O Ordenamento
Jurídico Brasileiro tutela há muito os direitos da personalidade, tais como a
honra, a imagem e a intimidade, garantindo aos seus titulares o direito à
indenização por danos morais decorrentes de sua violação, conforme estabelece o
artigo 5º, X da Constituição Federal.
Seguindo o preceito
constitucional, muitos ramos do Direito trataram do tema. O Direito Civil já
previa a tutela aos direitos da personalidade desde o Código Civil de 1916, em
seus artigos 1.547 e 1.548. O Código Civil atual manteve a garantia, prevendo
expressamente em seu artigo 186 o pagamento de indenização pelos danos morais
sofridos. Também o Direito Penal disciplinou acerca dos direitos da
personalidade, tipificando a ofensa a estes direitos nos artigos 139
(difamação) e 140 (injúria).
No entanto, no
âmbito do Direito do Trabalho, o reconhecimento de um dano moral decorrente da
relação de trabalho e passível de ressarcimento através do pagamento de
indenização, longe de ser pacífico, acalentou durante muito tempo o debate jurídico
entre os aplicadores do Direito.
A dificuldade em se
pacificar o tema decorria principalmente da ausência de dispositivo legal que
regulamentasse a matéria. Isto porque as formas de reparação previstas na
Consolidação das Leis do Trabalho para as diversas agressões no curso do
contrato de trabalho que ensejam a sua resolução não prevêem a compensação por
danos morais, muito embora tutele expressamente os direitos da personalidade em
quatro situações: artigo 482, ‘j’;
art. 482, ‘k’; art. 483, ‘e’ e art. 373-A, VI.
Ante a omissão
legislativa no tocante a reparação do dano moral decorrente das relações de
trabalho, três correntes debatiam o tema: (i) admitia a reparação do dano moral
nas relações de trabalho e atribuía à Justiça do Trabalho a competência para
apreciar os dissídios que o tivessem por escopo; (ii) entendia que os
conflitos envolvendo dano moral decorrente de relações de trabalho poderiam ser
julgados pela Justiça do Trabalho desde que fosse editada lei ordinária neste
sentido e, (iii) considerava que eventual dano moral decorrente da relação
de emprego possui natureza eminentemente civil, daí porque seria absolutamente
incompetente a Justiça do Trabalho para julgar os dissídios dele decorrente.
Com o advento da
Emenda Constitucional n°. 45 de 31.12.2004 este debate foi pacificado, sendo
adotado o posicionamento da primeira corrente, conforme nova redação atribuída
ao artigo 114 da Constituição da República e a inserção do inciso VI, abaixo
transcrito ipsis literis:
“Art. 114
da CF. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
VI – as ações de indenização por dano moral ou
patrimonial, decorrentes da relação de trabalho”.
Assim, o legislador
constituinte não apenas reconheceu a existência de um dano moral decorrente das
relações de trabalho, como se posicionou expressamente sobre a competência da
Justiça do Trabalho para julgar os dissídios que tenham por escopo o seu
ressarcimento.
Este recente
reconhecimento fez surgir na Justiça do Trabalho inúmeros dissídios, em regra,
ajuizados por ex-empregados, pleiteando que sejam seus ex-empregadores
condenados ao pagamento de indenizações por danos morais. Surgiram, com isso,
novas questões correlatas ao tema e que vêm pautando os debates atuais.
Dentre estas
questões a ser enfrentadas está a definição de quais os fatos ocorridos na
relação jurídico-trabalhista que violam os direitos da personalidade dos
empregados sendo, portanto, ensejadores de reparação por danos morais.
Assim, devemos
inicialmente considerar que em sede trabalhista é o assédio moral sofrido pelo
empregado que viola um de seus direitos da personalidade, gerando-lhe um dano
moral passível de ressarcimento.
Porém o
que vem a ser o assédio moral? Muitas são as acepções, mas, de um modo geral,
podemos defini-lo como uma conduta abusiva do empregador durante a jornada de
trabalho e no exercício de suas funções, seja ela através de palavras, de
gestos ou de atitudes, que de uma forma repetitiva ou sistemática atente contra
a integridade física ou psicológica do empregado, visando uma vantagem para o
empregador, na maioria das vezes, econômica ou sexual.
Assim,
temos o “assédio sexual”, espécie do gênero assédio moral, no qual o empregador
ou seus prepostos valendo-se de sua posição hierárquica superior e da
autoridade inerente a sua função pressionam o empregado visando obter favores
sexuais, normalmente em troca da manutenção do emprego ou da obtenção de
promoções.
O
assédio sexual viola o direito à liberdade, no qual é inerente a liberdade do
indivíduo de viver a própria sexualidade, inclusive a livre escolha de seus
parceiros, mantendo com estes relações sexuais consentidas.
Existe,
ainda, o denominado “assédio moral” que objetiva a obtenção de uma vantagem
econômica para o empregador. Aqui, o que se tem é a exposição do empregado a humilhações
contínuas que denigrem sua imagem perante os demais colegas de trabalho,
criando um ambiente de tal modo desagradável que o funcionário se vê obrigado a
pedir demissão. Essa atitude, todavia, evita que o patrão suporte os encargos
econômicos oriundos da demissão do empregado.
Neste
prisma, podem ser destacadas ações que diminuam e humilham o empregado, sendo
as mais comuns a proibição de praticar as funções que anteriormente lhe eram
atribuídas e que integravam seu cargo (ex.: proibir a secretária de atender ao
telefone), bem como a de impor ao empregado tarefas que pertencem a
funcionários hierarquicamente inferiores (ex.: ordenar que o chefe de uma
repartição sirva café diariamente aos demais funcionários que a ele estavam
subordinados), proferir palavras que afetem a boa fama do empregado,
considerá-lo incompetente ou inapto para o desempenho das atividades para a
qual fora contratado, dentre outras.
Neste
rol de eventos e situações, o que se tem é a violação da honra do empregado,
devendo esta ser entendida como o conjunto de qualidades que caracterizam a
dignidade do indivíduo, seu nome e sua reputação.
A caracterização dos fatos ensejadores do assédio
moral e a conseqüente necessidade de que tais fatos violem os direitos da
personalidade, conforme demonstrado acima, impedem, segundo nos parece, que se
pleiteie na Justiça do Trabalho o ressarcimento por danos morais decorrentes do
não pagamento de verbas rescisórias, conforme infelizmente vem ocorrendo com
assustadora freqüência.
Assim, devem os operadores do direito se aterem ao
fato de que o não pagamento de salário ou de verbas rescisórias não acarretam
qualquer violação aos direitos da personalidade do empregado e, ainda, a sanção
para esta infração já se encontra disciplinada pela Consolidação das Leis do
Trabalho, como por exemplo a incidência de multas e o pagamento em dobro das
verbas não quitadas à época oportuna.
Desta forma, acrescer às verbas rescisórias o
pagamento de uma indenização a título de danos morais seria punir o empregador
duas vezes pelo mesmo fato, caracterizando-se um bis in idem defeso por nosso Ordenamento Jurídico.
Informações Sobre o Autor
Karina de Mendonça Lima
advogada especialista em direito do trabalho e previdenciário, responsável pelo setor trabalhista do Escritório Assumpção & Assumpção Advogados Associados.