A Jornada de Trabalho Necessária Para Caracterização do Empregado Doméstico, Sob Análise do Princípio da Continuidade

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Guilherme Cerântola Siqueira

Resumo: A pesquisa mostra-se importante haja vista as mudanças significativas trazidas pela Lei Complementar n° 150/2015, no tocante aos Empregados Domésticos. A citada lei, além de ter complementado os direitos sociais dispostos no artigo 7°, parágrafo único, da Constituição Federal, após a Emenda Constitucional nº 72/2013, também apresentou um novo conceito de empregado doméstico, expondo quais seriam os requisitos necessários para sua caracterização. Em exame será abordado os conceitos e definições sobre trabalho, bem como sua passagem histórica pelo Brasil, mostrando não só os métodos de tratamento dos serviços prestados, mas também as leis que disciplinaram a matéria. E com tais inovações será desenvolvida uma análise crítica dessa atual conceituação de doméstico no ordenamento jurídico, bem como verificar se esses requisitos estão de acordo com os princípios que protegem a categoria dos trabalhadores, em especial o princípio da continuidade da relação de emprego. Além disso, analisar-se-á não só pelo critério de dias na semana, mas por quantidade de dias laborados no respectivo mês, isso porque o empregador poderá chamar o obreiro, em algumas semanas, para prestar outros serviços, o que demonstra haver um conflito ainda na interpretação do artigo 1° da Lei dos Domésticos.

Palavras-chave: Direito do Trabalho. Empregado Doméstico. Jornada do Doméstico. Princípio da Continuidade.

 

Abstract: This research is justified considering the significant changes brought by Complementary Law No. 150/2015, related to Domestic Workers. This law, in addition to complementing the social rights determined in article 7, sole paragraph, of the Federal Constitution, after Constitutional Amendment No. 72/2013, also introduced a new concept of domestic worker, stating what would be the necessary requirements for its characterization. The paper will discuss the concepts and definitions of work, as well as its historical course in Brazil, showing not only the methods of treatment of the provided services, but also the laws that governed the subject. And with these innovations, a critical analysis of this current conceptualization of domestic worker in the legal system is developed, to verify whether these requirements are in accordance with the principles that protect this category of workers, in particular the principle continuity of employment relationship. In addition, the study will analyze, not only by the criterion of days per week, but also by the number of days worked in the respective month, once the employer may summon the worker in a few weeks to provide other services, which shows a conflict in the interpretation of Article 1 of the Domestic Worker Law.

Keywords: Labor Law. Domestic Worker. Domestic Day. Principle of Continuity.

 

Sumário: Introdução. 1. Contextualização do trabalho no brasil. 1.1. Conceito de trabalho. 1.2. Momento histórico do trabalho no brasil. 1.3. Evolução das leis dos domésticos. 2. Princípios do direito do trabalho. 2.1. Princípio da proteção. 2.2. Princípio da primazia da realidade. 2.3. Princípio da continuidade. 3. Análise de constitucionalidade da lei dos domésticos. 3.1. Direitos da lei complementar n° 150/2015. 3.2. Diferença entre o doméstico e a diarista. 3.3. Retrocesso no direito dos domésticos. Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO
A categoria dos domésticos sempre foi muito discutida pelos doutrinadores, tendo em vista que não havia previsão na legislação do país. Os trabalhadores necessitavam de uma lei específica, pois em toda a história foram pessoas que tiveram os seus direitos reprimidos, sem proteção justa e efetiva.

Por meio de muita luta, os trabalhadores vieram conquistando os seus direitos ao longo dos anos e, com um novo cenário, CORREIA (2016, p.189) afirma que “o Brasil deu um importante passo rumo à efetivação dos direitos fundamentais trabalhistas, reconhecendo direitos básicos dos empregados domésticos via EC n° 72/2013”.

E, em junho de 2015, foi promulgada a Lei Complementar n° 150/2015, conhecida também como Lei dos Domésticos, a qual regulamentou os direitos dos empregados domésticos e ainda revogou os textos normativos anteriores que tratavam do assunto, a Lei nº 5.859/1972 e os Decretos n° 71.885/1973 e n° 3.361/2000, conforme disposto no seu artigo 46 da nova lei.

Essa nova lei trouxe um conceito de empregado doméstico, sendo aquele que: “presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana”.

E com isso a presente pesquisa verificará se houve retrocesso nos direitos dos empregados domésticos, em análise à Lei Complementar n° 150/2015, isso porque os trabalhadores lutaram por anos para obterem certos direitos, de modo que o legislador não poderá, por um ato de inconsciência ou para beneficiar alguns, deixar de lado essa história de luta e de sofrimento de toda uma população.

Destarte, os resultados desse projeto contribuirão para que os cidadãos e os juristas verifiquem se o ordenamento jurídico e a Lei vigente estão de acordo com os novos posicionamentos trabalhistas, em especial aos empregados domésticos. Não podendo se esquecer de que os trabalhadores cada vez mais gastam suas energias sem ter um retorno justo e satisfatório, tanto a satisfação pessoal como a profissional.

Atualmente há posicionamentos políticos que dizem ser favoráveis para os trabalhadores, mas, em muitos casos, só se tratam de discursos meramente persuasórios, ou seja, não colocam em prática o que prometem, querendo somente uma coisa da população: o voto; assim, por meio desta pesquisa, poderão ser identificados os problemas existentes no tocante aos direitos trabalhistas, bem como verificar os melhores entendimentos para amparar o trabalhador quando ele necessitar.

O trabalho realizado classifica-se como qualitativo, por meio do método dedutivo. Tendo em vista aos procedimentos técnicos a pesquisa classifica-se como bibliográfica e documental.

E a pesquisa foi desenvolvida por meio de um planejamento de trabalho que irá abranger a análise de bibliografias e artigos a respeito do conteúdo, tais como: pesquisas científicas; legislação atualizada; jurisprudências e súmulas; artigos de revistas; livros (doutrinas); e textos publicados na internet.

Os dados coletados serão expostos inicialmente por resultados bibliográficos no que tange ao tema. E será demonstrada uma análise comparativa dos resultados alcançados, a fim de formular uma conclusão para aclarar as suspeitas existentes sobre o assunto e defender e/ou criticar os direitos atuais dos empregados domésticos, em específico os requisitos necessários para sua caracterização.

Diante disso, sendo esse tema como objeto central da pesquisa, buscar-se-á elucidar quantos dias o trabalhador deverá prestar serviço para caracterização de emprego doméstico, não só pelo critério de dias na semana, mas observando a quantidade de dias por mês laborados, isso porque o empregado pode prestar outros serviços no decorrer da semana, ultrapassando o limite de 2 dias para não caracterização do vínculo, necessitando, assim, estudar intensivamente o artigo 1° da Lei dos Domésticos.

 

1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TRABALHO NO BRASIL
Importante para compreensão do tema central é estudar o significado da palavra trabalho, os seus momentos históricos vividos pela sociedade e a evolução ocorrida em nosso país.

 

1.1 Conceito de Trabalho
O trabalho está presente na vida dos seres humanos desde os primórdios, o qual conseguiu desenvolver as civilizações, gerar conhecimentos, satisfação pessoal, fortunas, e aumentar a economia de países. Diante disso, todas as sociedades respeitam e valorizam o trabalho.

Alguns conceituam o trabalho como qualquer atividade, sendo ela física ou intelectual, elaborada por pessoas, com a finalidade de fazer, transformar ou obter algo (SuaPesquisa, 2019[1]).

Ainda, trabalho pode ser definido como qualquer atividade exercida pelo homem em prol de uma recompensa, em geral na forma material (QueConceito, 2017[2]).

A Constituição Federal de 1988 não prevê expressamente o conceito de trabalho, entretanto, a fim de proteção ela não faz distinção entre trabalho manual, técnico, artístico e intelectual.

Diante disso, percebe-se que não há um consenso sobre o significado da palavra trabalho, mas pode-se entender “pelo conjunto de atividades de transformação da natureza e de criação e (re)produção de bens ou objetos, materiais e imateriais, com a finalidade de garantir a subsistência e sustentabilidade à vida individual e em sociedade”, conforme os autores Steinmetz e Schuch (2006).

Após conhecer um pouco mais sobre a definição de trabalho, interessante se faz relembrar sua passagem pela história no Brasil.

 

1.2 Momento Histórico do Trabalho no Brasil
O empregado doméstico foi constatado, na história do Brasil, com o início da escravidão, onde homens, mulheres e crianças negras, advindos da África, trabalhavam em jornadas excessivas para os seus respectivos patrões.

O trabalho doméstico era exercido por pessoas de cor negra, visto que consideravam uma tarefa desonrosa, de modo que as pessoas de cor branca a evitavam. Outro aspecto é que não havia respeito com os trabalhadores, tampouco tinham esses o mínimo de direitos e garantias constitucionais, o que demonstra a infringência à dignidade da pessoa humana.

Na época, os trabalhadores (escravos) prestavam serviços forçados, em condições precárias para uma vida digna e sem progressão com a sua profissão, ou seja, trabalhavam para existir e não para buscar condições melhores de vida.

Com a abolição da escravatura, em 1888, os ex-escravos foram reconhecidos como cidadãos comuns, vindo a ter direitos e deveres como eles. E, ao longo dos anos, começaram a receber salário em prol do seu trabalho e conseguiram ser reconhecidos como empregados domésticos para aqueles que trabalhavam nas casas de família, mas ainda sem nenhuma previsão legal a respeito da matéria para definir expressamente quem eram esses trabalhadores (SILVA, 2015; ALBUQUERQUE, 2012).

Há que se frisar que a Lei Áurea não tinha aspecto justrabalhista, mas por ter mudado a visão sobre os trabalhadores foi tida como marco inicial para o Direito do Trabalho (SILVA, 2015).

A partir desse marco histórico para os trabalhadores, iniciou-se uma mudança significativa no cenário trabalhista, mas ainda não satisfatório à classe. E, após alguns anos, editaram as primeiras leis relacionadas com a matéria trabalhista, como veremos a seguir.

 

1.3 Evolução das Leis dos Domésticos
Desde a Lei Áurea, conforme já apresentado, iniciou-se uma mudança significativa no cenário trabalhista, vindo com novas legislações a respeito do tema, por exemplo, a Lei nº 5.859/1972 e os Decretos n° 71.885/1973 e n° 3.361/2000, contudo, essas previsões ainda eram escassas, não havendo a regulamentação completa do tema. Hoje, a Lei Complementar n° 150, de 1° de Junho 2015, conhecida como Lei dos Domésticos, trata especificamente do contrato de trabalho doméstico.

Voltando um pouco na história, a primeira vez que regulamentaram o trabalho do doméstico foi em 1923, entretanto, o termo de empregado doméstico só foi utilizado e conceituado em 1941, o qual foi definido como: “o que prestava serviços em residências particulares mediante remuneração” (Martins, 2011, p. 148). E, a partir disso, vieram outros direitos, a exemplo: o aviso prévio e o direito a rescisão.

Os trabalhadores domésticos vieram a ser diferenciados das demais categorias em 1943, ano que entrou em vigor o Decreto n° 5.452/43. E a vinda da Lei 5.859/72, regulamentada pelo Decreto n° 71.885/73, trouxe previsão da relação de emprego doméstico, alterando as definições anteriores adotadas (SANTOS, 2013).

Vale relembrar que houveram leis esparsas que também regulamentavam e referenciavam o trabalho do doméstico, conforme previsão da Lei n° 11324/06, a qual previu o direito das férias, do descanso remunerado, da garantia de emprego à gestante, entre outros.

Um ano marcante à categoria dos domésticos foi em 2009, uma vez que o Brasil participou da Convenção 189 da OIT, momento em que estiveram presentes os trabalhadores, empregadores e os governantes. Com tal participação as partes envolvidas conseguiram a aprovação da Recomendação n° 201, que efetivou e confirmou diversos direitos fundamentais aos domésticos.

Posteriormente, aprovaram a PEC n° 478 de 2012, conhecida como PEC dos domésticos, que ampliou os direitos trabalhistas dispostos pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

Importante destacar que a nossa Constituição Federal (1988) trouxe algumas previsões aos empregados domésticos, mas ainda foi insuficiente, conforme se observa em seu artigo 7°, parágrafo único. Em relação ao tema, os autores Ferraz e Rangel (2010) afirmam que:

[…] no que diz respeito ao trabalho doméstico, o anátema sociocultural que o estigmatiza se projetou na Constituição Federal. Apesar de o constituinte originário ter dado um passo à frente no tocante à proteção jurídica destinada ao empregado doméstico, a Constituição Federal de 1988 traçou patente desnível jurídico entre a proteção destinada à referida categoria e àquela destinada aos demais trabalhadores urbanos e rurais.

Diante disso nota-se que os direitos fundamentais da categoria dos domésticos foram inicialmente negados, vindo posteriormente a serem majorados pela Emenda Constitucional nº 72, de 2 de abril de 2013.

E somente em 2015, com a Lei Complementar nº 150, de 1º de junho de 2015, trouxeram uma previsão expressa sobre o contrato de trabalho do doméstico, sendo essa lei analisada nos títulos posteriores desta pesquisa.

 

2 PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO
Atualmente, os princípios tem relevância jurídica em todos os casos concretos, devendo-os ser respeitados e aplicados.

O doutrinador Miguel Reale afirma que os princípios gerais de direito são: “enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas” (2002, p. 304).

Já Sílvio de Salvo Venosa sustenta que “por meio dos princípios gerais do direito o intérprete investiga o pensamento mais elevado da cultura jurídica universal, buscando orientação geral do pensamento jurídico” (2004, p. 162)

Américo Plá Rodriguez (1993) explica que os princípios gerais de direito possui três funções: Informadora, pois inspira o legislador e serve como fundamento para o ordenamento jurídico; Normativa, mas como norma de integração do direito, haja vista ser utilizado na ausência da lei; e Interpretadora, orientando os juristas e/ou os aplicadores da lei.

Assim, nota-se que os princípios gerais do direito ajudarão na compreensão, aplicação e interpretação do direito diante do caso concreto.

A partir de agora podemos conhecer alguns princípios específicos do Direito do Trabalho.

 

2.1 Princípio da Proteção
O Professor e Ministro Orlando Teixeira da Costa (2012) assegura que: “o princípio protecionista constitui a síntese de todos os outros. É ele que contribui, de maneira mais significativa, para aquilo que costuma ser chamado de espírito do Direito do Trabalho”.

Ainda, o princípio da proteção ao trabalhador se subdivide em outros 03 (três): in dubio pro operário, norma mais favorável e condição mais benéfica, tendo por fundamento o dever do Direito do Trabalho assegurar ao empregado uma situação de igualdade ao empregador, afastando qualquer tipo de abuso ou aproveito.

Com relação à regra do in dubio pro operário, afirma LEITE (2006, p.488) que, em caso de dúvida razoável, o juiz poderá na interpretação da lei e das provas nos autos beneficiar o empregado.

No que tange a norma mais favorável, a Alice Monteiro de Barros (2010) alega que se existirem normas em conflito para tratar de uma mesma situação jurídica, dever-se-á aplicar a mais favorável, independentemente das suas hierarquias. Destaca-se que a aplicação na norma não poderá ser de forma parcial – teoria do conglobamento.

Entretanto, com a vinda da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017) prevalece que “as condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho” – artigo 620 da CLT, após a alteração.

Por último, referente à condição mais benéfica assegura que os trabalhadores atuantes na empresa terão os seus direitos resguardados pelo direito adquirido, sendo somente os novos empregados atingidos por modificações no regimento interno pelo empregador. Não pode se esquecer de que a condição mais benéfica poderá ser decorrente da lei ou da vontade das partes.

Esse entendimento já ficou consolidado no Tribunal Superior do Trabalho, o qual firmou a súmula n° 51 (Norma Regulamentar. Vantagens E Opção Pelo Novo Regulamento. Art. 468 da Clt):

I – As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento.

II – Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro.

Assim, tendo em vista os fundamentos apresentados pelo princípio da proteção, percebe-se a sua importância no ordenamento jurídico e a sua real necessidade de aplicação no caso concreto.

 

2.2 Princípio da Primazia da Realidade
O princípio da primazia da realidade (conhecido também como princípio do contrato realidade) é muito aplicado nos litígios trabalhistas, tendo em vista seu objetivo de encontrar a verdade real. A sua preocupação não está voltada só para os documentos juntados nos processos, mas também para os fatos apresentados pelas partes e pelas testemunhas.

Maurício Godinho Delgado (2012) alega que:

Desse modo, o conteúdo do contrato não se circunscreve àquilo que foi transposto no correspondente instrumento escrito, incorporando amplamente todos os matizes lançados pelo cotidiano da prestação de serviços. O princípio do contrato realidade autoriza, assim, por exemplo, a descaracterização de uma pactuada relação civil de prestação de serviços, desde que no cumprimento do contrato despontem, concretamente, todos os elementos fático-jurídicos da relação de emprego (trabalho por pessoa física, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação).

Assim, os aplicadores da lei analisarão o conjunto probatório (documentos, depoimento pessoal, testemunha) e farão os juízos de valor em cada prova, a fim de encontrar a verdade real.

 

2.3 Princípio da Continuidade
O princípio da continuidade da relação de emprego tem por fundamento elucidar que os contratos de trabalhos, em regra, serão por prazo indeterminados, sendo os por prazo determinados firmados excepcionalmente.

O referido princípio preza que os contratos de trabalhos sejam por prazos indeterminados, a fim de que os trabalhadores mantenham um serviço contínuo, de modo que concede maior estabilidade financeira e melhores condições de vida (BARRO, 2010, p.180; DELGADO, 2010, p.193).

Nota-se, assim, a preocupação da estabilidade aos empregados, isso porque o trabalho concede uma vida digna e segurança às famílias. Os trabalhadores não podem exercer sua profissão sem ter garantias contratuais e legais, sendo este o principal ponto da presente pesquisa.

Tal princípio tem previsão na súmula n° 212 do Tribunal Superior do Trabalho, a qual dispõe que: “o ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado”.

Conforme será apresentado a seguir, os empregados domésticos deverão ter os seus direitos garantidos e serem caracterizados sob análise do princípio da continuidade, a fim de separá-los dos direitos oferecidos à categoria das diaristas.

 

3 ANÁLISE DE CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DOS DOMÉSTICOS
Após a apresentação conceitual, histórica e dos princípios relacionado ao tema, far-se-á necessário conhecer os direitos propriamente ditos da categoria e verificar os requisitos necessários para a caracterização dos empregados domésticos,  a fim de aplicar a Lei Complementar n° 150/2015.

 

3.1 Direitos da Lei Complementar n° 150/2015
A Lei Complementar n° 150, de 1° de junho de 2015, conhecida como Lei dos Domésticos, dispõe sobre o contrato de trabalho doméstico.

A referida Lei inovou o cenário legislativo e trouxe diversos direitos aos domésticos, alterou diversas leis já existentes e sanou muitas dúvidas discutidas pelos tribunais regionais e superiores.

Entretanto, como qualquer inovação, ainda deixou margem para discussão e não conseguiu prever todos os direitos ideais à categoria, visto que em seu art. 19 afirma que poderá ser utilizada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de forma subsidiária, em caso de lacuna e omissão.

Logo no início (art. 1°), a Lei já define quem será caracterizado como empregado doméstico e menciona que é proibido a contratação de menor de 18 anos para exercer esse tipo de trabalho.

De acordo com os direitos expressos na citada Lei, o doméstico terá duração normal do trabalho fixado no limite de 8 horas diárias e 44 horas semanais, com adicional de 50% em caso de horas extras (art. 2°, caput e §1°). Ainda, terão direito de usufruir do regime de compensação de jornada (art. 2°, §5°).

Poderão se valer do regime por tempo parcial, não excedendo a jornada de trabalho de 25 horas semanais, de modo que o salário a ser pago ao empregado será proporcional ao tempo trabalho (art. 3°, caput e §1°).

Ainda, a Lei reconheceu o direito do regime 12 horas seguidas por 36 horas ininterruptas de descanso, mas nessa modalidade a remuneração mensal “abrange os pagamentos devidos pelo descanso semanal remunerado e pelo descanso em feriados, e serão considerados compensados os feriados e as prorrogações de trabalho noturno”, conforme o art. 10, §1°.

Uma das inovações é o direito de acompanhar o empregador em viagens, sendo a remuneração-hora de, no mínimo, 25% superior ao valor do salário-hora normal, sendo condicionado sobre o acordo escrito entre as partes (art. 11 e parágrafos).

Outra inovação é a indenização compensatória, a qual é destinada ao empregado em caso de dispensa sem justa causa ou por culpa do empregador. O valor a ser recolhido mensalmente será de 3,2% sobre a remuneração devida, no mês anterior (art. 22).

Acrescentou uma nova hipótese de rescisão contratual por culpa do empregador, qual seja, o empregador praticar qualquer das formas de violência doméstica ou familiar contra mulheres de que trata o art. 5o da Lei no 11.340, de 7 de agosto de 2006 (art. 27, § único, inciso VII).

Além desses direitos, previu o direito a férias, a intervalor intrajornada e interjornada, o trabalho noturno, a contratação a termo, o desconto salarial, o FGTS, o seguro-desemprego, o aviso-prévio, a rescisão contratual, entre outros.

Esses são alguns dos direitos dispostos na Lei dos Domésticos, devendo a seguir entender as características dos empregados da categoria.

 

3.2 Diferença entre o Doméstico e a Diarista
Importante já mencionar que a referida lei em seu artigo 1° considera empregado doméstico: “aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana, aplica-se o disposto nesta Lei”.

Assim, de acordo com a Lei Complementar n° 150/2015, a pessoa que prestar serviço no âmbito familiar, sem finalidade lucrativa, de forma subordinada, onerosa, pessoal e contínua, sendo trabalho por mais de 02 (dois) dias na semana, será considerado empregado doméstico, não importando a atividade exercida.

Frisa-se que o serviço prestado não poderá ser por pessoa jurídica e deverá ter pessoalidade, ou seja, deverá ser uma pessoa física e esta será insubstituível, não podendo outro realizar suas atividades; devendo, ainda, ter onerosidade, situação que o empregador paga salário ao empregado.

Em relação ao requisito da subordinação, sustenta DELGADO (2006, p.163) que:

(…) a situação jurídica, derivada do contrato de emprego, em decorrência da qual o trabalhador acata a direção laborativa proveniente do empregador. É uma situação jurídica que se expressa por meio de certa intensidade de ordens oriundas do poder diretivo empresarial dirigidas ao empregado.

Nota-se que na relação de emprego, o patrão (empregador) terá a liberdade de dar ordens e comandar as atividades prestadas pelo trabalhador (empregado), mas tais serviços não poderão ter fins lucrativos, sendo somente voltados para o lar (BARROS, 2010).

Como já mencionado anteriormente, a atividade prestada pelo doméstico não poderá ter finalidade lucrativa para o empregador, deste modo nota-se que, além das atividades de cozinhar, limpar, lavar, passar e arrumar, o obreiro poderá ser motorista, enfermeira, caseiro, jardineiro, babá, entre outras tantas, desde que respeitado esse critério.

Outro requisito, sendo uma novidade trazida pela Lei dos Domésticos, é a necessidade do trabalhador laborar por mais de 2 dias na semana para ser reconhecido na categoria de empregado doméstico. Se não for respeitada essa quantidade de dias trabalhados na semana, a pessoa será considerada trabalhador autônomo/diarista.

Desse modo, é importante distinguir os empregados domésticos dos diaristas, visto que estes exercem as mesmas atividades daqueles, contudo, não está presente o requisito da continuidade.

Podemos encontrar a definição legal da diarista na legislação previdenciária, por meio do Decreto n° 3048/99, em seu art. 9°, §15, inciso VI, o qual apresente o seguinte conceito: “aquele que presta serviço de natureza não contínua, por conta própria, a pessoa ou família, no âmbito residencial desta, sem fins lucrativos”.

Ademais, só será definida como diarista a pessoa que trabalhar menos de 3 vezes por semana, ou seja, pode até ter pessoalidade, mas não serviço contínuo.

Por outro lado, necessariamente a doméstica possuirá as características da pessoalidade, subordinação, onerosidade, finalidade não lucrativa e continuidade.

Tendo em vista que o requisito diferencial dessas categorias é o da continuidade, não se faz necessário apreciar os demais.

 

3.3 Retrocesso no Direito dos Domésticos
Uma das preocupações do legislador é editar uma norma que mantenha os direitos já existentes ou que garanta novos direitos, a fim de melhorar a condição de vida social e econômica do trabalhador.

Dessa forma, por meio do princípio do não retrocesso social os benefícios sociais e econômicos, após serem adquiridos, não poderão ser suprimidos por nova norma jurídica, de modo a ser considerados uma garantia constitucional. Tal justificativa se dá pelo período de intensa luta para obtê-los, não podendo ser desprezados e relativizados.

José Joaquim Gomes Canotilho (1994, p.326) manifesta-se sobre o tema afirmando que:

A ideia aqui expressa também tem sido designada como proibição de ‘contra-revolução social’ ou da ‘revolução reaccionária’. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e económicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjetivo.

O objetivo de não retrocesso não sustenta o direito social absoluto ou ilimitado, uma vez que há a possibilidade de supressão de normas jurídicas, mas deverá substitui-lo por outro direito social igual ou equivalente.

Diante disso, percebe-se que a alteração legislativa envolvendo direitos sociais deve observar e respeitar os princípios constitucionais.

No tocante a presente pesquisa, a Lei dos Domésticos (Lei Complementar n°150/15) pode eventualmente vir a infringir o direito social do trabalho, isso porque ela está em confronto direto com o princípio da continuidade da relação de emprego.

Mostra-se o confronto quando a lei sustenta que o emprego doméstico só será caracterizado quando comprovar o requisito da continuidade, que se dá quando presta serviço por mais de 2 (dois) dias na semana. Entretanto, há momentos durante a relação de trabalho que os trabalhadores prestarão serviços em algumas semanas 2 dias e em outras 3 dias.

Sendo assim, a Lei Complementar deveria mencionar qual a frequência que o trabalhador poderia variar de dias trabalhados para caracterizar ou não a relação de emprego. Ficando a pergunta: Uma única semana com 3 dias trabalhados já caracterizaria o vínculo empregatício?

Diante do exposto, por meio dos princípios da continuidade da relação de emprego e do não retrocesso, o trabalhador doméstico deverá ter os seus direitos assegurados, sendo protegidos pela interpretação favorável em futuro reclamação trabalhista em que se discuta a caracterização da relação de emprego pelo critério da prestação de serviço contínuo (por mais de 2 dias na semana).

 

CONCLUSÃO
Após a análise da passagem histórica, conceitual e dos direitos propriamente relacionados aos trabalhadores domésticos, percebo que a Lei Complementar n° 150/2015 está sujeita a alterações e interpretações diversas, principalmente no tocante a caracterização da relação empregatícia.

Conforme os argumentos já apresentados na pesquisa, verificamos que há casos em que o trabalhador cumprirá parcialmente o requisito da quantidade de dias trabalhados por semana (por mais de 02 dias) e que, em futuro reconhecimento empregatício em ação trabalhista, o juiz deverá analisar o caso concreto para decidir.

É importante frisar que os dias de prestação de serviço nem sempre serão exatos, isso porque poderão variar de semana para semana, podendo futuramente vir a ser caracterizado o emprego doméstico.

Exemplifico com o caso do empregador chamar uma faxineira 2 vezes durante a semana, mas nos dias de festa (fins de semana) ela também ter que comparecer, o que totaliza pelo menos 3 dias na semana variando durante o mês.

E conforme toda a exposição desta pesquisa, não há dúvidas que deveria ser reconhecido o vínculo empregatício dessa faxineira, tendo em vista os princípios relacionados ao tema, em especial o princípio da continuidade da relação de emprego, o qual preza pela permanência do trabalhador no serviço, ou seja, defende os contratos por prazo indeterminado.

Ainda, tendo em vista que a lei não menciona expressamente que todas as semanas do mês serão necessárias cumprir esse requisito de dias trabalhados, a interpretação do art. 1° da Lei Complementar n° 150/2015 deverá ser favorável ao empregado doméstico.

 

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Cheylla. Origem do Trabalho Doméstico no Brasil. Disponível em: <https://www.meuadvogado.com.br/entenda/origem-do-trabalho-domestico-no-brasil.html> Acesso em: 20 de agosto de 2018.

 

BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. 6. ed. São Paulo: LTR, 2010.

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Senado,1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 17 de agosto de 2018.

 

BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho (1943): Senado: 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm> Acesso em: 17 de agosto de 2018.

 

BRASIL. Lei Complementar nº 150, de 01 de Junho de 2015: Senado, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp150.htm> Acesso em : 17 de agosto de 2018.

 

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula n° 51: NORMA REGULAMENTAR. VANTAGENS E OPÇÃO PELO NOVO REGULAMENTO. ART. 468 DA CLT. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_51_100.html#SUM-51> Acesso em: 07 de fevereiro de 2019

 

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[1] Disponível em: <https://www.suapesquisa.com/o_que_e/trabalho.htm>. Acesso em: 05 de fevereiro de 2019.
[2] Disponível em: <https://queconceito.com.br/trabalho>. Acesso em: 05 de fevereiro de 2019.

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