www.acsp.com.br/acontece-na-acsp/pela-primeira-vez-impostometro-da-associacao-comercial-de-sp-chega-a-r-2-trilhoes). Tal imposto é responsável por desequilibrar o ponto de eficiência alocativa dos mercados, como verificaremos adiante, e se apresenta com uma característica indesejável metafisicamente falando, qual seja, a da regressividade.
Quanto à regressividade, a demonstração é mais sucinta. Pensemos em 2 contribuintes, A e B. O contribuinte A tem renda mensal de $1.000, enquanto que o contribuinte B tem renda mensal de $20.000. Ambos adquirem mensalmente uma cesta básica de alimentos ao preço de $500, com incidência de ICMS médio de 20% ($100) (incidência meramente exemplificativa para fins didáticos). Não há razão para estipularmos variações na aquisição de alimentos, pressupondo-se que ambos os contribuintes se alimentarão de cestas básicas aproximadamente iguais. Ora, o contribuinte A comprometerá 50% de sua renda na aquisição de tal cesta básica, recolhendo $100 em ICMS, o que representa 10% de sua renda em tributos. Já o contribuinte B comprometerá 2,5% de sua renda na aquisição de tal cesta básica, e 0,5% em tributação. Não são necessárias maiores considerações para se vislumbrar a gritante diferença de tributação relativa entre ambos os contribuintes (10% da renda de A e 0,5% da renda de B). Ou seja, quanto maior a renda, menor a contribuição relativa de tributos indiretos, como o ICMS.
A despeito dos resultados evidenciados acima, obtidos mediante aplicação de um instrumental microeconômico (Teoria da Firma), ainda assim, entendemos ser a Seletividade uma previsão louvável e, quiçá, a mais importante no ordenamento jurídico-tributário.
A Seletividade, segundo o texto constitucional, é obrigatória para o IPI e facultativa para o ICMS. O Poder Judiciário, entrementes, considera a mesma obrigatória para ambos os tributos, conforme se extrai do acórdão que segue:
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ICMS. SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA E DE TELECOMUNICAÇÕES. MAJORAÇÃO DE ALÍQUOTA. PRINCÍPIO DE SELETIVIDADE. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PELO ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – Não obstante a possibilidade de instituição de alíquotas diferenciadas, tem-se que a capacidade tributária do contribuinte impõe a observância do princípio da seletividade como medida obrigatória, evitando-se, mediante a aferição feita pelo método da comparação, a incidência de alíquotas exorbitantes em serviços essenciais. II – No caso em exame, o órgão especial do Tribunal de origem declarou a inconstitucionalidade da legislação estadual que fixou em 25% a alíquota sobre os serviços de energia elétrica e de telecomunicações – serviços essenciais – porque o legislador ordinário não teria observado os princípios da essencialidade e da seletividade, haja vista que estipulou alíquotas menores para produtos supérfluos. III – Estabelecida essa premissa, somente a partir do reexame do método comparativo adotado e da interpretação da legislação ordinária, poder-se-ia chegar à conclusão em sentido contrário àquela adotada pelo Tribunal a quo. IV – Agravo regimental a que se nega provimento” (RE 634.457-AgR/RJ, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, Dje 15.8.2014) (grifei)
Como observação final, a sujeição passiva, seja ela direta ou indireta, não pode dispensar o Princípio da Capacidade Contributiva, sob pena de incidir em Tributação Confiscatória (vedada pelo art. 150, IV).
3.17 Princípio da neutralidade
O Estado liberal clássico trouxe consigo uma série de aprimoramentos industriais, mercadológicos e sociais, em uma verdadeira revolução econômica que sedimentou a forma de viver até os dias de hoje. Em tal modelo, prima-se pela livre concorrência e pela baixa intervenção estatal na economia. A CF/88 não tratou o assunto de forma diferente, prevendo em seus próprios fundamentos os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Esse fundamento foi perfectibilizado pela própria constituição em seu artigo 146-A, na forma que segue:
“CF, art. 146-A. Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo.”
Esse é um dos princípios mais relevantes dos já mencionados, eis que intrinsecamente associado à ineficiência tributária objeto do presente estudo. O sistema é altamente ineficiente, pois opera via tributos indiretos, atingindo a produção e o comércio, justamente o que o Estado liberal clássico propunha impedir, e na contramão dos modelos internacionais de tributação existentes.
No que tange ao desequilíbrio alocativo, estipulemos um exemplo didático. Observando uma firma qualquer, temos que da sua receita total (Rt) surgem a receita marginal (Rmg) e a receita média ou demanda (Rme). A receita marginal é obtida pela derivação da receita total em função da quantidade. A receita média é a divisão da receita total pela quantidade. Já com relação aos custos, temos o custo total (Ct) e o custo marginal (Cmg), obtido pela derivação do custo total em razão da quantidade. O ponto ótimo de Pareto se dá na interseção das curvas de receita marginal e custo marginal (Rmg = Cmg), donde se extrai a quantidade ótima (q*) e o preço ótimo (q*). Assim, temos, por exemplo, uma RT = -5q2 + 100q e um Ct = 0,5q3 + 6q2 + 20q + 10, com Q* = 3 e P* = $85. Ao estipularmos a incidência de $30 por unidade comercializada (tal qual se opera a incidência do ICMS e do IPI – custo por quantidade produzida), nossa curva de custos terá a adição de 10q, ocasionando o deslocamento da curva de custo marginal exatamente em 30 unidade no eixo das ordenadas. Tal deslocamento mudará o ponto de interseção do Cmg com a Rmg, resultando na quantidade Q* = 2,70 e o preço P* = $86,25.
Ora, basta comparar os dois pontos de maximização de lucros (ótimo de Pareto) para evidenciarmos uma redução na quantidade e um aumento nos preços, ocasionados pela incidência do ICMS. Esse desvio de eficiência ocorre na incidência de tributos indiretos e reduz o excedente do consumidor e do produtor. Tal fenômeno não ocorre quando da incidência do IR, verbi gratia. É, sem sombra de dúvida, o ponto nevrálgico do atual sistema.
4 LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR
O poder de tributar é uma prerrogativa grande e ao mesmo tempo sensível. A Constituição prevê uma série de prerrogativas ao Ente estatal no que tange à cobrança de seus tributos, eis que prevalece a supremacia do interesse público nas relações com os contribuintes, tudo isso desaguando no fomento e na continuidade dos serviços públicos, razão pela qual é conferida ao Estado uma série de vantagens para o cumprimento de suas atribuições. Nosso sistema jurídico contempla, entrementes, direitos e garantias individuais, ao lado das prerrogativas públicas norteadas pela supremacia do interesse público: a CF 88 destinou vários dispositivos ao resguardo de tais interesses individuais, projetando o indivíduo a uma dimensão mais elevada do que nas cartas anteriores. Desta forma, o direito tributário deve se limitar, se circunscrever às garantias e direitos direcionados a tais indivíduos. É desta forma que nascem as limitações ao poder de tributar, regras constitucionais fundamentais na relação entre contribuintes e Estado, conforme será analisado neste capítulo.
4.1 Imunidade e Isenção
Em primeiro lugar, cabe definirmos a imunidade como um instituto que delimita de forma negativa a competência tributária. Competência tributária é o poder que a Constituição Federal atribui a determinado Ente Político para que este institua um tributo, descrevendo-lhe sua hipótese de incidência, o Sujeito Ativo, Sujeito Passivo, Base de Cálculo e Alíquota. A disposição legal da Competência Tributária é a do CTN:
“CTN, art. 6º A atribuição constitucional de competência tributária compreende a competência legislativa plena, ressalvadas as limitações contidas na Constituição Federal, nas Constituições dos Estados e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios, e observado o disposto nesta Lei.”
Há, nesse momento, a necessidade de diferenciarmos imunidade de isenção. A imunidade está prevista na Constituição Federal (CF 150, VI), enquanto que a segunda é própria da Lei (CTN 175, I). Na imunidade, a hipótese de incidência não ocorre, eis que há uma limitação negativa (ou incompetência no caso); na isenção, a seu tempo, ocorre a hipótese de incidência, dispensando-se, entretanto, o adimplemento da obrigação tributária principal, qual seja, o pagamento. Uma forma de tornar clara tal distinção, entre imunidade e isenção, é quanto ao aspecto temporal dentro do circuito da constituição do crédito tributário. Segundo o CTN, o processo seria da seguinte forma:
“CTN, art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.”
A materialização do Crédito tributário segue as seguintes etapas: a hipótese de incidência (previsão abstrata na Lei do tipo) mais o próprio fato imponível (fato concretâneo no plano fenomênico) dão origem, quando somados, à Obrigação Principal (CTN 113, §1º). Esta, acrescida do Lançamento tributário (CTN 142) que declara a Obrigação e constitui o Crédito (natureza mista) dá origem ao Crédito tributário.
Dado o processo acima, resta localizar o momento onde ocorrem a imunidade e a isenção: a imunidade ocorre antes do processo como um todo, ou seja, ela desautoriza a Hipótese de Incidência, e sendo assim, não há que se falar em Obrigação Principal, eis que impossível localizar o tipo para ulterior associação ao Fato Imponível. Já a Isenção permite a ocorrência da Obrigação Principal, tendo em vista a existência da Hipótese de Incidência e sua associação a um Fato Imponível. No caso da Isenção, o que se evita é o Lançamento, ou seja, não ocorre a constituição do Crédito Tributário.
Para efeitos práticos, tanto a Imunidade quanto a Isenção impedem a existência do Crédito Tributário, e por conseguinte do pagamento.
A imunidade, por todo o exposto, cria um duplo efeito em sua previsão, qual seja, delimita a ação do Ente tributante e confere um direito público subjetivo ao beneficiário de tal regramento.
Tamanha é a importância das imunidades tributárias que as mesmas foram consagradas como cláusulas pétreas na Carta Magna, conforme segue:
“CF, art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
§ 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
IV – os direitos e garantias individuais.”
Os direitos e garantias individuais, protegidos contra deliberações que venham a suprimi-los, encontram-se dispersos ao longo do texto constitucional. As regras de imunidade do artigo 150 são exemplos de tais direitos, como bem pontuamos anteriormente. Assim, não poderão ser sequer deliberadas as propostas de emenda constitucional que tendam a abolir as imunidades previstas na CF 150, inciso IV. Ampliar o rol de proteção em tal dispositivo é possível, como o que ocorreu em 2013, com a inclusão de mais uma alínea ao inciso IV suprarreferido, qual seja, a “imunidade musical”. Suprimir regras de tal dispositivo é que se proíbe.
Outro importante aspecto a ser considerado, relativamente às imunidades, é a subsistência das obrigações tributárias acessórias. Primeiramente, cabe definirmos o conceito de Obrigação Tributária. O CTN prevê que:
“CTN, art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.
§ 1º – A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.
§ 2º – A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.”
Assim, temos que a Obrigação tributária principal decorre de Lei e diz respeito a pagamentos/adimplementos. Já a Obrigação tributária acessória decorre da Legislação tributária (CTN 96) e diz respeito a prestações positivas ou negativas por parte do sujeito passivo. O CTN já previa, anteriormente à CF, as imunidades tributárias ora comentadas, conforme segue:
“CTN, art. 9º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
IV – cobrar imposto sobre:
a) o patrimônio, a renda ou os serviços uns dos outros;
b) templos de qualquer culto;
c) o patrimônio, a renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, observados os requisitos fixados na Seção II deste Capítulo;
d) papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros.”
Somando tal disposição, com o regramento abaixo transcrito, temos a perfectibilização da subsistência da acessoriedade da Obrigação tributária:
“CTN, art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:
I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;
II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;
III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.
§ 1º – Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do artigo 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício.”
Ou seja, mesmo que imune, o beneficiário de tal imunidade deverá cumprir as Obrigações acessórias previstas em Lei ou Legislação tributária, como bem assevera o CTN 14.
Outro ponto digno de referência é quanto às atecnias existentes no corpo constitucional, relativamente aos termos em comento. Há duas passagens na Constituição Federal onde os termos “isentas” na verdade expressam caso de imunidade, e não de isenção. São eles;
“CF, art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.
§ 5º – São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária.
CF, art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
§ 7º – São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.” (grifei)
Ora, se a regra se encontra na Carta Magna, isenção não o é. Em ambos os casos, o que se está a discutir é regra de Imunidade, verdadeiro caso de incompetência tributária.
4.2 Espécies Tributárias Imunes
As imunidades são, via de regra, destinadas ao impostos; há, no entanto, outras espécies tributárias alcançadas por tal instituto.
Exemplo de imunidade relativa a Contribuições:
“CF, art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo:
I – não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação;
CF, art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
§ 7º – São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.”
Exemplo de imunidade relativa a Taxas:
“CF, art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;
LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;
LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;
LXXVI – são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei:
a) o registro civil de nascimento;
b) a certidão de óbito;
LXXVII – são gratuitas as ações de "habeas-corpus" e "habeas-data", e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania. (Regulamento)” (grifei)
Não há previsão de imunidades para Contribuições de Melhoria (CF 145, III) tampouco para empréstimos Compulsórios (CF 148).
4.3 Imunidade Recíproca
Tal imunidade remonta ao final do século XIX, sendo desde então reproduzida nas constituições subseqüentes, in verbis:
“CF, art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
VI – instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
§ 2º – A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.
§ 3º – As vedações do inciso VI, "a", e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.”
O presente dispositivo se refere à imunidade recíproca, ou mútua, qual seja, a que diz respeito à instituição de impostos por um Ente contra outro. Trata-se da mais antiga exoneração tributária, tendo surgido com a 1ª Constituição Republicana de 1891.
Em primeiro lugar, há de se destacar que, teleologicamente, o Legislador Constituinte buscou reforçar o Pacto Federativo como cláusula pétrea (CF 60, §4º, I).
Em segundo lugar, temos que os Entes Políticos não possuem capacidade contributiva, logo não podem ser tributados por impostos. Expliquemos melhor. Os Impostos não gozam do atributo da Referibilidade, ou seja, não estão ligados a um serviço ou fato estatal, e sim a um fato do sujeito passivo, uma manifestação de riqueza do mesmo. Assim, a imunidade recíproca veda que as manifestações de propriedade, de serviços e de renda (manifestações de riqueza) próprias dos Entes federativos, sejam tipificadas como hipóteses de incidência de impostos. É que prima-se, dessa forma, pela coexistência parificada dos Entes Políticos, sem hierarquia ou precedência entre os mesmos.
A Federação na qual vivemos há de ser preservada, pois essa era a intenção do Poder Constituinte. E uma medida necessária para tanto é a imunidade a impostos dos Entes entre si. Dessa forma, proíbe-se a tipificação da hipótese de incidência relativa ao IPTU de prédios e demais propriedades da União e Estados. Da mesma forma, veda-se a existência de tipo para a exação do IR contra disponibilidades dos Municípios, Estados e DF.
Ainda que o dispositivo em debate tenha explicitado os termos “patrimônio, renda ou serviços”, o que gerou eventuais discussões em sede doutrinária quanto à possibilidade de exação relativa a impostos sobre o comércio exterior e circulação de mercadorias, o entendimento mainstream, inclusive do STF, se funda pela interpretação ampliativa da regra, abarcando todas as subespécies de impostos. Seguem alguns entendimentos jurisprudenciais:
“EMENTA: A proibição constante do art. 150, VI, “a”, da CF/88 (“(…) é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI – instituir imposto sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros”) impede a cobrança do IOF nas operações financeiras realizadas pelos Municípios. Precedente: AgRg n° 172.890 (RE 196.415/PR, 2ª Turma, rel. Min. Ilmar Galvão, j. em 21-05-96).
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ICMS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. INSTITUIÇÃO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. CF, art. 150, VI, alínea c. I. Não há invocar, para o fim de ser restringida a aplicação da imunidade, critérios de classificação dos impostos adotados por normas infraconstitucionais, mesmo porque não é adequado distinguir entre bens e patrimônio, dado que este se constitui do conjunto daqueles. O que cumpre perquirir, portanto, é se o bem adquirido, no mercado interno ou externo, integra o patrimônio da entidade abrangida pela imunidade. II. Precedentes do STF. III. Agravo não provido” (RE 225.778-AgR, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ 10.10.2003).
O parágrafo 2º versa sobre a imunidade recíproca extensiva, abrangendo as autarquias e fundações públicas instituídas e mantidas pelo Poder Público. Como condição, há de se observar a vinculação do objeto imune às finalidades essenciais decorrentes (das finalidades essenciais). Assim, se o patrimônio de uma Autarquia for um terreno baldio (não ligado às finalidades decorrentes), este bem será tributado. Tal restrição condicionante (finalidades decorrentes) não se aplica aos órgãos da Administração Direta, pois os mesmos gozam de Imunidade Incondicional. Para o STF, tal Imunidade se aplica também às Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista. A EBCT e a INFRAERO são Empresas Públicas Exóticas (Sui Generis), pois possuem Status Constitucional diferenciado das demais Empresas Públicas, vez que desempenham Atividades exclusivas de Estado, razão pela qual são alcançadas por tal Imunidade. A título exemplificativo, temos o seguinte julgado:
“Recurso extraordinário com repercussão geral. 2. Imunidade recíproca. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. 3. Distinção, para fins de tratamento normativo, entre empresas públicas prestadoras de serviço público e empresas públicas exploradoras de atividade. Precedentes. 4. Exercício simultâneo de atividades em regime de exclusividade e em concorrência com a iniciativa privada. Irrelevância. Existência de peculiaridades no serviço postal. Incidência da imunidade prevista no art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido”. (RE 601.392, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 28/02/2013, Plenário)
O parágrafo 3º, por sua vez, diz respeito à limitação à intervenção estatal no mercado, outro valor insculpido na CF, como segue:
“CF, art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 2º – As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado”.
Fácil é a compreensão dos valores expostos no dispositivo transcrito. Prepondera a economia de mercado, tendo o Estado papel balizador e orientador, no mais das vezes (CF 174). Daí decorre que, caso um ente político comercialize produtos (atividade econômica), haverá a incidência de ICMS e IPI, assim como quando prestar serviços não exclusivos, incidindo ISS, ainda que tais hipóteses sejam um tanto quanto abstratas e de difícil verificação no plano fático.
Enfim, a imunidade recíproca é subjetiva (outorgada em função da condição de certas pessoas) e ontológica (implícita).
4.4 Imunidade Religiosa
Primeiramente cabe pontuar a laicidade do Estado brasileiro, postura adotada desde a República. As presenças do termo “Deus” no preâmbulo da atual constituição e de crucifixos em tribunais, verbi gratia, são nada mais do que a manifestação da influência da religião cristã em nossa sociedade, não sendo posturas estatais de fato. Em que pese tais referências, os templos de qualquer culto são protegidos da ação tributária atinente aos impostos, conforme segue:
“CF, art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
VI – instituir impostos sobre:
b) templos de qualquer culto;
§ 4º – As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.”
Tal imunidade consagra a neutralidade do Estado e o prestígio ao pluralismo religioso, na medida em que ao desonerar os templos da incidência de impostos promove-se a existência dos mesmos. Assim, manifestações de riqueza dos mesmos não serão fatos geradores (sic) dos diversos impostos de competência dos Entes federativos.
Aqui cabe lembrar que, mais um vez, que tal imunidade não se estende aos demais tributos: a coleta de lixo domiciliar ocasionará a cobrança de taxa ao templo, pois há contraprestação de um serviço. Assim, não há que se falar em manifestação de riqueza.
Ainda sobre o tema, tem se que não só o templo é imunizado, e sim todo o patrimônio, renda e serviços associados ao mesmo, desde que correlacionados à função primordial daqueles. Assim sedimentou o STF:
“Súmula STF 724 – Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, "c", da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades.”
Assim, temos que não somente os prédios, mas toda atividade exercida pelos templos de qualquer culto será imunizada, tais como as receitas oriundas de estacionamento conjugado ao templo, de vendas realizadas em bazares paroquiais, etc. Este é o posicionamento do STF, in verbis:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 2. Imunidade tributária de templos de qualquer culto. Vedação de instituição de impostos sobre o patrimônio, renda e serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades. Artigo 150, VI, “b” e §4º, da Constituição. 3. Instituição religiosa. IPTU sobre imóveis de sua propriedade que se encontram alugados. 4. A imunidade prevista no art. 150, VI, “b”, da CF, deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços “relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”. 5. O §4º do dispositivo constitucional serve de vetor interpretativo das alíneas “b” e “c” do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. Equiparação entre as hipóteses das alíneas referidas. .6 Recurso extraordinário provido”. (RE 325.822/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 18/12/2002, Tribunal Pleno)
Esse entendimento se aplica às áreas conjugadas dos templos, tais como os cemitérios. Repise-se: quando conjugadas aos templos. Cemitérios nessa situação também serão imunizados da cobrança de IPTU, conforme julgado que segue:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. IPTU. ARTIGO 150, VI, “B”, CB/88. CEMITÉRIO. EXTENSÃO DE ENTIDADE DE CUNHO RELIGIOSO. 1. Os cemitérios que consubstanciam extensões de entidades de cunho religioso estão abrangidos pela garantia contemplada no artigo 150 da Constituição do Brasil. Impossibilidade de incidência de IPTU em relação a eles. 2. A imunidade aos tributos de que gozam os templos de qualquer culto é projetada a partir da interpretação da totalidade que o texto da Constituição é, sobretudo do disposto nos artigos 5º, VI, 19, I e 150, VI, “b”. 3. As áreas da incidência e da imunidade tributária são antípodas. Recurso extraordinário provido”. (RE 578.562/BA, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 21/05/2008, Tribunal Pleno)
Quanto à extensão do termo “templos de qualquer culto”, tem-se que inaplicável às entidades maçônicas, conforme julgado que segue;
“CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 150, VI, C, DA CARTA FEDERAL. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 279 DO STF. ART. 150, VI, B, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ABRANGÊNCIA DO TERMO “TEMPLOS DE QUALQUER CULTO”. MAÇONARIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO EM PARTE E, NO QUE CONHECIDO, DESPROVIDO. I – O reconhecimento da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, c, da Constituição Federal exige o cumprimento dos requisitos estabelecidos em lei. II – Assim, para se chegar-se à conclusão se o recorrente atende aos requisitos da lei para fazer jus à imunidade prevista neste dispositivo, necessário seria o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos. Incide, na espécie, o teor da Súmula 279 do STF. Precedentes. III – A imunidade tributária conferida pelo art. 150, VI, b, é restrita aos templos de qualquer culto religioso, não se aplicando à maçonaria, em cujas lojas não se professa qualquer religião. IV – Recurso extraordinário parcialmente conhecido, e desprovido na parte conhecida.” (RE 562.351/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 04/09/2012, Primeira Turma)
Tal posicionamento da Suprema Corte veio de encontro a parte da doutrina, que manifestava-se pela aplicabilidade do instituto da imunidade aos templos maçônicos. O STF deu a tal dispositivo, desta forma, interpretação restritiva. In casu, colheu-se dos próprios sítios eletrônicos da Maçonaria a informação que tal ordem se trata de instituição voltada a ideologia, e não à religião, de forma que restou afastada a regra imunizante.
4.5 Imunidade Assistencial
Há, também, imunidade que desonera os partidos políticos, as entidades sindicais dos trabalhadores (e não dos empregadores, convém frisar), as instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos, na forma que segue:
“CF, art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
VI – instituir impostos sobre:
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
§ 4º – As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.”
Diferentemente da imunidade Recíproca, a Assistencial é condicionada, no sentido de que devem ser preenchidos certos requisitos, a saber os elencados no CTN 4º, I e II. Tal condicionante já foi explicitada em julgados, como o seguinte:
“APELAÇÃO CIVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA. ENTIDADE BENEFICENTE SEM FINS LUCRATIVOS. IMUNIDADE. IPTU. ISS. TAXAS MUNICIPAIS. PREVISÃO LEGAL. POSSIBILIDADE. A imunidade vem amparada pela alínea ‘c’, inciso VI do art. 150 da Constituição da República, onde é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei. Comprovado os requisitos exigidos pelo art. 14 do CTN. A cobrança do IPTU e do ISSQN só onera o objetivo pelo qual a entidade beneficente se presta a servir para a comunidade. Portanto diante de estarem comprovados os requisitos exigidos pelo art. 14 do CTN tem o direito do benefício da imunidade, estando desonerada do pagamento de tais impostos. Por conseqüência, também está desonerada ao pagamento das taxas municipais, pois prevista a isenção legalmente, nos termos do art. 123, §3º da lei Municipal nº 3.731/93, alterado pela Lei Municipal nº 4.635/02, que confirma a isenção dos impostos e taxas municipais para entidades de utilidade pública, clubes, sociedades recreativas e entidades de assistência social e dá outras providências. APELAÇÃO PROVIDA (AC nº 70028112274, Rel. Des. Jorge Maraschin dos Santos, julgamento em 27/05/2009)
O vetor teleológico de tal imunidade reside no pluralismo político, no prestígio ao polo hipossuficiente nas relações trabalhistas e no desenvolvimento educacional, cada qual associado ao beneficiário da regra imunizante do artigo 150, VI, c da Constituição Federal.
Por fim, relativamente às Entidades de Assistência Social, cabe a seguinte observação: se tais Entidades forem de atendimento restrito (Entidades de Assistência Social), a imunidade assistencial será a do art. 150, VI, c (relativa a Impostos); se forem de atendimento geral (Entidades Beneficentes de Assistência Social), a imunidade assistencial será também a do art. 195, §7º (relativa a Contribuições).
4.6 Imunidade Cultural
Garantindo-se a liberdade de expressão, bem como a propagação do conhecimento, determinou o legislador constituinte a imunidade cultural (de imprensa), de caráter objetivo, ou seja, incidente sobre os bens que veiculam informação, in verbis;
“CF, art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
VI – instituir impostos sobre:
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.”
Destaca-se que os objetos imunes a impostos se circunscrevem aos periódicos, jornais e livros e ao papel destinado a sua impressão, de forma que os demais insumos não são desonerados da tributação via impostos. Assim decidiu o STF:
“Súmula STF 657 – A imunidade prevista no art. 150, VI, "d", da Constituição Federal abrange os filmes e papéis fotográficos necessários à publicação de jornais e periódicos.”
Tal imunidade foi interpretada, ainda pela suprema corte, de forma ampliativa, ou seja, abrange de forma ampla os veículos de informação, seja qual for o mérito de seu conteúdo informativo, como álbuns de figurinhas e listas telefônicas, por exemplo, conforme julgados que seguem:
“O fato de as edições das listas telefônicas veicularem anúncios e publicidade não afasta o benefício constitucional da imunidade. A inserção visa a permitir a divulgação das informações necessárias ao serviço público a custo zero para os assinantes, consubstanciando acessório que segue a sorte do principal.
(RE 199.183, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 17/04/1998, 2ª Turma)
"Álbum de figurinhas". Admissibilidade. A imunidade tributária sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão tem por escopo evitar embaraços ao exercício da liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, bem como facilitar o acesso da população à cultura, à informação e à educação. O Constituinte, ao instituir esta benesse, não fez ressalvas quanto ao valor artístico ou didático, à relevância das informações divulgadas ou à qualidade cultural de uma publicação. Não cabe ao aplicador da norma constitucional em tela afastar este benefício fiscal instituído para proteger direito tão importante ao exercício da democracia, por força de um juízo subjetivo acerca da qualidade cultural ou do valor pedagógico de uma publicação destinada ao público infanto-juvenil”. (RE 221.239, rel. min. Ellen Gracie, julgamento em 25/05/2004)
Acompanhando tal entendimento sobreveio decisão importante neste corrente ano, acerca dos e-books. Conforme interpretação do Supremo Tribunal Federal, o objeto da norma imunizante deve ser amplo, asseverando a suprema corte no julgado que segue:
“O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, apreciando o tema 593 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário e fixou a seguinte tese: "A imunidade tributária constante do art. 150, VI, d, da CF/88 aplica-se ao livro eletrônico (e-book), inclusive aos suportes exclusivamente utilizados para fixá-lo". Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 08.03.2017. “
Desta forma, temos que a imunidade cultural deve abranger um amplo espectro de veículos, acompanhando a evolução da própria difusão de conhecimentos, atualizando o próprio direito frente ao plano fático em constante mutação.
4.7 Imunidade Musical
Em recente alteração da Constituição Federal, emergiu mais uma imunidade objetiva, qual seja, a que desonera de impostos as obras artísticas musicais ou literomusicais, desde que produzidas por autores brasileiros, conforme segue:
“CF, art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
VI – instituir impostos sobre:
e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.” (Incluída pela Emenda Constitucional nº 75, de 15.10.2013)
O vetor teleológico confude-se, nesse ínterim, com o vetor da imunidade cultural, de certa forma e mutatis mutandis. A partir de tal constatação, resta concluir que há outro valor jurídico a ser preservado, qual seja, o da formalidade, combatendo o mercado informal de pirataria enraizado em nossa sociedade. Ao imunizar a produção musical brasileira, barateia-se o produto final, tornando-o competitivo com o disponibilizado em marcados informais.
5 CONCLUSÃO
O estudo dos princípios tributários, associado ao das limitações ao poder de tributar, é de suma importância para o operador do direito, no sentido de compreender como se dá a relação jurídica entre o Estado e os contribuintes, a eficácia na tributação e as vicissitudes de tal sistema.
Os contribuintes em grande parte questionam a existência de uma máquina pública tão volumosa como a brasileira, especialmente quanto à carga tributária, carga essa necessária ao fomento de uma máquina com grande rol de serviços estabelecidos a partir de uma óptica de bem estar social como o nosso; ocorre que, não raras as vezes, assim a questionam por conta da falta de um maior esclarecimento quanto aos mecanismos que, orientados pelos princípios aqui estudados, buscam maior justiça no trato tributário. Os números da litigiosidade tributária no Brasil são reflexo de tal quadro, seja pela falta de informação por parte dos contribuintes acerca de suas obrigações, seja pelo atendimento não adequado dos Princípios tributários pelo Estado.
E é justamente esse o papel reservado ao operador do direito: informar os agentes quanto à importância de contribuir para tal sistema e esclarecer os primados existentes em torno da tributação, que buscam, como visto, proteger os contribuintes da discricionariedade estatal e garantir não só a efetividade da tributação, como a equidade e a isonomia, segundo a capacidade contributiva e dentro de um esquema limitador do poder de tributar.
Assim pensou o legislador constituinte, e assim evolui o nosso sistema tributário, seja pela ação do legislador ordinário, seja pela contribuição da doutrina e, como visto, pelos vastos precedentes jurisprudenciais atinentes às relações tributárias. Os primados são da maior importância, desta forma, ao agentes passivos e ao Estado, de forma que a vida em sociedade possa ser estabelecida com o devido e justo financiamento do Estado, respeitadas a liberdades e garantias individuais e o pacto social necessário à existência da comunidade assim estabelecida.
Informações Sobre o Autor
Camilo Thudium Vargas dos Santos
Formado em Ciências Econmicas UFRGS. Especialista em Direito Tributário Grupo UNIASSELVI. Servidor Público Justiça Federal/RS