O estabelecimento empresarial e suas repercussões jurídicas

1.O Código Civil de 2002 e a disciplina legal do estabelecimento empresarial


A Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002, denominada de novo Código Civil, proporcionou um grande avanço ao instituto jurídico do estabelecimento empresarial ao discipliná-lo de forma específica pela primeira vez no país. O tratamento legal atribuído à azienda pode ser conferido no Título III, denominado “Do Estabelecimento”, em um Capítulo Único que apresenta disposições gerais referentes ao instituto nos arts. 1.142 a 1.149.


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No Brasil, o Código Comercial de 1850 e a legislação comercial vigente não disciplinaram especificamente a matéria, apenas a antiga e revogada Lei de Falências (art. 52, VIII, Dec.-lei nº 7.661/45) referia-se ao estabelecimento prevendo a sua venda e, a Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/1991), prevê proteção indireta ao estabelecimento, assegurando no art. 51 proteção ao ponto empresarial por meio da ação renovatória.


Dentre os pontos positivos do Código Civil vigente, sem dúvida o tratamento legal específico atribuído ao estabelecimento merece destaque. O estabelecimento empresarial constitui elemento da empresarialidade e é essencial para o desenvolvimento de qualquer atividade econômica. Sua disciplina legal é imprescindível para atribuir a segurança jurídica necessária para as questões obrigacionais decorrentes da exploração da empresa, conforme será ressaltado no presente artigo.


2.  A definição de estabelecimento empresarial


O estabelecimento empresarial, muitas vezes, é relacionado simplesmente ao local onde o empresário exerce a atividade econômica. Essa noção vulgar não corresponde à definição jurídica de estabelecimento, que não se resume ao local de desenvolvimento da empresa. É certo que a noção vulgar integra a definição jurídica, mas, o estabelecimento empresarial apresenta uma definição bem mais ampla que o simples local de exploração da atividade econômica, que constitui um dos elementos do estabelecimento, não se confundindo com ele. É uma impropriedade técnica resumir a definição de estabelecimento à ideia de local onde a empresa é exercida.


O art. 1.142 do Código Civil de 2002 define estabelecimento:


“Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”.


A definição legal de estabelecimento presente no Código Civil brasileiro é baseada no Codice Civile italiano de 1942, conforme se observa pela leitura do seu art. 2.555, in verbis:


“Art. 2555. Nozione. – L’azienda è il complesso dei beni organizzati dall’imprenditore per l’esercizio dell’impresa (2082)”


(CODICE CIVILE, 2007, p.408)


Portanto, o estabelecimento empresarial pode ser definido como o conjunto de bens corpóreos e incorpóreos organizados pelo empresário para a exploração da atividade econômica (empresa). Apresentando-se como um conjunto ou complexo de bens, não se resume, conforme visto, ao local de desenvolvimento da empresa.


Na exploração de uma atividade empresarial é necessária a organização de vários bens, sem a organização desses bens não é possível dar início à exploração da atividade econômica. O estabelecimento empresarial é essencial para o exercício da empresa, correspondendo a um dos elementos da empresarialidade. O empresário pode exercer sua atividade em mais de um estabelecimento, destacando-se o estabelecimento principal (sede ou matriz) e os secundários (filiais).


Alguns autores, entre os quais Rubens Requião, Fran Martins, Waldirio Bulgarelli, utilizam as expressões fundo de comércio (influência francesa) e azienda (influência italiana, significa negócio, empresa, firma) como sinônimas de estabelecimento empresarial. Para Fábio Ulhoa, fundo de comércio, que ele prefere chamar de fundo de empresa, não pode ser considerada expressão sinônima de estabelecimento empresarial, porque corresponde ao valor agregado do estabelecimento (conjunto de bens organizados), sendo um atributo do estabelecimento (COELHO, v.1, 2007, p.98).


O Código Civil não utiliza a denominação estabelecimento empresarial. Entretanto, diante do conteúdo da definição legal e por ser um dos elementos da empresarialidade, o acréscimo do termo empresarial deve ser feito. Nesse sentido, Marcelo Andrade  Féres entende que:


“por ter-se amoldado à teoria da empresa, dado o conceito que fornece de estabelecimento, vinculando este à figura do empresário ou à da sociedade empresária, é de melhor técnica usar-se a designação estabelecimento empresarial” (FÉRES, 2007, p.5).


3. Natureza do estabelecimento empresarial: art. 1.143, CC 2002


Muito se discutiu em torno da natureza do estabelecimento empresarial, existindo várias teorias diferentes sobre a sua natureza. Atualmente, a doutrina moderna dominante entende que o estabelecimento empresarial apresenta a natureza de universalidade de fato, já que corresponde a um conjunto de bens que se mantém unidos, destinados a uma finalidade, por vontade e determinação do seu proprietário. O estabelecimento, correspondendo a uma unidade organizada para uma finalidade específica, não se confunde com o patrimônio do empresário.


Não pode ser considerado universalidade de direito porque esta só se constitui por força de lei, como ocorre com a herança e a massa falida. Para Marcelo Andrade Féres, “Após a codificação de 2002, não há espaço para a formação de dissidências. O trato do estabelecimento, nitidamente inspirado pelo Codice Civile, trilha o caminho da universalidade de fato” (FÉRES, 2007, p.20).


O art. 1.143, CC 2002, prevê:


“Pode o estabelecimento ser objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos e constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza”.


Segundo Marlon Tomazette (2004, p.11), o Código Civil classifica o estabelecimento empresarial como uma coisa coletiva ou estabelecimento de fato porque permite que seja como um todo objeto unitário de direitos e negócios jurídicos, sem, contudo, proibir a negociação isolada dos bens integrantes do mesmo. O Código Civil define universalidade de fato no art. 90 como a pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária, podendo, entretanto, ser objeto de relações jurídicas próprias. Portanto, os bens integrantes do estabelecimento podem ser objeto de relações jurídicas autônomas ou podem ser negociados de forma unitária, por meio do trespasse, como um conjunto de bens.


Vale lembrar que o estabelecimento empresarial não se confunde com o empresário, que é aquele que exerce a atividade empresarial, e nem com a empresa, que corresponde à própria atividade exercida pelo empresário por meio do estabelecimento empresarial. O estabelecimento não é sujeito de direito (sujeito de direito é o empresário) e não possui personalidade jurídica. O estabelecimento empresarial não é uma pessoa jurídica, é uma universalidade de fato que integra o patrimônio do empresário individual ou da sociedade empresária, sendo objeto de direito, pode ser alienado, onerado, arrestado, penhorado ou objeto de sequestro.


Relacionado à natureza jurídica do estabelecimento empresarial encontra-se o princípio da construção continuada do estabelecimento, pelo qual, o complexo organizado de bens utilizado pelo empresário não é algo estático, é dinâmico, modificando-se constantemente de acordo com o desenvolvimento da atividade econômica (circulação das mercadorias, reforma do imóvel, aquisição e venda de maquinários e veículos). Tudo isso influencia a definição do aviamento e do valor do estabelecimento. Segundo Marcelo Andrade Féres, o estabelecimento nunca está pronto e acabado, ele está sempre em evolução (2007, p.22).


4. Elementos integrantes do estabelecimento empresarial: corpóreos e incorpóreos


O estabelecimento empresarial é composto por elementos corpóreos (materiais) e incorpóreos (imateriais). Os elementos materiais abrangem as mercadorias do estoque, utensílios, veículos, móveis, máquinas, edifícios, terrenos, matéria-prima, dinheiro e títulos (atividades bancárias) e todos os demais bens corpóreos utilizados pelo empresário na exploração de sua atividade econômica.


Os elementos incorpóreos (imateriais) do estabelecimento empresarial são, principalmente, os bens industriais (patentes de invenção e de modelo de utilidade, registros de desenho industrial e de marca registrada), o nome empresarial, o título de estabelecimento, expressão ou sinal de publicidade, o ponto empresarial (local em que se explora a atividade econômica, ponto físico), o nome de domínio (endereço do empresário na Internet, ponto virtual), obras literárias, artísticas ou científicas.


Os contratos não integram o estabelecimento empresarial porque não são bens, como ressalta Marlon Tomazette (2004, p. 16), acompanhando Rubens Requião (2003, p.284). Nesse sentido, Marcelo Andrade Féres conclui que entre os bens integrantes do estabelecimento empresarial não se compreendem dívidas, créditos ou contratos, para Féres, “as relações jurídicas integram, outrossim, o patrimônio do empresário, ao lado dos elementos do estabelecimento” (FÉRES, 2007, p.21).


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5. Aviamento e clientela: atributos do estabelecimento empresarial


O valor atribuído ao estabelecimento empresarial não se confunde com a simples soma dos bens que o compõe, já que o mercado valoriza o investimento realizado pelo empresário na organização do estabelecimento empresarial. A organização do estabelecimento influencia a sua potencialidade de gerar lucro ao empresário, daí a importância do aviamento na definição do preço do estabelecimento.


O aviamento corresponde à potencialidade do estabelecimento empresarial gerar lucro, estando diretamente relacionado à clientela: quanto maior a clientela, maior o aviamento. Não se pode considerar o aviamento um bem integrante do estabelecimento, corresponde a um atributo dele, sua capacidade de gerar lucros. Esse é o atual entendimento da doutrina. Nesse sentido, Marcelo de Andrade Féres destaca:


“o avviamento constitui um atributo do estabelecimento, e não da empresa, como pretende parte da doutrina. Inegavelmente, o avviamento é o sobrevalor que se confere ao estabelecimento bem organizado.  Suponha-se que um empresário, que vende no varejo calçados de luxo, tenha dois estabelecimentos empresariais, um situado num bairro nobre e outro numa localidade humilde. No primeiro ponto, ele tem ótima clientela, as vendas são significativas. No segundo, o movimento não é suficiente para o pagamento dos custos operacionais. Com certeza, o avviamento não pode estar relacionado à empresa (atividade), pois ela é idêntica em ambas as situações. A capacidade de gerar lucro, assim, decorre diretamente da articulação dos elementos do estabelecimento, inclusive o espacial, o que torna patente que cada azienda tem seu avviamento” (FÉRES, 2007, p.34)    


De acordo com a doutrina moderna também não se pode incluir a clientela como elemento do estabelecimento empresarial. Clientela é o conjunto de pessoas que adquirem habitualmente os produtos ou serviços fornecidos por um empresário. Não é objeto de apropriação pelo empresário, razão pela qual não se pode incluí-la entre os elementos do estabelecimento empresarial.


Também não se pode falar em direito à clientela, afinal, corresponde a um conjunto de pessoas que apresenta alterações no tempo e no espaço, o que afasta um seguro delineamento. Integrando a clientela, existem pessoas que adquirem os produtos ou serviços de forma esporádica, ao acaso, ao passo que outras o fazem por conhecerem a marca, não importando o empresário que celebra o negócio. Por outro lado, existem os clientes ligados ao estabelecimento por questões pessoais, em razão de conhecerem empregados, gerentes, sócios ou o empresário individual.


De acordo com Marlon Tomazette:


“Não obstante seja incorreto falar-se em direito à clientela, é certo que há uma proteção jurídica a ela, consistente nas ações contra a concorrência desleal. Todavia, tal proteção não torna a clientela objeto de direito do empresário, pois o que se protege na verdade são os elementos patrimoniais da empresa, aos quais está ligada a clientela, esta recebe uma proteção apenas indireta” (TOMAZETTE, 2004, p.14)


6.  Trespasse


O contrato de compra e venda do estabelecimento empresarial é denominado trespasse. Embora consagrada pela doutrina para designar a transferência, a expressão trespasse não foi adotada pelo Código Civil de 2002, mas, a Lei de Falência e de Recuperação de Empresas (Lei n° 11.101/2005) indica dentre os meios de recuperação judicial no art. 50, VII, o trespasse.


No trespasse há a transferência do estabelecimento do patrimônio do empresário alienante (trespassante) para o patrimônio do empresário adquirente (trespassário). O objeto da venda é o complexo de bens corpóreos e incorpóreos. Para que a alienação do estabelecimento empresarial produza efeitos perante terceiros deve preencher os requisitos previstos no Código Civil.


O trespasse constitui contrato bilateral realizado entre o alienante do estabelecimento (trespassante) e o adquirente (trespassário). O alienante, assim como o adquirente do estabelecimento, podem ser empresários individuais ou sociedades empresárias.


O aviamento do estabelecimento, ou seja, a capacidade de gerar lucro ao seu titular deve ser informado pelo empresário alienante nas negociações preliminares ao trespasse. Constitui direito do empresário adquirente ser informado sobre o aviamento do estabelecimento que pretende adquirir, sendo dever do empresário alienante apresentar informações verídicas, sob pena de resolução do contrato e da indenização correspondente.


Para verificar a realidade do estabelecimento que irá adquirir, o exercício do direito de informação pelo empresário adquirente pode ocorrer por meio da due diligence, que envolve uma análise investigativa sobre a situação econômica do estabelecimento antes da sua aquisição pelo interessado. A análise é baseada na escrituração referente ao estabelecimento em negociação, daí a importância da regularidade da escrituração (art. 1.179, CC 2002), já que as operações omitidas dos registros contábeis equivalem a negociações não realizadas, reduzindo, consequentemente, o valor do aviamento.


Cumpre ressaltar que o trespasse não se confunde com a cessão de quotas sociais de sociedade limitada ou a alienação de controle da sociedade anônima. Na transferência da participação societária o estabelecimento empresarial não muda de titular, tanto antes como após a transação ele pertencia e continua a pertencer à sociedade empresária, à mesma pessoa jurídica, que apenas tem a sua composição de sócios alterada. Na cessão de quotas ou alienação de controle, o objeto da venda é a participação societária, ou seja, as quotas ou as ações, conforme a espécie societária.


7. Requisitos legais para o trespasse: arts. 1.144 e 1.145, CC 2002


De acordo com o art. 1.144, CC 2002, o contrato de trespasse deve ser arquivado na Junta Comercial junto ao registro do empresário e publicado na imprensa oficial. A mesma exigência legal vale para os casos de arrendamento ou instituição de usufruto para o estabelecimento. O descumprimento dos requisitos legais previstos impede que o negócio referente ao estabelecimento apresente eficácia perante terceiros.


Além dessas formalidades, o art. 1.145, reforçando a proteção dos interesses dos credores, prevê que se ao alienante não restarem bens suficientes para o pagamento do passivo relacionado ao estabelecimento vendido, a eficácia do contrato ficará na dependência do pagamento de todos os credores ou do consentimento (anuência) destes.


O empresário que deseja alienar o seu estabelecimento deve solicitar o prévio consentimento dos seus credores, mediante notificação judicial ou pelo oficial de registro de títulos e documentos. O consentimento pode ser expresso (dado por escrito) ou tácito (caracterizado pela inércia do credor nos 30 dias seguintes à notificação judicial ou extrajudicial). O alienante somente se encontra dispensado dessa exigência legal se permanecer solvente mesmo após a alienação.


O trespasse pode, eventualmente, caracterizar sinal de insolvência em razão da supressão da garantia comum dos credores. Constitui ato de falência se realizado sem a anuência dos credores (Lei n° 11.101/2005, art. 94, III, “c”) e não restar ao devedor patrimônio suficiente para saldar o passivo. Caso contrário, ou seja, ficando com bens suficientes, o consentimento dos credores é dispensável. A prova da insuficiência do ativo remanescente incumbe ao autor do pedido de falência.


Além disso, se a formalidade prevista no art. 1.145 não for cumprida, a consequência também será prejudicial ao adquirente. O art. 129, VI, da Lei n° 11.101/2005 prevê:


Art. 129. São ineficazes em relação à massa falida, tenha ou não o contratante conhecimento do estado de crise econômico-financeira do devedor, seja ou não intenção deste fraudar credores: (…)


VI. a venda ou transferência de estabelecimento feita sem o consentimento expresso ou o pagamento de todos os credores, a esse tempo existentes, não tendo restado ao devedor bens suficientes para solver o seu passivo, salvo se, no prazo de 30 (trinta) dias, não houver oposição dos credores, após serem devidamente notificados, judicialmente ou pelo oficial de registro de títulos e documentos


Diante do previsto, o trespasse poderá ser considerado ineficaz perante a massa falida e o adquirente deverá entregar o estabelecimento para a massa falida. O parágrafo único, art. 129, Lei n° 11.101/2005 prevê que “A ineficácia poderá ser declarada de ofício pelo juiz, alegada em defesa ou pleiteada mediante ação própria ou incidentalmente no curso do processo”.


O reconhecimento da ineficácia não exige a má-fé do adquirente do estabelecimento, o simples desatendimento da previsão expressa no inciso VI do art. 129 autoriza a declaração da ineficácia do trespasse, não importando o intuito fraudulento do ato. De acordo com o art. 136 da Lei n° 11.101/2005, reconhecida a ineficácia do ato, as partes retornarão ao estado anterior, e o contratante de boa-fé terá direito à restituição dos bens ou valores entregues ao devedor. O § 2º do referido art. 136 prevê ser garantido ao terceiro de boa-fé, a qualquer tempo, propor ação por perdas e danos contra o devedor ou seus garantes.


Cumpre ressaltar que o art. 1145 estabelece uma norma genérica sobre a ineficácia do trespasse perante os credores, quando desatendida a previsão legal, não sendo, nesse caso, necessária a declaração da falência do empresário alienante. De acordo com Marcelo Andrade Féres, “o credor, mesmo sem promover a execução concursal, poderá pleitear, em qualquer processo, o reconhecimento da ineficácia do negócio” (FÉRES, 2007, p.129).


8. A sucessão empresarial decorrente do trespasse


A transferência do estabelecimento empresarial produz uma série de efeitos obrigacionais, dentre os quais destacam-se aqueles que atingem as dívidas contraídas pelo empresário alienante e sua transferência ao empresário adquirente, caracterizando-se a sucessão empresarial. Portanto, há sucessão empresarial quando o empresário adquirente responde pelas dívidas referentes ao estabelecimento empresarial contraídas pelo empresário alienante.


O Código Civil de 2002 disciplina a sucessão empresarial no art 1.146:


“Art. 1.146. O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento”


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O contrato de trespasse não pode excluir ou limitar a responsabilidade do empresário adquirente pelas dívidas do estabelecimento empresarial adquirido. O art. 1.146 do Código Civil não admite exceção, tem natureza cogente, não havendo espaço para a autonomia de vontade das partes restringir os interesses dos credores. Cláusula que contraria o disposto no art. 1.146 não terá validade.


A sucessão empresarial está disciplinada pelo Código Civil brasileiro de forma semelhante à prevista no direito italiano, conforme se observa pelo conteúdo do art. 2.560, in verbis:


2.560. Debiti relativi all’azienda ceduta – L’alienante nom è liberato daí debiti, inerenti all’esercizio dell’azienda ceduta anteriori al trasferimento, se non risulta che i creditori vi hanno consentito (1273).


Nel transferimento di un’azienda comerciale risponde dei debiti suddetti anche l’acquirente dell’azienda (2112) se essi risultano daí libri contabili obbligatori (2214-2220;Trans.220).”


(CODICE CIVILE, 2007, p.409)


De acordo com o Codice Civile, o empresário adquirente do estabelecimento torna-se solidariamente responsável com o empresário alienante pelas dívidas da azienda, desde que elas se encontrem regularmente escrituradas nos livros comerciais obrigatórios. No direito italiano, o empresário adquirente assume a responsabilidade pelas dívidas regularmente escrituradas, mas, elas não são transferidas para ele, salvo se o contrato de trespasse assim determinar. Portanto, no silêncio contratual, o empresário alienante é o principal obrigado pelas dívidas do estabelecimento, respondendo o adquirente de forma solidária pelo seu pagamento. Entretanto, esse entendimento não é pacífico no direito italiano, alguns doutrinadores atribuem ao empresário adquirente do estabelecimento a qualidade de devedor principal (FÉRES, 2007, p.110).


No Código Civil brasileiro, o empresário adquirente responde pelas dívidas regularmente escrituradas referentes ao estabelecimento empresarial negociado, ficando o empresário alienante responsável por essas dívidas de forma solidária com o adquirente, mas, por tempo limitado. De acordo com o art. 1.146 do CC 2002, o empresário adquirente é o devedor principal pelas dívidas do estabelecimento adquirido, respondendo o alienante de forma solidária pelo tempo limitado de um ano contado do vencimento ou da publicação, conforme se trate de dívida vincenda ou vencida.


Durante o prazo legal, os credores podem responsabilizar o empresário adquirente e o empresário alienante do estabelecimento. Após o prazo previsto de um ano (do vencimento da dívida ou da publicação do trespasse, conforme o caso), apenas o empresário adquirente pode ser responsabilizado pelas dívidas do estabelecimento. Embora a previsão legal demonstre a preocupação do legislador com os interesses dos credores, a limitação temporal da responsabilidade do alienante pode gerar uma situação prejudicial aos credores do estabelecimento, conforme observa Marcelo Andrade Féres em obra específica sobre o tema:


“Imagine-se, por exemplo, uma sociedade empresária que aliena um de seus quatro estabelecimentos para outra pessoa jurídica, cujo patrimônio se limita à universalidade em negociação. Na espécie, após o decurso do prazo decadencial de sobrevida da responsabilidade do trespassante – sociedade abastada -, os credores serão prejudicados pela disposição da lei. Perceba-se, assim, que a opção do Código Civil pela transmissão do estabelecimento com todas as suas vicissitudes para o trespassário, episodicamente, pode acarretar situação prejudicial aos credores, embora ela pretenda resguardá-los” (FÉRES, 2007, p.114)


As dívidas comuns que não se encontrem regularmente escrituradas não são de responsabilidade do empresário adquirente, que não teve oportunidade de conhecer sua existência, pela ausência na escrituração ou pela sua irregularidade. O empresário adquirente, nos termos do art. 1.146 do CC 2002, assume responsabilidade nos limites da escrituração apresentada pelo empresário alienante. As dívidas existentes que não fazem parte da escrituração apresentada ao adquirente, são de responsabilidade do empresário alienante. Referido entendimento, entretanto, permite adequações diante da comprovação de elementos indicativos de fraude contra credores, hipótese em que o adquirente pode ser responsabilizado.


Cumpre ressaltar que o art. 1.146 do CC 2002 aplica-se às dívidas comuns, não abrange as dívidas trabalhistas e tributárias, que possuem tratamento legal específico. Caracterizam-se como dívidas comuns, por exemplo, aquelas ligadas aos parceiros comerciais (fornecedores de matéria-prima, de embalagem, campanhas publicitárias) e também as de natureza financeira (empréstimos bancários, contratos de leasing, financiamento). Nas outras hipóteses de sucessão empresarial, a responsabilidade do adquirente por obrigações do alienante decorre da lei trabalhista e fiscal, não se exigindo nesses casos a regular contabilização da dívida para fins de responsabilização do adquirente em relação aos passivos tributários e trabalhistas.


O art. 448 da CLT dispõe que mudanças na propriedade da empresa não afetam os contratos de trabalho existentes, possibilitando ao empregado duas opções: a de demandar o antigo proprietário do estabelecimento empresarial em que trabalhava, ou o atual. Em qualquer hipótese, o empresário não poderá opor-se à pretensão do empregado, com base no contrato de trespasse, já que elas geram efeitos apenas entre os empresários participantes do negócio. Assim, se o adquirente é responsabilizado perante antigo empregado do alienante, e por meio do contrato de trespasse, não havia expressamente assumido o passivo trabalhista dele, terá direito de regresso para se ressarcir do prejuízo.


No que se refere ao passivo fiscal com base no art. 133 do CTN, distinguem-se duas situações: se o alienante deixa de explorar qualquer atividade econômica; ou se continua a exploração de alguma atividade (não importando o gênero) nos seis meses seguintes à alienação. O art. 133 do CTN prevê:


A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até a data do ato:


I. Integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade,


II. Subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de 6 (seis) meses, a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão”.


Perante o fisco são inoponíveis também os termos do contrato de trespasse, que apenas eventualmente podem fundamentar o direito de regresso. 


Em matéria de sucessão empresarial, ressalta-se o tratamento atribuído pela Lei de Falência e Recuperação de Empresas aos casos de aquisição judicial de estabelecimento do devedor em crise em processos de recuperação judicial e de falência, em que a responsabilidade do adquirente pelas dívidas referentes ao estabelecimento adquirido, inclusive as de natureza tributária e trabalhista, foi afastada (art. 60, parágrafo único e art. 141, II, Lei n° 11.101/2005).


No âmbito da recuperação judicial de empresa, se o plano de recuperação aprovado abranger a alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização na forma do art. 142 da LF (leilão com lances orais, propostas fechadas ou pregão), sendo que o objeto da alienação encontra-se livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária (art. 60, LF).


Na falência, o art. 141, I, dispõe que todos os credores se sub-rogam no produto da realização do ativo, de forma que o bem adquirido está isento de responder por dívidas do falido. O inciso II do referido artigo prevê que na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho.


No âmbito tributário, a aplicação de referidos dispositivos tornou-se possível diante da alteração do art. 133, CTN, pela Lei Complementar 118, de 09 de fevereiro de 2005, que acrescentou um §1° ao artigo, in verbis:


“§1°. O disposto no caput deste artigo não se aplica na hipótese de alienação judicial: I – em processo de falência; II – de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial”.


Foi incluído também o §2° ao art. 133, prevendo que a isenção do §1° não se aplica quando o adquirente for sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial, ou sociedade controlada pelo devedor falido em recuperação judicial, ou ainda parente em linha reta ou colateral até o 4° grau, consanguíneo ou afim, do devedor ou qualquer de seus sócios, ou ainda para aquele identificado como agente do falido ou devedor em recuperação judicial, com o objetivo de fraudar a sucessão tributária.


O art. 133 também recebeu o acréscimo do §3°:


Em processo de falência, o produto da alienação judicial de empresa, filial ou unidade produtiva isolada permanecerá em conta de depósito à disposição do juízo da falência pelo prazo de 1 ano, contado da data da alienação, somente podendo ser utilizado para o pagamento de créditos extraconcursais ou de créditos que preferem ao tributário”.


Em relação à sucessão trabalhista, certamente encontrará severa resistência da justiça especializada do trabalho, diante da natureza alimentar do crédito trabalhista, conforme se verificou no caso da recuperação judicial da Varig. Entretanto, é necessário lembrar que um dos grandes temores de quem arremata um bem em juízo é tornar-se sub-rogado nos ônus incidentes sobre o bem. Como incentivo à existência de interessados na compra, a lei afasta o bem de quaisquer ônus ou sucessão, blindando-o.


Para evitar fraudes, o §1°, art. 141, da Lei n° 11.101/2005 afasta essa blindagem quando a aquisição tenha sido feita por pessoas próximas ao devedor: sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido; parente, em linha reta ou colateral até o quarto grau, consanguíneo ou afim (por afinidade), do falido ou de sócio da sociedade falida; identificado como agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão. Nesta lista, embora a legislação não preveja, devem ser incluídos o cônjuge e o companheiro do falido ou de seus sócios.


9. Cláusula de não-restabelecimento (interdição da concorrência)


O alienante do estabelecimento empresarial que se restabelece em concorrência com o adquirente, em geral atrai para o novo local de seus negócios a clientela que formou no antigo. Ulhoa destaca que o desvio de clientela na atualidade deve-se menos ao contato pessoal entre o consumidor e o empresário e mais às informações que o empresário alienante detém sobre a realidade do mercado em que opera (COELHO, v.1, 2007, p.101).


Como o adquirente pagou ao alienante um valor baseado no aviamento do estabelecimento, e não na simples soma dos bens que o compõem, o restabelecimento do alienante importa prejuízo ao adquirente, podendo caracterizar enriquecimento indevido, daí a razão da cláusula de não-restabelecimento, que tem por finalidade impedir que o empresário alienante se restabeleça em concorrência com o adquirente (na mesma atividade, em local que disputam a mesma clientela e nos 5 anos seguintes ao trespasse).


A cláusula de não restabelecimento, também denominada de cláusula de interdição da concorrência, constitui uma obrigação de não fazer assumida contratualmente pelo empresário alienante do estabelecimento que se compromete a não concorrer com o empresário adquirente. São fundamentos para a previsão legal da cláusula de não restabelecimento: o princípio da boa-fé na execução dos contratos (art. 422, CC 2002), o princípio da equidade e da concorrência leal.


De acordo com o caput do art. 1.147 do CC 2002, baseado no art. 2.557 do Codice Civile, se o contrato de trespasse é omisso em relação ao restabelecimento, presume-se no direito brasileiro implícita a cláusula de não restabelecimento pelo prazo de 5 (cinco) anos seguintes ao trespasse:


Art. 1.147. Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes à transferência.”


Em razão do art. 170, Constituição Federal de 1988, a cláusula de não restabelecimento deve apresentar limites materiais (ramo de atividade), territoriais (âmbito geográfico) e temporais (prazo de não concorrência) para não ofender os princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência. A cláusula de não restabelecimento que vede a exploração de qualquer atividade econômica ou não estipule restrições temporais ou territoriais não gera o efeito pretendido pelas partes.


Marcelo Andrade Féres destaca que além dos elementos temporal, territorial e material, a cláusula de não restabelecimento deve indicar o elemento pessoal, que se refere às partes signatárias do trespasse. De acordo com o caso concreto, mostra-se oportuna a vedação da concorrência sobre outras pessoas, como os administradores e sócios controladores da sociedade empresária alienante do estabelecimento, vedação que se estende aos seus herdeiros e cônjuges (FÉRES, 2007, p.159).


De acordo com o art. 2.557 do Código Civil italiano, se o contrato de trespasse indica um prazo maior que 5 anos ou esse prazo não é previsto, a interdição da concorrência vale pelo período de cinco anos da transferência. O mesmo artigo ainda prevê que a cláusula de interdição da concorrência prevista em limites mais amplos que os materiais ou geográficos é válido, desde que não impeça toda e qualquer atividade profissional do alienante, entretanto, não pode exceder o prazo de 5 anos da transferência. 


A legislação brasileira não estabeleceu um limite temporal máximo para o não restabelecimento do empresário, o prazo de 5 anos previsto no art. 1.147 do Código Civil está previsto para os casos em que o contrato de trespasse não trata da questão, servindo de referência.


Diante da lacuna legal, admite-se a possibilidade do contrato de trespasse estabelecer um limite temporal superior ao prazo de 5 anos, desde que exista uma compensação econômica ao empresário alienante e não exista ofensa ao princípio constitucional da livre iniciativa. Conforme se observa, a questão exige a análise cautelosa do caso concreto para verificar a validade do excesso de prazo previsto. De qualquer forma, havendo a configuração das hipóteses previstas no art. 54 da Lei n° 8.884/1994, o ato deve ser submetido à apreciação do CADE.


O art. 1.147 do CC 2002 permite o afastamento da cláusula de não restabelecimento pela vontade das partes, desde que expressa no contrato de trespasse. O restabelecimento do alienante em concorrência com o adquirente somente é possível se o contrato de trespasse apresentar cláusula de autorização expressa. Omisso o contrato, presume-se vedado o restabelecimento do empresário alienante pelo prazo de 5 anos.


Na hipótese de violação da cláusula de não restabelecimento pelo empresário alienante, o empresário adquirente poderá promover execução específica de obrigação por meio da Ação Cominatória prevista no art. 461 do Código de Processo Civil, que permite a fixação de multa diária (astreintes) para coibir a continuação da concorrência vedada. Se ao descumprimento da cláusula de não restabelecimento somarem-se outras condutas caracterizadoras de concorrência desleal, o empresário alienante também poderá sofrer sanções penais, diante da configuração de crime de concorrência desleal (art. 195, Lei n° 9.279/1996).


10. Transferência dos contratos no trespasse


 Embora não integrem o estabelecimento, pois não são bens, o art. 1.148 do CC 2002 estabelece que o trespasse importa a transferência dos contratos para o empresário adquirente, desde que não tenham caráter pessoal:


“Art. 1.148. Salvo disposição em contrário, a transferência importa a sub-rogação do adquirente nos contratos estipulados para a exploração do estabelecimento, se não tiverem caráter pessoal, podendo os terceiros rescindir o contrato em noventa dias a contar da publicação da transferência, se ocorrer justa causa, ressalvada, neste caso, a responsabilidade do alienante”.


 Mais uma vez o Código Civil brasileiro utiliza o Codice Civile como base para a disciplina da matéria. O art. 2.558 do diploma italiano trata da transferência dos contratos da seguinte forma:


2558. Successione nei contratti. – Se non è pattuito diversamente, l’acquirente dell’azienda subentra nei contratti stipulati per l’esercizio dell’azienda stessa che non abbiano carattere personale (2112).


Il terzo contraente può tuttavia recedere dal contratto entro ter mesi dalla notizia del transferimento, se sussiste uma giusta causa, salvo in questo caso la responsabilià dell’alienante.


Lê stesse disposizioni si applicano anche nei confronti dell’usufruttuario e dell’affitto (2561 s.).”(CODICE CIVILE, 2007, p. 409)


O art. 1.148 do CC 2002, ao estabelecer que “a transferência importa a sub-rogação do adquirente nos contratos estipulados para exploração do estabelecimento”, determina a substituição do empresário alienante pelo empresário adquirente nos contratos que não apresentam caráter pessoal. A sub-rogação prevista significa a substituição de uma pessoa por outra, no caso, o empresário alienante pelo empresário adquirente, mantendo-se a relação anteriormente existente. A lei não prevê a necessidade da anuência do contratante cedido, entretanto, havendo justa causa os terceiros podem rescindir o contrato no prazo de 90 dias da publicação do trespasse, ressalvada, nesse caso, a responsabilidade do alienante.


Marcelo Andrade Féres identifica seis pressupostos simultâneos para a transferência dos contratos no trespasse:


a) que se trate de contratos bilaterais com pendências obrigacionais para ambas as partes;


b) que os contratos sejam exploracionais (‘estipulados para exploração do estabelecimento’ – art. 1.148 do CC);


c) que os contratos sejam impessoais (‘se não tiverem caráter pessoal’ – art. 1.148 do CC);


d) que não exista disposição em contrário (‘salvo disposição em contrário’ – art. 1.148 do CC);


e) que inexista óbice legal; e


f) que não haja justa causa para o terceiro rescindir o contrato (‘podendo os terceiros rescindir o contrato em noventa dias a contar da publicação da transferência, se ocorrer justa causa, ressalvada, neste caso, a responsabilidade do alienante’ – art. 1.148 do CC)” (FÉRES, 2007, p.69).


A identificação da bilateralidade contratual é importante para diferenciar os efeitos do trespasse em relação às dívidas, contratos e créditos, previstos, respectivamente nos arts. 1.146, 1.148 e 1.149 do CC 2002. De acordo com Modesto Carvalhosa, a compreensão correta do art. 1.148 do Código Civil exige que o contrato esteja em curso de execução, se já houve execução da prestação devida por uma das partes e aguarda-se a execução devida pela parte contrária, não se verifica a sub-rogação do contrato, é questão subordinada à aplicação dos arts. 1.146 e 1.149 do CC 2002, que tratam, respectivamente, das dívidas e dos créditos decorrentes do trespasse (CARVALHOSA, 2003, p.654).


Portanto, a transferência prevista no art. 1.148 envolve necessariamente contratos bilaterais que apresentem pendências obrigacionais para ambas as partes do contrato de trespasse. Na hipótese de contrato em que há prestação a ser realizada por apenas uma das partes, a questão deve ser tratada no âmbito das dívidas ou dos créditos.


O art. 1.148 do CC 2002 limita a transferência aos contratos estipulados para a exploração do estabelecimento, limitando-se, assim, aos contratos exploracionais, que são aqueles celebrados para o desenvolvimento da empresa por meio do estabelecimento empresarial. São contratos exploracionais os contratos de fornecimento de energia elétrica, embalagens e matéria-prima; prestação de serviços de telefonia; contratos de locação; de franquia; de trabalho; de compra e venda empresarial, entre outros.


Dentre os contratos exploracionais, alguns podem se revestir de caráter pessoal. Os contratos intuitu personae não são transferidos ao empresário adquirente. Quando ajustados com base na pessoa do empresário alienante ou de seus sócios, no caso de sociedade empresária, os contratos qualificam-se como personalíssimos e estão excluídos da transmissão. As próprias partes contratantes podem excluir expressamente no trespasse a transferência de contratos exploracionais, conforme permissão contida no art. 1.148 do Código Civil, em seu início (“Salvo disposição em contrário”).


O art. 1.148 do CC 2002 estabelece que os terceiros podem rescindir o contrato no prazo de 90 dias na existência de justa causa. A transferência automática dos contratos ao empresário adquirente no trespasse pode gerar situações desfavoráveis aos contratantes cedidos, diante de uma situação nova e diversa da contratada que pode frustrar a execução das prestações contratuais pendentes. A lei não estabelece a caracterização da justa causa, trata-se de cláusula geral que exige a análise do caso concreto. Configurada a justa causa, o direito à rescisão contratual deve ser exercido no prazo de 90 dias da publicação do trespasse e, de acordo com a parte final do art. 1.148 do CC 2002, o empresário alienante não se responsabiliza pela rescisão contratual decorrente de justa causa.


O art. 1.148 apresenta disposição genérica, que não prevalece diante de lei específica. No caso do contrato de locação empresarial, o art. 13 da Lei n° 8.245/1991 exige o consentimento prévio e escrito do locador para a cessão do contrato locatício. Portanto, o 1.148 não importa a transferência automática do contrato de locação referente ao estabelecimento empresarial negociado, o empresário alienante (locatário) deverá obter a anuência prévia e expressa do locador para a viabilização do contrato de trespasse.


11. Transferência dos créditos no trespasse: art. 1.149, CC 2002


Em relação aos créditos, eles são transferidos ao adquirente, produzindo efeitos perante os devedores a partir da publicação do trespasse no órgão oficial, conforme determina o art. 1.149, CC 2002:


Art. 1.149. A cessão dos créditos referentes ao estabelecimento transferido produzirá efeito em relação aos respectivos devedores, desde o momento da publicação da transferência, mas o devedor ficará exonerado de se boa-fé pagar ao cedente”.


O Código Civil estabelece a transmissão automática dos créditos no trespasse, transferindo-se de pleno direito ao empresário adquirente na forma correspondente à escrituração do empresário alienante, independentemente de qualquer notificação ao cedido. Trata-se de regra especial, semelhante à prevista no art. 1.148, por meio da qual são dispensadas as formalidades previstas para a cessão de crédito comum. 


 


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Informações Sobre o Autor

Marcelo Gazzi Taddei

Advogado, Parecerista, Mestre em Direito pela UNESP de Franca, SP, Professor de Direito Empresarial, Direito do Consumidor e Direito Civil I da UNIP – Universidade Paulista, de São José do Rio Preto, SP e Professor de Direito Empresarial da ESA – Escola Superior de Advocacia de São José do Rio Preto, SP


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