A análise da Lei nº 11.638, de 28 dezembro de 2007, que estende às sociedades grande porte disposições relativas à divulgação de demonstrações financeiras tem sido um ponto muito debatido nas últimas semanas.
A dúvida recai sobre o artigo 3º da aludida Lei, que aplica às sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de sociedades por ações, as disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, sobre escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários.
Em outras palavras, trata-se da obrigatoriedade ou não das sociedades do tipo limitada, que tiverem no exercício social anterior, ativo total superior a R$240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais) ou receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais), efetuarem as publicações legais.
Via de regra, o tipo societário das limitadas, segundo as regras do Código Civil, estaria isento desta obrigatoriedade; contudo, diante da publicação da nova legislação, me parece que alguns pontos merecem certa reflexão.
Em primeiro lugar, vejamos a função social das publicações legais e os princípios jurídicos que as instituem, conforme os preceitos impostos pela Constituição Federal e pelo Código Civil de 2002.
As publicações se prestam para dar garantia a terceiros e para impedir fraudes nos negócios empresarias – motivo pelo qual a lei estabeleceu o regime da publicidade.
Os princípios constitucionais que guarnecem este regime se pautam no fato de estarem dirigidos a todos os cidadãos, independentemente de raça, credo ou convicção político-filosófica, com a finalidade de fornecimento de subsídios para a formação de convicções relativas aos assuntos tratados.
A legislação e a doutrina, há muito, indicam que o meio de tornar acessível os subsídios para a formação de convicções ocorre pela divulgação daquilo que deve ser conhecido por órgão que circule no local.
Quer dizer, é a condição de exposição ao público da coisa ou do fato, que se pretende realizar, para que se faça sem qualquer ocultação ao olhares do público, isto é, das pessoas pertencentes à coletividade – a publicação busca tornar o assunto conhecido para que todos possam saber a que se refere.
Em termos de negócios empresariais, as publicações buscam dar garantia e impedir fraudes a terceiros, objetivando a total transparência na entabulação de contratos e demais operações necessárias para vida econômico-financeira.
A aludida transparência se evidencia no sistema jurídico pátrio nas hipóteses elencadas tanto no Código Civil de 2002, quanto na Lei das Sociedades Anônimas. Tais preceitos legais se fundamentam em função de que é direito essencial dos sócios (entenda-se quotistas ou acionistas), tomar parte nas deliberações sociais quando se fizer necessário.
É importante que se diga que os casos de pura administração competem aos administradores, mas as deliberações que envolvem interesse da sociedade requerem o pronunciamento dos sócios. Nesses casos, por exemplo, serão convocados pelos meios oficiais de publicidade.
Não é de hoje que a lei estabeleceu o regime da publicidade nos negócios empresariais, J. X. Carvalho de Mendonça, em sua clássica obra TRATADO DO DIREITO COMMERCIAL BRASILEIRO, já dispunha sobre o tema, assim vejamos: “A publicação pela imprensa é determinada por quasi todos os códigos que estabelecem o registro do commercio. Na allemanha, as inscripção somente pode ser opposta a terceiros, depois da publicação da Feuille officielle suisse du commerce (art. 862 do Cód. Federal), donde constam todas as incrispções dos registros do commercio da federação suissa, gozando um dos papeis mais importantes na vida commercial do paiz”[1]
Outro exemplo, é que o Código Civil de 2002, em seus artigos 1052 e 1053, dá conta da regularidade das publicações determinadas em lei, como forma de preservar e manter a divulgação daquilo que deve ser conhecido.
Aliás, o artigo 1.152 do Código Civil de 2002 atende ao preceito contido no artigo 37 da Constituição Federal de 1988, que trata do princípio da publicidade[2].
Ora, para que este princípio seja atendido, as publicações serão efetuadas no Diário Oficial do Estado, conforme o local da sede do empresário ou da sociedade empresária, e em jornal de grande circulação – as publicações visam evitar prejuízos aos sócios (quotistas ou acionistas) e a terceiros interessados.
Sobre isso, é importante que se verifique que os meios de divulgação devem pertencer à localidade que se operaciona empresarialmente a sede da sociedade, pois, do contrário, o intuito da publicação – dar subsídios para a formação de convicções e tornar o assunto conhecido para que todos possam saber a que se refere – perder-se-ia na gigantesca quantidade de periódicos e meios de comunicações existentes; oficiais ou não.
Percebe-se, assim, que a ausência de determinadas publicações exigidas pela Lei, seja uma convocação, um balanço ou qualquer outro ato necessário à vida societária, inviabiliza o próprio princípio da publicidade.
Quanto a redação dada ao artigo art. 3o lei nº 11.638, de 28 dezembro de 2007, é evidente que o legislador buscou obrigar que as sociedades limitadas, desde que enquadradas no montante contábil estipulado, tivessem o mesmo tratamento das sociedades anônimas, ou seja, efetuassem elaboração e divulgação das demonstrações financeiras.
Ora, com o devido respeito às opiniões contrárias, porém, não vislumbrar a evidente obrigatoriedade de divulgar suas demonstrações financeiras, seria o mesmo que incentivar o sigilo das operações societárias que interessam demasiadamente aos sócios (quotistas ou acionistas) ou a terceiros interessados – credores ou não.
Ademais, entendo que além da mencionada obrigatoriedade que recai às sociedades do tipo limitada, que tiverem no exercício social anterior, ativo total superior a R$240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais) ou receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais), também, caberia ao Estado proceder a devida fiscalização da regularidade das publicações legais.
Neste sentido, o Código Civil de 2002, em seus artigos 1052 e 1053, estendeu às Juntas Comerciais a fiscalização da observância das prescrições legais concernentes ao ato ou aos documentos necessários à regularidade empresarial. Especificamente, se dá ênfase à fiscalização da regularidade das publicações determinadas em lei (art. 1.152), como forma de preservar e manter a divulgação daquilo que deve ser conhecido.
Segundo os preceitos jurídicos, o Registro de Empresa sempre teve como sua principal função a aquisição da personalidade jurídica. Todavia é preciso evidenciar que o Registro de Empresa, na era da globalização, não se limita a arquivar documentos societários, anotar dados básicos e emitir certidões subsidiariamente (aqui compreendido a aquisição da personalidade jurídica).
O Registro de Empresa, materializado na execução de seus serviços pelas Juntas Comerciais, passou a ser um “termômetro” das variações econômicas do grupo social onde opera, detectando tendências, isolando novos problemas e sugerindo soluções jurídicas.
Parece-me, assim, bastante tranqüilo concluir que as sociedades do tipo limitada que se enquadrarem no artigo 3º da Lei nº 11.638, de 28 dezembro de 2007 devem, sem sombra de dúvidas, efetuar as elaborações e divulgações de suas demonstrações financeiras, pois, em caso contrário poderia inviabilizar a acessibilidade à formação das convicções daquilo que deve ser conhecido – afrontando o princípio constitucional da publicidade e; também, passaria a ser antagônico ao intuito de dar garantia e impedir fraudes a terceiros nos negócios empresariais;
Por fim, não obstante a obrigatoriedade das aludidas publicações das demonstrações financeiras, entendo que os órgãos incumbidos da execução do Registro Público de Empresas – Juntas Comerciais – devem proceder a fiscalização dos respectivos arquivamentos legais (arquivamento dos jornais onde foram efetuadas as publicações).
Notas:
Informações Sobre o Autor
Armando Luiz Rovai
Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP; Professor de Direito Comercial da Universidade Presbiteriana Mackenzie; Ex-Presidente da Junta Comercial do Estado de São Paulo, por 03 mandatos.