I – Antecedentes históricos
A união de pessoas de sexo diferente,
fora do matrimônio, é antiga. No direito romano representava uma forma de união
inferior ao casamento. Patrícios e plebeus, impedidos de se unirem pelo
casamento, uniam-se pela união de fato, onde havia coabitação sem a affectio maritalis. Para os
romanos, o que diferenciava o casamento da simples posse era a affectio maritalis.
No direito francês, desconhecia-se
seus efeitos jurídicos e a influência do direito canônico tendia a combatê-la.
O Código Napoleão, fonte inspiradora de diversas codificações modernas,
inclusive do Código Civil brasileiro, silenciou a respeito.
O direito canônico dos primeiros tempos
não desconhecia totalmente o concubinato como instituição legal. Consta que
Santo Agostinho admitiu o batismo da concubina desde que se obrigasse a não
deixar o companheiro; Santo Hipólito negava matrimônio a quem o
solicitasse para abandonar a concubina, salvo se por ela fosse traído e o
primeiro Concílio de Toledo – 400 – autorizou o concubinato de caráter
perpétuo. Entretanto, depois de imposta a forma pública de celebração (dogma do
matrimônio-sacramento), a Igreja mudou de posição e o Concílio de Trento impôs
excomunhão aos concubinos que não se separassem após
a terceira advertência (VIANA, 1999, p.4).
No Brasil, a legislação civil
codificada reflete o pensamento da burguesia agrária cafeeira que detinha
o poder político e econômico e manipulava a política nacional. As classes
médias urbanas estavam politicamente vinculadas às classes dominantes,
invejavam seus privilégios e cultivavam os seus valores. É patente a influência
do direito canônico na formação desses valores e indiscutível a influência da
religião e da moral na formação dos vínculos familiares e na adoção das soluções
legislativas. Por muito tempo, o nosso legislador identificou no
casamento a única forma de constituição da família, negando efeitos jurídicos à
realidade de um país, onde a maioria das uniões era formada sem
casamento.
A união de fato de pessoas de sexo
diferente, embora tenha sido sempre numerosa no Brasil, não foi devidamente
regulamentada pelo Código Civil, exceto em caráter de oposição (ver casos
adiante). Os nossos civilistas tradicionais sempre compreenderam que a união
sem casamento era fenômeno estranho ao direito de família, gerando somente
efeitos obrigacionais1.
A nível internacional, sente-se de forma mais
acentuada a preocupação da legislação com esse tipo de relação a partir da
primeira metade do século XIX. Foi na França que surgiu a primeira lei a
respeito direto do assunto, em 1912, dispondo que o concubinato notório gerava
o reconhecimento da paternidade ilegítima.
A tendência atual, impulsionada pela
evolução jurídica do estatuto do casamento, procura aproximar deste as uniões
estáveis. Nas relações entre concubinos, se houver
bens, estes devem ser liquidados caso a união livre chegue ao fim, recorrendo
os tribunais à teoria da sociedade de fato. E os serviços não remunerados da
concubina no interesse comum são reivindicados com base na teoria do
enriquecimento sem causa. Situações que se resolvem no âmbito do direito das
obrigações, onde estão as relações concubinárias espúrias e as uniões livres
entre pessoas do mesmo sexo. Entretanto, a união duradoura e desimpedida é
aceita como entidade familiar e merecedora da proteção do Estado, conforme
determinação constitucionalmente expressa.
II – O concubinato na legislação
ordinária brasileira
Podemos identificar, no Código
Civil, alguns dispositivos que tratam da relação concubinária, seja com
relação à pessoa da concubina, seja no que diz respeito aos filhos
havidos dessas relações, sempre com o propósito de dificultar-lhes a
existência. Tomamos como exemplo os dispositivos do Código Civil
expostos a seguir:
– o art. 1.177 proíbe a doação do
cônjuge adúltero ao seu cúmplice;
– o art. 248, IV, legitima a
mulher casada e os herdeiros (art. 178, § 7º, VI) para reivindicar os bens
comuns doados ou transferidos à concubina, num prazo prescricional de dois anos
após a dissolução da sociedade conjugal (CC, art. 178, § 7º, VI);
– o art. 1.474 proíbe a
instituição de concubina como beneficiária do contrato de seguro de vida
(salvo se o amante for separado de fato ou não for casado);
– o art. 1.719 impede que a
concubina seja nomeada herdeira ou legatária do testador casado, ou o concubino de testadora casada.
– o art. 358, revogado pela lei
7.841/89, não permitia o reconhecimento dos filhos havidos de relações
incestuosas ou adulterinas.
Algumas leis ordinárias posteriores ao
Código Civil foram sendo editadas para amparar situações fáticas de evidente
injustiça e acabaram paulatinamente abrandando a rigidez dos dispositivos elencados no Código Civil. O reconhecimento dos filhos
naturais, após o desquite, veio a ser permitido em 1942, com o
Decreto-lei n.º 4.737/42; a Lei 883/49 permitiu esse
reconhecimento em qualquer caso de dissolução da sociedade conjugal e a Lei
6.515/77, no art. 51, estatui o reconhecimento durante a vigência da sociedade
conjugal, desde que em testamento cerrado, além de permitir a ação de
alimentos dos filhos ilegítimos, garantindo seu direito à herança,
ainda que de forma limitada.
Quanto à concubina, a Lei 6.015/73 ( art. 57 e parágrafos), com redação da Lei 6.216/75,
permitiu-lhe usar o nome do companheiro se viverem em comum por, no mínimo,
cinco anos ou em caso de não haver filhos dessa união. Outros diplomas
legais ofereceram tratamento jurídico ao tema:
– a Lei 4.069/62, art. 5º, tem a
concubina como beneficiária da pensão deixada por servidor civil, militar ou
autárquico, solteiro desquitado ou viúvo, que não tenha filhos (caso existam
filhos, só poderá destinar à companheira metade da pensão, se ela vivia sob sua
dependência há, pelo menos, cinco anos);
– a Lei 7.087/82, nos arts. 28, 29, 39 e 41, tem a
companheira como dependente de segurado perante o IPC – Instituto de
Previdência dos Congressistas;
– o Decreto n.º 73.617/74
considera a companheira dependente do trabalhador rural;
– a Lei 8.213/91, art. 16, I, com
redação dada pela Lei n. 9.032/95 e o seu regulamento através do Decreto n.
2.172/97, art. 13,I permitem a inclusão da
companheira ou do companheiro na categoria de beneficiários (pensão) do Regime
geral da previdência Social, com tratamento idêntico ao do cônjuge, ainda
quando o(a) companheiro(a) não estejam inscritos como
beneficiários; etc.
III – A Constituição Federal DE 1988 e
a legislação posterior
A Constituição brasileira, no art. 226,
§§ 3º e 4º, além da família constituída pelo casamento civil, considerou a
união estável como entidade familiar, assim como o fez relativamente à
comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (família monoparental). No texto constitucional em vigor, a família
continua sendo a base da sociedade, mas independe de
casamento. Entretanto, a Constituição brasileira não promoveu uma equiparação
entre casamento e união estável; apenas afastou essa figura do direito das
obrigações (onde ainda estão as uniões – sociedades de fato – entre pessoas do
mesmo sexo) e a competência para julgar saiu da Vara Cível – sociedades de fato -para as Varas de Família (art. 9º da lei 9.278/96).
Convém ressaltar que a união a merecer tutela é aquela formada por homem
e mulher e que se revista de solidez, estabilidade e publicidade. O
legislador constitucional quis proteger as uniões que se apresentam como
casamento, sem estabelecer um período determinado de duração dessa união.
Entretanto, o casamento continua sendo o instituto básico, uma vez que a
Constituição Federal determina ao legislador ordinário que facilite a conversão
da união estável em casamento (art. 226 §3º).
Posteriormente à Constituição de 1988,
foram editadas as leis 8.971/94 e 9.278/96. A primeira dispõe a respeito do
direito dos companheiros à alimentos e à sucessão e a
segunda (Lei 9.278/96), regulando o § 3º do art. 226 da Constituição Federal,
reconhece como entidade familiar a união estável entre homem e mulher,
estabelecida como o fim de constituir família. Uma não revogou a outra, vez que
a lei 8.971/94 contempla o direito à sucessão, matéria estranha à Lei n.
9.278/96; o que autoriza dizer que a lei 8.971/94 continua em vigor no que
tange ao direito sucessório (VIANA, 1999, pp. 16 – 17).
IV – Concubinato e união estável – a
terminologia empregada
No plano internacional, escolhemos,
para demonstração, a terminologia utilizada nos seguintes países: Portugal –
união de fato; França – união livre; Itália – família de fato; Escócia –
casamento irregular; Cuba – matrimônio não formalizado.
No direito brasileiro, os termos que foram
sendo sucessivamente utilizados para as situações que envolvam uniões de
fato são: concubinato – união não legalizada de caráter contínuo, duradouro; concubinagem – ligações livres de cunho eventual e
transitório; união estável – a CF/88 adotou essa expressão; concubinos – eram os integrantes do concubinato;
concubina e companheira – a jurisprudência distinguia os termos no terreno da
capacidade passiva para o testamento; no campo previdenciário companheira
mereceu acolhida. A lei 8.971/94 – optou pelos
vocábulos companheiro e companheira e a Lei 9.278/96 usa o termo
conviventes.
Em suma, o legislador pátrio substituiu
o vocábulo concubinato por união estável; concubino/concubina
por conviventes. Continua, entretanto, a existir o concubinato significando
relação passageira, não duradoura, espúria.
Hoje, o termo concubinato refere-se a
uniões não estáveis, livres, furtivas (mancebia), tais como o concubinato
adulterino ou impuro (casamento concomitante ao concubinato), o concubinato
múltiplo e a união estável putativa, que só geram a proteção legal
para o (a) concubino(a) de boa fé. No resto, não recebe a tutela da
legislação especial.
O fato presta-se mais para fundar a
ação de investigação de paternidade do que para a atribuição patrimonial ao concubino que não tenha os bens em seu nome exclusivo
(MOURA, 1998, pp. 153-154).
O relacionamento erigido sobre a
infração ao dever de fidelidade conjugal não surte efeitos; essa união não se
constitui por falta de liame lícito; não tem eficácia como entidade
familiar. Os concubinos adulterinos que formem
patrimônio específico em razão da relação, podem ter
esse acervo dividido pelas regras do direito das obrigações (sociedade de
fato), não pelo direito de família2.
V – Conceito de união estável
É a convivência entre homem e
mulher, alicerçada na vontade dos conviventes, de caráter notório e estável,
visando a constituição de família (VIANA, 1999,
p. 29). Alguns elementos importantes para a configuração do concubinato
são extraídos desse conceito: fidelidade presumida dos concubinos,
notoriedade e estabilidade da união, comunidade de vida e objetivo de
constituição de família.
O legislador abandonou a idéia objetiva
de relacionamento por prazo igual ou superior a cinco anos, para usar os termos
duradouro e contínuo. A formação da união estável não decorre, pois, do
alinhamento de vontades como no casamento, mas decorre dos fatos,
de sua contínua e ininterrupta sucessão, enfim, da vida more uxorio.
O art. 2º da Lei n. 9.278/96 estabelece
um complexo de direitos e deveres entre os conviventes, calcado no art. 231 do
CC, agindo no propósito de equiparar união estável e casamento.
São eles: respeito e consideração
mútuos (aqui inserida a fidelidade recíproca, sem previsão legal de sanção em
caso de transgressão); assistência moral e material recíproca
(cuidados pessoais, socorro, apoio e auxílio – de onde surge o direito a
alimentos) e dever de guarda, sustento e educação dos filhos comuns.
Devemos esclarecer que, no âmbito da
união estável, a infração de qualquer um desses direitos/deveres não a atinge
diretamente, configurando uma situação ímpar, uma espécie de semi-juridicidade.
VI – Alguns efeitos decorrentes da disssolução da união estável
a) Quanto aos alimentos
A Lei 8.971/94 introduziu o direito aos
alimentos entre os conviventes, direito que não se funda no jus sanguinis, nem decorre de parentesco. Resulta do dever de
assistência material recíproca. Os conviventes devem alimentos recíprocos por
força do chamado dever familiar.
O exame da lei permite constatar que os
conviventes podem por fim à união estável sem que se discuta culpa, sem cogitar
de causa. No que se refere a alimentos, basta que se
instaure a necessidade para que a obrigação se ponha. O dever familiar é
incompatível com a idéia de culpa. Uma idéia é defendida pela doutrina: a de
que os alimentos devem ser fixados por um período de tempo razoável para que os credor possa obter os meios para se manter, findo esse
tempo, os alimentos deixarão de ser devidos.
Em relação ao dever de alimentos, pode
ser traçado o seguinte esquema:
Pressupostos legais: existência da união estável e
necessidade do credor.
Critérios de fixação: princípio da proporcionalidade e
princípio da razoabilidade.
Reajustamento (majoração por força de índice legal
ou avençado) e revisão (alteração quantitativa decorrente da mudança na
situação financeira): é possível na pensão decorrente de união estável.
Modos de cumprimentos: embora o devedor seja o titular do
direito de escolher a forma (dinheiro, hospedagem, sustento etc)
é a prudência do magistrado que tem determinado o melhor modo.
Meios de assegurar o pagamento: os previstos no CPC. É possível
garantia real ou fidejussória, desconto em folha de
pagamento, constituição de usufruto etc.
Alimentos provisórios – são assegurados, apesar da omissão
da lei especial, porque constituem forma de proteção aos integrantes da
entidade familiar que a Lei Maior manda proteger. São devidos a partir do
despacho que os determina.
Rito da ação de alimentos: ordinário – a lei não assegurou a
adoção do rito sumário da Lei 5.478/68 (Lei de Alimentos). É preciso no pedido
solicitar reconhecimento de união estável c/com alimentos (Ação de
reconhecimento de união estável c/c alimentos). Se existe prova pré-constituída
de união estável, pode-se pedir, na inicial, os
alimentos provisórios. No mais, volta-se ao rito ordinário.
b) Quanto ao patrimônio dos conviventes
Podemos apontar algumas soluções
consagradas pela jurisprudência, como atribuir à companheira direito a salários
em razão dos serviços domésticos prestados; dar-lhe participação no patrimônio
auferido pelo esforço comum em razão de sociedade de fato havida entre os concubinos. Soluções estabelecidas sempre no campo do
direito das obrigações.
O art. 5º da Lei 9.278/96 estatui que
“os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou ambos os conviventes, na
constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do
trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos
, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em
contrato escrito”.
Aqui, reclama a doutrina que o termo
“condomínio” deveria ser substituído por “comunhão” e tal como se dá no regime
da comunhão parcial, podem conviver três patrimônios: o comum (móveis e imóveis/havidos na constância da união/ a título oneroso); o
pessoal do convivente e o pessoal da convivente (bens que pertenciam a cada um
antes da união).
Foram excluídos do art. 271 do CC
(comunhão parcial), os bens adquiridos por fato eventual e os frutos civis do
trabalho de cada convivente.
O contrato escrito a que a lei se
refere é uma espécie de pacto antenupcial, limitado pelas normas de ordem pública, especialmente relativas a casamento, aos princípios gerais
de direito etc. Existindo contrato escrito válido ele predomina na
disciplina das relações patrimoniais.
Noutras palavras, é possível dizer que
há um regime legal que guarda identidade com o regime da comunhão parcial.
c) Quanto à outorga para
venda de imóveis
A lei 9.278/96 dispôs que o patrimônio
comum quando for adquirido por um ou por ambos os conviventes, a título
oneroso, na constância da união estável, presume-se conquistado em regime de
mútua colaboração, salvo estipulação contrária em contrato escrito (art. 5º).
Porém, não dispôs a respeito da alienação desses bens nos casos em que o
patrimônio comum se encontra no nome de um só dos conviventes, mediante pacto anteconcubinário escrito. O entendimento doutrinário é que
a venda desses bens só deveria ser feita com a presença e mediante a permissão
de ambos os conviventes, considerando-se, por outro lado, que a boa-fé do
terceiro adquirente merece proteção. A conclusão a que se chega é que compete à
justiça a interpretação e decisão de caso concreto.
d) Quanto ao direito ao nome do companheiro
Tome-se como base o art. 57,§ 2º da Lei 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos)– “A
mulher solteira, desquitada ou viúva, que viva com homem solteiro, desquitado
ou viúvo, excepcionalmente e havendo motivo ponderável, poderá recorrer ao
juízo competente que, no registro de nascimento, seja averbado o patronímico de
seu companheiro, sem prejuízo dos apelidos próprios, de família, desde que haja
impedimento legal para o casamento, decorrente do estado civil de qualquer das
partes ou de ambas”.
Esse dispositivo foi fruto de
reiteradas decisões das cortes brasileiras admitindo o uso, pela mulher, do
nome de seu concubino3.
VII – União estável e direito
sucessório
Até o advento da Lei 8.971/94, a
jurisprudência havia desenvolvido técnicas de proteção ao companheiro
sobrevivo. A partir dessa lei, a morte de um dos conviventes foi atraída para o
âmbito do direito das sucessões. Assegurou-se o direito de participar da
sucessão aberta, seja como titular de direito real sobre a coisa alheia, seja
como herdeiro, vindo em terceiro lugar na ordem de vocação hereditária. E a Lei
9.278/96 ainda instituiu o direito real de habitação.
O art. 1.725 do Código Civil enuncia
que, para excluir o cônjuge e os colaterais da sucessão basta que o testador
disponha de seu patrimônio sem o contemplar. A doutrina reclama cautela e se
interroga sobre a possibilidade de estender-se o dispositivo ao convivente. Não
há posição doutrinária predominante.
Falecendo um dos conviventes, sem
contrato escrito dispondo diversamente, e em existindo patrimônio constituído
durante a união estável, o sobrevivente, pela regra do condomínio (comunhão)
terá direito à metade desse patrimônio. O art. 3º da lei 8.971/94,
portanto, perdeu o sentido.
O art. 2º, III, da Lei 8.971/94
estatui que o convivente que tenha sobrevivido participará da sucessão do
outro, em não havendo descendente ou ascendente, tendo então direito à
totalidade da herança. Em sendo assim, pode o testador dispor dessa totalidade
em testamento, caso não haja descendentes e ascendentes? Faz-se a paridade
igualando o convivente ao tratamento legal dado ao cônjuge ou pode ocorrer o
contrário, pugnando-se pela revogação tácita do art. 1.725 do CC vez que é
anterior à lei? Essa equiparação foi pretendida pela CF? A expressão totalidade
da herança autoriza a interpretação favorável ao convivente como herdeiro
necessário? São questionamentos feitos sobre o tema e ainda sem solução
definitiva, seja no âmbito doutrinário, seja nos tribunais. A maioria do
magistério doutrinário compreende o convivente como herdeiro facultativo, para
não contrariar a lógica do Código Civil, mas
registra-se posicionamentos contrários. (CARVALHO DE FARIA, 1996, p.94)
Duas situações sucessórias merecem
destaque especial:
a) Direito ao usufruto dos bens do
convivente falecido, no seguinte enquadramento:
– em havendo filhos do falecido ou
comuns – o sobrevivente terá direito à quarta parte da herança;
– se não houver filhos, embora
sobrevivam ascendentes – à metade dos bens;
– se não houver herdeiros
necessários (ainda que existam colaterais) – à totalidade da herança.
Para a lei, vigora o usufruto enquanto
o sobrevivente não constituir nova união. A lei fala em união, indagamos: e se
for casamento? Pela expressão literal do texto legal, estaria efetivamente
mantida a proibição?. Como usufrutuário, é
direito do convivente exercer posse, uso, administração e perceber os frutos.
Extinto o usufruto, o convivente estará obrigado a restituir o bem aos
herdeiros, no estado que o houver recebido, ressalvados
os desgastes naturais.
b) Direito real de habitação
O companheiro sobrevivente tem direito
real de habitação (transcrito no registro de imóveis) em relação ao imóvel
destinado à residência da família, enquanto não contrair nova união.
Alguns doutrinadores defendem a
extinção também quando o convivente não utilizar o imóvel para residência por
que o direito é de morar, não de emprestar ou alugar. É direito
temporário e personalíssimo.
VIII – A conversão da união estável em
casamento
A Lei 9.278/96, no art. 8º, dispõe que
os conviventes podem requerer a conversão da união estável em casamento ao
oficial do Registro Civil. O simples pedido basta?
Casamento é ato solene e formal, com ritual próprio (habilitação/ publicidade/
oposição de impedimentos/ celebração). O simples pedido não deve bastar. É de
se entender que o pedido dê início ao processo de habilitação, mediante
apresentação da documentação exigida. Procedida a
habilitação, definida a aptidão jurídica dos conviventes, o juiz os declara casados
e manda que se proceda ao assento no registro, dispensada apenas a solenidade
da celebração.
IX – Conclusão
O presente trabalho não consegue
aprofundar-se em tema tão amplamente discutido e atual como é este da união
estável e do concubinato.
Do exposto, podemos concluir que
avanços fantásticos foram registrados numa área tão absolutamente retrógrada,
há até muito pouco tempo, para o ordenamento jurídico brasileiro. O
estabelecimento de igualdade jurídica entre os cônjuges e dos filhos entre si
representa o ápice desse processo.
Sob o ângulo da união estável, a
presunção relativa de serem comuns os bens adquiridos a título oneroso durante
a união estável, o tratamento da matéria pela Vara de Família, a
imposição da obrigação de prestar alimentos ao convivente que dele necessitar,
a aceitação da união, desde que duradoura, notória, pública e contínua, como
tipo constitucional de entidade familiar que merece a proteção dos poderes
públicos, representam avanços importantes.
Muito ainda resta a ser feito e
consolidado, especialmente no âmbito dos tribunais. Reconhecemos,
por oportuno, que a devida compreensão do tema e de suas novas possibilidades
jurídicas reclama debates mais acirrados nos centros de estudo e nas
Universidades, preparando o futuro profissional a lidar com as questões ainda
obscuras ou dúbias no universo da temática, de modo a capacitá-lo para
identificar e construir soluções jurídicas justas e adequadas.
Bibliografia
BITTAR, Carlos Alberto. O
Relacionamento Familiar. In: O direito civil na Constituição de 1988. São
Paulo, RT, 1990
CARVALHO DE FARIA, Mário Roberto. Os
Direitos Sucessórios dos Companheiros. Rio de Janeiro, Lumen
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MOURA, Mário Aguiar. Concubinato.
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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito
Civil: Direito de Família. São Paulo: Atlas, 2001.
VIANA, Marco Aurélio S. Da União
Estável. São Paulo, Saraiva, 1999.
Notas
1 Essa era a posição de mestres como
Pontes de Miranda e Washington de Barros, por ex.
2 É o que
estipula a Súmula n. 380 do STF: “Comprovada a existência de sociedade de fato
entre os concubinos, é cabível a sua dissolução
judicial com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”. No
julgamento do Rec. Extr. N.
72.560 de 21/02/1972, o STF posiciona-se da seguinte maneira: “São
indenizáveis os serviços prestados pela concubina ao seu companheiro, durante o
período de vida em comum”.
3 Tribunal de São Paulo – Ap. n. 226.757 de 1973 e Ap. cível n. 232.024 de 1974 Ap.
cível n. 239.902 de 1974/ Tribunal do Rio Grande do Sul – Ap. n. 21.729 de 1974
Informações Sobre o Autor
Maria Luiza de Alencar M. Feitosa
Mestre em Ciências Jurídicas
Professora de Direito da UFPB