Uma visão hermenêutica comprometida com a cidadania e os Direitos Humanos: O início de um debate

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Introdução

Vivemos um momento histórico de
mudanças, os otimistas falam de uma Era de Globalização em que conquistas
econômicas se expandiriam por todo o Globo, minimizando diferenças e levando ao
desenvolvimento mundial.

Mas a pergunta é: dentro dessa nova
lógica universal, onde se localizariam os direitos humanos?

Os direitos humanos em sua
maioria,  já foram  reconhecidos e efetivados naqueles países mais
ricos, que comandam o expansionismo econômico, mas entre nós, países ainda em
“desenvolvimento” não se pode dizer o mesmo.

Se no plano político das nações
desenvolvidas aumentou o número de bens, valores e sujeitos tutelados sob o
rótulo dos “direitos humanos”, nos países latino-americanos o enfraquecimento
do Estado nacional parece dificultar ainda mais o reconhecimento de direitos
mínimos a grande parte da população.1

Desemprego, miséria, inexistência de um
sistema de saúde e previdência eficientes são apenas alguns dos problemas
comuns a esses Estados, que só se agravam ainda mais quando acompanhados de um
neoliberalismo desenfreado.

Diante desse quadro, o que pode fazer o
Direito e seus operadores?

Sabemos que o Direito não pode sozinho
realizar mudanças tão profundas, mas pode e deve se juntar a
outras forças sociais a fim de efetivar garantias fundamentais ao
cidadão, sem as quais não se pode sequer falar em desenvolvimento.

Nesse contexto, estamos cientes de que
esse novo caminho não se faz apenas por novas leis, pois estas de pouco servem
quando “operadas pelo indivíduo humano velho em egoísmo e em agressividade”2. Essa nova trilha se faz principalmente pelas mãos de um
novo jurista, comprometido com uma hermenêutica libertadora, que luta pela
semelhança, pelo justo, pela realização de um direito universal que já existe,
mas que precisa ultrapassar, superar o seu teor
meramente programático.

É deste novo profissional,
completamente comprometido com a causa dos direitos humanos que vamos
tratar. 

Nas próximas linhas apenas lançaremos
questões para que estas sejam  debatidas por aqueles que estão
comprometidos com a concretização de um direito de todos, para que seja dado
mais uma passo no longo caminho do desenvolvimento dos
direitos humanos.

1. O que é Cidadania e o que são
Direitos Humanos?

É imprescindível falarmos sobre
cidadania para que possamos então falar em direitos humanos, isto porque é o
cidadão o começo de tudo, a semente criadora desses direitos.

Para chegarmos ao verdadeiro conceito
de cidadania temos que superar e muito a definição exegética e limitadora do seu exercício, estabelecida pela lei da ação
popular ao determinar que  o título de eleitor é a expressão do conceito
de cidadão.  Aceitar que em nosso país só é cidadão aquele que tem título
de eleitor é negar toda dimensão histórica e sociológica do conceito.

Como bem nos alerta Oliveira Júnior, o
conceito de cidadão nasce historicamente quando a moral impositiva estatal dá
lugar a moral individual, quando o foco de atenção se desloca dos deveres do
súdito, para os direitos do súdito,3 muito antes portanto de se cogitar o
direito ao voto.

Assim, poderíamos formalmente dizer que
o cidadão é aquele sujeito que possui direitos frente
ao Estado.   Entretanto, essa concepção formal ainda não  nos
revela toda a dimensão do problema, pois não haverá realmente cidadania se
aqueles direitos não forem efetivamente instrumentalizados.

Podemos nessa ordem de idéias dizer que só é verdadeiramente cidadão em sua acepção plena
aquele sujeito de direitos que pode ver seus reclamos concretamente ouvidos
e tutelados pelo Estado
.

E é desses
reclamos, dessas necessidades, que se constituíram através dos tempos, ao longo
da História, as várias gerações de direitos humanos, “nascidos em certas
circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra
velhos poderes”
4,
por isso mesmo em constante e ininterrupta formação. Formação esta que não
cessa nunca, pois só terá fim se o homem um dia vier a  perder a grande
qualidade que o distingue dos outros animais : a
capacidade de desejar melhorar.

Por isso já presenciamos a luta pelos
direitos individuais, pelos direitos sociais e transindividuais
e mais recentemente pelos direitos oriundos da manipulação genética e do
desenvolvimento da cibernética, entretanto ainda que estejam surgindo novas
lutas não podemos nos esquecer que enquanto existirem cidadãos que não gozem
dessas prerrogativas essenciais os direitos humanos serão um conceito em
construção, fruto de um combate diário.

2.
A
proteção aos direitos humanos na ordem jurídica brasileira: o
discurso e a práxis

A Nossa atual Constituição Federal foi
primorosa ao tutelar os direitos do cidadão brasileiro, dispondo em uma
infinidade de dispositivos sob garantias que compõem o conceito de direitos
humanos.

Assim é que logo em seu preâmbulo
esclarece a intenção de “… assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceito…”

Poderíamos afirmar como a doutrina
tradicionalmente faz que o preâmbulo não é norma
constitucional, não podendo então servir de paradigma para declaração de
inconstitucionalidade de qualquer norma que a ele se oponha, entretanto se nos
pautarmos pela lógica de que o legislador não escreve palavras inúteis, devemos
considerar que o preâmbulo é ao menos elemento de interpretação a auxiliar na
integração de todo o sistema, não devendo portanto ser ignorado.

Ademais, não foi apenas no preâmbulo
que nosso constituinte se preocupou com o cidadão, dedicou-lhe todo um título
(Dos Direitos e Garantias Fundamentais) onde estão resguardados direitos individuais e coletivos, sociais e políticos.

Garantiu ainda a Constituição
: a saúde como direito de todos (art.196), proteção à maternidade, ao
trabalhador em desemprego (art.201, II e III), a assistência social a quem dela
necessitar (art.203), a educação para todos (art.205), o pleno exercício dos
direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional (art.215), direito a
um meio ambiente equilibrado (art.225) e proteção à família (art.226) entre
outros.

Se não bastasse
então todos os dispositivos acima mencionados, determinou ainda a Carta de 88,
em seu art.5º, §2º, que os direitos e garantias expressos na Constituição “não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”

Desse modo nossa Constituição além de
oferecer formalmente todas as garantias que qualquer cidadão do país mais
desenvolvido pudesse desejar, incorpora ainda àquele extenso rol outros meios
de tutela que possam ter passado desapercebidos por
nosso constituinte, mas que integram tratados internacionais ratificados pelo
Brasil.

Ao dispor desse modo os direitos
enunciados em tratados internacionais passam a ser também constitucionalmente
protegidos5, o que faz com que nosso legislador
ordinário não possa criar normas que de algum modo os viole, já que estes só
poderão deixar de integrar a ordem jurídica nacional se o referido tratado for
objeto de denúncia, sendo então subtraído do sistema.6

Tudo formalmente perfeito para nos
coroar como uma das nações que mais respeitam os direitos humanos, não fosse a
total ineficácia dos dispositivos mencionados, que viram letra-morta dentro da
realidade de subdesenvolvimento em que vivemos.

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A gritante diferença entre o discurso
normativo e a práxis é sustentada pela apatia política de nossos governantes,
bem como pela própria Ciência Jurídica, que dentro do seu “rigor lógico” não
poderia deixar de justificar teoricamente a distância entre o ideal positivo e
a realidade.

Na ânsia por legitimar essa distorção,
todas as normas constitucionais então anteriormente mencionadas se transformam
comodamente na categoria (altamente “científica”) de “normas programáticas”,
que não tem aplicação imediata por dependerem de complementação legislativa,
sem a qual “não consentem que os cidadãos as invoquem pedindo aos tribunais
o seu cumprimento”
7.

Essas são infelizmente teoria e prática
aceitas em nossos Tribunais,
fruto da formação dogmática que nossos juristas ao longo dos anos receberam e
ainda recebem em nosso país.

3. O papel do ensino jurídico

O ensino jurídico no Brasil tem sido
determinante para reforçar a estrutura altamente positivista e conservadora do
nosso sistema.

Milhares de advogados, juízes,
promotores, procuradores se formam sob uma estrutura arcaica e distorcida, que
reprime aquele que pensa e premia aquele que decora.

Muitos são os professores que se
debruçam sobre os Códigos e deixam de ensinar efetivamente suas disciplinas com
as implicações sociais que devem ter, simplesmente para repetir dispositivos de
lei.

É o modo fácil de se enganar achando
que se ensina: cobrando do aluno não o pensar crítico, mas a simples
memorização de textos legais.

Poucos são os professores que conseguem
fazer com que seus alunos questionem os motivos primários da feitura da lei, os
interesses protegidos pela norma, a forma como se deu essa proteção, a que
casos ela pode se aplicar, se ela pode se estender a relações
novas ou de que modo ela pode se adaptar a realidade atual.8

Mais raras ainda são as instituições
que ensinam pela perspectiva da multidisciplinariedade,
efetivando projetos que envolvam os alunos e lhes mostre as várias facetas do
Direito e sua estreita ligação com outras áreas do conhecimento humano.

Entre os próprios professores
cultiva-se a errônea idéia de que o profissional a ser formado é um mero
técnico solucionador de conflitos, desvalorizando-se muitas vezes as
disciplinas de formação básica, que são determinantes para a aquisição de
cultura jurídica.

É sem dúvida, o resquício da velha
“Teoria Pura” do Direito, para a qual a Ciência do Direito só pode ser
normativa, não devendo cientificamente se envolver com outras instâncias do
saber.

Equívoco imenso que parece estar
cravado em grande parte das instituições de ensino jurídico!

Infelizmente, todos esses fatores se
agravam espantosamente se nós lembrarmos ainda que grande parte dos estudantes procuram nossas Faculdades de Direito sem qualquer
orientação vocacional9
, movidos apenas pela busca do diploma para realização de uma série de
concursos públicos para cargos, dos quais desejam apenas obter “status” social
e “tranqüilidade” financeira10.

Devemos perceber que esse ensino
voltado para uma concepção puramente legalista aliado a falta de vocação e
formação básica criam uma composição volátil que tende a explodir em nossa
sociedade: um pseudo-profissional
que se ilude acreditando que realmente tem conhecimento jurídico quando na
verdade estará completamente despreparado para lidar com nossa realidade
social, servindo meramente como elemento conservador de distorções.

Esse ensino  deformador é portanto a semente geradora de grande parte dos problemas
de nosso sistema e modificá-lo é algo que foge e muito a mera organização de
uma nova grade curricular, é algo que está na consciência daqueles que educam
em nossas faculdades e por isso não pode ser corrigido apenas com mudanças de
caráter formal.

Devemos ter em mente que a nossa função
é formar agentes sociais críticos, competentes e comprometidos com o novo,
profissionais que possuam uma qualificação técnica de alto nível, mas que
tenham também a  consciência de seu papel social11, da importância estratégica do Direito
no formação de uma nova sociedade e que assumam sem
medo a responsabilidade que lhes compete nessa caminhada.

Somente uma alteração de postura, livre
das velhas ideologias e de preconceitos jurídicos, pode reabilitar o nosso
ensino.

4. Ideologias e o mito da neutralidade

Primeiramente devemos destacar qual o
uso que aqui se fará da expressão ideologia, pois esta pode ser usada para
designar tanto o estudo da origem e do funcionamento das idéias quanto o
conjunto de idéias de uma pessoa ou grupo12, ou ainda um conjunto de convicções
deturpadas sobre algo13.

Cláudio Souto conceitua ideologia como
o “conhecimento socialmente condicionado e emocionalizado,
o qual é, na melhor das hipóteses, duvidoso.”
14

André Lalande
entende ser a ideologia “o pensamento teórico que julga desenvolver-se
abstratamente sobre seus próprios dados, que é em verdade expressão de fatos
sociais, particularmente de fatos econômicos, dos quais aquele que o constrói
não tem consciência, ou, ao menos, não se dá conta de que eles determinam seu
pensamento.”
15

De modo mais simples, usaremos aqui a
palavra ideologia para designar um conjunto de idéias, valores e convicções que
um indivíduo ou grupo possui e julga ser a fiel representação da verdade.

Dentro desse prisma podemos afirmar que
são duas as principais ideologias jurídicas que aparentemente se opõem e
determinam o comportamento dos nossos juristas : o jusnaturalismo e o positivismo jurídico.

A primeira funda-se na idéia de que há
um padrão superior, fixo e inalterável acima da norma estatal, esse padrão
representa o “justo” e deve por isso ser observado; a segunda identifica o
Estado com o Direito e este com a lei, afirmando ser esta toda a representação
possível do “justo”.

O jusnaturalismo
peca  por se perder em considerações metafísicas sem qualquer concretude, pois não define o que é o “justo” dentro da
realidade, já tendo por isso servido de justificativa tanto para o avanço
arbitrário da Igreja Católica na Idade Média quanto  para a chegada da
burguesia ao poder no século XVIII.

Já o positivismo erra por justificar as
arbitrariedades estatais, reduzindo o Direito a ordem
preestabelecida pelo Soberano, sendo uma postura cômoda a alguns julgadores,
pois os eximem de qualquer responsabilidade, já que aplicando a lei acreditam
ter cumprido o seu dever.16

Uma visão mais cuidadosa sobre essas
duas concepções faz com que se revele a sua falsa oposição, pois na verdade
ambas se identificam pelo formalismo, já que nenhuma delas estabelece qual o
conteúdo intrínseco  ao Direito que apregoam.

Desse modo, tanto o positivismo 
quanto o jusnaturalismo podem ser formas de
manipulação pois adquirem o conteúdo que quiserem
aqueles que estão no poder (positivismo) ou aqueles que desejam tomar o poder (jusnaturalismo).  O episódio histórico da Revolução
Francesa retrata bem essa realidade : enquanto a burguesia era a classe
oprimida e lutava contra o Soberano assumiu a bandeira do jusnaturalismo
a fim de contestar a ordem em vigor, após a tomada de poder transforma seu jusnaturalismo em positivismo petrificando-o através dos
Códigos, que passaram a ser aceitos como toda a representação possível do
“justo” e portanto não mais sujeito a qualquer contestação.

Numa primeira fase contestou o poder
para dominar o Estado, numa segunda fez a digestão da vitória, pois já não
precisava mais desafiar o poder de que se apossara.17

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Eis portanto a
queda do véu que encobre igualmente as duas ideologias.

Cláudio Souto sintetiza com muita
propriedade as duas faces da mesma concepção científica  ao afirmar que “dizer que é Direito o que o Estado aceite como direito é
tão vaziamente formal quanto afirmar que é direito o que
o grupo
social aceite como direito (seja qual for o conteúdo)”
18, pois nas duas hipóteses há o apego a
forma para a caracterização do jurídico, não importando a substância.

A diferença reside apenas no fato de
que a forma grupal assume em regra caráter contestatório, apontando as
deficiências dos que estão no Poder,  presumindo-se por essa razão que o
seu conteúdo seria legítimo, o que nem sempre é verdade, pois as massas são
constantemente manipuladas.

Percebendo com clareza o erro daquelas
duas visões do Direito podemos mudar de rumo e passar a pregar eticamente um
conteúdo para esse Direito, definindo-o substancialmente e não formalmente como
até agora se tem feito.

Entretanto essa empreitada só será
vitoriosa se antes superarmos o decantado mito da neutralidade do cientista,
para aceitarmos que esta  é uma impossibilidade por si só, pois qualquer
ser humano (jurista ou não) que se proponha a um estudo científico, por mais
bem intencionado que esteja, carregará consigo, seus
valores, suas convicções, frutos da formação mais ou menos conservadora que
tenha recebido. Afirmar-se nessas circunstâncias “neutro” significa apenas
negar a realidade, e adotar a ideologia do conservadorismo, daqueles que
desejam apenas manter as coisas como estão. 

Superado o mito, podemos assumir
definitivamente nossa postura diante da História: qual seja a de formarmos fila
junto àqueles que lutam pela efetivação de uma sociedade onde as pessoas se
reconheçam pelas suas semelhanças e se respeitem pelas suas diferenças, onde
convivam dentro de um padrão ético substancial (e não meramente formal)
definido pela própria racionalidade do ser humano, onde os direitos humanos não
sejam mais a utopia distante, mas representem a
realidade de todos.

Para tanto devemos refletir juntos
sobre que tipo de  prática pode levar o ser humano a trilhar
definitivamente esse caminho, já que os modelos que atualmente servem a
sociedade não dão quaisquer sinais de harmonia com esse ideal. 

5. Propostas Alternativas.

Na década de 90, por ensejo das
discussões que sucederam a promulgação de nossa atual Carta Magna, um grupo de
magistrados insatisfeitos com o desprestígio progressivo do Poder Judiciário
perante a sociedade e influenciados pelo movimento italiano “uso alternativo do
Direito”, iniciaram um ciclo de debates sobre uma nova forma de entender o
Direito não mais sob o prisma do pensamento conservador dominante, mas agora
sob a ótica das reivindicações populares, muitas delas abraçadas pela nova
Constituição.

Desse ciclo de conferências nasceu o
então denominado “Movimento de Direito Alternativo”, ao qual se filiaram
juristas de todas as partes do nosso país, que trouxeram para a Ciência
Jurídica, cada um ao seu modo,  propostas de realização de um Direito
efetivamente comprometido com a sociedade.

É necessário registrar entretanto, que essas contribuições assumiram diversos
matizes, sendo possível distinguirmos simplificadamente
pelo menos três grandes divisões que nos cabe consignar19:

1) “Uso alternativo do direito”:
constituída por juristas que acreditam no poder da interpretação e buscam
realizar a  justiça social se utilizando das contradições, lacunas e
ambigüidades da norma.

Acreditam  em uma nova visão da
ordem legal,   crêem na realização da justiça não pela violação das
normas estatais,  mas sim pela justa
interpretação destas.  Pregam a releitura do que já está instituído.

2) “Positivismo de Combate”: 
têm como maior bandeira a efetivação dos princípios jurídicos já existentes
para todos e não somente para uma classe social.

Lutam na verdade pelo respeito às
normas estatais de cunho democrático, para que estas se estendam por toda a
sociedade.  Esse grupo de juristas aceita que se possa rejeitar a
legalidade na hipótese em que esta conflite com os princípios gerais do
Direito, pois o Direito vai  além da lei e de sua interpretação isolada.

3) Direito Alternativo “stricto sensu” ou Direito
“Achado na Rua”
:  assume ares de movimento social, pois sua luta se dá
dentro dos grupos sociais.

Acredita no pluralismo jurídico, na
idéia de que há dois direitos, um oficial e um paralelo, um do Estado e outro
da sociedade. Este grupo crê que grupos sociais politizados, como os sindicatos,
corporações, partidos políticos e setores da Igreja criam um novo Direito. Para
os alternativistas dessa corrente, desde que tenha
cunho democrático e igualitário, o “direito das ruas” deve ser reconhecido para
que se torne acessível a todos.

Todas as propostas alternativas têm em
comum a crítica a um formalismo jurídico que prega a neutralidade do jurista,
bem como o mito da coerência e completude do ordenamento.

Esse novo modo de pensar o Direito é
consciente de que a interpretação é sempre uma escolha; que o Direito, como
qualquer ciência, sofre influências ideológicas e que o jurista jamais atuará
em um plano estático, pois o Direito é progressivo, é dinâmico e deve
acompanhar as mudanças sociais.

Assim é totalmente equivocada a
proposição repetida por muitos juristas e repassada nas Faculdades, como se
verdade fosse, de que o positivista é o que cumpre a lei, enquanto os alternativistas estão contra esta.20

Ora para demonstrarmos o quanto essa
idéia é mentirosa basta lembrar quem são os primeiros a afirmar que certas
garantias constitucionais não podem ser invocadas pelo cidadão perante os
tribunais:  __ A mesma doutrina conservadora que se auto-proclama cumpridora da lei!

Nesse sentido, Lédio
Rosa de Andrade é esclarecedor ao consignar que “quando a norma vigente
contraria a ideologia e o interesse de sua classe, o legalista, sem corar,
descumpre-a, sem, ao menos, arranhar seu discurso de que a lei deve ser
cumprida cegamente.”
21

Como podemos perceber a visão
alternativa do Direito e suas propostas não são necessariamente contrárias a ordem jurídica vigente, ao contrário, assumem que dentro
dessa ordem há instrumentos que podem e devem ser utilizados para construir uma
teoria sólida que permita o amplo acesso aos direitos que são inerentes a todo
ser humano sem distinções.

Conclusão

Há muito mais a ser dito, pois esta
discussão é apaixonante e ao mesmo tempo complexa, entretanto, nosso objetivo
aqui era o de suscitar reflexões para que no calor do debate em sociedade
possamos construir novas idéias, pois é certo que o Direito delas precisa.

E se é certo que o Direito necessita da
renovação, é mais certo ainda  o fato de que ela não será realizada do
alto, mas por cada um de nós, porém não devemos nos iludir acreditando que essa
seja uma luta fácil, muito ao contrário, ela exige um trabalho paciente e
cuidadoso, de uma dedicação árdua, de uma vida inteira, pois não 
pretendemos mudar  um punhado de normas, pretendemos
e desejamos muito mais : mudar aquilo que passa pelo coração e pela mente das
pessoas.

Só assim, transformando o elemento
humano, matéria-prima essencial do Direito, poderemos efetivamente realizar o
ideal de uma sociedade pacífica, onde o respeito pelo semelhante seja a tônica,
onde os direitos humanos sejam realmente para TODOS !

 

Bibliografia:

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Notas
1. FARIA, José Eduardo. (org.)  Direito
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. São Paulo : Malheiros, 1996, p. 143.

2. SOUTO, Cláudio. Tempo de Direito
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Porto Alegre : Livraria do Advogado,
1997, p.133.

3. OLIVEIRA JR., José Alcebíades de.
(org.) O Novo em Direito e Política.  Porto Alegre
: Livraria do Advogado, 1997, p.191.

4. BOBBIO, Norberto. A Era dos
Direitos.
Rio de Janeiro : Campus, 1992, p.5.

5. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos
e o Direito Constitucional Internacional.
2ª ed. São Paulo
: Max Limonad, 1997, p.82.

6. PIOVESAN, Flávia. ob.cit.
p.99.

7. MORAES, Alexandre. Direito
Constitucional.
5ª ed. São Paulo : Atlas,
1999,p.41.

8. HERKENHOFF, João Baptista. Como
Aplicar o Direito.
 5ª ed. Rio de Janeiro :
Forense, 1999, p.28.

9. HERKENHOFF, João Baptista. Para
Onde Vai o Direito.
Porto Alegre : Livraria do
Advogado, 1997, p.58.

10. RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ensino
Jurídico e Direito Alternativo.
São Paulo :
Acadêmica, 1993, p.25. 

11. RODRIGUES, Horácio Wanderlei.   ob.cit. p.109

12. LYRA Fº,
Roberto. O que é Direito. Coleção Primeiros Passos, n.62, São Paulo : Brasiliense, 1982, p.13-14.

13. PORTANOVA, Rui.
Motivações Ideológicas da Sentença. 3ª ed. Porto Alegre
: Livraria do Advogado, 1997, p.17.

14. SOUTO, Cláudio. ob.cit.
p.141.

15. AZEVEDO, Plauto
Faraco de. Método e Hermenêutica Material no Direito. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 1999, p.34  apud 
LALANDE, André. Vocabulaire Technique et Critique de la Philosophie. Paris : Presses
universitaires de France,
1969, p.459. 

16. AZEVEDO, Plauto
Faraco de. ob.cit.  p.30.

17. LYRA Fº,
Roberto. ob.cit. p.23.

18. SOUTO, Cláudio. ob.cit.,
p.17.

19. CARVALHO, Amílton
Bueno de. Direito Alternativo na Jurisprudência, São Paulo
: Acadêmica, 1993, p. 11e ss.

20. ANDRADE, Lédio
Rosa de. O que é Direito Alternativo ? Florianópolis : Obra Jurídica, 1998, p.61.

21. ob.cit. p.62-63.


Informações Sobre o Autor

Alessandra Moraes Teixeira

Advogado em São Paulo/SP
Professora de Direito na UNIC e UNIP. Mestranda de Direito na UNESP/SP


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