Da impossibilidade de fornecimento, por Shopping Centers, de informações sobre faturamento de seus lojistas

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O conceito de faturamento na doutrina é bastante antigo, e a princípio significava simplesmente a atividade de emitir fatura, que era utilizada nas vendas por atacado. É este conceito que já se fazia constar do Código Comercial, em seu artigo 219.

Quando do surgimento da obrigação de emissão de notas fiscais relativas à venda de mercadorias, a fatura caiu um pouco em desuso, todavia, quando da promulgação da lei nº 5.474/68, que veio disciplinar as duplicatas, tornou-se obrigatória a emissão das faturas nas vendas a prazo entre comerciantes e, a partir deste momento, faturamento passou a significar o somatório das vendas de mercadorias com prazo de pagamento superior a 30 dias.

Por questão de simplificação, muitas empresas optaram pela emissão de faturas para todas as suas operações, inclusive relativas à prestação de serviço, com a nota fiscal já incluída no mesmo documento, surgindo daí a figura da Nota Fiscal/Fatura e, com o tempo, tornou-se conhecido o termo faturamento como a totalização das vendas ou das prestações de serviço em determinado período.

Perante terceiros o faturamento de determinada empresa se comprova pelos seus livros e documentos fiscais/contábeis. Todavia, é impossível negar-se que ocorrem situações nas quais os livros e documentos fiscais/contábeis, de determinada empresa, não se apresentam condizentes com a sua movimentação real, não sendo, por conseguinte, aptos a efetivamente comprovar o faturamento. Para estas situações previu o ordenamento jurídico brasileiro que o faturamento pudesse ser apurado de outra forma, qual seja, a Perícia Contábil, cujo conceito encontra-se prescrito nas Normas Brasileiras de Contabilidade número 13 – NBCT-13, estabelecidas pela resolução n.º 858/99 do CFC (1999), abaixo transcrita.

“13.1.1 – a perícia contábil é o conjunto de procedimentos técnicos e científicos destinados a levar à instancia decisória elementos de prova necessária a subsidiar à justa solução do litígio, mediante laudo pericial contábil, e ou parecer pericial contábil, em conformidade com as normas jurídicas e profissionais, e a legislação específica no que for pertinente.

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13.4.1- Os procedimentos de perícias contábeis visam fundamentar as conclusões que serão levadas ao laudo pericial contábil ou parecer pericial contábil, e abrangem, total ou parcialmente, segundo a natureza e a complexidade da matéria exame, vistoria, indagação, investigação, arbitramento, mensuração, avaliação ou certificação”.

Por conseguinte, quando o Fisco solicita, aos Shopping Centers, informações sobre o faturamento de seus lojistas, exige informações que somente poderiam ser prestadas por aqueles caso tivessem a guarda dos documentos ou livros ou caso tivessem o direito/obrigação de realizar, junto às suas locatárias, Perícias Contábeis, todavia não é o que ocorre, como a seguir se demonstra.

Em relação aos livros e documentos fiscais/contábeis, o Código Civil, em seus artigos 1.179 e 1.194, abaixo transcritos, estabelece a obrigação de todo empresário e sociedade empresária a seguir sistema de contabilidade, bem como a guardar toda a escrituração, correspondência e mais papéis concernentes à sua atividade

“Art. 1.179. O empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico.”

“Art. 1.194. O empresário e a sociedade empresária são obrigados a conservar em boa guarda toda a escrituração, correspondência e mais papéis concernentes à sua atividade, enquanto não ocorrer prescrição ou decadência no tocante aos atos neles consignados.”

E, para não restar dúvidas, o art. 1.190 do Código Civil, abaixo transcrito, estabelece que, salvo os casos previstos em lei, nenhuma autoridade, SOB QUALQUER PRETEXTO, poderá fazer ou ordenar diligência para verificar o empresário ou a sociedade empresária observam as formalidades prescritas em lei. Por outro lado, o art. 1.190, também abaixo transcrito, estabelece que o juiz só poderá autorizar a exibição integral dos livros e papéis de escrituração quando necessária para resolver questões relativas à sucessão, comunhão ou sociedade, administração ou gestão à conta de outrem, ou em caso de falência. Por outro lado, até mesmo a exibição de livros ou documentos, em conformidade com o art. 1.190, §1º depende de autorização judicial a qual, caso não acatada, pode resultar em sua apreensão judicial, de acordo com o art. 1.192, abaixo transcrito.

“Art. 1.190. Ressalvados os casos previstos em lei, nenhuma autoridade, juiz ou tribunal, sob qualquer pretexto, poderá fazer ou ordenar diligência para verificar se o empresário ou a sociedade empresária observam, ou não, em seus livros e fichas, as formalidades prescritas em lei.”

“Art. 1.191. O juiz só poderá autorizar a exibição integral dos livros e papéis de escrituração quando necessária para resolver questões relativas a sucessão, comunhão ou sociedade, administração ou gestão à conta de outrem, ou em caso de falência.

§ 1o O juiz ou tribunal que conhecer de medida cautelar ou de ação pode, a requerimento ou de ofício, ordenar que os livros de qualquer das partes, ou de ambas, sejam examinados na presença do empresário ou da sociedade empresária a que pertencerem, ou de pessoas por estes nomeadas, para deles se extrair o que interessar à questão.

§ 2o Achando-se os livros em outra jurisdição, nela se fará o exame, perante o respectivo juiz.”

“Art. 1.192. Recusada a apresentação dos livros, nos casos do artigo antecedente, serão apreendidos judicialmente e, no do seu § 1o, ter-se-á como verdadeiro o alegado pela parte contrária para se provar pelos livros.”

Por conseguinte, claro está o fato de ser impossível, aos Shopping Centers, apresentar o faturamento de seus lojistas, , visto que não possuem ou mantêm em seu poder qualquer livro ou documento contábil/fiscal de seus lojistas, mesmo porque, em conformidade com as normas legais, compete apenas a estes a sua manutenção e guarda.

Do mesmo modo como os Shopping Centers não detêm a guarda dos livros e documentos contábeis/fiscais de suas locatárias, também não possuem Perícias Contábeis que possam infirmar o faturamento destas, mesmo porque isto exigiria a apresentação daqueles livros e documentos, o que somente pode ser realizado, a teor do acima transcrito art. 1.191 do Código Civil, mediante autorização judicial.

O procedimento da Administração Tributária em exigir dos Shopping Centers a apresentação do faturamento de seus lojistas, além de manifestamente ilegal, transparece desconhecimento quanto ao art. 1.193 do Código Civil, que estabelece não serem aplicáveis à Administração Tributária as restrições estabelecidas quanto ao exame da escrituração contábil/fiscal, em disposição similar à contida no art. 195 do Código Tributário Nacional, também abaixo transcrito.

“Art. 1.193. As restrições estabelecidas neste Capítulo ao exame da escrituração, em parte ou por inteiro, não se aplicam às autoridades fazendárias, no exercício da fiscalização do pagamento de impostos, nos termos estritos das respectivas leis especiais.”

“Art. 195. Para os efeitos da legislação tributária, não têm aplicação quaisquer disposições legais excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais, dos comerciantes industriais ou produtores, ou da obrigação destes de exibi-los.

Parágrafo único. Os livros obrigatórios de escrituração comercial e fiscal e os comprovantes dos lançamentos neles efetuados serão conservados até que ocorra a prescrição dos créditos tributários decorrentes das operações a que se refiram.”

Portanto, enquanto não é possível aos Shopping Center atender à eventual determinação fiscal para fornecimento de informações de seus lojistas, visto que não possuem os meios legais de obter dados relativos à faturamento destes, a Administração Tributária tem todos os meios legais para obter as informações o que resulta por claramente comprovar a ilegalidade desta espécie de exigência fiscal, visto que o seu atendimento implicaria em transferir, aos Shopping Centers, a competência que legalmente apenas a Administração Tributária possui.

Diversos Shopping Centers, em vários de seus contratos, prevêem cláusula que estipula que o quantum da locação será o maior valor obtido entre um valor pré-fixado e determinado percentual das receitas, todavia, como já exposto, não tem aqueles meios para por si só aferir o faturamento, mesmo porque os documentos que o comprovam somente podem ser exigidos em virtude de autorização judicial.

Se houvesse algum meio legal de serem fornecidas informações relativas a faturamento dos lojistas, isto somente seria possível por parte do Fisco, nunca por parte dos Shopping Centers, visto que apenas a fiscalização tributária tem acesso aos livros e documentos fiscais/contábeis independentemente de autorização judicial.

O comportamento habitual dos Shopping Centers, em relação ao cumprimento de seu contrato no que concernente a valores de locação, implica em solicitar, a seus lojistas, informações sobre suas receitas, as quais muitas vezes são prestadas até mesmo por telefone, havendo ainda muitas das situações nas quais esta prestação de informações é dispensada, quando sabidamente conhecida a situação difícil de determinado lojista.

Até mesmo pelo caráter informal destas informações, não é possível exigir-se dos Shopping Centers que as forneça à fiscalização, mesmo porque estes não tem qualquer meio de afirmar a veracidade do conteúdo ali exposto.

Em situação análoga, os Tribunais Pátrios já infirmaram a total impossibilidade destas informações serem interpretadas como comprovantes de faturamento. Transcreve-se abaixo algumas ementas:

“TRIBUTÁRIO – IMPOSTO DE RENDA – OMISSÃO DE RENDAS – PROVA INDICIÁRIA.

1. A autuação embasou-se em declarações fornecidas pelo lojista à administração do Shopping, sem levar em conta a reprovável prática de apresentação de receitas de venda “a maior” para fruição de benefícios adicionais peculiares à locação.

2. Indício que se desfez à luz da prova pericial, que constatou estarem as declarações de renda em harmonia com a escrita contábil.

3. Ilegitimidade da autuação por suposição desfeita em prova judicial.

4. Apelo e remessa oficial improvidos.” (TRF 1ª Região. Quarta Turma. Apelação Cível nº 01270900. Relatora Juíza Eliana Calmon) (grifos inexistentes no texto original)

“TRIBUTÁRIO. ANULAÇÃO DE DÉBITO FISCAL. IMPOSTO DE RENDA. OMISSÃO DE RECEITA. PROVA INDICIÁRIA.

1. As declarações de rendimento fornecidas pelos lojistas à administração dos shopping centers constituem mero indício de omissão de receitas, só tendo valor fiscal se confirmadas por outras provas.

2. Comprovada por perícia judicial a devida correspondência das declarações à Receita Federal com a escritura contábil, ilegítima a exigência do débito fiscal, fundado em mero indício.

3. Apelação provida.” (TRF 1ª Região. Segunda Turma. Apelação Cível nº 01159299. Relator Juiz Lindoval Marques de Brito)

O próprio Conselho de Contribuintes da Receita Federal também já reconheceu a impossibilidade de se tratar estas eventuais declarações como provas de faturamento, como comprovam as Ementas abaixo transcritas.

“PIS/FATURAMENTO – A informação fiscal prestada pelo contribuinte à Administração do Shopping, não tem presunção de veracidade diante da comprovada alegação de que a diferença existente entre sua declaração de rendimentos e as informações prestadas á Administração do Shopping Center têm causa em cláusula de contrato, mormente quando, inclusive o próprio AFTN concorda com tal explicação. A Eg. Câmara Superior já proclamou não ser suficiente para servir de presunção legal, autorizadora de auto de infração, meras informações desse jaez, desprovidas de outros elementos probatórios. Recurso a que se dá provimento para considerar insubsistente a autuação.” (Conselho de Contribuinte da Receita Federal. Primeira Câmara. Processo nº 13706.000727/88-24. Relator Domingos Alfeu Colenci da Silva Neto) (grifos inexistentes no texto original)

“PIS/FATURAMENTO – A informação de receita oferecida à Locadora para cálculo do aluguel em Shopping Center não é prova suficiente de omissão de receitas, cumprindo à fiscalização, a partir desse indício, proceder o exame da escrita do contribuinte. Recurso provido.” (Conselho de Contribuinte da Receita Federal. Primeira Câmara. Processo nº 10768.016166/88-26. Relator Domingos Henrique Neves da Silva) (grifos inexistentes no texto original)

E nem poderia ser de forma diferente, isto porque, como já exposto ao início, apenas os livros e documentos fiscais/contábeis são aptos a comprovar faturamento, excetuando-se o caso de Perícia Contábil realizada pela própria fiscalização ou em virtude de determinação judicial.

Por conseguinte, juridicamente apresenta-se completamente impossível exigir que os Shopping Centers apresentem qualquer documento comprobatório do faturamento de suas locatárias, mesmo porque estes não as possuem.

Além do que, em conformidade com o disposto no art. 142 do CTN, abaixo transcrito, COMPETE PRIVATIVAMENTE À AUTORIDADE ADMINISTRATIVA o procedimento tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, não sendo possível imaginar-se que a Administração Tributária queira transferir esta incumbência aos Shopping Centers ao completo arrepio da normatização legal existente.

“Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.

Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.”

Deve-se também atentar para o que dispõe o Código Tributário Nacional sobre a prestação de informações por parte de terceiros. Antes de mais nada, deve-ser frisar que esta lei disciplina as Limitações ao Poder de Tributar previstas no corpo da Carta Magna de 1988.

O abaixo transcrito art. 197, do CTN, estabelece quais são os terceiros que podem ser obrigados a prestar informações, quais sejam, os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais instituições financeiras, as empresas de administração de bens, os corretores, leiloeiros e despachantes oficiais, os inventariantes, os síndicos, comissários e liquidatários, bem como quaisquer outras entidades ou pessoas QUE A LEI DESIGNE, em razão de seu cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.

“Art. 197. Mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à autoridade administrativa todas as informações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros:

I – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício;

II – os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais instituições financeiras;

III – as empresas de administração de bens;

IV – os corretores, leiloeiros e despachantes oficiais;

V – os inventariantes;

VI – os síndicos, comissários e liquidatários;

VII – quaisquer outras entidades ou pessoas que a lei designe, em razão de seu cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.

Parágrafo único. A obrigação prevista neste artigo não abrange a prestação de informações quanto a fatos sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.”

Claramente percebe-se que os Shopping Centers não se enquadram em nenhum dos casos específicos mencionados, visto que não são tabeliães, escrivães ou outros serventuários de ofício; nem tampouco bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas ou outra espécie de instituições financeiras; sequer administram bens de terceiros; também sua atividade não é a de corretor, leiloeiro ou despachante oficial; nem tampouco são estes inventariantes, síndicos, comissários ou liquidatários.

Em relação ao último caso, somente podem ser obrigados a prestar informações sobre bens ou negócios de terceiros entidades ou pessoas em relação às quais haja lei expressamente determinando, em razão de seu cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão, o que efetivamente inexiste em relação aos Shopping Centers, visto que não se tem ainda, no ordenamento jurídico brasileiro, qualquer norma que prescreva que os empreendedores que exerçam esta atividade tornam-se, em virtude da atividade prestada, obrigados a prestar informações sobre bens ou negócios de terceiros.

Como o Código Tributário Nacional, a norma competente para disciplinar as Limitações ao Poder de Tributar, estabeleceu quais são os terceiros que podem ser obrigados a prestar informações, e não sendo possível incluir-se os Shopping Centers em nenhum dos grupos relacionados, naturalmente que estão não estão obrigados a prestar, ao Fisco, quaisquer informações sobre negócios de terceiros.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Dênerson Dias Rosa

 

Consultor Tributário, ex-Auditor Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado de Goiás e sócio da Dênerson Rosa & Associados Consultoria Tributária.

 


 

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