As adolescentes em conflito com a lei e o direito de papel

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Resumo: O ensaio de cunho jornalístico intitulado “AS ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI E O DIREITO DE PAPEL” é um exercício voluntário de cidadania, no qual se objetiva fomentar o processo de reflexão quanto à fragilidade das políticas públicas frente ao problema das adolescentes em conflito com a lei, bem como registrar as estratégias do Poder Público para protelar o cumprimento dos direitos que a elas são, acima de tudo, constitucionalmente garantidos. Como objeto de estudo e observação, o ensaio trata com visão holística um problema que há mais de 13 anos perdura na cidade de Uberlândia-MG: a falta de espaço adequado para que as adolescentes em conflito com a lei possam cumprir medidas socioeducativas. Para que o trabalho fosse concluído, 14 especialistas e profissionais que se inter-relacionam com os direitos das crianças e adolescentes, seja em âmbito municipal, estadual ou nacional, foram consultados e deixaram registrados pareceres sobre a problemática apresentada.

Palavras-chave: Adolescentes em conflito com a lei, ECA, Constituição Federal, discriminação, direitos, políticas públicas, hermenêutica, reserva do financeiramente possível, medidas socioeducativas.

Objetivando fomentar reflexão quanto à fragilidade das políticas públicas frente ao problema das adolescentes em conflito com a lei, bem como registrar as estratégias do Poder Público para protelar o cumprimento dos direitos que a elas são, acima de tudo, constitucionalmente garantidos, é que, de início, nos remeteremos ao contexto da cidade de Uberlândia – MG.

Uberlândia está localizada na região do Triângulo Mineiro. Entre outras riquezas, segundo o IBGE (2005), seu PIB equivale a R$ 9.190.673.074,00 e/ou o PIB per capita corresponde a R$ 15.704,00. Atualmente, o número de habitantes passa de 600 mil; e estima-se que alcance a marca de um milhão em 2010. Dentre outros problemas, a cidade é considerada ainda a terceira cidade mais violenta do Estado de Minas Gerais.

Ainda assim, “entre janeiro e julho deste ano, em Uberlândia, houve um aumento nas ações de repressão ao tráfico e uso de drogas em 42%, na comparação com o mesmo período do ano passado. As ações da Polícia Militar resultaram em 235 ocorrências de tráfico neste ano. Em igual período de 2007 foram 153. Em relação ao uso, 492 registros em 2008. No mesmo intervalo de tempo de 2007, 376 casos. A intensificação da repressão ao tráfico, segundo o comando da Polícia, é necessária porque diversos outros crimes, entre os quais roubos e homicídios, estão associados ao consumo e à venda de drogas”, documentou o jornal Correio de Uberlândia. [1]

Retrato da realidade

Dentro do contexto, lideranças políticas da cidade há mais de 13 anos tratam com superficialidade o problema da falta de espaço e de “oportunidade estatal” que envolve especificamente as adolescentes em conflito com a lei.

A título de exemplo, retratada no principal jornal local está a realidade que perdura na cidade há mais de uma década.

“No dia 4 de janeiro [de 2005], segundo investigações da Polícia Civil, uma adolescente de 16 anos ajudou o namorado e outros colegas a matar um inimigo, de 15 anos. O papel da garota foi atrair a vítima até sua casa, no bairro Dom Almir, em Uberlândia, para fumarem maconha. O menino foi brutalmente assassinado. Levou 11 facadas, das quais oito no pescoço. Uma semana depois do crime, a menina apresentou-se espontaneamente à Delegacia de Homicídios, confessou o assassinato e contou, friamente, como a morte foi planejada. Co-autora de um bárbaro crime, pela lei, ela deveria ser imediatamente internada num centro de recuperação. Deveria. Por falta de um lugar adequado, no mesmo dia ela foi devolvida às ruas. Esta é a realidade, em Uberlândia, que ainda não possui um centro de recuperação para meninas infratoras. De acordo com levantamento feito pela Delegacia de Menores, de cada 10 crimes praticados por menores na cidade, pelo menos um tem a participação de uma garota, mas, raramente, acaba recolhida. ‘Não há lugar’, afirma a delegada Adriana Ladeira”. [2]

Miopia política

Ela deveria ser imediatamente internada num centro de recuperação. Deveria. Por falta de um lugar adequado, no mesmo dia ela foi devolvida às ruas”, grife-se.

O repórter, acadêmico de Direito e assessor de comunicação da Polícia Civil local, Pedro Popó, na matéria chama a atenção para o fato de que desde a construção do primeiro Centro de Integração Social do Adolescente de Uberlândia (CISAU), em 1994, atualmente servindo para congregar idosos, passando pela construção e inauguração do novo Centro Socioeducativo de Uberlândia (CSEU), em 19 de junho de 2007, 13 anos se passaram e em nenhum dos dois locais houve a preocupação, seja do Município (que era o responsável pelo antigo CISAU) ou do governo do Estado de Minas Gerais (que hoje é o responsável pelo CSEU) em definitivamente promover a mesma oportunidade estatal para as “meninas”.

“Inaugurado em 1994, o CISAU tinha capacidade para receber 37 adolescentes em situação de risco que eram obrigados a cumprir medidas socioeducativas por determinação do Juizado da Vara da Infância e da Juventude de Uberlândia. Durante 13 anos, o local enfrentou superlotação, dezenas de motins e rebeliões até que em julho deste ano o governo de Minas inaugurou o Centro Socioeducativo de Uberlândia (CSEU) no bairro Dom Almir, para onde os internos foram transferidos”. [3]

“A Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS) inaugurou nesta terça-feira (19) o Centro Socioeducativo de Uberlândia. Com capacidade para 40 adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas de internação e 40 em internação provisória, o Centro recebeu investimentos de R$ 9,5 milhões em recursos do Tesouro Estadual e as obras duraram 12 meses”. [4]

O promotor de Justiça da Vara da Infância e Juventude em Uberlândia, Epaminondas Costa, faz coro com o repórter e ainda adverte:

“Apesar da construção e inauguração do Centro Socioeducativo de Uberlândia (CSEU) há cerca de um ano, o fato é que, além de ali não existirem vagas para a internação de adolescentes do sexo feminino, o referido Centro está com a sua capacidade de atendimento extrapolada em muito. A capacidade é de no máximo 80 (oitenta) adolescentes e hoje estão ali 150 (cento e cinqüenta) adolescentes internados [24 de setembro], com a tendência de este número se alterar para mais ou para menos, naturalmente, em razão de novas apreensões de adolescentes infratores ou de sua liberação para o cumprimento da medida socioeducativa de meio aberto (liberdade assistida). Este programa também está com a sua capacidade de atendimento esgotada, segundo consta. A nossa advertência foi ignorada quanto à insuficiência das vagas planejadas para o novo órgão. Estamos sem a mínima condição de aplicar a medida de internação na Comarca de Uberlândia em relação às meninas, mesmo havendo situações gravíssimas de adolescentes envolvidas em assaltos à mão armada, homicídios, tráfico de drogas, quebradeira dentro de casa, ameaça à família etc.  Muitas reuniões já foram feitas nesse sentido e a situação, infelizmente, continua sem solução”.

Respeito ao Direito

Uma vez relacionados o contexto e o problema, visando encontrar uma solução viável para a questão, bem como promover um diálogo democrático e plural, no qual a sociedade melhor pudesse entender o motivo pelo qual até hoje uma das mais ricas cidades de Minas Gerais, com um dos maiores PIBs municipais, e o Estado que a acolhe não tomaram providências para fazer jus aos preceitos e garantias, sejam elas constitucionais e/ou postas no Estatuto da Criança e do Adolescente.  Para tanto é que esta repórter-cidadã deixa neste registrados fatos e opiniões sobre a problemática, além de outros testemunhos em off (art. 5º da CF/88).

Discussão jurídica

No caso das adolescentes em conflito com a lei em Uberlândia, e no que tange à análise dos direitos violados, Anderson Rosa Vaz – professor universitário, especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Uberlândia; mestre em Teoria do Estado e doutorando em Filosofia do Direito pela PUC/SP – explica que:

“A República Federativa do Brasil tem, dentre os seus fundamentos, a cidadania e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, II, III, CF/88). No mesmo giro, dentre os objetivos da República constam a constituição de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem de todos (art. 3º, I, III e IV). Outrossim, trata-se de uma garantia constitucional que qualquer pena seja cumprida em estabelecimentos apropriados e distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado (art. 5º, XLVIII), respeitando, em qualquer hipótese, o respeito à integridade física e moral do preso (XLIX). Outro dispositivo valioso é o art. 6º da CF/88: são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. No plano infraconstitucional, não se pode desconsiderar o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei federal 8.069/90 – que em seu art. 4º  normatiza ser “dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Dos diversos dispositivos dessa lei que merecem atenção, encontram-se, em especial, os arts. 90 ao 97, que prevêem a criação e funcionamento de entidades de atendimento destinadas ao planejamento e execução de programas de proteção e medidas socioeducativas destinadas a crianças e adolescentes. Não se pode olvidar que essas entidades serão fiscalizadas pelo Poder Judiciário, Ministério Público e Conselhos Tutelares (art. 95). Destaquem-se, nesse cenário, as normas previstas entre os arts. 112 ao 125 do ECA.  Mais do que obrigação do Estado, as medidas socioeducativas, bem como as adequadas instalações físicas para o devido cumprimento delas, que não podem se dar em estabelecimentos prisionais, são direitos dos menores e da própria coletividade. Compete ao Estado a sua prestação efetiva. E, em caso de omissão, o Poder Judiciário deve ser acionado como garantidor dessas medidas. Como se trata de uma dimensão social, os direitos das crianças e dos adolescentes, em função do modelo federativo de Estado, devem ser geridos de forma harmônica e integrada pela União, Estados-Membros e Municípios. De acordo com o modelo constitucional vigente, na gestão dos direitos dos menores não é possível transferir as responsabilidades. Todos os entes e Poderes são responsáveis pela efetivação programada desses direitos, inclusive o Ministério Público e a coletividade. Outrossim, a cláusula da reserva do financeiramente possível também não deveria servir de desculpa à não-efetivação desses direitos, tendo em vista que se trata de direitos de eficácia imediata, devendo a sua prestação se dar de forma orçamentariamente planejada (art. 5º, § 1º, CF/88)”.

Para rebater as citações sobre as violações de um dos principais pilares da Constituição Federal de 1988 – ou seja, a dignidade humana – a Exma. Juíza de Direito da Infância e da Juventude em Uberlândia, Édila Moreira Manosso, empossada em maio de 2008, analisa:

O princípio da igualdade não pode ser conceituado como tratar todos de maneira igual. Isso implicaria na própria desigualdade. Deve ser conceituado como tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Nesse contexto, seria totalmente inconstitucional tratar meninas e meninos infratores de maneira igual, haja vista que são pessoas anatômica, fisiológica e psicologicamente diferentes; demandam cuidados e estruturas diferenciados. Nesse contexto, não se poderia falar que as adolescentes infratoras não são oportunizadas à ressocialização. Pelo contrário, a elas são conferidas medidas inerentes a sua condição, que são suficientes a reeducá-las. Portanto, essa vergastada ‘inconstitucionalidade’, pelo menos, a nível desta Comarca, mostra-se totalmente inconcebível”.

Discurso da norma

Quando casos – como o aqui citado anteriormente – são levados a litígio, é sob as asas de uma hermenêutica distorcida que o Estado tem se escondido. Além da já conhecida “desculpa interpretativa” da “norma programática”, a “cláusula de reserva do financeiramente possível”, segundo explica um Procurador, que prefere não ser identificado, tem dado resguardo ao discurso do Estado.

De acordo com o Procurador, ainda, há uma corrente do STF e de juízes de 1ª Instância que têm priorizado a interpretação da dita cláusula na seguinte linha: “O Estado não nega a existência do direito social, porém, é preciso admitir que sem verba não há como concretizar as políticas públicas”. Em simples palavras, a base do discurso é: “Como os direitos sociais não têm limite, não é possível, pois, efetivá-los”.

Para um melhor entendimento, em artigo intitulado como “Reserva do Possível”, datado em 19/06/2008, e de autoria dos professores Bruno Bianco Leal, Bruno Haddad Galvão e Marcelo Gatto Spinardi, o trio explica do que se trata a façanha da reserva:

A reserva do possível tem relação umbilical com os direitos fundamentais de segunda geração que, em regra, são de cunho programático. Isso quer dizer que estes direitos se traduzem num verdadeiro ‘programa político estatal’, uma vez que, na maior medida possível, deve ser alcançado. Falar-se em implementação de políticas voltadas aos comandos dos direitos sociais é garantir o mínimo existencial do ser humano. A Constituição Federal, de forma expressa, prevendo os direitos fundamentais de segunda geração, impôs ao Estado um dever de agir, na medida do financeira e materialmente possível. Assim, para que se implementem essas políticas públicas mínimas, não basta a boa vontade estatal, sendo imprescindível recursos suficientes para tanto. Nisso se resume a denominada ‘reserva do financeiramente possível’. O artigo 196 da Constituição Federal, por exemplo, trata da saúde como um direito de todos e um dever do Estado. A priori tal direito poderia ser taxado de programático, porém, não é essa a interpretação dada pelo STF. Esta Corte tem emprestado aplicabilidade imediata ao comentado direito fundamental, mormente por se relacionar, diretamente, com o direito à vida (direito de 1ª geração). Assim, neste ponto, difícil ao Estado se defender sob o argumento da cláusula da reserva do possível. Nesse sentido, dentre os direitos sociais, culturais e econômicos, existem aqueles de plena aplicabilidade, os quais convivem harmonicamente com os outros de caráter programático, necessitando de atuação estatal, notadamente do Poder Executivo ou do Poder Legislativo para que sejam concretizados”. [5]

Adicionalmente, cabe registrar também em off, conforme requisitado pela fonte, uma resposta que recebeu esta repórter enquanto tentava concluir este exercício de cidadania:

“Pode preparar a ação que quiser. Com os dados que quiser. Com as entrevistas que quiser. Exercite seu lado de jornalista investigativo ao extremo. Pois bem. Demoro uma hora para elaborar as informações por escrito. O juiz marca uma audiência. Mais hora e consigo suspender o processo para 2020, quando o Estado terá verbas para solucionar o problema que vc [você] está pesquisando! VC [você] está com 50 anos. Apenas seus traços lembrarão que já foi bonita um dia. Os menores infratores de hoje serão criminosos, sobreviventes ou, hipótese mais provável, estarão todos mortos”.(Sic!)

Visão sócio-jurídica

André Luís Alves de Melo é promotor de Justiça em Estrela do Sul – MG, mestre em Direito Público e professor universitário. Em avaliação das “válvulas de escape” do Estado, ele aponta ainda para uma nova perspectiva do problema e não mede críticas contundentes ao Sistema:

“O Estado gasta bilhões para construir prédios e palácios para servidores públicos, mas não tem dinheiro para centros da infância. O problema é que os Municípios também entendem que o problema da infância é da esfera judicial, logo estadual. O que é um equívoco. As nossas Varas de Família ainda são Varas de Ex-Família, pois acabam priorizando divórcios ou decidindo questões de alimentos e guarda em famílias dissolvidas. Na prática não buscam trabalhar com mediação familiar, nem mesmo visam atividades como casamentos coletivos, reconhecimentos voluntários de paternidade, habilitações de casamento, ou seja, têm uma atividade focada em problemas e não em soluções. Acabamos por dividir judicialmente a família em Varas do Idoso, da Mulher, da Infância, mas atuamos como meros burocratas processuais. Muitas questões precisam ser resolvidas tratando a família. Se um adolescente agride a avó com mais de 60 anos, iniciam-se discussões burocráticas de natureza processual para saber se o problema é da Vara do Idoso, da Vara de Proteção da Mulher ou da Vara da Infância. E o processo fica passando de vara em vara, sendo que o problema é esquecido. A rigor, a questão é problema de família e deveria ser resolvida por mediação. Mas no meio jurídico não somos preparados para mediação e como esta rompe mitos processuais, isso muda o foco do conhecimento jurídico, logo gera resistências, pois não há reserva de mercado. Na verdade também precisamos facilitar o acesso aos serviços de planejamento familiar e para a adoção”.

Sobre a temática, o Ex-Coordenador do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Segurança Pública e Defesa Social (NUSP) da UPIS e do Componente de Segurança Pública do Núcleo de Estudos em Defesa, Segurança e Ordem Pública (NEDOP) do UniDF, em Brasília; pós-graduado com especialização em Análise e Resolução de Conflitos pela “The George Mason University”, Fairfax, Virginia, EUA; militante na ilha Hispaniola como membro de missão internacional da OEA na República Dominicana, no México e Nigéria em missões com a ONU, George Felipe de Lima Dantas, atualmente consultor independente, projeta os efeitos globais desse tipo de omissão e opina:

Os ‘atos infracionais’ são praticados por indivíduos que, pela sua idade, não são ainda responsáveis penalmente. Tais atos são, na verdade, manifestações prodrômicas da criminalidade propriamente dita. Os centros de atendimento a jovens (crianças e adolescentes) que apresentam comportamentos desviantes são uma espécie de ‘oportunidade estruturada do Estado’ de poder resgatar, precocemente, indivíduos que constituem um ‘grupo de risco’ para a criminalidade, tão logo sejam responsabilizáveis penalmente, o que acontece ao final da ‘adolescência numérica’ de 18 anos. Para maiores informações sobre isso, basta conhecer o ‘mapa da violência dos municípios brasileiros’ e a verdadeira epidemia de ‘mortes violentas por causas externas’ (vide CID 10 do Sistema de Informações sobre Mortalidade), especificamente aquelas produzidas por armas de fogo, entre gente de 15 a 24 anos. Na reunião de ‘governadores’ do BID, em 1998, em Cartagena das Indias, Colômbia, foram apresentados vários estudos dando conta de que, na América Latina, entre 1 e 5% do PIB dos países da região são perdidos com os ‘custos da violência’. Esta semana mesmo o Ministro Tarso Genro, da Justiça, [setembro de 2008] referia que no Brasil esse número é da ordem de 1%. Ou seja, alguns bilhões de reais. Afora o dano social que os centros podem prevenir, também há que levar em conta o ‘custo econômico’ do crime e da violência, já que é bem sabido, das organizações internacionais de saúde e fomento ao desenvolvimento econômico-social (Banco Mundial, BID e Organização Mundial de Saúde), que custa cinco vezes menos prevenir do que remediar pela repressão (Polícia, MP, PJ, agências prisionais etc.). Isso fica bem claro em estudos da criminalidade feminina, já que ela é, em média, apenas cerca de 5% da criminalidade de ambos os gêneros”.

Voz ao Estado

Mas, na outra ponta, por meio de sua Assessoria de Comunicação, a Secretaria de Defesa Social do Estado de Minas Gerais afirma e se justifica:

“Em 2006, a Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase) da Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS) inaugurou o Centro Socieducativo de Uberlândia, com capacidade de atendimento para 80 adolescentes do sexo masculino. Quando há demanda de medida socioeducativa de internação para adolescentes do sexo feminino, as mesmas são encaminhadas para o Centro Socioeducativo São Jerônimo, em Belo Horizonte.

Dados gerais

Entre 2003 e 2008, o governo de Minas criou 601 vagas para atendimento de medidas socioeducativas. Nesse período, o número de unidades mais do que dobrou. Há cinco anos, eram 12 unidades e 420 vagas. Atualmente, são 26 centros socioeducativos, com 1.021 vagas. Além disso, a política de atendimento ao jovem autor de ato infracional, fortalecida no Estado a partir de 2003, foi impulsionada, no ano passado, com a criação da subsecretaria específica para esse fim, na capital e interior de Minas.

No dia 27 de março deste ano foi inaugurada uma unidade de internação para 56 adolescentes em Juiz de Fora. Estão previstas para serem autorizadas, até meados do próximo ano, as obras de novas sete unidades de internação, totalizando 540 vagas. São elas: Belo Horizonte, no bairro Horto, com 60; Santa Luzia, na Região Metropolitana, com 80; Muriaé, na Zona da Mata, com 80; Unaí, na região Noroeste, com 80; Itajubá e Três Corações, no Sul de Minas, com 80 vagas cada e, ainda, uma cidade a ser definida na região do Vale do Aço, que também terá 80 vagas.

Nos centros socioeducativos, os adolescentes participam de projetos culturais, esportivos e de inclusão social. As atividades têm o objetivo de ensinar aos jovens noções de trabalho coletivo, disciplina e força de vontade, além de melhorar a sua auto-estima. Os jovens também freqüentam aulas regulares do Ensino Fundamental e Ensino Médio.

Em relação às vagas de semiliberdade, foi criado, em maio, um Centro de Encaminhamento para Semiliberdade (CES), no bairro Horto, em Belo Horizonte, com capacidade para 31 adolescentes. Além disso, serão abertas, também em 2008, mais cinco casas de semiliberdade na capital e uma em Contagem, atingindo o número de 180 vagas até o fim do ano. Atualmente, Minas Gerais possui 105 vagas neste segmento.

Outra ação do governo do Estado foi o apoio e fomento para a abertura de 170 vagas para o Meio Aberto em 2007, por meio de convênios entre a SEDS e as Prefeituras de Montes Claros, Itajubá e Itabira. Este ano, a SEDS firmou parceria com municípios para abertura de 330 vagas, totalizando 500 até o final de 2008. Isso porque a medida socioeducativa de internação, a mais grave dentre as previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, deveria ser aplicada apenas em caráter excepcional. Com o Meio Aberto, de responsabilidade municipal, o autor de ato infracional cumpre a medida aplicada pelo Judiciário em liberdade, com o acompanhamento de psicólogos e assistentes sociais, e se apresenta periodicamente ao Juizado e à Promotoria Pública”.

Contrapondo dados

Em busca de mais dados sofre o número das adolescentes em conflito com a lei na cidade de Uberlândia, configurou-se o fato de que não há um levantamento preciso nem mesmo oficial sobre essas meninas.

Como forma de avaliar o desencontro de dados, no dia 29 de setembro do ano corrente, segundo informações do gabinete da Juíza de Direito da Infância e da Juventude em Uberlândia, o número de meninas em condições de conflito com a lei “não ultrapassava os 15 casos”; o que para a juíza Édila é um número “relativamente pequeno”. Segundo dela:

“Primeiramente, insta esclarecer que o número de adolescentes infratoras é relativamente pequeno, em comparação com os infratores do sexo masculino, bem como, na maioria das vezes, os atos infracionais por elas cometido não ensejam a aplicação de medida socioeducativa de internação. Quando há a prática de ato infracional mais grave, que implica internação provisória, inicialmente elas ficam internadas na Penitenciária Jacy de Assis, em cela separada das demais detentas e especialmente preparada para recebê-las, de maneira a atender os ditames do ECA. Se, ‘a posteriori, for necessário a aplicação de medida socioeducativa de internação por tempo indeterminado, elas são transferidas para centros de internação exclusivos para mulheres em outras Comarcas, geralmente em Belo Horizonte”.

Ao gabinete da juíza foi questionado qual seria o número de meninas que teriam sido transferidas para Belo Horizonte nos últimos tempos, ou seja, para cumprir medidas socioeducativas. A resposta foi “uma”.

Já de acordo com a Delegada da Infância e Juventude em Uberlândia, Lia Eunice Valechi, empossada em março de 2008, até o dia 24 de setembro, 20 era o número de mandados de busca e apreensão das adolescentes em conflito com a lei.

Nesta ótica, o promotor de Justiça Jadir Cirqueira de Sousa – um estudioso do tema e profundo conhecedor de todas as vertentes da temática – explica que é preciso considerar que, a cada 100 infrações cometidas, apenas uma chega ao conhecimento das autoridades.

O atual responsável pela Vara de Infância e Juventude de Uberlândia, promotor Epaminondas da Costa, em sua ótica não pormenoriza o problema. Ao contrário ainda do que o Estado diz ter sido seu crédito político, o promotor conta em qual contexto foi construído o novo CSEU, ou seja, após muitas lutas de lideranças do Poder Judiciário, militantes dos Direitos Humanos e da OAB local, além do ingresso de uma ação civil pública, é que o Estado gastou “R$ 9,5 milhões” dos cofres públicos para acolher “80 meninos” no novo CSEU. Epaminondas acrescenta ainda qual é a atual demanda da cidade:

“Em relação aos dados que você me solicitou, informo-lhe, inicialmente, que a ação civil pública, ajuizada, em conjunto, pelas duas Promotorias de Justiça de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente desta Comarca de Uberlândia, foi protocolizada no Fórum local no dia 22/04/2004 (autos nº. 0702 04 137001-7), sendo que até então houve a construção apenas do Centro Socioeducativo para adolescentes do sexo masculino e, mesmo assim, com vagas aquém da demanda atual. Isto quer dizer que ‘infratores’ de ‘alta periculosidade’ estão soltos, a fim de ser propiciado o rodízio de internos no órgão. Apesar disso, há momentos em que ocorre superlotação no CSEU. Quanto às ‘infratoras’, adolescentes, apesar da pequena demanda por vagas, o fato é que quando elas são apreendidas pela Polícia Militar e são encaminhadas à Polícia Civil e, em seguida, ao Ministério Público, não se sabe o que fazer com elas, principalmente, quando se trata de envolvimento em atos infracionais graves, tais como roubo, homicídio e tráfico ilícito de drogas. Isto efetivamente existe em nossa cidade, sendo que tais adolescentes estão aí soltas, algumas delas envolvidas ainda em ‘prostituição’, totalmente fora do controle da família. É intuitivo que o só fato de existir um centro adequado para a internação de adolescentes de ambos os sexos possui importante papel intimidador na prática de atos infracionais, de forma a contribuir, verdadeiramente, para o resgate da autoridade dos pais. De fato, quando se aplica a medida socioeducativa, um dos objetivos perseguidos é justamente esse, já que filhos obedientes e que respeitam os pais estão menos vulneráveis ao envolvimento no cometimento de ilícitos penais, quer sozinhos, quer acompanhados de agentes maiores e/ou inimputáveis (adolescentes)”.

Jeitinho

Curiosamente, o promotor explica como o Poder Judiciário – agonizado para fazer prevalecer a obediência à lei – em casos excepcionais, tem solucionado o problema da falta de espaço:

“A propósito, recentemente tivemos o caso de adolescentes (meninas) que brigavam constantemente em abrigo desta cidade, as quais, além de se agredirem mutuamente, causaram lesões ainda em mães sociais do abrigo, além de provocarem quebradeira na instituição, sobretudo por acreditarem que nada lhes aconteceria, justamente pela ausência de local adequado nesta cidade, para o recolhimento de adolescentes (meninas) infratoras. Como sabemos, mesmo que em celas isoladas em relação a presas adultas, é irregular a ‘prisão’ de adolescentes em local destinado a agentes imputáveis, não constituindo justificativa aceitável o fato de tal providência ser adotada em caráter excepcional. Isto porque, além de violar direitos consagrados na Constituição da República e no Estatuto da Criança e do Adolescente, esse tipo de encaminhamento estimula ainda mais a omissão do Estado e do Município na garantia do tratamento personalizado aos adolescentes em conflito com a lei. Quando falo na responsabilidade do Município, quero lembrar aqui o dispõe o art. 88, I, da Lei nº. 8.069 de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), o qual estabelece a municipalização das políticas públicas voltadas para a criança, o adolescente e a família. Ademais, incumbe ao prefeito empreender gestões políticas junto ao governo do Estado, a fim de que assunto de tamanha relevância tenha a necessária prioridade no orçamento estadual, quer pelos benefícios diretos que essa iniciativa representa para os adolescentes em conflito com a lei e as suas famílias, quer do ponto de vista da geração de empregos e de renda no âmbito municipal”.

Afora isso, mormente, há a constatação feita junto ao coordenador do Conselho Tutelar do Leste, aqui representando por Jonas Celestino Silva Júnior. Há 10 anos Jonas trabalha com crianças e adolescentes e para ele…

“Essa briga vem de longe, minha cara. O Conselho Tutelar funciona unicamente como órgão orientador. As menores passam pelo serviço de triagem e tentamos encaminhá-las para os médicos, psicólogos, serviço social etc. No entanto, serei enfático, pois faltam creches, faltam vagas no Ensino Fundamental, falta local apropriado para tratamento das toxicômanas; não existe clínica de reabilitação… Enfim, falta tudo e o que você está levantando é só a ponta de um iceberg”.

Análises

Exposta “a ponta de iceberg”, e intuindo repassar uma visão holística do problema, em três entrevistas, investiga-se a seguir a vereda da eficiência do Sistema e das medidas socioeducativas, bem como a relação existente entre a falta de prevenção e os efeitos posteriores a esse ato.

ENTREVISTA I

MARCELO G. SOUZADiretor do CSEU em Uberlândia – (*) Respondido por meio da assessoria de imprensa da Secretaria de Defesa Social do Estado de Minas Gerais

A quem de fato compete a manutenção do CSEU? Estado? Município? Da sociedade?

M.G.S. – Compete ao Estado, com o apoio do Município e da sociedade. Até porque no ECA, em seu art. 94, § 2º, as unidades socioeducativas de internação deverão utilizar, preferencialmente, os recursos da comunidade.

Quais são os métodos e projetos utilizados dentro do CSEU para ressocialização dos jovens?

M.G.S. – Cada adolescente interno tem seu Projeto Sócio-Político Pedagógico, o PSPP. O projeto prevê espaços para oficinas, escolarização, profissionalização, saúde, atividades culturais, esportivas e de lazer, para atendimentos por profissionais das mais diversas áreas como psicologia, pedagogia, assistência social, direito. Tal processo é pautado por dois pilares: a necessidade de garantir ao adolescente autor de ato infracional o acesso a direitos e oportunidades para superação de sua situação de exclusão e a obtenção de novos de valores através da responsabilização pelo ato infracional cometido.

Quais são as medidas socioeducativas que o CSEU oferece atualmente?

M.G.S. – Internação e internação provisória.

Você tem os números ou percentuais de reincidência?

M.G.S. – A Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS) está preparando indicadores, e estes terão como base de mensuração o período de janeiro a dezembro de 2009. Trata-se de pesquisa inédita no País. Só então será possível conhecer os percentuais. Além disso, os números são de difícil análise, uma vez que é preciso levar em conta uma série de fatores, como a presunção de inocência e a aplicação de uma nova medida, por exemplo.

Você tem percebido que tais medidas são eficazes na ressocialização desses jovens?

M.G.S. – Mas a medida de internação, que é a de privação da liberdade, deve ser aplicada somente em casos de ato infracional de maior gravidade. Para as infrações de menor potencial, são indicadas as medidas de meio aberto (liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade), que são de competência das prefeituras municipais. A SEDS tem fornecido apoio e fomento às prefeituras para a implantação dessas medidas. Com elas, é possível responsabilizar o adolescente no início de sua trajetória criminal, coibindo ações de reincidência ou o agravamento do potencial das infrações, o que se constitui em instrumento eficaz de ressocialização.

Além de tratar os jovens, seu corpo técnico tem trabalhado também o tratamento dos familiares?

M.G.S. – Faz parte do Projeto Sócio-Político Pedagógico evitar que haja a segregação do adolescente autor de ato infracional para um local distante de sua família, respeitando a necessidade de (re)estabelecimento ou manutenção dos vínculos.

Você de fato acredita na recuperação desses jovens? Tem casos de sucesso para citar?

M.G.S. – Há casos de adolescentes que chegaram ao centro arredios, agressivos e, ao retornarem à sociedade, mostraram-se muito melhores, mais sociáveis… Alguns, inclusive, já se encontram empregados. Mas preciso considerar que a unidade é nova e funciona há pouco mais de um ano.

As vagas são suficientes para demanda da cidade de Uberlândia?

M.G.S – As demandas judiciais para vagas de internação são atendidas. No entanto, o CSEU atende um pouco acima de sua capacidade de lotação. O centro, que foi inaugurado para atender à região, recebe, quase que exclusivamente, adolescentes da própria Comarca. Se houvesse mais investimentos no meio aberto, com certeza esse problema seria contornado.

Quem gastou 9,5 milhões não poderia ter empregado um pouco a mais, aproveitando a mesma estrutura, para resolver o problema também das meninas infratoras?

M.G.S. – O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) veda a internação de adolescentes de sexos distintos em um mesmo estabelecimento.

Você tem percebido uma real mobilização e engajamento das autoridades locais e estaduais para resolver o problema das menores infratoras? Se sim, como?

M.G.S. – Sim. Primeiro, não há negativa de vagas para as adolescentes do sexo feminino. Segundo, há uma discussão entre a Prefeitura, Ministério Público, Estado e Polícia Civil para a criação de uma delegacia especializada em atendimentos ao adolescente autor de ato infracional, com alojamentos para meninos e meninas. Terceiro, há um projeto de criação de um plantão interinstitucional em Uberlândia, em que instituições responsáveis pelo atendimento inicial ao jovem infrator se reunirão para dar maior agilidade à aplicação das medidas socioeducativas.

ENTREVISTA II

FLÁVIO AMÉRICO FRASSETO – ex-Procurador do Estado de São Paulo, professor da disciplina “Política de defesa e promoção dos direitos da criança e do adolescente”. Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo e em Psicologia pela Universidade São Marcos, mestre em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e com aperfeiçoamento em Psicologia Jurídica, entre outros. É ainda Defensor Público do Estado de São Paulo, pesquisador da Universidade Bandeirante de São Paulo, membro do corpo editorial da Revista Brasileira de Ciências Criminais e membro do corpo editorial da Revista da Escola Superior da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia do Ensino e da Aprendizagem, atuando principalmente nos seguintes temas: avaliação psicológica, adolescente, ato infracional, medida socioeducativa.

O sr. poderia afirma que, uma vez que elas não têm qualquer punição, o tráfico poderia estar aliciando essas meninas e se aproveitando da falha no sistema para seguir na impunidade?

F.A.F. – Não vejo ligação direta entre impunidade dos adolescentes e aliciamento pelo tráfico. Se houvesse punição severa, sempre com privação de liberdade, o tráfico continuaria aliciando da mesma forma. A impunidade do aliciante (se é que existe este termo), acho mais grave do que a do aliciado, que via de regra vê no tráfico uma forma de aquisição de status ou de geração de renda. Veja-se que ao grande traficante são previstas penas duras e a impunidade reina pela inoperância policial e não pela falta de leis severas ou de cadeias para prendê-los.

Adolescentes que se envolvem no tráfico devem ser responsabilizados, mas nunca a meu ver, desde a primeira vez já com medida de privação de liberdade. Há que se considerar, na primeira vez, sempre a “pena alternativa”, que para adolescentes em geral é a  liberdade assistida e que, se executada com competência, produz resultados bem melhores que internação já como primeira alternativa. 

O número de mulheres delinqüentes tem aumentado significantemente e em proporções bem maiores que o dos homens. Dentro de sua experiência, o sr. acredita que uma das gêneses desse problema estaria justamente nessas meninas que não passam pela prevenção em idade adequada e que, portanto, atingem a maioridade e lotam as cadeias?

F.A.F. – De fato, tem havido nos últimos anos um importante incremento na participação de mulheres no sistema carcerário, por razões  que merecem maior investigação. Creio que a impunidade na adolescência pode até ser um fator. Todavia, quero deixar claro que distingo claramente “punidade” de “aprisionamento”. Para punir um adolescente não há necessidade de se enviá-lo a uma instituição de privação de liberdade. Essa punição pode ser feita para cumprimento de pena em liberdade, que, como disse, funciona melhor preventivamente do que o encarceramento precoce, que na adolescência favorece a incorporação de uma identidade com o crime e dificulta posterior inclusão social.

Assim, ao lado de sua justa batalha pela criação de um centro de internação para adolescentes do sexo feminino aí em Uberlândia, sugiro que também lute pela criação de programas de atendimento em medidas para cumprimento em liberdade, que na lei se chama liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade.

Como o Estado de São Paulo tem lidado com o problema, especificamente, das menores infratoras? Ou seja, o problema é exclusivamente na cidade de Uberlândia ou a discriminação com as meninas é de praxe em outras cidades?

F.A.F. – Em São Paulo o problema é semelhante. Os planejadores definem locais para criação de unidades de internação segundo a demanda. Pelas normas federais as unidades devem ter no máximo 40 adolescentes. Muitas regiões não contabilizam 40 moças com sentença de internação de modo a justificar, no local, unidades para adolescentes do sexo feminino. Para o Estado fica muito caro fazer e manter unidades para poucos internos. A situação parece ser assim no País todo.

O sr. conhece algum projeto que trabalhe com o problema e que tenha obtido resultados positivos, como, por exemplo, a diminuição do número de reincidência desses jovens?

F.A.F. – Fico devendo a você uma indicação mais precisa. Os dados sobre reincidência não são confiáveis, pois se baseiam em metodologias muito diversificadas. Em geral esses dados são oriundos dos próprios programas socioeducativos e não por agências independentes, o que também compromete a confiabilidade.

ENTREVISTA III

EXMA. SRª. ÉDILA MOREIRA MANOSSO – Juíza de Direito da Infância e da Juventude em Uberlândia

Considerando a experiência de Vossa Excelência frente ao problema, uma vez que essas jovens não têm qualquer punição quando cometem infrações, o tráfico poderia estar aliciando essas meninas e se aproveitando da falha no sistema para seguir na impunidade?

E.M.M. – Como já dito anteriormente, tal problema, pelos menos a nível desta Comarca, mostra-se suprido pela própria rede protetiva. Também seria desarrazoado dizer que as adolescentes infratoras não são punidas, posto que lhes são aplicadas, tais como aos adolescentes infratores, as medidas socioeducativas inerentes aos atos infracionais por elas cometidos. Não seria a inexistência de Centro de Internação feminino, pelos menos a nível desta Comarca, que impediria de se aplicar os ditames legais descritos no ECA, haja vista esse códex dispõe de instrumentos para sanar tal vergastada “irregularidade”. O ECA não deve ser analisado de forma isolada, não-sistêmica, como querem muitos, ele deve ser compreendido levando-se em conta toda a rede por ele instituída, que lhe dá efetividade. 

O número de presidiárias tem aumentado significantemente e em proporções bem maiores que o dos homens – em todo o País. Vossa Excelência acredita que uma das gêneses desse problema estaria justamente na falta de política pública para auxiliar essas meninas, enquanto adolescentes, o que, na outra ponta, faz com que, ao atingirem a maioridade, lotem as cadeias?

E.M.M. – Não necessariamente. Aliás, vale destacar que o número de presidiários também tem aumentado. Verdadeiramente, ainda há um déficit de políticas públicas destinadas ao atendimento de menores em geral. Contudo, esse quadro vem gradativamente mudando, com a implementação e ampliação de programas assistenciais e, sobremaneira, educacionais. Lado outro, convém lembrar que a Constituição e ECA não incumbem somente ao Estado promover políticas de auxílio às crianças e aos adolescentes, esse dever é de toda a Sociedade e também da Família.

Qual seria a saída, a solução, que Vossa Excelência teria a sugerir para tão lastimável problema?

E.M.M. – “A priori”, não creio, como já dito, existir esse problema e, se existente, não visualizo essa situação como lastimável. Ter um centro de internação feminina em nossa Comarca seria importante, mas a demanda ainda é muito pequena. Noutro vértice, existem outros instrumentos disponibilizados pelo próprio sistema para se sanar essas irregularidades sem deixar de se ater às determinações contidas no ECA e os direitos fundamentais positivados na Constituição da República. Lado outro, ademais, a Vara da Infância e Juventude, através de seus Promotores de Justiça e desta juíza, tem envidado esforços no sentido de concluir junto à Delegacia da Infância e Juventude, duas salas para internação de adolescentes infratoras.

Caminhos alternativos

Stefano de Paula Irene – graduado em Psicologia Organizacional pela PUC-MG, pós-graduado em Metodologia de Ensino Superior; foi membro do Conselho municipal de entorpecentes e psicólogo do Conselho tutelar da cidade de Contagem ; cursou Criminologia na Secretaria de Segurança de Minas Gerais. Do ponto de vista psicológico, ele opina sobre os métodos atualmente utilizados para a ressocialização dos adolescentes em conflito com a lei, e dá a dica:

“Várias iniciativas têm apresentado resultados, basicamente buscando a adequada socialização das crianças, ou seja, a integração por meio da educação de valores. A participação da família (ou quem faça o papel) é primordial para o bom desenvolvimento da pessoa. Crianças que conheceram do mundo do abandono, da violência, da falta de limites, do desamor, irão corresponder nos mesmos termos. Citando como exemplo a adolescente que confessou o crime e foi solta, o que ela aprendeu e está aprendendo? Quais suas referências? Alguém se importa com ela? Quem tem a tutela é responsável e irá provê-la da orientação que necessita? É possível e factível. Porém o Estado reproduz modelos que se mostram ineficazes em ‘ressocializar’. Não creio que centros com objetivo de remoção e punição terão resultados; se este ‘centro’ apenas reproduzir as condições desumanas em que o adolescente vivia. O que se pode esperar é que métodos diferentes irão apresentar resultados em função do perfil de quem se submete ao modelo. Fazendo um paralelo com pessoas com problemas com álcool, o AA e a doutrina do Amor Exigente têm ótimo resultado sobre tipos de personalidade específicas enquanto que, em outros, é inócuo. O método mais eficaz será aquele adequado à pessoa”.

Fim do começo

Por fim, não obstante as várias faces do problema e diversas considerações aqui apresentadas, fato é que muitos foram os que sacrificaram anos de vida para que nossas crianças e adolescentes pudessem ser respeitadas; e, espera-se que em um Estado Democrático de Direito, tais conquistas tenham mais valia do que as demagogias legislativas e juridicamente contornáveis que foram impressas em um pedaço de papel e que de lá não ascendem para o mundo real.

Destarte, findar-se-á este ensaio reflexivo, deixando em suspenso a indagação que não quer calar: qual será neste caso a medida de fato efetiva que juntos – Estado, sociedade civil, autoridades e demais interessados – deverão tomar para resolver este e outros tantos casos similares, espalhados pelo nosso Brasil?

Por certo, um bom caminho para começar a pensar na solução, coletiva, é entendendo a profunda sabedoria que há no conselho da passagem bíblica: Educai os meninos e não precisareis castigar os homens”.

E aos líderes de boa vontade do Estado de Minas e da cidade de Uberlândia, o mais perfeito norte para começar a pensar na solução pode ser conscientizando-se de que educando as meninas de hoje, não precisareis gastar o dobro do dinheiro público para castigar as mulheres de amanhã”.

 

Referências
1. ALVES, Cleber Francisco. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana: o enfoque da Doutrina Social da Igreja. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
2. COMPARATO, Fabio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 2.ed.rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2001.
3. DORNELLES, João Ricardo W. O que são Direitos Humanos. São Paulo: Brasiliense, 1992.
4. SOUZA, Jadir Cirqueira de. A Efetividade dos Direitos da Criança e do Adolescente. São Paulo: Pillares, 2008.
5. VENOSA, Silvio de Salvo. Curso de Direito Civil: Direito de Família. São Paulo: Atlas, 2001.
Notas:
[1] CORRÊA, Gleide. Jornal Correio de Uberlândia. Ações de combate ao tráfico crescem 42%. Disponível em: http://www.correiodeuberlandia.com.br/texto/2008/09/08/31676/acoes_de_combate_ao_trafico_crescem_42.html. Acesso em 04 de out. de 2008.
[2] POPÓ, Pedro. Jornal Correio de Uberlândia. Meninas voltam às ruas após cometerem crimes. Disponível em: http://www.correiodeuberlandia.com.br/texto/2006/04/02/17260/meninas_voltam_as_ruas_apos_cometerem_crimes.html. Acesso em 04 de out. de 2008.
[3] Jornal de Cidade.  Cisau deve ser demolido. Disponível em: http://www.jornaldacidadeuberlandia.com.br/index.php?pag=cidademeiover&id=50. Acesso em 04 de out. 2008.
[4] Agência Minas. Governo inaugura Centro Socioeducativo em Uberlândia. Disponível em: http://www.agenciaminas.mg.gov.br/detalhe_noticia.php?cod_noticia=13232. Acesso em 04 de out. 2008.
[5] LEAL, Bruno Bianco, GALVÃO, Bruno Haddad e SPINARDI, Marcelo Gatto. Reserva do Possível. Disponível em http://www.sosconcurseiros.com.br. Acesso em 04 de out. 2008.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Claudia Zardo

 

Jornalista – MTb- 11.534/MG – e acadêmica de Direito em Uberlândia – MG

 


 

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