Questões polêmicas sobre o Tribunal do Júri

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1 – Cabe suspensão do processo “ex officio”, no caso de negativa do Ministério Público?

Entendemos que sim, pois se trata de Direito Público Subjetivo do réu, tendo em vista que a lei especifica os requisitos legais autorizadores da suspensão do processo.

Com efeito, a lei 9099/95, em seus artigos 89, parágrafos e seguintes, prevê a possibilidade de suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que preenchidos os seguintes requisitos: pena mínima do delito até um ano; concordância do réu e de seu defensor; o réu não pode estar sendo processado por outro crime e nem ter sido condenado por outro crime, além de presentes os requisitos que autorizariam o “sursis” (artigos 77 e seguintes do Código Penal).

Primo“, consideramos possível a aplicação do indigitado instituto aos crimes da competência do Júri, conforme pudemos explicitar no nosso livro “JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL NO JÚRI”, Editora LEUD.

Secundum“, como a lei demonstra quais os requisitos inerentes à concessão do benefício, sendo, outrossim, este, de aplicação favorável ao réu (“in mellius, in bonam partem“), deve haver uma apreciação judicial a respeito da ocorrência do favor legal, mesmo que o Ministério Público não proponha a suspensão, pena de se subtrair à apreciação do Poder Judiciário lesão a direito, em confronto com o artigo quinto e incisos da Carta Magna.

Data maxima augusta venia“, não seria caso da aplicação analógica do artigo 28 do Código de Processo Penal, pois, neste, acontece o contrário, “id est“, o Ministério Público não quer denunciar e o Juízo entende ser o caso.

Todavia, na não-proposta de suspensão, o Ministério Público já denunciou, pois é “conditio sine qua non” à concessão da suspensão do processo o fato da denúncia ter sido recebida.

Portanto, em qualquer hipótese, o Poder Judiciário deve apreciar a questão, analisando, “in casu“, se o réu preenche os requisitos legais autorizadores do benefício.

2 – Absolvição sumária no crime da competência do júri: pode haver absolvição sumária nos crimes conexos?

Entendemos que não, sob pena do “decisum” imiscuir-se em incompetência absoluta em razão da matéria (“ratione materiae“).

Com efeito, há possibilidade do réu ter tentado matar uma mulher e, no mesmo contexto, tê-la estuprado, sendo que o processo e julgamento de ambos os crimes seguirão o rito dos delitos da competência do Tribunal do Júri, “ex vi” dos artigos 76, inciso III e 78, inciso I, ambos do Código de Processo Penal.

Durante a instrução probatória, há indícios do réu ser inimputável e, “ipso jure“, realizada perícia médica, constata-se que o réu era inimputável penalmente à época dos fatos e o réu não nega a autoria e nem alega ter agido sob os auspícios de excludente alguma.

In casu“, cabível afigura-se sua absolvição sumária, nos termos do artigo 411 do Código de Processo Penal, com recurso “ex officio” ao Tribunal “ad quem“, mas tão somente quanto ao crime de tentativa de homicídio, da competência do Júri, pois, quanto ao crime conexo de estupro, falece competência ao Juiz togado para prolatar sentença a respeito, pois somente o Tribunal do Júri é que poderia fazê-lo.

Dever-se-ia, então, após o trânsito em julgado da sentença que absolveu sumariamente o réu da imputação quanto ao homicídio tentado, extrair-se cópia do processo, remetendo-a ao Juiz singular competente para análise quanto ao crime de estupro.

Somente assim estaria preservada a competência “stricto sensu” para o julgamento da causa.

É o que a jurisprudência decidiu, “inRT 456/390; RT 600/409; RJTJSP 34/286, conforme demonstramos em nosso livro “JÚRI NA JURISPRUDÊNCIA”, Editora IGLU, 1999, página 18.

Consigne-se que somente o Tribunal do Júri é competente para julgar os crimes conexos aos da competência do Júri, mas o Juiz togado não o é.

3 – Desaforamento em virtude de influência política do réu: é possível?

Entendemos que sim, sob pena de se afastar a necessária imparcialidade que deve nortear a decisão dos senhores jurados.

Com efeito, é possível o desaforamento, “id est“, o julgamento do caso submetido a Júri por outro Conselho de Sentença, que não o do lugar em que o crime se consumou, e somente nas hipóteses legais, quais sejam: se o interesse da ordem pública o reclamar, se houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou sobre a segurança pessoal do réu, bem como se o julgamento não se realizar no período de um ano, contado do recebimento do libelo, desde que para a demora não haja concorrido o réu ou a defesa (tudo “ex vi” do artigo 424 do Código de Processo Penal).

É cediço que, em determinados locais, mormente em cidades pequenas do interior, existem pessoas ligadas à política e, “ipso facto“, com influência explícita nos destinos do Município e na vida das pessoas que lá vivem.

Em sendo réus, “a fortiori” sabe-se que usarão seus poderes políticos de influência para se livrarem de uma condenação criminal por parte do Tribunal do Júri local, sendo de rigor, caso provada a influência indigitada, o desaforamento e baseado na imparcialidade do corpo de jurados local.

É o que ficou decidido “inRT 598/322 e 603/422, sempre lembrando que o desaforamento é de ser realizado para a Comarca mais próxima, conforme RT 624/404.

E sem imparcialidade, o julgamento é nulo e injusto.

4 – Concurso de crimes: deve haver quesito a respeito?

Entendemos que não, pois, além da ausência de previsão legal (artigo 484, incisos e parágrafos, do Código de Processo Penal), a matéria diz respeito à aplicação da pena, esta de incumbência (competência “stricto sensu“) do Juiz-Presidente do Tribunal do Júri e não dos jurados.

Com efeito, no julgamento em Plenário, pode acontecer que o réu responda pela prática de dois ou mais crimes (concurso de crimes), e a ocorrência de concurso material, formal ou de crime continuado deve ser levada em conta na fixação da pena.

Existe posicionamento jurisprudencial no sentido de que deve haver quesito específico a respeito do concurso de crimes ou do crime continuado, e com submissão aos jurados (RT 389/89; 431/288).

E, então, após a votação do quesito específico, deve o Juiz-Presidente aplicar a pena em desfavor do réu e com as regras do concurso material, formal ou do crime continuado, “ex vi” dos artigos 69 “usque” 71, todos do Código Penal.

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Todavia, tal nos afigura desvirtuamento do julgamento, pois, além da ausência de previsão legal (artigo 484, incisos e parágrafos, do Código de Processo Penal), cabe ao Juiz-Presidente fixar a pena em desfavor do réu e o concurso de crimes, ou crime continuado, imiscuem-se nessa competência “stricto sensu“.

E as decisões dos Tribunais não destoam disso (RT 578/447; RTJ 107/122), conforme pudemos explicitar no nosso livro “JÚRI NA JURISPRUDÊNCIA”, Editora Iglu, página 42, “in fine”.

Ipso jure“, com base nesse raciocínio, é de ser indeferida a inclusão de quesito formulada pelas partes.

5 – É possível a condenação pelos jurados, somente com base no inquérito policial ?

Entendemos que sim, pois o Conselho de Sentença é o Órgão competente, Constitucional e legalmente, para a análise do “meritum causae” nos julgamentos afetos ao Tribunal do Júri e a valoração da prova imiscui-se nessa competência “stricto sensu“.

Com efeito, em vários casos julgados pelo Tribunal do Júri, em que tão somente há prova, contra o réu, produzida no inquérito policial, e em que o réu veio a ser condenado, a Defesa recorre ao Egrégio Tribunal “ad quem” e alega que a condenação é de ser desconsiderada, pois contraria, manifestamente, a prova dos autos, haja vista que prova inexiste, pois somente foi produzida na fase inquisitorial, do inquérito policial.

Todavia, como valoração de prova é matéria atinente ao “meritum“, e como a análise deste é de competência do Conselho de Sentença, não se nos afigura, o veredito condenatório, manifestamente contrário à prova dos autos, pois se imbuiu na competência-atribuição dos senhores jurados.

Portanto, é Constitucional e legal a consideração, pelo Conselho de Sentença, como válida, da prova produzida na fase do inquérito policial e, “ipso jure“, a condenação do réu, “in casu“, é legal e legítima, sem reparos só por isso.

E o Egrégio Superior Tribunal de Justiça já se manifestou favorável a tal posicionamento, conforme Recurso Especial número 25.120-9, “decisum” que mencionamos no nosso “JÚRI NA JURISPRUDÊNCIA”, Editora Iglu, página 09, ” in fine”.

6 – É possível a oitiva do co-réu como testemunha?

Entendemos que não, haja vista que o co-réu é parte no processo ou já o foi, não se devendo misturar o seu “status” com o de testemunha, pois esta é auxiliar da Justiça e não acusada “stricto sensu“.

Com efeito, suponhamos que um réu esteja sendo processado, porque matou alguém, e que o outro réu, no mesmo contexto, em conexão processual- penal, tenha praticado o crime de porte de entorpecente para uso próprio( artigos 121 do Código Penal e 16, da Lei 6368/76, respectivamente).

Por serem crimes conexos e por haver um crime da competência do Júri, ambas as infrações penais serão julgadas pelo Tribunal do Júri, “ex vi” dos artigos 76 e incisos e 78, inciso I, ambos do Código de Processo Penal.

Suspenso, pois, o processo quanto ao co-réu, e prosseguindo-se quanto ao réu do homicídio, temos que deva ser indeferido o “petitum“, de qualquer das partes, para oitiva do co-réu como testemunha, até mesmo quando o co-réu, se em outro caso, tivesse sido absolvido.

E tal é fundamentado no fato do co-réu, com processo suspenso ou já absolvido, é ou foi réu naquele processo, mantendo esse “status“, não se cogitando de ser qualquer pessoa, “ex vi” do artigo 202 do Código de Processo Penal.

E a jurisprudência não discrepa desse entendimento, conforme colacionamos em outro livro “JÚRI NA JURISPRUDÊNCIA“, Editora Iglu, página 32.

Jurisprudência “habemus” (RT 413/443; 456/380; RTJ 69/683).

7 – É possível denúncia em transação penal não cumprida em infração penal conexa?

Entendemos que não, sob pena de desconsiderarmos a coisa julgada, bem como a fase executória penal. Com efeito, “primo“, entendemos possível a aplicação da lei 9099/95 às infrações penais de menor potencial ofensivo conexas aos crimes dolosos contra a vida, conforme pudemos explicitar “in” Juizado Especial Criminal no Júri, editora LEUD, 1998.

Outrossim, em havendo transação penal de menor potencial ofensivo e conexa ao crime doloso contra a vida e havendo o não-pagamento da multa acordada entre o Ministério Público e o autor do fato, o caso é de execução da pena de multa e sem a possibilidade, ademais, da conversão de tal detenção, devendo-se prosseguir como executivo fiscal (artigo 51 do Código Penal).

E assim deve ocorrer, pois a multa foi aplicada por intermédio de sentença judicial, não tendo havido mera homologação da transação penal. E ato judicial, sentença que é “stricto sensu“, está acobertado pela “res judicata“, garantia Constitucional (artigo 5º da Constituição Federal).

Também se afigura incabível a denúncia, além de ofensa à coisa julgada, porque o descumprimento da pena ora imposta resulta na execução da mesma, havendo processo de execução com procedimento e características inerentes à sua individualidade, diverso, o processo de execução, da anterior fase de conhecimento.

Consigne-se que a sentença judicial aplica a pena objeto da transação penal, tendo em seu bojo todos os atributos de judicial e o oferecimento posterior da denúncia descaracterizaria tais atributos, mormente a coisa julgada, além de fazer “tabula rasa do processo de execução”.

Portanto “legem habemus“: a multa não paga deve ser executada em respeito à coisa julgada e ao processo individualizado e posterior de execução penal.

8 – Homicídio praticado por quem detém foro privilegiado por prerrogativa de função: quem julga?

Entendemos que a competência, “in casu“, é do Órgão Constitucionalmente designado para tanto e que leva em conta a prerrogativa da função do réu e não a pessoa “de per si” do réu, daí não se tratar de privilégio.

Com efeito, algumas autoridades detêm foro privilegiado por prerrogativa de função na prática de crimes comuns, incluindo-se homicídio, e tal norma é de natureza Constitucional (“verbi gratia” artigo 105, inciso I, letra “a”, da Constituição Federal).

Todavia, a própria Constituição Federal impera no sentido de que o Tribunal do Júri deve julgar os crimes dolosos contra a vida, “ex vi” do seu artigo 5º, inciso XXXVIII, letra “d”.

Caso, “ad exemplum“, um Governador de Estado mate alguém, deverá ser julgado pelo Tribunal do Júri ou pelo Superior Tribunal de Justiça?

Concluímos que é o Egrégio Superior Tribunal de Justiça que deverá julgá-lo, nos termos do artigo 105, inciso I, letra “a”, da Constituição Federal, pois se trata de norma especial e também de caráter Constitucional, devendo prevalecer a indigitada especialidade, esta embasada na prerrogativa da função e na importância do cargo desempenhado pelo réu, nada tendo de relação com a pessoa que exerce o “munus“.

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Tal entendimento tem espeque no Plenário do Egrégio Supremo Tribunal Federal (CJ nº 7.000-4-PE, relator Ministro Néri da Silveira).

No mesmo sentido podemos dizer quanto aos membros do Ministério Público que matem alguém, conforme já decidiu o Pretório Excelso (STF, HC 68.935-3-RJ, 1ª TURMA, relator Ministro Ilmar Galvão).

9 – “Aberractio ictus” com lesão corporal leve na segunda vítima: precisa de representação desta?

Entendemos que não, haja vista que o erro de execução (“aberractio ictus“) refere-se a uma unidade complexa de acordo com o artigo 73 do Código Penal.

Com efeito, é possível que alguém, querendo matar outrem, desfira um tiro de revólver contra essa pessoa e, matando-a, também atinja uma terceira pessoa, causando lesões corporais leves nesta, e tudo numa só ação.

Se considerássemos “de per si” a lesão corporal leve sofrida pela segunda vítima (não visada), haveria necessidade da mesma representar contra o autor do fato para prosseguimento do feito em relação a este “delitum” de lesão corporal leve, “ex vi” do artigo 88 da Lei 9099/95.

Todavia, “in casu“, cuida-se de erro na execução (“aberractio ictus“) em que, conforme artigo 73 do Código Penal, temos que aplicar a regra do concurso formal do artigo 70 do mesmo “codex“, “id est“, a pena aplicada é a do homicídio consumado e aumentada de um sexto até metade.

Ainda, entendemos que a capitulação é a seguinte: estará o réu incurso no artigo 121, “caput“, c.c. artigo 73, segunda parte, ambos do Código Penal, pois houve uma unidade complexa que resultou da conduta do réu e as lesões corporais sofridas pela segunda vítima, não visada, servem de causa de aumento de pena do homicídio contra a vítima visada.

Assim, a lesão corporal não é um crime autônomo, dada a unidade complexa em que os fatos ocorreram, sendo, “ipso jure“, causa de aumento de pena, a fim de que se aplique a norma já vista do concurso formal de crimes do artigo 70 do Código Penal.

Portanto, não é cabível a capitulação com menção ao artigo 129 do Código Penal, devendo haver a referência à combinação do artigo 121, “caput“, do Código Penal com o artigo 73, segunda parte, do mesmo “codex“.

Neste sentido temos o recurso em sentido estrito nº 225.504-3/2 do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

10 – Revisão criminal: é cabível?

Entendemos que sim, caso a hipótese seja de decisão dos Jurados manifestamente contrária à prova dos autos, pois, “in casu, constata-se que a soberania dos veredictos é relativa, haja vista caber até recurso de apelação nesta hipótese, “ex vi” do artigo 593, inciso III, letra “d”, do Código de Processo Penal.

Com efeito, é possível que tenha havido um julgamento pelo Tribunal do Júri, condenatório e manifestamente contrário à prova dos autos e, mesmo com apelação do réu provida para anular a sentença com base na contrariedade manifesta à prova dos autos, em novo Júri, os Jurados voltam a condenar o réu e manifestamente contrária, a sentença, à prova dos autos.

In casu“, entendemos caber a revisão criminal, pois a soberania dos veredictos é relativa, haja vista a possibilidade de apelação nos termos do artigo 593, inciso III, letra “d”, do Código de Processo Penal e, ademais, o erro judiciário deve ser sempre corrigido (artigo 5º, inciso LXXV, da Constituição Federal) e o direito à liberdade é absoluto.

Assim, o réu poderá, e só o réu, pois se trata de remédio exclusivo da Defesa, ajuizar a revisão criminal, caso em que o Tribunal “ad quem” poderá modificar a sentença transitada em julgado e que condenou o réu baseando-se em aspectos manifestamente contrários à prova dos autos.

Nesse sentido, com o que concordamos, temos, na Jurisprudência, RT 475/352; 488/330; 548/331; 594/372; 677/340.

11 – Desclassificação do crime na fase da pronúncia: vincula o juízo ao qual foram remetidos os autos?

Entendemos que não, haja vista que a convicção do Juízo ao qual os autos foram remetidos pode ser outra, devendo haver, sempre, decisão fundamentada a respeito.

Com efeito, até a fase de pronúncia, é possível que o Juiz, ao invés de pronunciar o réu, convença-se da existência de crime que não seja doloso contra a vida, o que desloca a competência para outra Vara que não a do Júri, exceto Comarca com Vara única.

Assim entendendo, será reaberto ao acusado prazo para defesa e indicação de testemunhas, prosseguindo-se, após encerramento da inquirição das testemunhas, de acordo com os artigos 499 e 500 do Código de Processo Penal, não podendo ser arroladas testemunhas já anteriormente ouvidas, “ex vi” do artigo 410 do Código de Processo Penal.

Ad exemplum“, se o réu for denunciado por tentativa de homicídio e, após o término da instrução probatória, na fase de pronúncia, o Juiz entende que não se trata de tentativa de homicídio, mas de lesão corporal, pois não houve prova da intenção de matar (“animus necandi“), o Juiz prolatará a sentença desclassificatória, mas não deve dizer qual é a infração penal, bastando dizer que se trata de infração penal que não dolosa contra a vida.

Caso o Juiz mencione, “apertis verbis“, que a infração penal é a de lesão corporal, entendemos que o Juízo ao qual os autos forem remetidos poderá, após a oitiva de testemunhas, entender que o crime não é o de lesão corporal e sim que se trata de outra infração penal não dolosa contra a vida (“verbi gratia” artigo 132 do Código Penal).

Nesse sentido temos RT 538/387; 550/297; 550/324; 570/395; RTJ 104/589.

12 – É possível que o libelo mencione conduta distinta daquela inserta na sentença de pronúncia?

Não, sob pena de nulidade absoluta.

Com efeito, na sentença de pronúncia, que submete o réu a julgamento perante o Tribunal do Júri, o Juiz deverá constar a conduta do réu, descrevendo o “delitum” que será objeto de análise pelos jurados na Sessão de Julgamento.

E a sentença de pronúncia deve se ater aos limites da denúncia, pois o réu sempre se defende dos fatos descritos na denúncia.

Por sua vez, o libelo-crime acusatório deverá conter a exposição do fato criminoso tendo como base o conteúdo da sentença de pronúncia e esta se baseou nos fatos descritos na denúncia, pois deles é que o réu se defendeu.

Assim, “ad exemplum“, se o réu foi denunciado porque atirou na vítima e a matou e se foi pronunciado pelo mesmo fato, não pode, sob pena de nulidade absoluta, o libelo-crime acusatório descrever a conduta do réu como sendo aquele que emprestou o revólver a um terceiro, a fim de que este o utilizasse para atirar e matar a mesma vítima.

Concluindo, o libelo-crime acusatório é “bitolado” pela sentença de pronúncia, jamais podendo estar em desacordo com esta, sob pena de nulidade absoluta.

É o que diz a Jurisprudência (RJTJSP 3/424; 9/588; 51/361; 90/550; RT 547/394; RTJ 97/588).

13 – Sentença de pronúncia: podem ser usados termos exagerados e com análise profunda das provas?

Não, sob pena de nulidade.

Com efeito, nos processos de competência do Júri, o Juiz Singular, após regular instrução probatória, caso se convença da existência do crime e da ocorrência de indícios de que o réu seja o seu autor, pronunciá-lo-á, dando os motivos do seu convencimento, “ex vi” do artigo 408, “caput“, do Código de Processo Penal.

Como toda decisão judicial e em cumprimento ao determinado no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, a sentença de pronúncia deve ser fundamentada sempre, mas, sob pena de influenciar o Conselho de Sentença, não pode jamais usar termos exagerados e nem analisar profundamente as provas, sob pena de nulidade.

E assim o é, pois, caso o Juiz usasse tais termos, extravazaria de sua competência, exercendo atribuições próprias dos jurados, o que destoaria da norma Constitucional que prevê a competência para tanto do Egrégio Tribunal do Júri (artigo 5º, inciso XXXVIII, letra “d”, da Constituição Federal).

Resumindo-se, a pronúncia deve ser fundamentada, mas devem ser usados termos comedidos, sem exagero e sem análise profunda das provas, sob pena de nulidade.

Nesse sentido, na Jurisprudência temos RJTJSP 16/397; 31/334; 40/300; RTJ 23/23; RT 462/407; 471/331; 521/439; 522/361; 557/369; 644/258.

14 – Conexão de homicídio com disparo de arma de fogo: é possível?

Entendemos que não, haja vista a norma expressa (“apertis verbis“) do artigo 15, “in fine“, do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03).

Com efeito, é possível que seja oferecida denúncia pela prática de um homicídio (artigo 121 do Código Penal) e em conexão, na mesma denúncia, com o crime do artigo 15 da Lei 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento), interpretando-se que a existência da conexão ou não e a eventual absorção do segundo crime pelo homicídio são matérias que dizem respeito ao mérito (“meritum causae“), cabendo ao Tribunal do Júri analisar tais facetas.

Todavia, a parte “in fine” da norma do artigo 15 indigitado expressamente (“apertis verbis“) considera subsidiária a infração penal de disparo de arma de fogo em via pública, quando tal conduta tenha como finalidade a prática de outro “delitum“, “in casu” o homicídio.

Assim, entendemos não ser admissível a denúncia pela prática do crime de homicídio e também pela prática do crime de disparo de arma de fogo em via pública, haja vista a norma expressa indigitada, que tem redação de melhor técnica em relação ao mesmo crime que era tipificado no artigo 10, § 1º, inciso III, da Lei 9437/97, norma esta que mencionava “desde que o fato não constitua crime mais grave”, não se atendo à finalidade.

E outras posições a respeito de matérias relativas ao Tribunal do Júri podemos encontrar nos nossos Livros “Júri na Jurisprudência, editora Iglu”, “Juizado Especial Criminal no Júri, editora Leud” e “Direito Penal Comentado”, editora Letras & Letras.

15 – Desclassificação na fase de pronúncia: sempre é possível?

Entendemos ser possível por exceção e tão somente na hipótese da existência de prova cristalina a respeito, sob pena de infringência à norma Constitucional de competência do Tribunal do Júri (artigo 5º, inciso XXXVIII, letra “d”, da Constituição Federal).

Com efeito, é possível que, “ad exemplum“, alguém tenha sido denunciado por uma tentativa de homicídio por ter desferido um único tiro na vítima e na perna desta, constando, na denúncia, que a vítima só não morreu, pois houve circunstâncias alheias à vontade do réu (verbi gratia” a vítima foi socorrida eficazmente).

Em alegações finais, “ex vi” do artigo 406 do Código de Processo Penal, a Defesa pede a desclassificação do “delitum” para lesão corporal.

In casu“, entendemos ser possível o acatamento da tese defensiva tão somente na hipótese de prova cristalina, sem sombra de dúvidas, de que não houve o “animus necandi” do réu na sua conduta.

E tal poderia ter ocorrido na hipótese de haver testemunhas comprovando que o réu possuía várias outras balas de revólver no tambor, era um exímio atirador e, no momento do disparo, por sua livre e espontânea vontade, somente desferiu um tiro e de perto, mirando tão somente a perna da vítima e, para arrematar, testemunhas ainda disseram que o réu, antes de tudo isso, ainda disse à vítima que era um tiro “só para assustar”.

Em tais circunstâncias, o réu, “apertis verbis“, não tentou matar a vítima e sim só a machucou, devendo responder pelo que fez, crime não doloso contra a vida, tendo havido prova cristalina e inconteste de tal.

Portanto, concluímos que só se opera a desclassificação, se esta vier cristalinamente provada, sem sombra de dúvidas, o que é cediço na Jurisprudência (RT 566/304; 583/422; 584/319; 587/296).

Esta e outras posições a respeito de matérias relativas ao Tribunal do Júri podemos encontrar nos nossos Livros “Júri na Jurisprudência, editora Iglu”, “Juizado Especial Criminal no Júri, editora Leud” e “Direito Penal Comentado”, editora Letras & Letras.

Essa é a nossa interpretação, “ad referendum” dos Doutos.

Quid multa“?

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Décio Luiz José Rodrigues

 

Juiz de Direito em São Paulo (SP), professor da Egrégia Escola Paulista da Magistratura, autor das seguintes obras: Juizados Especiais Cíveis (editora Fiuza), Juizado Especial Criminal no Júri (Editora Leud), Processo Civil e Direito Comercial Resumidos (editora Leud), Direito Penal Comentado (editora Letras & Letras), Júri na jurisprudência(editora Iglu), A propriedade e os direitos reais na Constituição de 1988 (editora Saraiva, coord. Carlos Alberto Bittar), Registro de imóveis na jurisprudência (editora RT), Registro de Imóveis (editora Leud), Leis Penais Comentadas (editora Leud), Lei dos Juizados Cíveis comentada(editora Leud), Crimes eleitorais(editora Madras), Estatuto da Cidade comentado(editora Madras), Principais inovações do novo Código Civil(editora Leud), Manual da propaganda eleitoral(editora Leud), Crimes do Código de Trânsito(editora Leud), Direitos do torcedor e temas polêmicos do futebol(editora Rideel)

 


 

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