Impasse republicano: A manutenção da empresa e do instituto da personalidade jurídica e a possibilidade de sua desconsideração (art. 50c.c.), sem que isso gere injustiças a ex-sócios de sociedades empresárias

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Depreende-se da leitura do artigo 1.029 do Código Civil Brasileiro, que além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade em que participe.


Desta afirmação, alguns esclarecimentos passam a ser necessários. Primeiramente, vale destacar qual o sentido de sociedade, mais especificamente, no âmbito negocial. Assim vejamos: entende-se como sociedade o contrato celebrado entre pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.


Há que se esclarecer que não obstante o objetivo primordial dos sócios na busca pelo lucro – não há outra razão para a constituição de uma sociedade -, existe uma série riscos inerentes ao desenvolvimento da atividade empresarial, o que enseja a partilha de resultados entre os sócios (os quais podem ser positivos ou negativos, dependendo do potencial, da estrutura e, preponderantemente, do risco),


Este cenário, portanto, muitas vezes oscilante, pode não ser o mais adequado para o sócio empreendedor, investidor ou administrador; podendo, por conseguinte, acarretar aos sócios desgostosos das sociedades que pertencem, o interesse em suas respectivas saídas, mediante cessões ou transferência de quotas.


A questão é objetiva e reflete-se no simples desejo do sócio, desde que cumpridas todas as formalidades legais. Em outras palavras, trata-se de efetivo exercício de cidadania, considerando-se, o direito e garantia fundamental onde ninguém é obrigado associar-se ou a manter-se associado, conforme prevê a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso  XX.


Saliente-se que a grande importância da existência e implemento dos direitos e garantias fundamentais concentra-se na sua plena eficácia e aplicabilidade no regramento jurídico. Os direitos fundamentais referem-se aos os mais importantes direitos conquistados por um país.


Cumpre afirmar, infelizmente, que a rigor, a maioria da doutrina jurídica, erroneamente, vincula a regra constitucional disposta no art. 5º, XX, ao direito sindical, olvidando-se da importante figura societária.


Na realidade empresarial, ao sócio é permitido retirar-se da sociedade, desde que respeite a operacionalização de sua saída; efetuando a correspondente modificação do contrato social e averbando-a no órgão de registro competente.


Em que pese esta operação societária refletir o mais comum dia a dia societário, o que, grosso modo, poderia interessar apenas aos operadores do direito empresarial; tem levado muitos ex-sócios de sociedades empresárias ao pântano desesperante da insegurança jurídica.


Ocorre que, nos dias de hoje, é possível relatar casos em que se decretou o envolvimento de terceiras pessoas na extensão dos efeitos de processos judiciais, inclusive falimentares, em razão da simples cessão e transferência de quotas de determinada empresa, para sócios (cessionários) que se envolveram, posteriormente, com atividades supostamente ilegais.


Observe-se e frise-se, para que o presente texto não pareça um libelo pela indevida e injusta impunidade, o que se pretende aqui demonstrar é o estudo – dentro de um padrão acadêmico e multifacetado – do exagero do emprego do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, que dá de ombros à Lei que já é suficientemente clara no sentido de assegurar direitos aos contratantes de sociedades.


É oportuno dizer, nesta seara, que há previsão legal de que até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responderá o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio – preteritamente.


No mesmo sentido, sempre a fim de resguardar direitos de eventuais terceiros credores da sociedade, a lei também prevê que os sócios admitidos em sociedade já constituída não se eximirão das dívidas sociais anteriores às respectivas admissões.


No mundo dos negócios, muitas vezes, se denota que determinados sócios de sociedades não possuem mais interesse em permanecer nesta condição (de sócios), em função de qualquer motivo ou situação – o que pouco importa, haja vista, como já se asseverou, tratar-se de direito e garantia fundamental do cidadão sair de sociedade que faça parte do quadro societário (repita-se, desde que adotados os expedientes formais necessários).


É comum, assim, a possibilidade de transferência das quotas da empresa, para novos sócios – cessionários – os quais assumirão todas as obrigações daí decorrentes, sem que isso caracterize irregularidade ou ilegalidade.


Esclarece-se que este procedimento costuma compreender o cotidiano daqueles que empreendem em novos negócios “in casu”, sócios cessionários de sociedades.


Não é descabido considerar desnecessária a constituição de sociedade, uma vez presentes os conseqüentes e dificultosos trâmites burocráticos perante o Registro Mercantil e a Receita Federal.


Ocorre que para maior facilidade operacional e, via de conseqüência, celeridade na aquisição dos respectivos Números de Inscrição no Registro de Empresa – Nire – e da inscrição perante a Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ – opta-se pela aquisição de quotas de sociedade já constituída – sabe-se o quão desgastante e lenta é a abertura de uma sociedade no Brasil, pelas vias normais e regulares.


Destarte, efetua-se a instrumentalização de alteração contratual para cessão e transferência de quotas, registrando-a, em seguida perante a Junta Comercial competente. Não são raras as vezes que esta operação societária altera o nome empresarial, o objeto social, o endereço, o capital social, os procuradores (se houver) e, principalmente, os administradores que passam a assinar pela sociedade.


Aliás, não há que se ter preconceitos se os novos sócios de sociedades constituídas atuam através de um procurador, conforme determina a Lei. Estas práticas não denotam nenhuma espécie de “confusão patrimonial”.


É evidente que tais exemplos de operacionalidades societárias, ordinariamente adotadas em razão da complexidade negocial não podem ensejar a abrupta desconsideração da personalidade jurídica das sociedades, como se os antigos sócios tivessem agido de modo promíscuo e irregular – tão somente porque cederam e transferiram suas quotas.


Demonstra-se, com isso, um verdadeiro impasse republicano, onde de um lado está a manutenção e preservação da empresa e do instituto da personalidade jurídica e, de outro, a possibilidade de sua desconsideração (art. 50 C.C.), sem que isso gere injustiças a ex-sócios de sociedades empresárias.


Há catalogação de casos onde determinadas pessoas tiveram TODOS os seus bens bloqueados sem sequer haver qualquer denúncia contra elas, simplesmente, em razão da extensão dos efeitos da desconsideração da personalidade aos antigos sócios – que nada tinha a ver com as atividades dos atuais sócios dessas sociedades. Isto inclui: bloqueio de imóveis, ações de empresas, automóveis e, etc.


Repita-se, tal expediente foi adotado, apenas, e tão somente, em razão do fato de terem sido sócias de sociedade que detinha alguma espécie de participação em sociedade que teve sua falência decretada.


A razão para tamanha e verdadeira expropriação patrimonial foi a efetiva mudança de sócios em uma sociedade, como se os ex sócios fossem membros de uma quadrilha.


Trata-se de um absurdo que nem nas literaturas de Kafka e Dostoievski encontram-se paralelos. Institui-se, assim, verdadeiro absurdo com a organização social que impõe como “anormal” toda atividade negocial que vise uma empreitada econômica, num mundo real de valores pragmáticos e contábeis.


O drama que passa a viver um ex-sócio nestas condições – com todos os seu bens bloqueados – é uma categoria abstrata de caráter extraterreno, pertencente à “contingência”, “ao quotidiano” da vida de cada um que se enquadra no rol dos injustiçados pelo Poder Público.


Parafraseando Kafka, em seu emblemático livro, O PROCESSO, esta bizarra situação confunde-se com a sensação de soterramento que Joseph K. sente ao enfrentar o Tribunal, nas palavras de MAURÍCIO TRAGTENBERGum criminoso sem culpa formada e formalizada – julgado sem saber por quem e condenado sem saber como. O personagem principal, assim, depara-se diante de uma problemática trágica na condição de perseguido sem culpa, pela onda totalitária e arbitrária de uma dogmática cega.


Atente-se que o desligamento e falta de compromisso do Poder Público à situação fática, impede-o da tomada, por parte de seus operadores, de consciência de uma realidade universal e ao mesmo tempo particular: a do homem do século XXI em plena globalização de mercado.


O personagem kafkiano, do mesmo modo que o ex-sócio que nada se envolveu em malversações empresariais e, mesmo assim tem todos os seus bens bloqueados, converte-se num condenado permanente sem outro consolo que suas conjecturas sobre uma culpa inexplicável, projetada em sua vida por uma autoridade invisível. Verdadeiro e evidente descalabro patético para a dignidade do cidadão.


Ainda, segundo MAURÍCIO TRAGTENBERG, o personagem verdadeiro de O Processo é a culpa. Uma culpa inaudível e invisível ligada intrinsecamente ao ser, à sua efetiva essência e existência. Por seu turno, para o ex-sócio que nada se envolveu em malversações empresariais e, mesmo assim tem todos os seus bens bloqueados, o personagem verdadeiro é a ausência de defesa, onde a afirmação e comprovação de não envolvimento com grupos fraudadores cabem ao próprio cidadão de bem, que tem que provar que não está envolvido em atos ilegais.


JOSEPH K, ainda e por consolo, contava com a  companhia dos policiais, Rabensteiner, Kullich e Kaminer, para tornar discreta sua organização cotidiana e suas idas ao banco. Já o ex-sócio que nada se envolveu em malversações empresariais e, mesmo assim tem todos os seus bens bloqueados, conta apenas com o  que John Kenneth Galbraith[1][3] define como domínio da burocracia – , embora não seja assim denominada…” (GALBRITH, 2004, p. 47 e 48).


A vontade de extinguir o vínculo societário oportuniza o emprego das regras do Código Civil; dando, assim, um tratamento dogmático à visão estruturada em princípios constitucionais.


Destarte, chamo a atenção para a necessária reflexão se o Direito deve ser analisado como ciência ou como expressão da tecnologia jurídica? A resposta, que ensejaria diversas divagações sobre a norma e sua interação com as relações sociais, certamente, não será encontrada neste texto, contudo, convido à lucubração, a fim de alcançar a agilidade e dinâmica operacional que as sociedades, na era da globalização e da velocidade exponencial dos negócios, exigem no plano econômico.  


Informações Sobre o Autor

Armando Luiz Rovai

Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP; Professor de Direito Comercial da Universidade Presbiteriana Mackenzie; Ex-Presidente da Junta Comercial do Estado de São Paulo, por 03 mandatos.


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