O uso do alcool e o mercado de trabalho: Perspectivas críticas para a justa causa na rescisão do contrato individual de trabalho

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Resumo: O presente trabalho versa sobre a instigante matéria da embriaguez nas relações individuais de trabalho, abordando, em especial, o reflexo do alcoolismo como motivação para a rescisão com justa causa do contrato individual de trabalho. O estudo do tema nos leva a uma melhor compreensão da forma como a matéria é disposta na Consolidação das Leis do Trabalho, quais as transformações sociais ocorridas que refletiram na interpretação de tal norma e qual o posicionamento da doutrina e da jurisprudência trabalhista brasileira. Passamos a entender a importância da medicina na explicação dessa anomalia que é comum na sociedade moderna, bem como a adaptação que a empresa tem que fazer para conviver com a situação do empregado portador dos sintomas do alcoolismo. Para a concretização do trabalho, necessário se fez, vasta pesquisa doutrinária e jurisprudencial, esta última com base nas decisões dos Tribunais Regionais do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho, alcançando-se, então, uma visão sobre o entendimento adotado pelos aplicadores do Direito do Trabalho no Brasil para a solução do problema do alcoolismo no trabalho. Restou incontroverso que tal problema se reveste de um caráter mais social do que disciplinar, sendo, hoje, considerado pela Organização Mundial de Saúde – OMS – como um caso patológico, necessitando de tratamento médico e não medidas punitivas, sendo, tal posicionamento, hoje, predominante na doutrina e na jurisprudência nacional.


Palavras-chave: Embriaguez. Alcoolismo. Justa Causa Doença.


Abstract: The present work will talk about the instigante subject of the reception of the working international norms, in special those emanated of the International Labour Organizaction – ILO, for the Brazilian legal system. The study of the subject in it takes us to one better nderstanding of the form as the international disposals ind labour subect get in our legal system, which factors preponder on this incorporation and the conflicts that appear between the international norms and the constitutional and interns laws of our country. We start to understand the importance fo ghe ILO in the world-wide scene, as well as the dynamics of this international organism and its systematics of control, also with questions on the future of its normative system. For the concreton of the work, it made necessary of vast doctrinal and jurisprudencial research, these last on the basis of sentences of the Supreme Federal Court, reaching, then, a vision on the system adopted in Brazil for the solution of the conflicts between norms international constant of treat and ratifield conventions and norms of the national legal system. It remained undisputed tha the ILO exerts an excellent and crucial paper for the development of an International Labour Law that directs the working politics of the respective States for a solidry humanize.


Keywords: International Labor Organization. International Labor. Law. Conventions – Labor Law.


Sumário: 1. Introdução. 2. Definição de embriaguez. 2.1. Fases da Embriaguez. 2.2. Embriaguez Patológica. 2.3. Embriaguez Crônica. 2.4. Definição Jurídica de Embriaguez. 3. Embriaguez habitual: justa causa x preconceito. 4. Embriaguez como justa causa. 4.1. Embriaguez Habitual. 4.2. Embriaguez em Serviço. 5. Alcoolismo e imputabilidade. 5.1. Conceito e Generalidades. 5.2. A Embriaguez e a Imputabilidade Penal. 6. Embriaguez eventual. 6.1. Alcoolismo é responsável por 50% das faltas ao trabalho no Brasil. 6.2. Desemprego. 7. Demissão por justa causa: hipótess de incidência. 7.1. Embriaguez Habitual pode ser motivo justo de demissão. 8. Considerações finais. Referências.


1. INTRODUÇÃO


Através de uma analise de toda história humana observa-se que o uso de substâncias psicoativas (nomenclatura médica dada às substâncias que provocam alteração dos padrões psicológicos) aparece desde os primeiros registros da existência da humanidade. Assim, as drogas faziam parte do cotidiano das sociedades, estando relacionadas a rituais religiosos, culturais, sociais, estratégicos militares entre outros.


Muitas destas substâncias eram tidas como místicas ou sagradas, por sua capacidade de alterar substancialmente o comporto de seu usuário. Buscava-se com o uso de entorpecentes a cura de doenças, afastar maus espíritos, obter sucesso nas caçadas, nas conquistas e atenuar a fome e o rigor do clima em determinadas regiões.


Analisando especificamente o álcool, percebe-se em várias culturas, passagens que comprovam a utilização freqüente de bebidas, especialmente o vinho e a cerveja. Na antiguidade clássica, por exemplo: o comportamento eufórico e despudorados de pessoas nos grandes banquetes era atribuído a Bacco – Deus do Vinho – que tomava o corpo dos que consumiam vinho, manipulando-os a procederem fora dos padrões normais; também, no antigo Egito, a embriaguez fazia parte dos ritos e cerimônias religiosas em louvor à Osíris – Deus protetor da agricultura; nos tempos bíblicos o vinho estava presente e o homem já se deparava com a questão de como desfrutar dos prazeres das drogas sem, no entanto, tornar-se dependente; ainda hoje, o vinho é parte integrante de cerimônias religiosas como a católica, a judaica e o candomblé.


Dadas às sensações de prazer provocadas pela bebida, beber tornou-se um comportamento dos costumes, fundamentadamente social, praticado geralmente na companhia de outros indivíduos com os quais são mantidas relações de amizade ou de afinidade.


Igualmente, a bebida ficou caracterizada como símbolo de comemoração, sempre presente na maioria das festividades sociais, como natal, casamento, passagem de ano, aniversário. O titilar de taças possui a semântica da celebração, da alegria e entusiasmo, e, desta forma, sendo tolerada em quase todos cenários sociais.


Entretanto, modernamente, começa-se a perceber os danos causados pelo álcool, deflagrando mobilizações contra o uso desmedido de bebidas alcoólicas, como o reconhecimento da dependência patologia de tal substância o que viabilizou métodos de desestímulo ao seu consumo, como se vê da Carta Européia do Álcool, produzida em um encontro da OMS (Organização Mundial da Saúde), na cidade de Paris, França, em 1995, que concluiu ser direito de todas as pessoas ter uma profissão protegida de acidentes, violências e outras conseqüências causadas pelo consumo de álcool.


A Consolidação das Leis do Trabalho dispõe que a embriaguez habitual ou em serviço caracteriza justa causa para a rescisão do contrato de trabalho pelo empregador (art. 482, f, CLT).


Partindo de uma interpretação literal do preceito, a doutrina clássica sempre defendeu que aquele empregado que comparecesse ao trabalho embriagado, ainda que uma única vez, poderia ser dispensado, bem assim aquele que, habitualmente, se embriagasse fora do local de serviço, ainda que jamais tenha comparecido ao trabalho neste estado alterado de sentidos.


A embriaguez habitual configuraria culpa grave do empregado, a ensejar a ruptura contratual por justa causa tendo em vista que, embora o empregado não tenha cometido irregularidades em serviço, o vício a que se entrega fora do ambiente de trabalho acarretaria a perda de confiança do empregador.


No entanto, estas noções, desenvolvidas com base em uma legislação que data de 1943, têm sido questionadas por nossos Tribunais, sendo grande o número de decisões judiciais no sentido de que o alcoolismo é uma doença e, como tal, deve ser tratada, não caracterizando justo motivo para o despedimento do empregado.


Com efeito, hoje o alcoolismo é uma doença reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e consta no Código Internacional de Doenças (CID), com as classificações 291 (psicose alcoólica), 303 (síndrome de dependência do álcool) e 305.0 (abuso do álcool sem dependência).


Esta mudança no enfoque médico do alcoolismo ocasionou o questionamento de suas conseqüências jurídicas no âmbito da relação de emprego, levando a que muitos juizes deixem de aplicar a CLT no particular.


Importa destacar que a situação do empregado alcoólatra, considerado como um doente, não se confunde com a daquele empregado que possui o hábito de embebedar-se por farra, sem que haja qualquer dependência física ou psicológica do álcool. Este, certamente, não é doente e uma avaliação médica poderá distinguir ambas as situações.


Alguns Tribunais Regionais do Trabalho do País, já adotaram, em diversas ocasiões, o entendimento esposado pelo TST, manifestando-se no sentido de que o alcoolismo é enfermidade e, por conseguinte, seria incabível a dispensa do empregado alcoólatra por justa causa.


 Assim, para aqueles que possuem esta concepção, o correto seria o encaminhamento do empregado à Previdência Social, com conseqüente suspensão do contrato de trabalho durante o tratamento e reabilitação do trabalhador.


Muitas empresas, notadamente as de maior porte, promovem o tratamento destes empregados junto a clínicas particulares de desintoxicação, dando a oportunidade de reabilitação ao viciado em álcool ou em qualquer outra substância psicotrópica ou psicoativa.


De fato, ter em seus quadros um funcionário alcoólatra é extremamente prejudicial para a empresa, visto que este empregado, muito possivelmente, terá ausências constantes ao trabalho, dificuldade de concentração e queda em sua produtividade. Contudo, o mais grave é que sempre haverá o risco de que o empregado se embriagar durante o expediente e cause um acidente de trabalho.


Por esta razão, algumas empresas adotam programas de prevenção ao alcoolismo e uso de outras drogas, com palestras, boletins informativos e assistência psicológica a seus empregados.


Comum, ainda, a realização de testes para medir o teor de álcool no sangue do empregado, feitos tanto na admissão, quanto nos exames periódicos e mesmo aleatoriamente, como forma de ter-se conhecimento de quais empregados têm o hábito de ingerir bebidas alcoólicas em grande quantidade e encaminhá-los para tratamento adequado, ainda que junto ao INSS.


Este é um modo razoavelmente eficaz de evitar acidentes de trabalho e acontecimentos desagradáveis no ambiente de serviço.


Cumpre ressaltar, contudo, que ainda não há uma posição pacífica dos Tribunais sobre se o empregado tem o direito a recusar-se a fazer tal exame, sob o argumento de que este viola sua privacidade. Esta é matéria nova e que rende ensejo a diferentes interpretações.


Assim, após uma prévia abordagem do tema, se faz mister delinear o conceito de embriaguez, para posteriormente estudar todas as implicações legais que o uso de sustância alcoólica pode ocasionar.


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2 DEFINIÇÃO DE EMBRIAGUEZ


Segundo o Catedrático em Língua e Filologia, Francisco da Silveira Bueno, embriaguez corresponde a “ebriedade; bebedeira; (fig.) inebriamento; êxtase; enlevação”. (BUENO, 2000).


De acordo com o entendimento médico quando um individuo encontra-se no estado de embriaguez constata-se “alucinações da vista, geralmente de caráter terrorista, delírio persecutório, perturbações da cenestesia, tremor da língua e das extremidades digitais”. (GOMES, 2001).


A Organização Mundial da Saúde (OMS) define embriaguez como sendo toda forma de ingestão de álcool que excede ao consumo tradicional, aos hábitos sociais da comunidade considerada, quaisquer que sejam os fatores etiológicos responsáveis e qualquer que seja a origem desses fatores, como por exemplo, a hereditariedade, a constituição física ou as alterações fisiopatológicas adquiridas.


A Associação Britânica de Medicina, por sua vez, conceitua a embriaguez como a condição em que se encontra uma pessoa de tal forma influenciada pelo álcool, que perde o governo de suas faculdades a ponto de tornar-se incapaz de executar com cautela e prudência o trabalho a que se dedica no momento (FLORINDO, 1999).


Entretanto, almejando a correta aplicação das normas laborais aos respectivos substratos fáticos correlatos, tornando-se necessário o estudo de suas fases e seus efeitos.


2.1 Fases da Embriaguez


De acordo com a análise médica fazer uma diferenciação entre as fases da embriaguez torna-se difícil, muitas vezes até impossível, visto que são processados de forma sucessória e possuindo variações de acordo com a dosagem ingerida, a resistência de cada ser e o teor alcoólico da bebida etc. (SÜSSEKIND, 2002).


A medicina divide a embriaguez em três estágios: subaguda, aguda e super-aguda. Na antiguidade os árabes simbolizavam estas fases comparando-as com três animais: o macaco, o leão e o porco (MANUS, 2003).


Na primeira fase encontra-se o sujeito com alto nível de euforia, irrequieto, instável, torna-se um verdadeiro brincalhão. Apesar do estado de euforia é comum que em alguns sujeitos a ocorrência de melancolia, levando o sujeito ao choro e a reclamações da vida. Nesta fase o álcool começa a paralisar os centros nervosos, atingindo primeiramente os centros cerebrais superiores e somente depois refletindo sobre as funções inferiores. A memória apesar de debilitada se conserva. Esta fase é também conhecida por embriaguez incompleta (GOMES, 2001).


Ainda de acordo com o autor acima citado, na segunda fase o ébrio torna-se corajoso, não tem medo de ninguém e interpreta qualquer comentário ou olhar como uma afronta a sua pessoa, ficando exposto a brigas e confusões. Como o efeito do álcool começa pelas funções superiores do cérebro e só posteriormente atingindo as inferiores, visto que aquelas controlam estas, o individuo fica com os seus atos regidos por impulsos, praticando agressões, inconveniências e atos obscenos: trata-se da embriaguez completa.


O professor Hélio Gomes (2001) assim descreve esta fase: Passada a primeira fase, sobrevém um período de grande irritabilidade, na qual o viciado, antes amável e gentil, se torna provocador, insolente, impulsivo, tendendo à pratica de atos violentos. É neste momento que o ébrio se torna perigoso e comete crimes. As funções automáticas são atingidas pela ação paralisante do tóxico: a linguagem revela-se incoerente; a palavra lenta e arrastada; os movimentos incoordenados, incertos e pesados; a sensibilidade cutânea embotada; a marcha ebriosa, em ziguezagues. O bêbado fica confuso, desorientado, desmemoriado: é a embriaguez completa.


Na última o sujeito causa comoção aos que estão ao seu lado, pois se torna nojento, emporcalhado, mostrando-se todo indefeso e exposto aos efeitos do álcool. O individuo não consegue andar sozinho, ampara-se em móveis em busca de apoio para se sustentar: trata-se de embriaguez comatosa. É comum a ocorrência de sono profundo, vômitos, ausência de sensibilidade cutânea, paralisia de membros, ausência de reflexos, as pupilas ficam dilatadas e não reagem ao efeito da luz.


2.2 Embriaguez Patológica


A Embriaguez Patológica ocorre em indivíduos sensíveis ao álcool, que com a ingestão, ainda que em pequena quantidade, apresentam alterações em seu comportamento e estado mental.


Não obstante pessoas normais apresentarem este quadro, geralmente a embriaguez patológica está associada os predispostos, fascinados e filhos de alcoólatras. O professor GOMES, citando VIBERT, descreve os quatro tipos de embriaguez patológica (2001):


A) – Embriaguez agressiva e violenta. O alcoolista, abusando sobretudo de bebidas destiladas, torna-se agressivo e capaz de cometer homicídios, que parecem premeditados, dada a segurança com que se consumam.


B) – Embriaguez excito-motora. Neste tipo, o alcoolista, depois de breve período de inquietação, é acometido de acessos de raiva terrível e destrutiva, durante os quais age com extrema violência, sobrevindo amnésia lacunar.


C) – Embriaguez convulsiva. O bêbado, depois de manifestar impulsos destruidores apresenta crises convulsivas, idênticas às epiléticas.


D) – Embriaguez delirante. Neste tipo surgem delírios sistematizados ou não, de colorido triste, com acentuada tendência para as idéias de auto-acusão.


Nota-se que a classificação apresentada pelo prof. Hélio Gomes entende que Patológica é a embriaguez daqueles que são sensíveis a álcool, podendo chegar ao estado de alteração comportamental com o consumo de pouca quantidade desta substância. Assim, aqueles que possuem esta sensibilidade dever procurar tratamento médico especializado e se absterem a produtos feitos a base de álcool.


Há de se ressaltar que Embriaguez Patológica difere-se da Crônica, visto que aquela é oriunda da sensibilidade ao consumo de substâncias etílicas e esta é fruto da intoxicação do organismo em virtude do consumo habitual de álcool.


2.3. Embriaguez Crônica


Como já ressaltado a Embriaguez Crônica, apesar de muito as associarem, difere-se da Patológica.


Embriaguez Crônica é aquela na qual o individuo, através da ingestão habitual de considerável quantidade de álcool, submete o organismo a elevado grau de intoxicação, causando cognitiva e fisiológica dependência, ficando o ébrio associado ao forte impulso de fazer uso constante deste produto, juntamente com a dificuldade de controlar o consumo, tendendo a demência alcoólica. Gomes (2001), alerta sobre as conseqüências advindas do consumo crônico: “No transcurso do alcoolismo crônico, podem surgir síndromes psicóticas, delírios alcoólicos, delírios de ciúme, epilepsias alcoólicas, delirium tremens, confusão mental alcoólica e demência alcoólica”.


Observa-se que Embriaguez Crônica não deixa de ser uma doença, no entanto, diferencia-se da Embriaguez Patológica por ser sua enfermidade oriunda do consumo excessivo e habitual, enquanto aquela é uma debilidade do organismo às substâncias a base de álcool etílico.


2.4 Definição Jurídica de Embriaguez


Depois de explanar o tema sobre diversos paradigmas, como o histórico, o social e o médico, faz-se necessário à interação das diversas análises apresentadas em um conceito jurídico de embriaguez.


Segundo definição de Julio Fabbrini Mirabete (1999), a embriaguez é intoxicação aguda e transitória causada pelo álcool e, nos termos legais, por substância de efeitos análogos, que podem diminuir ou privar o sujeito da capacidade normal de entendimento.


Ainda, o professor Damásio Evangelista de Jesus (2004), define embriaguez como sendo “[…] a intoxicação aguda e transitória causada pelo álcool, cujos efeitos podem progredir de uma ligeira excitação inicial até o estado de paralisia e coma”.


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Também, tecendo comentários sobre a embriaguez, o jurista Valentin Carrion (2003), citando Wagner Giglio entende que “haverá embriaguez quando o indivíduo, intoxicado, perde o governo de suas faculdades a ponto de tornar-se incapaz de executar com prudências a tarefa a que se consagra”.


Analisando os conceitos já mencionados, percebe-se a coincidência de algumas características, concluindo-se pela importância da verificação de tais elementos para a definição de embriaguez a luz do direito trabalhista, quais sejam: ingestão de substância psico-ativa; turbação do estado de normalidade comportamental; incapacidade transitória de autogestão e execução de suas atividades laborais (MARTINS, 2001).


Desta forma para o direito do trabalho embriaguez é a condição de estado em que se encontra o indivíduo que fez uso de quantidade significativa de substância psico-ativa, a ponto de sofre alteração em seu comportamento habitual, influenciando a sua capacidade de autogestão e afetando a execução de suas atividades laborais (JESUS, 2004).


3 EMBRIAGUEZ HABITUAL: JUSTA CAUSA X PRECONCEITO


O álcool é uma substância psicoativa que pode interferir de forma significativa no funcionamento do cérebro e, conseqüentemente, vir a comprometer as funções cognitivas de um indivíduo, como memória, concentração, atenção, capacidades de planejamento, abstração e execução de ações complexas, dentre outras, o que evidentemente prejudica o desempenho e o rendimento do trabalhador (MANUS, 2003).


Trata-se, na verdade, de uma substância psicotrópica que age como depressor do sistema nervoso central das pessoas.


Infelizmente, segundo pesquisa divulgada em meados do mês de maio/04, um de cada seis homens que experimentou álcool se tornou dependente, sendo que o índice diminui em relação às mulheres (uma em cada dezessete que experimenta fica dependente do álcool). Trata-se de levantamento domiciliar nacional sobre o uso de drogas psicotrópicas divulgado pelo Cebrid (Centro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas), órgão da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). A projeção dos pesquisadores é de que 6,6% dos moradores de 12 a 65 anos sejam alcoólatras, isto em vinte e quatro cidades paulistas com população superior a duzentos mil habitantes, o que representa nestas localidades um universo aproximado de 981 mil alcoólicos.


Os números são alarmantes. O alcoólatra não tem domínio sobre a bebida alcoólica, isto é, não controla a vontade de beber. São as pessoas que começando com o chamado “primeiro gole” não param. Há muitas razões que levam à atração pelo álcool, como a personalidade, pois pessoas podem ter traços de caráter que as tornam facilmente angustiadas, ou podem, habitualmente, ter tendência a sentimentos de depressão; doenças mentais, que podem em algumas ocasiões contribuírem para que a pessoa comece a beber intensamente; situações perturbadoras, onde pessoas angustiadas ou que estejam numa situação que produza desconforto, buscam amparo no álcool; influências ambientais, decorrentes de hábitos de lazer, amizade, estudo, trabalho, relacionamentos, etc, onde a exposição à bebida pode ser acentuada; influências genéticas e exemplo dos pais, pois além dos genes o exemplo principal vem dos pais, do lar, onde se forma o alicerce da personalidade das pessoas; publicidade enganosa de bebidas alcoólicas, que assim como no caso do cigarro, mostram pessoas bonitas ou famosas e em lugares deslumbrantes com conotação de que quem as utiliza têm sucesso pessoal, dentre muitos outros fatores e variantes (MORAES FILHO, 2004).


O alcoolismo é doença reconhecida formalmente pela Organização Mundial de Saúde (OMS). É uma enfermidade progressiva, incurável e fatal, que consta no Código Internacional de Doenças (CID), com as classificações 291 (psicose alcoólica), 303 (síndrome de dependência do álcool) e 305.0 (abuso do álcool sem dependência).


A OMS define alcoolismo como sendo estado psíquico e também geralmente físico, resultante da ingestão do álcool, caracterizado por reações de comportamento e outras que sempre incluem uma compulsão para ingerir álcool de modo contínuo e periódico, a fim de experimentar seus efeitos psíquicos e por vezes evitar o desconforto de sua falta; a tolerância do mesmo, podendo ou não estar presente (FRAGOSO, 1999).


O alcoolismo agudo caracteriza a embriaguez, no qual a intoxicação é imediata. Entretanto, o alcoolismo pode se tornar crônico com o uso habitual, com a impregnação constante do organismo pela droga, o que vem a caracterizar a embriaguez habitual.


Na relação de emprego, a embriaguez habitual é uma figura típica de falta grave do empregado, capitulada no art. 482, alínea “f“, da CLT, que autoriza a rescisão do contrato de trabalho por justa causa, nos seguintes termos: “Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: embriaguez habitual ou em serviço” (CARRION, 2003).


A embriaguez habitual, na maioria das vezes, acontece fora do local de trabalho, onde embora o empregado não tenha cometido irregularidades no trabalho, o vício a que se entrega fora do labor conduz à perda da confiança do empregador.


Para Gonçalves (2000), a embriaguez habitual pode ocorrer fora do serviço. O etilismo crônico, a ingestão de qualquer bebida que leva à ebriedade, o uso de entorpecentes transfiguram o indivíduo na sua conduta social e, por ação reflexa, na funcional ou profissional. É uma forma de comportamento que mereceu especial configuração com justa causa rescisiva. Segundo Russomano, a finalidade do preceito legal é liberar o empregador do ébrio contumaz, sempre nocivo à empresa, quer como mau exemplo aos outros trabalhadores, quer como elemento inconveniente à produção. Lacerda complementa no sentido de que se trata de uma ação indireta do Estado contra a propagação do alcoolismo, ao inserir a embriaguez habitual no elenco faltoso.


Entretanto, ressalva Giglio (2000), é habitual a embriaguez que se manifesta todas as semanas, ou em mais de um dia por semana, sendo que por sua própria natureza, exige a reiteração de faltas, sendo que sua melhor configuração dependerá, na maioria dos casos, de punições anteriores a agravar a conduta do faltoso.


Realmente, como alerta Giglio (2000), o alcoolismo constitui sério e angustiante problema social e cuja solução independe de medidas simplistas como o é a despedida sumária do obreiro, cabendo ao intérprete, para distribuir verdadeira justiça, abandonar o rigorismo jurídico para, flexionando e humanizando a norma, dela extrair o sentido mais adequado ao interesse público e à realidade social.


Com tal direcionamento, muitos juristas têm defendido o entendimento de que o doente alcoólico deve ser afastado do trabalho, sem ruptura do contrato laboral, e submetido a tratamento médico, através da Previdência Social.


No que se refere a embriaguez habitual, Manus (2001) entende que “a conduta do empregado deveria implicar na suspensão do contrato e no seu encaminhamento ao médico para tratamento, já que aquele que se embriaga habitualmente é doente e não simplesmente faltoso”.


Igualmente, Franco (1997) disciplina que: o entendimento moderno exige que o Estado, através da Previdência Social, se adapte aos novos tempos para acolher como sendo um doente o empregado alcoólatra ou viciado em drogas de qualquer espécie, e permita, ao empregador, ‘encostá-lo’ aos cuidados médicos até que se restabeleça.


Alguns autores têm posicionamento mais amplo, asseverando que havendo prenúncios de qualquer síndrome de alcoolismo por parte do trabalhador, cabe à empresa, através de setor de serviço social e psicologia, e mesmo até ao próprio obreiro, investigar a real condição de alcoólatra do empregado, que uma vez constatada deverá dar lugar não a uma desumana ruptura do contrato de trabalho com justa causa, mas sim, evidenciada a invalidez para o trabalho, a uma aposentadoria, do tipo provisória, até que seja consumada a cura ou evidenciada a irreversibilidade do quadro, quando então, no primeiro caso, o obreiro retornará ao emprego, ou simplesmente a segunda hipótese, a aposentadoria transmudar-se-á de provisória para definitiva.


4 EMBRIAGUEZ COMO JUSTA CAUSA


A CLT, em seu artigo 482, alínea “f”, estabelece como justa causa para a cessação do contrato de trabalho a embriaguez habitual ou em serviço. Discorrer sobre o que seria embriaguez não se faz necessário visto que o mote, em linhas acima, já fora trabalhado, fazendo-se mister a distinção entre embriaguez habitual e em serviço (CARRION, 2003).


No entanto, antes de abordar a próxima temática, far-se-á a definição de justa causa por parte do empregado.


Através de uma interpretação etimológica da expressão justa causa, tem se que justa é derivação do adjetivo justo que contém o valor semântico de equidade, legítimo, algo que se encontra conforme a justiça (BUENO, 2004), já o vernáculo causa, é “aquilo ou aquele que faz com que uma coisa exista; aquilo que determina um acontecimento; princípio; origem; motivo; razão; pleito judicial; partido; facção”. Conclui-se, que justa causa é aquilo que se encontra conforme a justiça.


Em relação ao direito do trabalho, o professor Amauri Mascaro Nascimento (1999) define justa causa como sendo “[…] ação ou omissão de um dos sujeitos da relação de emprego, ou de ambos, contrário aos deveres normais impostos pelas regras de conduta que disciplinam as suas obrigações resultantes do vínculo jurídico”.


Desta forma, à luz do direito do trabalho, justa causa para dissolver a relação contratual de emprego é a conduta praticada por uma das partes – empregado ou empregador – contrária ao que está previsto em lei, ou ainda, seja incompatível com o comportamento social esperado pelo homem padrão.


Conforme ensinamento do professor Sérgio Pinto Martins (2001) justa causa “[…] é a forma de dispensa decorrente de ato grave, praticado por empregado, implicando na cessação do contrato de trabalho por motivo devidamente evidenciado, de acordo com as hipóteses previstas na lei”.


Abaixo, encontra-se transcrito o posicionamento dominante de tribunais brasileiros, julgando a temática acima exposta:


EMPREGADO ALCOÓLATRA – DESÍDIA – ABANDONO DE EMPREGO – I – O alcoolismo é doença, conforme o classifica a Organização Mundial de Saúde em sua Classificação Internacional de Doenças. Quem dela padece, necessita tratamento adequado, como o que providenciou em situação pretérita a reclamada. II. Não se confunde, portanto, a queda de produção do empregado alcoolista com conduta desidiosa. III – A alegação de abandono de emprego pede prova cabal, frente ao princípio da continuidade da relação empregatícia. Provado que durante o trintídio alegado para o abandono, o autor, alcoólatra crônico, esteve sob cuidados médicos, com conhecimento da ré, ausente o elemento volitivo – ademais comprometido pela doença – e definitivamente afastada falta grave.” (TRT 9ª Reg., no RO nº 14.073/1998, ac. da 2ª T. nº 15.966/1999, rel. Juiz Ney José de Freitas, in DJ-PR de 23/07/1999).


O alcoolismo é doença e, por isso, não enseja a resolução culposa do contrato. Doença não constitui justa causa. Segundo a Organização Mundial da Saúde que a classificou em três categorias distintas – psicose alcoólica, síndrome de dependência do álcool e abuso alcoólico, sem dependência, atribuindo a cada um Código Internacional de Doenças (CID), o alcoolismo é moléstia crônica e incurável, tendendo à desagregação total da personalidade, embora em muitos casos possa ser posta sob controle. Daí porque a prova do fato relatado na defesa seria de todo ociosa.” (TRT 1ª Reg., no RO nº 13.663/1996, ac. da 1ª T. julgado em 29/09/1998, rel. Juiz Luiz Carlos Teixeira Bonfim, in “Dicionário de Decisões Trabalhistas”, B. Calheiros B. Bonfim, Silvério dos Santos e Cristina Kaway Stamato, Edições Trabalhistas, 30 ed., p.244, verbete nº 875).


JUSTA CAUSA – ALCOOLISMO – AUSÊNCIA DE EXAMES MÉDICOS DEMISSIONAIS – A embriaguez habitual, segundo a jurisprudência mais moderna e consentânea com os anseios que ora se constatam em relação ao alcoolismo, tanto cível como trabalhista, tem afirmado tratar-se de doença como todas as demais enfermidades graves, e não desvio de conduta. Anulação da despedida por justa causa que se declara, sendo devidas as parcelas decorrentes da extinção do ajuste sem justo motivo, sendo indevida a reintegração postulada. A ausência de exames médicos demissionais, ainda que importe afronta ao art. 168, II da CLT e às disposições da NR-7, itens 7.1 e 7.22, da Portaria nº 3214/78, não autoriza se declare a ineficácia da despedida e, tampouco, se entenda protraída a eficácia da mesma, ressalvada a posição da Relatora. Recurso parcialmente provido.” (TRT 4ª Reg., no RO nº 01098.018/96-6, ac. da 1ª T., rel. Juíza Magda Barros Biavaschi, in DJ-RS de 08/03/1999).


4.1 Embriaguez Habitual


A legislação trabalhista em seu dispositivo 482, alínea f, define como justa causa para a cessação do contrato de trabalho a embriaguez habitual ou em serviço do trabalhador. Como base na definição legal, surge a indagação sobre o que seria embriaguez habitual? Analisando a etimologia das palavras pode-se entender que embriaguez habitual é o estado de influência do álcool no qual o individuo se encontra quase que diariamente (CORREIA, 2000).


Partindo para uma interpretação teleológica, entende-se que a Lei quis tratar daqueles que possuem um quadro quase que diário de embriaguez, trazendo males orgânicos, ficando o individuo indiferente ao que acontece ao seu redor, afetando, por conseguinte a atividade laboral, pois fica este sem energia, iniciativa e perspectiva para desenvolver suas obrigações (BRUNO, 1998).


Segundo o Código Penal Italiano, citado por Damásio Evangelista de Jesus (1998), em seu art. 94 entende que “Há embriaguez habitual quando o sujeito é dado ao uso de bebidas alcoólicas e se encontra freqüentemente em estado de ebriez”.


Analisando as características do ébrio habitual, observa-se que esta é originaria da embriaguez crônica, sendo o quadro médico do alcoólatra agravado continuamente com o consumo quase que diário de álcool (HUNGRIA, 2003).


Como já demonstrado os trabalhadores sob os efeitos da embriaguez estão expostos a várias patologias, que se agravam com o decorrer do tempo e a constância da ingestão de substâncias perturbadoras.


No entanto, aqueles que bebem habitualmente, mas fora do horário laboral, de forma que não interfira no comprimento de suas obrigações empregatícias, não dão motivo a justa causa. Mas, se interferir no labor e sendo ela resultante de uma embriaguez crônica, também não haverá justa causa, visto ser ela uma doença, algo que foge a intenção do trabalhador. Neste caso, deverá o empregado ter o seu contrato suspenso e ser encaminhado para tratamento médico e não cessado o seu contrato de trabalho (FLORINDO, 1999).


Segue, o entendimento de nossos tribunais interpretando embriaguez habitual.


JUSTA CAUSA. EMBRIAGUEZ HABITUAL OU EM SERVIÇO. Para que se efetive a dispensa por justa causa decorrente de embriaguez habitual, deve o empregador provar de forma robusta a ingestão contumaz de bebidas alcoólicas e a repercussão dessa prática no contrato de trabalho. Mesmo no caso do atleta profissional, o mero consumo de bebidas alcoólicas não importa causa de dispensa por justo motivo, mormente se o desempenho em campo não restar prejudicado. Ac. 3ª T. 00609/04, 04.11.03. Proc. RO-V 01600-2002-038-12-00-2. Unânime. Rel.: Juíza Lília Leonor Abreu. Publ. DJ/SC 20.01.04 – P. 106.


JUSTA CAUSA – EMBRIAGUEZ HABITUAL – PROVA – Compete à empresa provar de forma cabal e inconteste a reincidência da falta pelo empregado, vez que não se admite que a dispensa tenha ocorrido em razão do mesmo fato que já ensejara a pena de advertência, sob pena de se caracterizar dupla punição.” (TRT 23ª Reg., RO nº 4.031/1996, ac. do TP nº 320/1997, rel. Juíza Maria Berenice, in DJ-MT de 17/03/1997).


JUSTA CAUSA. EMBRIAGUEZ. GRAVIDADE. O passado funcional do reclamante, reputado bom empregado, sem punições disciplinares anteriores, nos termos da testemunha da própria ré, induz ao entendimento de que merecia maior precaução da empresa na aplicação da pena máxima, que não possibilitou sua reabilitação, com advertência ou outras medidas de prevenção, como até mesmo a dispensa simples. (TRT 2ª Reg., no RO nº 02950340339, ac. da 7ª T. nº 02970028381, rel. Juiz Gualdo Formica, julgado em 27/01/1999, in DJ-SP de 06/03/1999).


A embriaguez habitual, tolerada pela empresa, que confessa o seu conhecimento, não pode ser invocada como justa causa, dias após a concessão do aviso prévio. Neste caso, incabível a notificação da despedida por justa causa, sendo devidas as verbas rescisórias.” (TRT 18ª Reg., no RO nº 2.012/1991, ac. nº 1.285/1998, rel. Juiz Heiler Alves da Rocha, in DJ-GO de 27/08/1998).


JUSTA CAUSA – ALCOOLISMO – O alcoolismo, não se tipifica como justa causa, prevista no artigo 482, letra “f”, da CLT, quando a embriaguez não se verifica de maneira habitual no local de trabalho e não causa prejuízo ao desempenho funcional do empregado.” (TRT 9ª Reg., no RO nº 593/1994, ac. da 4ª T. nº 17.107/2000, rel. Juiz Carlos Buck, in DJ-PR de 10/10/2000).


4.2 Embriaguez em Serviço


Como já aludido anteriormente, enseja justa causa para o fim do contrato a embriaguez habitual e a em serviço.


A embriaguez em serviço ocorre, como o próprio nome deixa evidenciado, durante o horário de serviço. Trata-se do empregado que se apresenta para trabalhar embriagado ou consome a bebida durante o horário de trabalho. Não há diferença quanto à gravidade do ato se a embriaguez se dá na apresentação para o labor ou durante a jornada, incorre do mesmo modo na penalidade (MANUS, 2003).


Deixa evidenciado o legislador, que o intuito da lei é evitar que o trabalhador tenha suas habilidades e qualidades costumeiras comprometidas, protegendo o empregador e a sociedade dos atos lesivos que aquele possa cometer (JESUS, 2004).


A gravidade do ato é evidente, visto que um empregado com sua consciência normal comprometida pode ocasionar sérios prejuízos ao empregador e a terceiros. No entanto, torna-se necessário fazer uma análise social do motivo ensejador da falta grave, pois se de um lado estão o empregador e terceiros lesados, do outro se encontra um trabalhador na maioria das vezes doente, sendo sua família penalizada duas vezes, pois tem diminuída suas economias e ainda, tem que tratar do doente que tende a piorar o seu quadro patológico após seu afastamento do labor (NASCIMENTO, 2001).


Destarte, para haver a penalidade ao empregado é importante que o empregador seja cauteloso ao analisar as razões da falta cometida. Em caso de dúvida, que opte pela não aplicação da medida punitiva, pois sendo comprovado que a embriaguez ocorrida no serviço é fruto de doença (embriaguez patológica e crônica), deverá ter o empregado o seu contrato suspenso para tratamento, mas nunca cessado (GIGLIO, 2000).


A doutrina majoritária, bem como os tribunais, tem entendido que a responsabilidade pela recuperação do trabalhador não é somente do estado, mas também do empregador, tendo este um papel fundamental no encaminhamento ao tratamento, bem como a reintegração do trabalhador ao serviço depois de assistido. Desta forma, o TST através da SDI-1, entendeu sobre a responsabilidade social dos empregadores frente ao empregado alcoólatra (GONÇALVES. 2000).


Há aí certa incompreensão, ou, quando menos, falta de caridade, de magnanimidade para com situação grave, séria e dolorosa, do ponto de vista pessoal e social. Convém recordar que as empresas têm também responsabilidade social decorrente de mandamento constitucional.” … “se o empregador optasse por se desvencilhar do empregado alcoolista – embora se me afigure uma opção pouco caritativa -, o máximo que poderia fazer seria uma despedida sem justa causa”. E como arremate: “o dramático quadro social advindo desse maldito vício impõe que se dê solução distinta daquela que imperava em 1943, quando passou a viger a letra fria e hoje caduca do art. 482, ‘f’, da CLT, no que tange à embriaguez habitual (FLORINDO, 1999).


A decisão do TST possui um caráter social, dividindo a responsabilidade social do estado com os particulares, visto o que menciona a Constituição Federal.


Assim sendo, será analisado a seguir os motivos que podem ocasionar a embriaguez, e se estes são ou não excludentes da falta grave.


4.2.1 Patológica


Como o tema, embriaguez patológica, em linhas acima já foi abordado através de vários pontos de vista, limitar-se-á, neste momento, a discorrer sobre está espécie e suas conseqüências ao contrato de trabalho.


Assim, como já informado, trata-se de doença daqueles, que por incompatibilidade orgânica, tem seu comportamento alterado pela ingestão de quantidade pequena de álcool, ou outra substância de conseqüências equivalentes. Entretanto, de efeitos passageiros, e que a simples abstinência traz ao doente plenitude de consciência e função.


Desta maneira, um empregado que comparece ao seu local de trabalho com sintomas de ebriez decorrente deste motivo, não pode, contudo, ser demitido por justa causa, visto que o estado de embriaguez não aconteceu por ato deliberado do trabalhador, sendo um estado causado por enfermidade (MIRABETE, 1996).


Não resta, então, ao empregador outra saída que não a suspensão do contrato de trabalho para o tratamento e recuperação do empregado, com todas as conseqüências jurídicas previstas pela CLT nos casos de suspensão por enfermidade (CORREIA, 2000).


Entretanto, se o individuo conhecendo de sua doença e com escopo de fraudar seu empregador ingere deliberadamente a substância em que seu organismo tem baixa resistência, não pode por esta torpeza ter protegido seu contrato de trabalho, devendo tê-lo rescindido por justa causa segundo os preceitos do art. 482, f da CLT, uma vez que a situação de embriaguez foi causada por ato voluntário do empregado (HUNGRIA, 2003).


4.2.2 Crônica


A embriaguez crônica é aquela causada pela dependência à substância etílica. Portanto, mesmo sendo por ato voluntário do empregado, a ingestão acontece por uma debilidade psicológica, na qual subtrai a consciência da ação praticada, não tendo o individuo outra saída que não satisfazer seu impulso ao consumo do psico-ativo (GIGLIO, 2000).


Desta maneira, não pode o empregado ser penalizado por consumir bebida em serviço, quando este ato for atribuído à vontade compulsiva, gerado por um vício orgânico ou psicológico à substância dependente.


Deve-se observar, neste particular, que o empregado encontra-se doente, necessitando de terapia, sendo imperativo ao empregador encaminhar o individuo ao tratamento desintoxicante, suspendendo, conseqüentemente, o contrato de trabalho (MORAES FILHO, 2004).


Apesar da embriaguez acontecer por ato voluntário, é perceptível que o empregado não tem domínio de seu ato, uma vez que a presente doença sempre vem acompanhada de outra debilidade psicológica – neurose ou psicose, sendo a mais comum às de caráter compulsivo-obsessivo, consistindo o consumo do álcool um mero reflexo de seu organismo (GOMES, 2001).


Desta feita, ratifica-se, não poderá ser demitido pelo art. 482, f da CLT o empregado que apresentar casos de embriaguez crônica, uma vez que apesar do ato de consumo ser voluntário não há consciência na ação praticada.


Também é assim que os tribunais vêm decidindo, conforme abaixo se ilustra.


EMBRIAGUEZ. DESPEDIDA SUMÁRIA. Estando o laborista acometido de Síndrome de Dependência do Álcool, com sucessivos encaminhamentos ao INSS e tratamentos em clínicas especializadas, se mostra injusta a despedida sumária, por embriaguez e perda de confiança, ainda mais sem prova de exame de dosagem alcoólica e tratando-se de empregado com mais de quinze anos na empresa e uma única punição disciplinar datada de sete anos atrás. Despedida que se anula, convertendo-a em despedida sem justa causa, inexistindo amparo legal à pretendida reintegração. (TRT 2ª Reg., no RO nº 02960271623, ac. da 4ª T. nº 02970546226, rel. Juiz Ricardo Cesar Alonso Hespanhol, julgado em 14/10/1997, in DJ-SP de 24/10/1997).


ALCOÓLATRA – JUSTA CAUSA – NÃO CARACTERIZAÇÃO – A hipótese capitulada na letra f do art. 482 da CLT não pode ser confundida com o alcoolismo, que é doença e, como tal, tem de ser tratada. Neste caso não há caracterização da justa causa para a dispensa do empregado como aliás vem decidindo a mais recente jurisprudência de nossos Tribunais.” (TRT 3ª Reg., no RO nº 13.517/1992, ac. da 4ª T., rel. Juiz Nereu Nunes Pereira, in DJ-MG de 05/02/1994, p. 97).


4.2.3 Acidental


A embriaguez acidental é àquela que o individuo ingere sustância desconhecendo seu caráter inebriante, ou que por reações químicas dentro do organismo esta adquire a presente capacidade (MANUS, 2003).


Assim, o empregado que ingere substância, desconhecendo seu atributo psico-ático, ficando posteriormente embriagado, não incorre em falta grave, uma vez que tal fato decorreu de ignorância sobre os efeitos de tal substância. Da mesma forma deve ser entendido os casos em que depois de ingerida a substância houve reação fermentativa causando ao trabalhador os efeitos da embriaguez (CORREIA, 2000).


Como se percebe, em ambos os casos, a intoxicação ocorreu de forma casual, ocorrendo verdadeiro acidente do empregado em relação à substância ingerida, excluindo a voluntariedade da embriaguez, devendo o empregador nestes casos afastar o empregado de suas funções laborais até que tenha condição de exercê-las sem nenhum risco a atividade empenhada, bem como à sua integridade física ou de terceiros.


A Embriaguez acidental proveniente de caso fortuito é a que ocorre quando o agente ignora que se está enebriando, seja por desconhecer que a bebida é alcoólica, seja por acreditar tenha a mesma pequena gradação alcoólica, seja por potencialização de dose alcoólica inócua ou por trabalhar em engenhos de vapores alcoólicos, ou em cantinas por eles impregnados, etc. (FLORINDO, 1999).


Embriaguez acidental proveniente de força maior é aquela desencadeada quando o indivíduo é forçado a ingerir bebidas alcoólicas.


A embriaguez acidental fortuita ou por força maior, completa, exclui a imputabilidade; a embriaguez acidental fortuita ou por força maior, incompleta, não exclui a responsabilidade penal; todavia, por diminuir a capacidade de entendimento ou de querer do agente, motiva atenuação da pena (BRUNO, 1998).


4.2.4 Não Acidental


A presente espécie de embriaguez é aquela que ocorre quando o empregado por vontade própria consome quantidade de substancia perturbadora, ficando, desta feita com alterações em seu estado comportamental.


Este tipo de embriaguez é passível de justa causa, nos termos do art. 482, ‘f’ da CLT, devendo o empregador, usar a punição prontamente quando perceber a conduta faltosa do empregado, sob pena de perder juridicamente a possibilidade de tal, uma vez que as punições devem ser aplicadas de forma imediata (GARCIA, 1998).


Como explanado em linhas acima, a embriaguez causa alteração dos padrões piscomotores, deixando o empregado sem condições de executar as funções laborativas que lhe são empenhadas, quebrando a confiança do empregador, visto que a conduta vai de encontro ao comportamento esperado no ambiente de trabalho.


Tal medida é a única solução para o caso, uma vez que o empregado, por ato deliberado ingere substância inebriante, sem qualquer preocupação com seu desempenho laboral, podendo causar prejuízos irreparáveis ao seu empregador, como abalo à credibilidade da imagem da empresa e ou acidentes de trabalho (MANUS, 2001).


Portanto, não seria crível ao empregador continuar com esta relação empregatícia, já que o próprio empregado não se preocupa com sua imagem dentro do ambiente de trabalho, ensejando até desinteresse com as funções lhe empenhadas, corroborando a aplicação desta penalidade.


4.2.5 Decorrente da Função


Apesar de não ser analisada por muitos autores, a embriaguez decorrente da função é bastante comum. Trata-se do trabalhador que em virtude da função que exerce, acaba se embriagando para suportar a jornada de trabalho.


As atividades exercidas geralmente são cumpridas em locais escuros, solitários e insalubres.


A embriaguez decorrente da função é fácil de se observar entre os maquinistas, vigias de propriedades rurais, de empresas e industrias afastada das zonas urbanas. Outra atividade que se observar à dopagem é a de caminhoneiros, que para cumprir os horários estabelecidos de entrega do frete, acabam por consumirem produtos com o intuito de amenizar o cansaço e possibilitar o prosseguimento da viagem (FRAGOSO, 1999).


Nesta espécie de embriaguez não há que se falar em justa causa. A origem da alteração comportamental do empregado está diretamente relacionada às condições e atividades desenvolvidas no local de trabalho, cabendo ao empregador dirigi-las e fiscalizá-las. Caso se observe que o consumo da substância perturbadora tem relação com a função desempenhada pelo trabalhador, deve este ser encaminhado ao tratamento adequado e designado para realizar outro tipo de serviço, respeitando a legislação trabalhista (HUNGRIA, 2003).


5 ALCOLISMO E IMPUTABILIDADE


5.1 Conceito e Generalidades


Segundo a OMS alcoolismo é doença, e é caracterizado como as anomalias clínicas resultantes de intoxicações exógenas pelo consumo excessivo e prolongado de bebidas alcoólicas.


O registro de consumo de álcool é antigo na história das civilizações, Jesus, segundo o relato bíblico, transformou água em vinho, propiciando a continuidade de uma animada festa durante dias. Antes, os gregos já consumiam largamente o vinho para empolgar os eventos sociais. Tribos e coletividades primitivas consumiam produtos estupefacientes desde priscas eras.


Tradicionalmente se consome álcool, sendo conduta aceita pelos padrões éticos e morais da nossa sociedade, desde que moderadamente. O Estado, também por isso, não proíbe o porte, consumo e comercialização deste, todavia, modernamente envida esforços na implantação de restrições legais (GONÇALVES, 2000).


Em decorrência dos elevados números de internações no sistema de saúde público e da debilitação da capacidade laborativa dos consumidores, sobrelevando as despesas com o consumo das substâncias referida, legitimou-se o aumento exacerbado das alíquotas dos impostos incidentes na produção e comercialização destes produtos (NASCIMENTO, 2001).


Como conseqüência elaborou-se nos últimos anos um longo elenco de normas restritivas, todavia, respeitando-se a autonomia do indivíduo, não se proibiu o porte, consumo e comercialização de álcool. Segundo Correia (2000), Os exemplos são os elencados a seguir:


– a introdução na publicidade de mensagens elucidativas dos efeitos danosos destes produtos: “consuma com moderação”;


– as campanhas de educação de condutores de automóveis elucidam a impropriedade do simultâneo consumo de álcool e condução de veículo, ensejando responsabilidade administrativa, civil e criminal do motorista embriagado. O Código de Trânsito Brasileiro em seu artigo 165 estabelece multa e medida administrativa para aquele que dirigir sob a influência de álcool, tipificando crime no artigo 306 para a mesma conduta, conquanto que o agente exponha outrem a perigo de dano; etc.


A Organização Mundial de Saúde define alcoólatra “como o bebedor excessivo, cuja dependência chegou ao ponto de lhe criar transtornos em sua saúde física, ou mental, nas relações interpessoais e na sua função social e econômica e que, por isso, necessita de tratamento”.


O alcoolismo crônico é a intoxicação lenta e progressiva do organismo pelo uso habitual do álcool ou de substância de efeitos análogos, causadora, direta ou indiretamente, de quase todas as síndromes mentais, conhecidas por psicoses alcoólicas, nas quais ocorrem perturbações psíquicas nas esferas da volição, afetividade, atenção, ideação senso-percepção, memória, autocensura, consciência e capacidade de julgamento. De acordo com Gomes (2001), o alcoolismo crônico divide-se em:


– Delírio alcoólico – Este é um estado de desagregação mental e desorientação quanto a pessoa, tempo e espaço, conseqüente a uma dissolução transitória ou permanente, aguda ou não, da personalidade e caracterizada pela lentidão dos processos intelectuais, perturbação dos processos ideativos e sínteses mentais, e erros na atenção, julgamento e raciocínio;


– Alucinose auditiva aguda – A manifestação primordial da doença é a alucinação auditiva com sensorium claro, de permeio com humor triste e aflitivo, a qual, como regra, é de natureza transitória, durando dias até duas semanas. O portador desta anomalia ouve vozes em tom de menoscabo ou ameaçadoras reage agressivamente, podendo cometer toda sorte de diatribes e intentar o suicídio;


– Depressão alcoólica aguda – Manifesta-se após período prolongado de intensa intoxicação pelo álcool por cefaléia, insônia, sentimentos de inferioridade, instabilidade e sensibilidade emocional exageradas, sendo freqüentes as crises de choro. Estes sentimentos podem levar a pessoa ao autocídio;


– Psicose de Korsakoff – É uma forma de polineurite desencadeada pelo consumo abusivo e crônico de álcool em pessoas mal alimentadas. O paciente tem incapacidade para aprender ou reter ensinamentos novos, algumas vezes esquecendo o que lhe foi recentemente ensinado em questão de minutos;


– Delírio de ciúmes – É uma psicose paranóide que pode resultar do alcoolismo, gera a insegurança, desconfiança, orgulho, ressentimento e dissenções conjugais, tornando-se o alcoólatra rixento e perigoso, podendo cometer crimes passionais;


– Epilepsia alcoólica – O álcool, notadamente, a aguardente, pode ser causa de crises epilépticas, nos predispostos e nos portadores de epilepsia idiopática, epilepsia pós-traumática, epilepsia latente, etc;


– Delirium tremens– Provocado pelas bebidas destiladas e principalmente pelo absinto, é um estado agudo manifestado por febre, astenia, confusão, agitação, angústia, alucinações visuais de animais asquerosos passando-lhes pelo corpo, estado hepatotóxico e tremores musculares intensos e descontrolados dos membros superiores, ou de todo o corpo. O estado pode se dar por vários dias, durante os quais não é incomum o paciente deixar de se alimentar, beber e dormir, sendo levado, por isso, a desnutrição;


– Demência alcoólica – Supremo grau de degradação humana em que o doente embrutecido por perversão do caráter apresenta facies protatorum, alienação do julgamento lógico, liberdade de apreciação e decisão, tremores da língua e dos dedos, parestesias dos membros inferiores, hiper-reflexia pupilar e impotência sexual e, no afã de conseguir dinheiro para o vício, torna-se bruto e ameaçador.


5.2 A Embriaguez e a Imputabilidade Penal


O Código Penal em vigor faz diversas referências à embriaguez. Assim, dispõe o art. 28 que a embriaguez voluntária ou culposa, pelo álcool ou substâncias análogas, não exclui a imputabilidade penal.


Embriaguez voluntária é a não conseqüente de caso fortuito ou força maior; será culposa quando o indivíduo ingeriu bebidas alcoólicas sem intenção de embriagar-se, mas sabendo ou devendo saber que, fazendo, inexoravelmente se embriagaria. A referência do CP é da embriaguez voluntária ou culposa, completa ou incompleta, não acidental; elas não excluem a imputabilidade penal (MIRABETE, 1996).


“.§ 1º É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era ao tempo da ação ou da omissão inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.


§ 2º A pena pode ser reduzida de um a dois terços se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.


É necessário enfatizar que a embriaguez patológica constitui-se requisito biológico de irresponsabilidade penal e deve ser vislumbrada sob a ótica da perturbação da atividade mental, tendo em vista que estes indivíduos apresentam em verdade transtornos da consciência. A embriaguez patológica leva a exclusão da imputabilidade ou causa de diminuição de pena, conforme preceitua o art.26, parágrafo único do CP (FRANCO, 1997).


É agravante legal a embriaguez preordenada para cometer crime (art. 61, II, alínea l).


Embriaguez preordenada é aquela que ocorre quando o indivíduo se intoxica deliberadamente pelo álcool objetivando criar coragem para cometer crimes. Evidentemente, é obrigatória a prova de tal insólito comportamento.


Por fim, os ébrios habituais são presumidos juris et de jure perigosos; quando processados e a pretensão deduzida na denúncia exordial for procedente, o juiz proferirá sentença absolutória com fulcro no art.26 do CP e art. 386, V, do Código de Processo Penal, impondo-lhe, todavia, medidas de segurança, representadas por internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado (art. 96, I, do CP), por tempo indeterminado, enquanto não for esclarecida, mediante informe pericial, cessação da periculosidade (art.97, § 1º, do CP, e 386, § único, III, do CPP). Não é possível a permanência em presídio comum (GONÇALVES, 2000).


6 EMBRIAGUEZ EVENTUAL


A ingestão eventual de bebidas alcoólicas no horário de expediente ou em intervalo de almoço é postura que não raro se detecta e que vem em desfavor dos interesses da empresa, causando prejuízo ao regular desempenho das atribuições que incumbem ao empregado. Não se cuida aqui de situação em que o empregado encontra-se submetido ao vício da embriaguez, quando a ingestão de bebida ocorre de forma imoderada e integra o seu cotidiano (MANUS, 2003).


 A embriaguez eventual, pois, constitui ato punível e não pode e nem deve ser tolerada. Constatada a sua ocorrência, há de ser relatada a providência disciplinar devida, adequada com vista à sanção da conduta do empregado. Aspecto positivo que se pode extrair dessa atitude diz respeito a coibir a continuidade da conduta, prevenindo-se o seu agravamento e até mesmo a sua evolução tendendo para o estado patológico de alienação mental caracterizado pelo vício do alcoolismo (MORAES FILHO, 2004).


 Questão prática que normalmente se enfrenta refere-se à dificuldade de provar o fato, especialmente quando já não se fazem sentir os efeitos da ingestão da bebida. Oportuno ver, todavia, que o fato ora apontado gera a sua repercussão no âmbito da empresa gerando atitudes inadequadas e que podem ser reprimidas. Atitudes agressivas em relação a colegas ou ao público; a execução desleixada e imperfeita de seus encargos; a ocorrência de dano a bens da organização; faltas ao serviço etc. Estas são algumas condutas que são verificadas e decorrem da inadequada postura que se permitiu adotar o empregado (CARRION, 2003).


 Outras conseqüências, quando verificadas em razão da ingestão de bebida alcoólica em horário de expediente, especialmente quando apresentarem conteúdo mais grave, deverão igualmente gerar apuração e imputação de responsabilidade adequada à hipótese constatada. O que não se deve deixar ocorrer sem resposta imediata na esfera disciplinar é a conduta incompatível com aquela que se exige e se impõe a cada empregado. Conclusão óbvia que se extrai, quando constatada a embriaguez eventual, é que deve a empresa coibir a repetição de tais atos instaurando o procedimento disciplinar competente com o fito de apurar e punir, se o caso, o empregado que venha a incorrer em conduta da espécie, não cabendo confundir-se essa hipótese com aquela alusiva à embriaguez habitual (NASCIMENTO, 2001).


Podemos ainda fazer uma abordagem no que se refere a embriaguez eventual do servidor público. A preocupação com o rendimento e a produtividade no Serviço Público deve ser uma constante em qualquer esfera de governo, até porque há de se atender e respeitar o princípio de eficiência incorporado ao art. 37 da Constituição Federal de 1988 pela Emenda Constitucional nº 19, de junho de 1998. A eficiência, não só como princípio constitucional, mas especialmente como dever, pressupõe a execução das atribuições cometidas aos agentes públicos com presteza, perfeição e rendimento, maximizando os resultados em toda e qualquer intervenção do Serviço Público. Oportuno ver que a omissão do Estado, ou mesmo a sua negligência, repercute na esfera cível, impondo o dever de reparar eventuais danos causados em decorrência da inércia em atender a uma situação que exige a presença da administração pública para evitar eventual ocorrência danosa (STF: RDA, 97/177).


 No mesmo sentido, em tais circunstâncias para Giglio (2000) deve ser providenciada a instauração de sindicância, garantindo ao servidor o direito de acompanhá-la e de se defender. O enquadramento da conduta, quando se trata da ingestão eventual da bebida alcoólica no horário de expediente ou em intervalo de almoço interferindo no regular desenvolvimento de suas atribuições, deve coincidir com ofensa à moralidade administrativa (Lei 8.112/90: art. 116, IX), porquanto afastada do padrão comum exigido de cada servidor. A prova, nesse caso, pode ser meramente testemunhal, quando se buscará saber que atitudes foram praticadas e presenciadas em decorrência do estado em que se encontrava o servidor.


 Elemento essencial à prestação regular dos serviços públicos e à plena atuação estatal, o servidor público deve estar orientado e qualificado ao desempenho das atribuições de seu cargo, respondendo, em caráter regressivo, pelos danos que de sua conduta vier a resultar para a Administração. Essa dupla conjugação de responsabilidades, perfeitamente caracterizada na Constituição Federal (art. 37, § 6º), mostra a necessidade de ter-se um quadro de pessoal qualificado, remunerado de forma compatível, constantemente treinado e sempre preparado para o regular e eficiente desempenho de encargos da competência dos Poderes Públicos (BRUNO, 1998).


 Atenta a tais preocupações e não desejando submeter-se aos efeitos decorrentes dessa inércia, sempre lesivos aos interesses coletivos, à Administração incumbe velar pela regularidade de conduta de seus agentes fazendo valer as regras disciplinares pertinentes (MIRABETE, 1996).


6.1. Alcoolismo é responsável por 50% das faltas ao trabalho no Brasil


O Ministério do Trabalho estima que o álcool contribua para 50% das faltas ao serviço (absenteísmo). Um dependente químico falta cinco vezes mais do que um “limpo” (como são chamados os não dependentes). O custo com acidentes e doenças relacionados ao trabalho é estimado pelo Governo em R$ 26 bilhões — o equivalente a 2% do PIB — mas não há qualquer dado disponível sobre quantos desses acidentes estão relacionados ao álcool. Nos Estados Unidos, por exemplo, fala-se em perdas anuais de bilhões de dólares, entre perdas de produtividade, faltas e despesas médicas.


No final de junho, o Ministério do Trabalho e a Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD), ligada ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, assinaram portaria conjunta na qual recomenda às CIPAS debater o problema do alcoolismo nos locais de trabalho. “Antes de mais nada, é necessário que se conheça o problema no ambiente de trabalho e que se discuta isso sem preconceitos”, diz o diretor do Departamento de Saúde e Segurança do ministério, Paulo Pena.


Embora o Governo não tenha estatísticas sobre a relação entre álcool e acidentes de trabalho, sabe-se, lembra Pena, que “o álcool aumenta a freqüência e a gravidade dos acidentes”. Levantamento feito há mais de 10 anos pela Fiesp, comenta, estima em 15% a 30% a ocorrência de acidentes relacionados ao consumo de bebidas. Em 2005, foram registrados no país 439 mil acidentes.


Embora o problema atinja tanto o trabalhador não qualificado como o alto executivo, algumas categorias profissionais seriam mais vulneráveis. Entre elas, Pena cita caminhoneiros, garçons e trabalhadores na construção civil. “Há uma complexidade de causas. Em alguns casos, é preciso melhorar as condições de trabalho”.


6.2. Desemprego


 É o que diz Deise Rezende. Segundo ela, nem sempre o alcoolismo está relacionado a problemas pessoais. Insatisfação profissional, sobrecarga de trabalho e falta de integração também podem ser uma porta de entrada para o vício. “Existem estudos que mostram, inclusive, que em


época de crises e desemprego em alta, os casos de dependência química aumentam. É o reflexo de problemas sociais no ambiente de trabalho”, observa Deise.


Assim, há perdas de ambos os lados. As empresas perdem dinheiro e os empregados, capacidade de produção — e, muitas vezes, a carreira. O artigo 482 da CLT inclui a embriaguez como um dos motivos de justa causa para demissão. Mas como o alcoolismo já é considerado doença, demissões dessa natureza costumam serem contestadas na Justiça. “Apesar do investimento no tratamento dos trabalhadores, as empresas gastariam cinco vezes menos do que se tivessem de pagar indenizações”, calcula a advogada.


7 DEMISSÃO POR JUSTA CAUSA: HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA


A demissão por justa causa está condicionada à conduta faltosa, prevista em lei, do empregado. Quando a despedida é motivada, o empregado recebe o saldo de salário do mês e é feito o depósito de FGTS do mês. Não há direito a aviso-prévio, férias ou décimo terceiro proporcionais, nem a levantar os valores depositados na conta vinculada ao FGTS e à multa de 40% sobre o depósito (o pagamento é de 50% mas 10% são para a União, e não para o empregado). Também não terá direito ao benefício do seguro-desemprego quem for demitido por justa causa (CARRION, 2003)


Sempre que o empregado cometer falta grave o empregador poderá dispensá-lo. Contudo, a justa causa é matéria que requer cuidado para evitar passivo trabalhista que inclui, atualmente, o pedido de dano moral, caso a despedida, além de ter se operado injustamente por falta grave, tenha sido vexatória para o empregado (CORREIA, 2000)


A justa causa caracteriza-se por falta grave cometida com culpa ou dolo (intenção) do empregado. O ato deve ter previsão legal de que se caracteriza como falta grave e ainda que aquela conduta possui gravidade bastante de modo a abalar a fidúcia (confiança) que deve existir entre empregado e empregador.


É essencial que haja a imediatidade da aplicação da pena, do contrário, entende-se como perdoado o ato. Assim, a aplicação de uma advertência deve ser feita no momento em que o superior toma conhecimento da falta, não se podendo aguardar mais de vinte e quatro horas. Quando se tratar de suspensão que exija algum tipo de prova ou a presença de algum diretor, pode-se justificar que demore até dois dias, pelo tamanho da empresa. E, quando se tratar de demissão, se tiver processo administrativo, claro que vai implicar em demora, mas o processo deve ser instaurado em até dois dias da falta. Caso a demissão seja por reincidência em faltas menos graves, isto é, já foi aplicada advertência verbal, escrita, e suspensão, deve ser imediata, sob pena de ser anulada (GIGLIO, 2000).


Além disso, para cada falta pode ser aplicada apenas uma penalidade. Assim, se o empregado falta injustificadamente e a empresa adverte, não pode, pelo mesmo dia de falta, suspender. Caso não aceite atestado externo, pode, se quiser, apenas descontar o dia de trabalho, mas isto não é considerado penalidade, não contando para acumular punições para demissão (FLORINDO, 1999).


As hipóteses de falta grave estão listadas em lei, na Consolidação das Leis do Trabalho, no artigo 482, e constituem uma listagem exaustiva – qualquer conduta que venha a ensejar justa causa deve estar enquadrada nas hipóteses legais. As hipóteses de justa causa são (CARRION, 2000):


a) ato de improbidade (maldade, desonestidade, perversidade, mau caráter) Ex.: furto ou roubo de materiais da empresa, falsificação de documentos para obtenção de horas extras não prestadas, apropriação indébita de importância da empresa, o empregado justificar suas faltas com atestados médicos falsos, etc. Neste caso, com exceção do último exemplo e do que trata de horas extras, a improbidade deve estar provada, ou seja, tem que haver pelo menos inquérito policial concluindo pela autoria do crime. A improbidade é considerada a maior falta, e, sozinha, no caso de furtos e apropriações indevidas, é suficiente para promover diretamente a demissão, ainda que o empregado nunca tenha cometido outra falta. Justamente por isto os juízes são muito exigentes. Geralmente, quando ocorre a demissão por improbidade por subtração de valores ou bens, e o inquérito policial está em andamento, há a suspensão do processo trabalhista até o julgamento da ação penal, e, se o empregado for absolvido será revertida a justa causa e provavelmente haverá a condenação em dano moral.


b) incontinência de conduta (desregramento do empregado no tocante à vida sexual). Ex.: assédio sexual. Dependendo do tom, da agressividade ou da impertinência, pode ocorrer demissão imediata, sem que tenha havido punições prévias.


c) mau procedimento (tudo o que não se encaixa nas demais letras, atitude irregular do empregado, procedimento incorreto) Ex.: utilizar carro da empresa para passeios particulares.


d) negociação habitual (atos do comércio sem permissão do empregador, concorrente ou prejudicial) Ex.: explorar negócio próprio utilizando a clientela da empresa, oferecendo outros serviços ou produtos ao cliente;


e) condenação criminal (com sentença transitado em julgado) A condenação por si só já justifica a falta grave. Porém caso a condenação não afete o ambiente de trabalho, ou seja, não esteja associada com incontinência de conduta ou mau procedimento, torna-se irrelevante, além do risco de uma ação por dano moral por parte do empregado alegando discriminação.;


f) desídia (negligência, preguiça, má-vontade, displicência, desleixo, omissão, desatenção, desinteresse, relaxamento) Ex.: conjunto de pequenas faltas, atrasos, faltas sem justificativa constantes, excesso de intervalo, executar serviços particulares no horário de serviço – geralmente a desídia justifica a demissão pela sua repetição: o empregado que chega atrasado dois dias seguidos recebe uma advertência, que é compatível com a gravidade; chega mais uma vez, recebe uma suspensão, na próxima vez pode ser demitido; mas um atraso ou uma falta injustificada não permitem a dispensa.


g) embriaguez (proveniente de álcool ou drogas em serviço ou uso de forma habitual) – porque se se tratar de um dependente químico na verdade a empresa deveria tentar resgatá-lo e auxiliá-lo.


Para isto, existe atualmente, várias formas eficazes de se tratar o alcoolismo. O método mais simples, para casos mais leves, é a realização de consultas periódicas com um profissional experiente (psiquiatra ou psicólogo), onde são discutidas as dificuldades de abandonar o vício e encorajados os esforços. Estudos mostram que este é um método eficaz em reduzir o uso do álcool, dependendo diretamente da freqüência das consultas (MARTINS, 2001).


 Outro método muito eficaz são os grupos de auto-ajuda, particularmente os alcoólicos anônimos. Esses são baseados em 12 tradições e 12 passos para parar de beber, além de reuniões freqüentes. Os resultados dos AA são difíceis de avaliar, mas aproximadamente um terço permanece sóbrio de 1 a 5 anos, e um terço por mais que 5 anos.


 Casos mais sérios devem ser acompanhados por psiquiatra para tratamento psicoterápico e medicamentoso. Muitos alcoólatras apresentam distúrbios psiquiátricos que necessitam de tratamento, e outros sofrem de sintomas de abstinência quando param de beber, conseqüência da dependência física do álcool. Geralmente, não é necessária internação para desintoxicação, pois a eficácia não é maior. No entanto, certos casos devem obrigatoriamente ser internados (GONÇALVES, 2000).


O tratamento medicamentoso também pode ser útil. Antes, poucos profissionais utilizavam drogas que, misturadas ao álcool (sem o conhecimento do doente) causavam reações severas, com sensação de morte iminente, achando que isso auxiliaria o tratamento. Os resultados são desastrosos, pois a reação pode ser realmente fatal. Felizmente, duas novas drogas, o dissulfiram e a naltrexona, estão em uso para auxiliar a psicoterapia. Ambas agem no cérebro e reduzindo a necessidade de beber, praticamente sem efeitos colaterais. Os resultados do dissulfiram não têm sido satisfatórios, mas a naltrexona tem mostrado melhorar os resultados do tratamento (GOMES, 2001).


Concluindo, o álcool é responsável, além de diversas doenças, por grande parte dos atos de violência e dos acidentes dos mais variados, desde trânsito até de trabalho. Apesar das suas conseqüências desastrosas, o ato de beber é considerado parte fundamental do convívio social, dificultando as campanhas (muito aquém do necessário) de conscientização. No extremo do ato de beber, encontramos os alcoólatras, dependentes do álcool que devem contar com o apoio e compreensão da sociedade para sua recuperação, que deve abandonar o preconceito e tratá-los com respeito (CARRION, 2000).


h) violação de segredo da empresa. Ex.: divulgar marcas e patentes, fórmulas, informações obtidas através dos clientes-empresas e repassadas aos possíveis clientes ou a outros;


i) indisciplina (descumprimento de ordens gerais de serviço) Ex.: não cumprir o manual de normas de conduta ou o disposto em atas e circulares – cabe à empresa ver, das normas de conduta, o que é mais grave e que merece ter como punição inicial advertência ou suspensão ou até demissão; podemos sugerir que fumar no ambiente de trabalho, pelo risco que cria, pode gerar suspensão, o que também se aplica ao consumo de bebidas alcoólicas, pela gravidade;


j) insubordinação (descumprimento de ordens pessoais de serviço) Ex.: não realizar serviço que fora determinado para aquele dia ou então, quando houver a indisciplina, e for aplicada a punição, mesmo que advertência, e o supervisor der uma ordem direta, do tipo: “não venha mais com sandália havaianas”, e o operador vem novamente, praticando agora ato de insubordinação, que pode ser considerado mais grave, porque afronta à hierarquia e ao respeito;


k) abandono de emprego (faltas por períodos superiores a 30 dias) – recomendamos que, se há o interesse de manter o empregado, seja remetida uma correspondência pelo 20º dia, convocando para o trabalho; caso não haja interesse no empregado, após os trinta dias coloca-se uma pequena nota em jornal já comunicando o abandono e convocando para se apresentar para a rescisão ou até mediante carta com aviso de recebimento, já se vem aceitando; o importante é provar o chamado animus abandonandi;


l) ato lesivo à honra e boa fama (do empregador ou superior hierárquico ou qualquer outra pessoa da empresa) Ex.: calúnia, injúria, difamação por palavras ou gestos – conforme a gravidade, pode ensejar de advertência à demissão, mesmo sem punição anterior; caso a ofensa seja a alguém que não o superior direto, o ofendido deve descrever por escrito o ocorrido no mesmo dia da ofensa, e pedir providências, e em 24 horas o supervisor ou gerente deve aplicar a punição; se a ofensa for contra cliente ou afins, trata-se de indisciplina;


m) ofensa física (agressão contra qualquer pessoa da empresa no local de trabalho e fora dele para os externos): neste caso sempre é possível a demissão direta por justa causa, desde que tenha havido testemunhas; inclusive, não recomendamos outra penalidade que não a demissão, pelo exemplo que deve ser dado aos demais;


n) prática constante de jogos de azar (a dinheiro ou não) Ex.: baralho. Como o requisito é a constância, aconselha-se adotar a ordem advertência verbal (com testemunhas) – advertência escrita – suspensão – demissão.


o) atos atentatórios à segurança nacional (terrorismo, má-versação da coisa pública) – em tempos de terrorismo, as brincadeirinhas existem, mas se enquadrarão em mau procedimento.


Para encerrar, deve-se ter em mente que a despedida é a punição máxima à falta grave, portanto, deve ser aplicada em casos extremos. Para as faltas consideradas leves, como ausência injustificada, é a sua repetição constante que levará à demissão, após terem sido aplicadas outras penalidades anteriormente a cada falta. A punição deve ser proporcional à falta. Também não se pode punir duplamente o empregado pela mesma causa. Então, se o empregado faltar injustificadamente e lhe for aplicada a suspensão de um dia de trabalho, não poderá a empresa demiti-lo pela mesma ausência. Ocorrendo outra, novamente sem justificativa, poderá a empresa demitir (MANUS, 2003).


Não se deve deixar de advertir, pois a advertência permite que a próxima falta seja punida com suspensão.


Como alerta final, a justa causa sendo matéria de litígio em reclamatória trabalhista significa dizer que a empresa tem o ônus de fazer as devidas provas, logo, as advertências, suspensões e sindicâncias devem trazer a assinatura das partes envolvidas e, em caso de negativa do empregado, duas testemunhas assinam o termo.


7.1. Embriaguez Habitual pode ser motivo justo de demissão?


Recente decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho tratou de matéria que há muito tempo dividia a doutrina e os tribunais: o alcoolismo no ambiente de trabalho; deve ser visto como doença ou como desídia do empregado em relação às suas obrigações?”


A CLT, lei que rege as relações do trabalho, estipula no art. 482, letra f, que a embriaguez habitual ou em serviço autoriza o empregador a rescindir o contrato de trabalho por justa causa. A CLT, portanto, não distingue se a embriaguez que pode ser motivo de dispensa do empregado deva ocorrer dentro ou fora do ambiente de trabalho, basta que seja HABITUAL (CARRION, 2003).


A justa causa, vale lembrar, implica no empregado ser demitido sem que tenha direito à percepção do seguro desemprego e autorização ao saque do FGTS, bem como outras verbas trabalhistas, sequer o aviso prévio antes a rescisão.


Mas, em exame a caso concreto, o Tribunal Superior do Trabalho, mudou o pensamento jurídico do quadro nacional sobre essa matéria. No caso examinado o empregado, ébrio habitual, já havia sido internado por mais de 15 vezes para tentativa de cura, todas frustradas. Assim, sob fundamento do Código Internacional de Doenças – CID – que define a doença como “ patologia que gera compulsão e impele o alcoolista a consumir desconsoladamente a substância psicoativa retirando-lhe a capacidade de discernimento”. E com esteio no art. 4º, do Novo Código Civil, que diz que os ébrios habituais têm sua capacidade de discernimento reduzida, o TST, entendeu não haver por parte do empregado culpa, não havendo motivo para rescisão por justa causa (HUNGRIA, 2003).


Avança o TST além da esfera do legislador, atualizando-se, demonstrando o atraso da previsão legal que não acompanhou a evolução da medicina.


Resta saber agora, como o Estado, responsável pelo tratamento, terapias, auxílios e até possível aposentadoria, irá legislar sobre a matéria, não perdendo de vista que esse é um problema social, e que o empregador ou empresário, não deve, mais uma vez, pagar essa conta sozinho.


8 CONSIDERAÇÕES FINAIS


Como visto no presente estudo, a embriaguez habitual configuraria culpa grave do empregado a ensejar a ruptura contratual por justa causa. No entanto, tal posicionamento já está superado em nossa doutrina e jurisprudência trabalhista, sendo grande o número de decisões judiciais no sentido de que o alcoolismo é uma doença e, como tal, deve ser tratada, não caracterizando justo motivo para despedimento do empregado.


Isso deve ao fato de que atualmente o alcoolismo é uma doença reconhecida pela Organização Mundial de Saúde – OMS.


A nova mentalidade sobre o assunto dando um enfoque médico ao alcoolismo relegou o artigo 482, f, deixando tal dispositivo de ser aplicado nas relações de trabalho, ou ao menos, ficando obsoleto para a maioria dos Tribunais Trabalhistas.


Alguns Tribunais Regionais do Trabalho do país, já adotaram, em diversas oportunidades, o entendimento esposado pelo TST, manifestando-se no sentido de que o alcoolismo é enfermidade, por conseguinte, seria incabível a dispensa do empregado alcoólatra por justa causa.


Importa destacar que a situação do empregado alcoólatra considerado como um doente, não se confunde com a daquele empregado que possui o hábito de embebedar-se por farra sem que haja qualquer dependência física ou psicológica do álcool. Este, certamente, não é doente e uma avaliação médica poderá distinguir ambas as situações.


Este posicionamento inclusive tem-se elastecido, com muitos doutrinadores asseverando que havendo prenúncio de qualquer síndrome de alcoolismo por parte do trabalhador, cabe a empresa, através de setor de serviço social e psicologia, e mesmo até o próprio obreiro, investigar a real condição de alcoólatra do empregado, que uma vez constatada deverá dar lugar não a uma desumana ruptura do contrato de trabalho com justa causa, mas sim, evidenciada a invalidez para o trabalho, a uma aposentadoria, do tipo provisória, até que seja consumada a cura ou evidenciada a irreversibilidade do quadro, quando então, no primeiro caso, o obreiro retornará ao emprego, ou simplesmente a segunda hipótese, a aposentadoria transmudar-se-á de provisória pra definitiva.


Os aplicadores do direito não devem ficar a mercê de um pensamento da metade do século passado, devendo estes acompanhar a evolução social, que tem o alcoolismo como patologia, não cabendo punição àqueles que já estão penalizados com uma grave doença.


Entretanto, além do necessário tratamento, entende-se que a dispensa de empregado alcoólatra constitui manifesto ato de preconceito e discriminação, o que é defeso.


Os direitos à vida, à dignidade humana e ao trabalho, levam à presunção de que qualquer dispensa de trabalhador pelo único motivo de ser alcoólatra é discriminatória e atenta contra os princípios constitucionais invocados, eis que vedada a despedida arbitrária (art. 7º, inc. I, da Constituição Federal).


As vítimas de alcoolismo, por serem indivíduos portadores de gravíssima doença, hão de merecer de toda a sociedade um pensamento isento de preconceito e impregnado de compreensão, de solidariedade.


Para que haja justa causa como narra o aludido artigo da CLT deve o empregador analisar cuidadosamente o caso concreto, levando em consideração os antecedentes do trabalhador, os problemas patológicos, familiares e sociais que este possa está enfrentando. Deve haver uma proporcionalidade entre o ato cometido pelo trabalhador e a penalidade que ele irá sofrer. Não há punição mais dolorosa para a alma de um trabalhador do que a de ser demitido.


Os empregadores têm responsabilidade social juntamente com o estado, devendo estes intervir em caso de doença do trabalhador encaminhá-lo para o tratamento e posteriormente reintegrá-lo ao seu local de labor. Só deverá haver punição quando analisado o binômio – razoabilidade e proporcionalidade – este indicarem ser esta a melhor solução.


Em conclusão, tem-se que a embriaguez habitual é uma doença que prejudica significativamente a execução do contrato de trabalho. Entretanto, não nos parece aconselhável, de acordo com a tendência mais moderna da jurisprudência trabalhista, a dispensa por justa causa sob o fundamento de embriaguez habitual.


 


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Informações Sobre os Autores

Flávia Regina Barros Matos

Especialista em Direito do Trabalho –GAMA FILHO. Especialista em Gestão – UESPI. Bacharel em Direito e Bacharel em Administração. Advogada e professora de Direito

Manoel Valente Figueiredo Neto

Mestre em Políticas Públicas –UFPI. Especialista em Gestão Pública. Especialista em Direito Civil. Professor de Direito. Bacharel em Direito e Licenciado em Letras.

Lúcia Cristina dos Santos Rosa

Doutora em Serviço Social –UFRJ e Doutora em Sociologia –UFPE – Coordenadora do Mestrado em Políticas Públicas da UFPI


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