O conteúdo jurídico da proteção ao portador de deficiência física prevista no art. 93 da Lei nº 8.213/91

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I – Introdução

Além das garantias previstas na própria Constituição Federal destinadas aos portadores de deficiência física[1], a Lei nº 8.213, de 24.6.91, que trata dos Planos de Benefícios da Previdência Social, no capítulo que disciplina a habilitação e reabilitação do trabalho, traz um sistema de cotas (de contratações) para os trabalhadores reabilitados ou pessoas portadores de deficiências, habilitadas (art. 93), prevê que a dispensa do trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado somente poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante (§ 1º) e a responsabilidade do Ministério do Trabalho e Emprego em criar um banco de dados sobre os postos de trabalho (§ 2º).

O presente estudo cuida do conteúdo jurídico da proteção ao portador de deficiência física prevista no art. 93, da Lei nº 8.213/91.

 

II – A proteção jurídica ao portador de deficiência física inserida no art. 93, da Lei nº 8.213/91

O art. 93, caput, da Lei nº 8.213/91, determina a empresa, com 100 ou mais empregados, a obrigação quanto ao preenchimento de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, com a observância da seguinte proporção: a) de 100 a 200 empregados, 2%; b) de 201 a 500, 3%; c) 501 a 1.000, 4%; d) de 1001 ou mais, 5%.[2]

Em linhas gerais, o dever jurídico imposto à empresa envolve: a) a obrigação da empresa em preencher certos percentuais de seus cargos com beneficiários reabilitados pelo INSS ou habilitados nas proporções indicadas[3] (sistema de cotas); b) a existência de pessoas portadoras de deficiência, nos termos do Decreto nº 3.298/99, que regulamenta a Lei nº 7.853/89[4]; c) as pessoas devem ser reabilitadas ou habilitadas[5];d) a contratação exige a aptidão para o desempenho das atribuições da função, que deve ser constatada pelo empregador.

O conteúdo jurídico do art. 93, caput, combinado com o seu § 1º, não gera direitos individuais e sim a proteção a um grupo de trabalhadores – as pessoas portadoras de deficiência (reabilitados ou habilitados).

A norma protege indivíduos do grupo, mas não confere a uma determinada pessoa do grupo um direito subjetivo.

O que se vislumbra é a presença de interesse ou direito difuso decorrente de uma circunstância fática comum e pertinente a uma coletividade indeterminada e que se apresenta de forma indivisível (art. 81, parágrafo único, I, Lei nº 8.078/90, Código de Defesa do Consumidor).

O § 1º, do art. 93, da Lei nº 8.213/91, prescreve que a dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de noventa dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto semelhante. Da mesma forma, é a redação do art. 36, § 1º, do Decreto nº 3.292/99.

O real alcance da proteção jurídica conferida ao trabalhador deficiente (habilitado ou reabilitado) tem sido objeto de controvérsia, chegando a ser reconhecida, por alguns, como uma forma de estabilidade para empregado reabilitado portador de deficiência física.

Sebastião Geraldo de Oliveira[6] afirma se tratar de uma “estabilidade provisória sem prazo certo”, pois “pela leitura do art. 93 da Lei nº 8.213/91, pode-se concluir que a empresa com mais de cem empregados só poderá dispensar o acidentado reabilitado, sem justa causa, se atender cumulativamente a dois requisitos: 1) contar com um número de empregados reabilitados ou deficientes habilitados pelo menos no limite do piso estabelecido; 2) demitir outro empregado em condição semelhante, de modo a garantir o percentual mínimo. …

Pode-se concluir também que, enquanto a empresa não atinge o percentual mínimo legal, nenhum empregado reabilitado pode ser dispensado, mesmo se for contratado outro em condições semelhantes, a não ser por justa causa. Caso ocorra a dispensa ilegal, o acidentado reabilitado ou o deficiente habilitado têm direito à reintegração no emprego e aos salários e demais vantagens de todo o período de afastamento ou até quando o empregador preencher as condições legais para promover validamente a dispensa. Como se vê, essa estabilidade provisória de emprego atua como complemento da garantia prevista no art. 118 da Lei nº 8.213/91.”

Para nós, não se trata de uma estabilidade ao trabalhador reabilitado portador de deficiência, contudo, para que a dispensa seja considerada válida, a empresa deverá contratar, previamente, um substituto, ou comprovar que a dispensa não prejudica o sistema de cota imposto pela Lei (art. 93, caput).

O objetivo do art. 93, § 1º, é garantir o cumprimento do sistema de cotas previsto no caput, mantendo vigente o contrato de trabalho do empregador portador de deficiência física reabilitado até que venha a ser substituído por outro empregado em condições semelhantes.

Vale dizer, a dispensa irá gerar para o portador da deficiência um direito subjetivo, diante da ausência de comprovação da contratação prévia de um substituto ou de a dispensa está violando o sistema de cota de emprego destinado ao deficiente habilitado ou reabilitado.

A jurisprudência tem se posicionado:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. DEFICIENTE FÍSICO. FALTA DE PROVA DE QUE SUA ADMISSÃO SE DESTINAVA A PREENCHER QUOTA DA EMPRESA. DEMISSÃO VIABILIDADE. A ratio legis do § 1º do art. 93 da Lei nº 8.213/91 é de que a demissão do funcionário que ocupava vaga compreendida na quota destinada a empregado deficiente, só será legítima se comprovado que a empresa admitiu outra pessoa portadora de deficiência, para ocupar mesma a vaga. O que a lei preconiza é que o empregador mantenha preenchidas as vagas destinadas aos deficientes, sem garantir estabilidade pessoal a este ou àquele trabalhador. Na hipótese, consignando o e. Regional que o reclamante foi admitido em 1982, sofreu acidente em 1987, acarretando-lhe a deficiência física, mas permaneceu no emprego até 1997, significa que não fora ele admitido na empresa para preencher a quota obrigatória destinada aos deficientes físicos, porque na ocasião do seu ingresso não era portador de deficiência. Ileso o § 1º do art. 93 da Lei nº 8.213/91, o recurso de revista não merece ser admitido. Agravo de instrumento não provido” (TST – 4ª T. – AIRR nº 58562/2002-900-02-00 – Rel. Juiz conv. José Antonio Pancotti – j. 27.4.2005 – DJ 13.5.2005).

“REINTEGRAÇÃO. DEFICIENTE FÍSICO. ART. 93, § 1º, DA LEI Nº 8.213/91. O art. 93, caput, da Lei nº 8.213/91 estabelece a obrigatoriedade de a empresa preencher um determinado percentual dos seus cargos, conforme o número total de empregados, com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas. O § 1º do mesmo diploma, por sua vez, determina que: A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante. O dispositivo não confere, diretamente, garantia de emprego, mas, ao condicionar a dispensa imotivada à contratação de substituto de condição semelhante, resguarda o direito de o empregado permanecer no emprego, até que seja satisfeita essa exigência. O E. Regional consigna que os reclamados não se desincumbiram do ônus de comprovar a admissão de outro empregado em condições semelhantes (deficiente físico), razão pela qual o contrato de trabalho não poderia ter sido rescindido. O direito à reintegração decorre, portanto, do descumprimento, pelo empregador, de condição imposta em lei. Recurso de revista não provido” (TST – 4ª T. – RR nº 5287/2001-008-09-00 – Rel. Min. Milton de Moura França – j. 17.11.2004 – DJ 3.12.2004).

“DEFICIENTE FÍSICO. DISPENSA. REINTEGRAÇÃO. DEFICIENTE FÍSICO. ART. 93 DA LEI Nº 8.213/91. A resilição unilateral pelo empregador do contrato de trabalho de deficiente físico só é possível quando mantido o percentual de participação de deficientes do total de empregados da empresa, como previsto no art. 93 da Lei nº 8.213/91. Para efetivar a resilição, inexistindo redução da quantidade total de empregados na empresa, há que ser atendida a condição de previamente contratar outro deficiente antes de efetivar a resilisão do deficiente a ser dispensado, como estabelece o § 1º do art. 93 da referida lei” (TRT 1ª R. – 4ª T. – RO nº 17135/97 – Rel. Raymundo Soares de Matos – j. 29.4.98 – DORJ 13.5.98).

“ESTABILIDADE DO EMPREGADO QUE APRESENTE DEFICIÊNCIA FÍSICA CARACTERIZADA POR PARAPLEGIA CONSEQÜENTE À POLIOMIELITE AGUDA ADQUIRIDA NA INFÂNCIA. A deficiência física do autor não decorreu de acidente do trabalho

“PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. RESERVA DE MERCADO DE TRABALHO. ART. 93, § 1º, DA LEI 8213/91. A reserva de mercado de trabalho para as pessoas portadoras de deficiência, prevista no art. 93, § 1º, da Lei n.º 8213/91, é norma trabalhista, instituidora de restrição indireta à dispensa do empregado deficiente, e se descumprida acarreta a nulidade do ato rescisório, com a reintegração do obreiro e pagamento de salários vencidos e vincendos, até que reste comprovada a contratação de substituto em condição semelhante” (TRT 3ª R. – 4ª T. – RO nº 13902/00 – Rel. Rogério Valle Ferreira – DJMG 19.5.2001 – p. 13).

“DEFICIENTE FÍSICO. GARANTIA DE EMPREGO. Quanto a conferir o § 1º do art. 93 da Lei nº 8.213/91 estabilidade ao trabalhador reabilitado ou ao deficiente habilitado, ainda que negativa seja a resposta, posto que a estabilidade não está expressa no texto da lei, há de se entender, todavia, que, embora relativa, de garantia de emprego goza o deficiente até que outro trabalhador, em igual ou semelhante situação, seja para seu lugar contratado, de outra forma não podendo ser compreendida a vedação de dispensa, enquanto não verificada a condição em lei exigida. Ou seja, apenas após a contratação de outro deficiente, e como substituto, é possível o despedimento de empregado portador de deficiência física, jamais antes. Assim, em nada importa contrate ou não outros trabalhadores a empresa após a despedida imotivada de deficiente físico, eis que esta apenas poderia ser concretizada se precedida da admissão de substituto em semelhante situação, na dicção expressa da lei, vedada estando enquanto não superada a condição. Se proibida por lei, revela-se ilícita, contrária ao direito, e, portanto, nula, conforme expressamente comina a lei civil aos atos ilícitos, impondo-se a restituição das partes ao estado em que anteriormente se encontravam, ou a indenização do lesado, na impossibilidade do retorno ao status quo (Código Civil, artigos 145 e 158)” (TRT – 12ª R – 3ª T – Ac. nº 15766/97 – Rel. Gerson Paulo Taboada Conrado – DJSC 1.12.97 – p. 154).

“DEFICIENTE FÍSICO. TRABALHADOR REABILITADO. RESILIÇÃO. GARANTIA E EMPREGO E REINTEGRAÇÃO. O artigo 93 da Lei nº 8.213/91 ao estabelecer como condição para a dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado a contratação de substituto de condição semelhante, institui garantia de emprego, que embora não tenha caráter de direito individual assume feição social e coletiva. Havendo forma peculiar de garantia de emprego para os deficientes reabilitados que compõem a cota de vagas reservadas pelo artigo 93 da Lei nº 8.213/91, a falta de atendimento da condição prevista em lei retira do empregador o direito potestativo de resilir o contrato de trabalho, o que torna nula a dispensa. Reintegração deferida” (TRT 15ª R. – 5ª T.  – RO nº 00982-2002-071-15-00-5 – Rel. João Alberto Alves Machado – DOE 5.9.2003).

Independentemente do preenchimento das cotas previstas na Lei nº 8.213/91, o sistema jurídico veda práticas discriminatórias de acesso ou manutenção de empregado (art. 7º, XXX, CF, art. 373-A, CLT, Lei nº 9.029/95), chegando, além de outras sanções, a caracterizar crime com pena de detenção de um a dois anos e multa.

O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório faculta ao empregado optar entre: a) a readmissão (o certo seria reintegração) com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente, acrescidas dos juros legais ou b) a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais (art. 4º, Lei nº 9.029/95).

Por fim, o Ministério do Trabalho e Emprego tem a incumbência de colher dados e gerar estatísticas sobre o total de empregados e as vagas preenchidas por reabilitados e deficientes habilitados, fornecendo-as às entidades sindicais ou entidades representativas dos trabalhadores quando solicitadas (art. 93, § 2º).

Notas:
[1] Na Constituição brasileira, e na legislação existente, a pessoa portadora de deficiência tem proteção especial. No que tange às garantias constitucionais, o Brasil possui um sistema legal de proteção bem encadeado. Um dos objetivos fundamentais da República Federativa é a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, CF), bem como promover o bem-estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV). O artigo 7º, XXXI, proíbe qualquer tipo de discriminação no tocante aos salários e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência. A Constituição atribui à União, Estados, Municípios e Distrito Federal a responsabilidade de cuidar da saúde e da assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência (art. 23, II). A competência legislativa sobre regras de proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência pertence a todos os Entes Federados (art. 24, XIV), sendo que a lei reservará um percentual de cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência (art. 37, VIII). A assistência social será prestada aos necessitados, independentemente de contribuição à seguridade social, com objetivo de habilitar e reabilitar as pessoas portadoras de deficiência e promover a sua integração à vida comunitária, garantindo um salário mínimo mensal à pessoa deficiente que comprovar não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (art. 203, IV e V). Além disso, o Estado tem o dever de garantir o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência (art. 208, III) e criar programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como a integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos (art. 227, § 1º, II).
[2] O art. 36, do Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, contém idêntica regra.
[3]  Para a aferição dos percentuais de 2% a 5%, será considerado o número de empregados da totalidade dos estabelecimentos da empresa (art. 10, § 1º, Instrução Normativa nº 20 do MTE/SIT, de 20 de janeiro de 2001).
[4] A Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, trata: do apoio às pessoas portadoras de deficiência e sua integração social; sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE; institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas; disciplina a atuação do Ministério Público e define crimes.
[5] Considera-se pessoa portadora de deficiência habilitada aquela que concluiu curso de educação profissional de nível básico, técnico ou tecnológico, ou curso superior, com certificação ou diplomação expedida por instituição pública ou privada, legalmente credenciada pelo Ministério da Educação ou órgão equivalente, ou aquela com certificado de conclusão de processo de habilitação ou reabilitação profissional fornecido pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS (art. 36, § 2º, Decreto nº 3.298/99). Considera-se, também, pessoa portadora de deficiência habilitada aquela que, não tendo se submetido a processo de habilitação ou reabilitação , esteja capacitada para o exercício da função (art. 36, § 3º).
[6] Oliveira, Sebastião Geraldo de. “Proteção Jurídica ao trabalho dos portadores de deficiência”, in Discriminação. Coord. Márcio Túlio Viana e Luiz Otávio Linhares Renault. São Paulo: LTr, 2000, p. 148-149.

 


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Informações Sobre os Autores

 

Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante

 

Advogado. Professor da Faculdade de Direito Mackenzie. Ex-coordenador do Curso de Direito da Faculdade Integrada Zona Oeste (FIZO). Ex-procurador chefe do Município de Mauá. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP/PROLAM). Autor de várias obras jurídicas em co-autoria com Francisco Ferreira Jorge Neto, com destaques para: Direito do Trabalho (4ª ed., no prelo) e Direito Processual do Trabalho (3ª ed., 2007), todos pela Lumen Juris.

 

Francisco Ferreira Jorge Neto

 

Desembargador Federal do Trabalho (TRT 2ª Região). Coordenador e Professor da Pós-Graduação Lato Sensu do Pró-Ordem em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho em Santo André (SP). Professor Convidado: Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Escola Paulista de Direito. Mestre em Direito das Relações Sociais – Direito do Trabalho pela PUC/SP. Autor de livros, com destaques para: Direito do Trabalho (5ª edição) e Direito Processual do Trabalho (4ª edição), publicados pela Lumen Juris, em co-autoria com Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante

 


 

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