Recuperação judicial – Contrato de trespasse como meio de recuperação judicial – Alienação do estabelecimento à sociedade empresária constituída por empregados do devedor, inviabilidade juridica de constituição de sociedade cooperativa para explorar empresa

Sumário: 1. Introdução. 2. Visão Panorâmica da Recuperação Judicial. 3. Meios de Recuperação. 3.1. Do Contrato de Trespasse. 3.2. Do Contrato de Arrendamento de Estabelecimento. 3.3. Do Trespasse ou Arrendamento à Sociedade Constituída por Empregados do Próprio Devedor, em Recuperação Judicial (art. 50, VII, da LRF). 3.4. Inviabilidade Jurídica de Constituição de Sociedade Cooperativa para Explorar Empresa através de Contratos de Trespasse ou de Arrendamento Mercantil. 4. Conclusões.


1. Introdução


O tema do presente artigo – recuperação judicial – meio de recuperação – contrato de trespasse ou arrendamento de estabelecimento à sociedade constituída por empregados do devedor em recuperação – localiza-se no Direito de Empresa[1], especificamente no instituto do estabelecimento mercantil e na sociedade cooperativa, com conexão direta no Direito Concursal, no regime jurídico da recuperação judicial[2].


O tema – recuperação judicial e meios de recuperação – contrato de trespasse ou de arrendamento mercantil, inclusive com a celebração desses instrumentos com a sociedade constituída por empregados do próprio devedor, guarda, também, em paralelo, situação muito próxima no Direito Concursal Argentino, na Ley de Concursos y Quiebras, cuja legislação autoriza a celebração de contrato de usufruto com cooperativas de trabajo formada por trabajadores del deudor-fallido, no regime jurídico do concurso preventivo y quiebra [3].


Este ensaio apreciará a viabilidade de constituição da sociedade formada por empregados do próprio devedor na exploração da empresa mediante a celebração de contrato de trespasse ou de arrendamento mercantil, contudo, rechaçando a constituição de sociedade em regime jurídico de cooperativa[4].


Vamos analisar o sistema cooperativo e apontar a inviabilidade da constituição de sociedade formada por empregados do próprio devedor, em regime de cooperativa, para a exploração da atividade econômica em crise econômico-financeira, tendo em vista as características do regime associativo, ainda que abaixo de cooperativa de trabalho, situação incompatível com o exercício de empresa.


2. Visão Panorâmica da Recuperação Judicial


O instituto da recuperação judicial foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro através da atual Lei de Recuperações e de Falências – Lei n. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005[5].


Em realidade, dado o fracasso da revogada concordata preventina, que não mais atendia seus objetivos, o legislador brasileiro, a exemplo dos países de economia de primeiro mundo, buscou criar sistemas diferenciados dentro do Direito Concursal, distinguindo, assim, o tratamento jurídico próprio para a recuperação econômica da empresa, através de plano de soerguimento da atividade econômica, do instituto da quebra, da falência e encerramento da atividade[6].


Nesta trilha é que passamos a conviver, no Direito Concursal Brasileiro, com duas dimensões distintas, a primeira, a recuperação judicial e extrajudicial; a segunda, da falência, sob múltiplos fundamentos: a) a falência decretada por conta da convolação da recuperação judicial em quebra, por descumprimento de obrigações previstas no plano de recuperação; b) a falência requerida pelo credor, com fundamento: b.1) na impontualidade; b.2) nos atos de falência; c) a falência requerida pelo próprio devedor (autofalência); d) a falência continuada.


A recuperação judicial poderá ser requerida pelo devedor, em princípio, que preencha os requisitos legais, sendo certo, no entanto, que somente poderá ser deferido o seu processamento se o devedor for empresário ou sociedade empresária com atos constitutivos regularmente arquivados na Junta Comercial.


Os demais requisitos legais, a exemplo, de comprovar o exercício de atividade econômica por mais de 02 (dois) anos, ou mesmo negar legitimidade ao credor na formulação de pedido de recuperação judicial em favor do devedor, em substituição processual, ou, ainda, exigir que o devedor efetue o pagamento do crédito tributário e previdenciário para obter a concessão da recuperação, são questionáveis e, certamente, a jurisprudência, no futuro próximo, consagrará as questões aqui argüidas diante do manifesto equívoco do legislador.


Podemos afirmar, sem receio de qualquer equívoco, que a recuperação judicial é típico processo de conhecimento, cujo pedido é processado por rito especial. O pedido é instaurado através de petição inicial elaborada em atendimento aos requisitos indicados no art. 282 do CPC, além dos especiais previstos na LRF. A utilização do art. 282 do Código de Processo Civil há que se mitigada, eis que inexistem, no processo da recuperação judicial, por exemplo, a figura do réu, tampouco a sua citação, além de que o valor da causa indicado tem mera referência para efeitos de recolhimento de taxa judiciária.


O devedor, autor da recuperação, formulará pedido certo e determinado de concessão da recuperação judicial (art. 286 CPC), devendo, receber, no futuro, se for o caso, a devida prestação jurisdicional.


Recebida a petição inicial da recuperação, o juiz deferirá ou não o processamento. Se negado, o autor poderá renová-lo. Deferido o processamento, tem-se a aplicação imediata de todos os efeitos decorrentes do deferimento, dentre outros: a) as ações e execuções se suspendem pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, salvo as exceções previstas na LRF; b) suspende-se o curso da prescrição das obrigações do devedor; c) nenhuma ação, em princípo, merecerá processamento; d) ocorrerá a nomeação de administrador judicial; e) constituição de Comitê de Credores, se for o caso; f) apresentação de plano de recuperação, com os meios indicados para o soerguimento da empresa.


Apresentado o plano, o juiz abrirá vista aos credores, que poderão: a) oferecer objeção; b) silenciar-se. No silêncio, o plano restará aprovado. Em havendo objeção – que equivale a impugnação, através de petição simples, sem formalidades, qualquer credor poderá impugnar o plano. Se houver objeção ao plano, o juiz imediatamente convocará assembléia geral de credores.


A assembléia geral, cuja decisão é soberana, formada por credores de todas as três classes: a) créditos derivados da legislação do trabalho e acidente do trabalho; b) créditos com garantias reais e privilégios especiais; c) créditos quirografários e privilégios gerais, instalar-se-á em dia, local e hora previamente definidos para deliberar sobre: a) aprovação do plano; b) modificação do plano; c) rejeição do plano.


A rejeição do plano implica convolação da recuperação em falência, devendo, neste caso, o juiz da recuperação prolatar decisão de decretação de quebra, com a imediata incidência dos efeitos decorrentes da falência, dentre eles: a) o encerramento da atividade econômica; b) a nomeação do administrador judicial, podendo ser o mesmo já nomeado no processo da recuperação; c) o afastamento dos administradores e sócios da sociedade falida; d) a arrecadação de bens do falido e dos sócios com responsabilidade ilimitada; e) a formação das massas falidas da sociedade e dos sócios com responsabilidade ilimitada; f) a intimação do Ministério Público para as providências próprias, podendo ser instaurado inquérito policial, ou, oferecida, de logo, a denúncia por prática de crime definido na LRF, se houver elementos suficientes de autoria e materialidade; g) suspensão das ações e execuções, salvo as exceções contempladas na lei; h) suspensão do curso da prescrição das obrigações do falido até o trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência.


Diferentemente, se não houver objeção ao plano, ou, ainda, se aprovado por credores, em assembléia geral, o juiz determinará ao devedor que apresente as certidões negativas de quitação de débitos tributários e previdenciários ou a comprovação do seu parcelamento, na forma da LRF[7]. Apresentadas as certidões ou a comprovação do parcelamento, o juiz concederá a recuperação judicial[8].


A decisão concessiva da recuperação é título executivo judicial. O legislador indicou o agravo[9] como sendo o recurso próprio para ser manejado contra tal título, podendo recorrer da decisão qualquer credor e o Ministério Público.


Há que se distinguir as decisões judiciais no processo da recuperação judicial. A primeira decisão é aquele que defere o processamento da recuperação; esta decisão determina o processamento do pedido. Já a segunda, ela concede ou não a recuperação. Não se confunde o processamento com a concessão! Os efeitos são diversos!


Concedida a recuperação, o devedor ficará em recuperação até o prazo de dois anos, contados da decisão concessiva. Ao final, verificado o pagamento das obrigações previstas no plano e que se venceram durante o prazo de 02 (dois) anos, o juiz proferirá sentença de encerramento.


O descumprimento de qualquer obrigação prevista no plano, com prazo de vencimento durante o prazo de 02 (dois) anos, o juiz convolará a recuperação em falência, embora defendamos que não se trata de convolação direta, devendo oportunizar ao devedor a purga da mora, evitando-se, assim, sempre que possível, a decretação da falência – que nada resolverá.


No entanto, se a obrigação prevista no plano for inadimplida depois de decorrido o prazo de 02 (dois) anos, o credor poderá promover a execução do seu crédito perante o juízo comum ou pedir a falência do devedor, em pedido autônomo, com fundamento na impontualidade de obrigação constante do plano de recuperação, podendo o devedor, no prazo legal, oferecer defesa ou realizar depósito elisivo em dinheiro e no valor integral do crédito reclamado.


3. Dos Meios de Recuperação Judicial


Como já dito acima, o devedor deverá apresentar o plano de recuperação, no prazo de até 60 (sessenta) dias, contados da intimação da decisão que deferiu o processamento da recuperação, embora defendamos tratar-se de prazo dilatório, natureza que permitirá, quando oportunamente justificado, a ampliação do referido prazo, para que o devedor possa apresentar plano de recuperação com condições materiais necessárias à recuperação.


O plano deverá indicar os meios de/para a recuperação. O art. 50 da LRF indica, exemplificativamente, aproximadamente 30 hipóteses de meios de recuperação, nos 16 incisos (incisos I a XVI), dentre eles: condições e prazos especiais para pagamento, atos de fusão, cisão, incorporação, transformação, constituição de sociedade de propósito específico[10], constituição de sociedade formada por credores, venda de ativos, celebração de contrato de trespasse, arrendamento mercantil do estabelecimento, usufruto da empresa, administração compartilhada, constituição de sociedade subsidiária integral, emissão de valores mobiliários, cessão de quotas ou ações, substituição total ou parcial de administradores, reorganização interna de órgãos da sociedade, constituição de socieade formada por empregados do próprio devedor, além de outras inúmeras possibilidades não previstas expressamente na LRF, a exemplo de celebração de consórcio empresarial[11], formação de grupo empresarial e contratação de seguro caução empresarial[12].


Os meios de recuperação poderão ser utilizados de forma isolada ou combinada, devendo o devedor, para implantá-los, se for o caso, previamente realizar as devidas alterações societárias.


A finalidade de indicação dos meios não é outra senão demonstrar aos credores, de fato, as reais condições de soerguimento da atividade. Sem meios de recuperação, o plano, no mundo prático, não tem razão de ser, dado a inviabilidade de recuperação econômica.


Dentre os meios de recuperação previstos na LRF, no art. 50, vamos, neste ensaio, tratar especificamente daqueles indicados no inciso VII – celebração de contrato de trespasse ou arrendamento mercantil, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados do devedor, em recuperação.


A hipótese contida no inciso VII, do art. 50, a rigor, desdobra-se em três situações bem distintas, daí por que, em prestígio à didática, iremos tratar isolodamente cada uma delas, obedecendo à ordem estabelecida pelo legislador.


3.1. Do Contrato de Trespasse


O contrato de trespasse é próprio do Direito de Empresa, especificamente do instituto do estabelecimento mercantil, na previsão do art. 1.142, do Código Civil: Considera-se estabelecimento todo o complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária. Trespasse quer dizer trespassar, ou seja, passar ou transferir a coisa ou o direito sobre a coisa.


Na perspectiva do art. 1.143 do CC: Pode o estabelecimento ser objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza. Portanto, o empresário ou sociedade empresária, titular dos direitos sobre o conjunto de bens organizado, pode, segundo o interesse econômico (necessidade) ou oportunidade, alienar o estabelecimento.


A alienação do estabelecimento opera-se mediante a celebração do contrato de trespasse (art. 1.144 CC). O titular do estabelecimento celebra mediante escritura pública ou por instrumento particular o ajuste de trespasse, transferindo ao adquirente o conjunto de bens próprios ao exercício da empresa.


A alienação do estabelecimento somente faz sentido se, de fato, o adquirente for explorar a atividade desenvolvida pelo devedor, em recuperação, porque o trespasse importa transferência do conjunto de bens, na sua totalidade ou ao menos daqueles necessários ao exercício de empresa. É importante dizer que, se a finalidade do adquirente não for de exploração da atividade econômica do devedor, então, a hipótese não será de trespasse, mas de venda de ativos, simples operação através da qual o devedor venderá apenas alguns bens, destacados do conjunto.     


O trespasse, como meio de recuperação judicial, afasta a regra do art. 1.144 do CC, que exige para os atos de alienação, usufruto ou arrendamento do estabelecimento a averbação do ato à margem do registro do empresário ou da sociedade empresária na Junta Comercial, para que surta efeitos em relação a terceiros.


Não é que o trespasse dispense a averbação no Registro do Comércio. O trespasse continuará sendo averbado à margem do registro, porém não mais com a finalidade de dar ciência a terceiro, como forma de fazer surte os efeitos próprios. Mas se o trespasse é celebrado como meio de recuperação, nesta hipótese, o ato surte os efeitos naturalmente, porquanto os credores têm ciência do ato, dentro do processo da recuperação judicial do devedor-alienante. O objetivo da ciência, para que o ato surta os efeitos próprios, já foi alcançado na recuperação, com a aprovação do plano.


Com a celebração do instrumento de trespasse, o devedor transfere o conjunto de bens ao adquirente e este, por sua vez, dará continuidade à atividade econômica. O resultado econômico da venda do estabelecimento deverá, obrigatoriamente, destinar-se ao pagamento dos credores, no processo de recuperação.


A dúvida que permeia esse negócio jurídico é: a) em que condições o trespasse será celebrado: o adquirente responderá por todas as obrigações do devedor ou nos limites do ajuste de trespasse; b) se o preço do estabelecimento será suficiente para o pagamento de todos os débitos do devedor: se o valor apurado com a venda do estabelecimento for maior que os débitos, pagar-se-ão aos credores e o saldo será entregue ao devedor, com a extinção do processo da recuperação; diferentemente, se o valor apurado for menor, então, pagar-se-ão aos credores, conforme as obrigações previstas no plano, remanescendo as obrigações a vencer, que deverão ser pagas nos respectivos vencimentos.


Como desdobramento do pensamento acima, cabe a indagação: na hipótese de trespasse, com a alienação de estabelecimento único, como o devedor dará continuidade a empresa para solver os débitos remanescentes? Neste caso, inviável será a celebração do trespasse, porque se o devedor, com a alienação de estabelecimento único, não foi capaz de realizar o pagamento integral dos débitos e, se não mais exercerá empresa, inviabilizada restará a recuperação. Os credores deverão ficar atentos a essas questões e, se for o caso, não aprovar o meio de recuperação indicado – o trespasse.


3.2. Do Contrato de Arrendamento do Estabelecimento


Outro meio é o arrendamento mercantil do estabelecimento. Diferentemente do trespasse, o arrendamento não implica transferência da propriedade dos bens ou do conjunto de bens organizado para o exercício da empresa.


No arrendamento do estabelecimento, o devedor passará a posse direta do imóvel onde exerce empresa, com todos os bens nele existentes, ao arrendatário, novo explorador da atividade econômica.


No arrendamento ocorrerá mera substituição na exploração da atividade, isto é, o ato jurídico firmado entre o arrendante (devedor na recuperação) e o arrendatário (novo explorador ou operador do negócio) autorizará, por prazo determinado ou indeterminado, a depender das condições, o exercício da empresa.


No contrato de arrendamento – que é contrato bilateral e oneroso, por excelência, o arrendante obriga-se a entregar as “chaves” ao arrendatário, imitindo-o na posse direta do imóvel, com todos os bens que guarnecem o estabelecimento mercantil.


Em contrapartida, o arrendatário obriga-se a pagar ao arrendatante, pelo prazo de vigência do ajuste, o valor do arrendamento, podendo as partes livremente fixar em cláusula contratual as condições para a exploração do negócio mercantil, a exemplo de fixar o valor do arrendamento com base no volume de vendas ou serviços prestados, com base nos faturamentos bruto ou líquido, com base nos novos negócios realizados (captação de novos clientes), podendo, ainda, contratar valores fixos ou variáveis para o arrendamento, cujo pagamento poderá ser mensal, trimestral, semestral, anual, enfim, de acordo com as condições previamente estabelecidas.


Mediante o pagamento, por parte do arrendatário, do arrendamento mensal ou por outro prazo estabelecido no contrato entre as partes, o arrendante, devedor, destinará o valor recebido para pagamento dos débitos, dentro do processo da recuperação.


O arrendamento servirá para gerar receitas visando o pagamento dos credores, dentro do processo de recuperação. O arrendamento é factível quando o arrendatário apresenta melhores qualificações ou condições de exploração da empresa, se comparadas com as dos sócios ou administradores do devedor. É comum, no arrendamento, o arrendatário, querendo imprimir a sua forma de administração, exibir à frente do estabelecimento placa com dizeres comuns e populares: “SOB NOVA ADMINISTRAÇÃO“, tudo como forma de convocar novos clientes e soerguer a atividade.


O arrendamento poderá ser celebrado por prazo suficiente à quitação de todos os débitos, no processo de recuperação; ou, tratando-se de credor único, o arrendamento poderá destinar-se para pagar exclusivamente os créditos do arrendatário, como meio de quitação exclusiva de seus créditos diante do devedor. Tal situação equivalerá ao usufruto da empresa.


O ajuste de arrendamento, embora guarde similitude com a locação de imóvel comercial ou mercantil, dele diferencia-se.[13] É comum a doutrina apontar a locação e o arrendamento como situações similares, o que discordamos.


Na locação de imóvel comercial, o locatário loca o imóvel, pelo prazo ajustado, para nele instalar suas atividades; ficará ele, locatário, responsável exclusivo pela força econômica para aquisição de todos os bens necessários à formação do estabelecimento visando o desenvolvimento da futura empresa naquele ponto; em contrapartida, pagagá ao locador o valor do aluguel mensal.


A locação comercial poderá ser celebrada com proteção ao fundo de comércio, isto é, com proteção da clientela por ele formada, graças ao suor de seu intenso e valioso trabalho no exercício da empresa. Todavia, para a proteção ao fundo de comércio é necessário que o contrato de locação mercantil preencha os requisitos previstos no art. 51, da Lei de Locações[14]. Preenchidos os requisitos, garante-se ao locatário o direito de renovar, compulsoriamente, salvo as exceções previstas na lei, o contrato de locação por igual prazo mediante a propositura de ação renovatória[15].   


Já no arrendamento mercantil, como indicado, o arrendatário receberá o imóvel totalmente pronto para a exploraçao da atividade, dando continuidade à empresa antes desenvolvida pelo arrendante, utilizando-se, assim, da clientela por este já formada no local, no estabelecimento. O arrendatário, em princípio, não realiza qualquer investimento no estabelecimento. O arrendante cede a posse direta do imóvel ao arrendatário, cede o estabelecimento, com todos os bens próprios para a exploração imediata da empresa.


A rigor, celebra-se locação de imóvel e celebra-se arrendamento de estabelecimento. No primeiro instituto, o locatário irá prover o imóvel de todos os meios necessários à formação do estabelecimento; no segundo, o arrendatário já recebe o estabelecimento e inicia imediatamente a exploração da empresa.


Por fim, cabe dizer que é comum celebração de contrato de arrendamento de estabelecimento para as atividades que importam destinação exclusiva, cuja montagem e instalação foi direcionada para o estabelecimento de empresa específica, como ocorre com estabelecimentos montados para o funcionamento de fábricas, postos de combustíveis, escolas, hospitais, cinenas, bancos etc.


Dada a dificuldade de transformação do estabelecimento para o funcionamento de outra atividade é que se celebra o contrato de arrendamento mercantil, de modo que o arrendatário possa dar continuidade ao empreendimento antes explorado.


Portanto, os instituos, embora guardem pontos de contatos, em realidade, são diferentes.


3.3. Do Trespasse ou Arrendamento à Sociedade Constituída por Empregados do Próprio Devedor, em Recuperação Judicial (art. 50, VII, da LRF)


Após as indicações do trespasse e do arrendamento mercantil, como meios de recuperação judicial, iremos tratar da sociedade constituída por empregados do próprio devedor.


A iniciativa de autorizar a constituição de sociedade formada por empregados do próprio devedor, em recuperação, como meio de recuperação, podendo, ela, celebrar contratos de trespasse ou de arrendamento para a exploração do estabelecimento mercantil é oportuna e atual, se analisada sob a dupla ordem de idéias:


a) no plano institucional – a autorização legal, como meio de recuperação, de constituição de sociedade formada por empregados do devedor instaura, de forma democrática, acirrada disputa entre interessados na celebração de atos de trepasse ou de arrendamento visando a exploração da atividade econômica. Esta alternativa dará oportunidade aos empregados de conhecer a realidade do mundo empresarial, com a exploração da empresa, com a responsabilidade de administrar o destino da pessoa jurídica constituída;


b) no plano obrigacional – a constituição da sociedade formada por empregados do devedor, em recuperação, poderá viabilizar a quitação de direitos decorrentes da relação de trabalho.


Embora o legislador tenha silenciado sobre o tema de quitação de direitos trabalhistas, na hipótese de celebração de atos de trepasse ou de arrendamento com sociedade formada por empregados do próprio devedor, certamente, tal meio não foi inserido na LRF sem o propósito de servir, a um só tempo, como meio de recuperação e quitação de direitos derivados da legislação do trabalho.


Claro que o trespasse ou o arrendamento, atos onerosos por excelência, podem ser firmados com a sociedade constituída por empregados mediante o pagamento do preço de venda do estabelecimento ou da devida retribuição pelo arrendamento. Contudo, se os empregados do devedor, possuem e certamente têm direitos trabalhistas a receber, por conta da crise econômico-financeira, óbvio que a celebração de trespasse ou arrendamento poderá operar quitação de tais direitos.


Por isso é que acreditamos que a inserção de tal meio de recuperação na LRF, com a indicação de que poderá ser constituída sociedade formada por empregados do devedor não tem outro sentido senão operar quitação de direitos trabalhistas, cujo pagamento dar-se-á através da compra do estabelecimento (trespasse), sem qualquer desembolso econômico, ou do arrendamento, com a exploração da atividade mediante compensação de créditos e quitação de obrigações.


Outra formulação interessante é que o legislador não indicou o regime jurídico da sociedade que pode ser constituída pelos empregados do devedor. Diante do silêncio, o intérprete pode concluir que qualquer tipo societário previsto no ordenamento jurídico brasileiro está autorizado, salvo, naturalmente, a sociedade simples, a sociedade em conta de participação, a subsidiária integral e a cooperativa.


Diante a omissão do legislador, é importante dizer que a hipótese comporta constituição de sociedade de propósito específico, através da qual será explorada a empresa visando especificamente o pagamento e quitação de direitos trabalhistas dos seus sócios, ex-empregados do devedor.


A inviabilidade de constituição sob os regimes jurídicos de sociedade simples, sociedade em conta de participação, subsidiária integral e cooperativa reside na incompatibilidade de tais tipos societários na exploração da atividade econômica – que é típica de sociedade empresária.


A sociedade simples é incompatível com a exploração de empresa – atividade econômica organizada para a produção de bens ou serviços.


Já a sociedade em conta de participação apresenta-se inviável, eis que, naturalmente, no caso específico, exigir-se-á sociedade com registro e personalidade jurídica e nome empresarial, de modo a explorar a empresa, por força da celebração de trespasse ou arrendamento. Inviável, na hipótese, a sociedade em conta de participação, eis que neste tipo societário, composto por sócios ostensivo e oculto, a empresa realiza-se exclusivamente em nome do ostensivo, o que é impossível diante dos empregados participantes da sociedade constituída.


Também inviável a sociedade subsidiária integral, porquanto esta, obrigatoriamente, como exceção no Direito Societário Brasileiro, é constituída exclusivamente por um único sócio, portanto unipessoal, fato que se apresenta incompatível com a plurarilidade de sócios, ex-empregados do devedor, na constituição da sociedade para a exploração da empresa.


Por fim, a sociedade cooperativa também se apresenta inviável diante de sua natureza jurídica e característica de associativismo[16]. A sociedade cooperativa, independemente do seu objeto, é reconhecida como simples[17]. Se a cooperativa é sociedade simples, por definição legal, jamais poderá ser ou transformar-se em empresária. Somente sociedade empresária poderá explorar empresa.


Destarte, somente a sociedade empresária, regularmente constituída, poderá celebrar com o devedor, em recuperação, contrato de trespasse ou de arrendamento para a exploração da empresa, visando o cumprimento do meio de recuperação previsto no art. 50, inciso VII, da LRF.


Resta absolutamente inviável, juridicamente, a constituição de sociedade cooperativa, ainda que de trabalho, como meio de recuperação judicial, para atender a previsão do art. 50, VII, da LRF.


3.4. Inviabilidade Jurídica de Constituição de Sociedade Cooperativa para Explorar Empresa através de Contratos de Trespasse ou de Arrendamento Mercantil.


A sociedade cooperativa, ainda que de trabalho, é sociedade simples e nestas condições não poderá explorar a atividade empresarial mediante a celebração de usufruto, trespasse ou arrendamento mercantil, em processos de recuperação judicial ou de falência continuada, ou em quaisquer outras circunstâncias diante de suas características de constituição e funcionamento.


A propósito, a título de exemplo, o Direito Concursal Argentino, na mesma linha do brasileiro, aponta para a viabilidade de exploração da empresa, na hipótese de Concurso Preventivo, instituto similiar ao da Recuperação Judicial, ou na hipótese de Quiebra ou Falência Continuada, mediante a constituição de sociedade formada por trabalhadores do devedor-falido, em regime de cooperativa de trabajo, como se vê do artículo 190, de la Ley de Concursos y Quiebras[18].


No Direito Brasileiro, a sociedade cooperativa, embora com prescrição no Código Civil, no Livro II – Direito de Empresa, Capítulo VII, efetivamente, o seu regramento está lei extravagante, como aponta o art. 1093: A sociedade cooperativa reger-se-á pelo disposto no presente Capítulo, ressalvada a legislação especial. A lei especial é a Lei n. 5.764/1971.


Sociedade cooperativa é sociedade de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, típicas de associativismo, sem finalidade lucrativa, gozando de tratamento tributário diferenciado, inclusive não sujeita à decretação de falência por tratar-se de sociedade simples. Portanto, fora do alcance da Lei de Recuperações e Falências – Lei n. 11.101/2005.


Abaixo da cooperativa, os cooperados buscam desenvolver esforços objetivando a realização de determinado fim. Trata-se, em essência, de associativismo ou regime de colaboração, com estrutura própria de prestação de serviços direcionada ao atendimento de seus associados, sem visar a obtenção de lucro, embora experimentando resultado favorável no desempenho de seus objetivos, a rentabilidade deverá, obrigatoriamente, ser revertida em favor de seus membros.


A cooperativa pode ser constituída para qualquer atividade lícita e desde que não seja contrária à ordem e aos bons costumes e incompatível com a sua natureza. É comum a constituição de cooperativas de crédito ou de trabalho.


Cooperativa de trabalho é socidade simples, de pessoas, constituída por empregados, em geral, de determinada profissão, com qualificação técnica, através da qual buscam mutuamente melhores condições de trabalho, sem a intervenção do empregador ou empresário. O art. 24, do revogado Decreto n. 22.239/1992, definia as cooperativas de trabalho, como sendo: aquelas que, construídas entre operários de uma determinada profissão ou ofício, ou de ofícios variados de uma mesma classe, têm como finalidade primordial melhorar o salário e as condições de trabalho pessoal de seus associados e, dispensando a intervenção de um patrão ou empresário, se propõem a contratar obras, tarefas, trabalhos ou serviços públicos e particulares, coletivamente por todos os por grupo de alguns.


A cooperativa de trabalho é constituída sob a orientação dos princípios associativos, a exemplo, da constituição natural ou espontânea, independência e autonomia dos associados, embora devam subordinação ao estatuto, objetivo comum, autogestão, liberdade de filiação e transparência na administração.


Além de princípios, a cooperativa possue características, dentre elas: a) número mínimo de associados; b) capital variável representado por quota, inacessível a terceiro estranho à cooperativa; c) limitação do número de quotas por associado; d) singularidade de voto; e) quorum para assembléia; d) retorno de sobras em prol dos associados; f) assistência ao cooperado.


Sucede que a sociedade cooperativa, seja ela de trabalho ou não, jamais poderá explorar, no processo de recuperação judicial ou na falência declarada, atividade econômica dada incompatibilidade de sua natureza jurídica com o exercício de empresa, mediante a celebração de contrato de trespasse ou arrendamento mercantil do estabelecimento.


Trata-se de hipótese manifestamente típica de impossibilidade jurídica em decorrência da incompatibilidade de sua natureza jurídica com o exercício de empresa, assumindo responsabilidades perante os demais credores nos processos de recuperação ou de falência.


Do exercício de empresa, nos processos de recuperação ou de falência, por sociedade cooperativa, de empregados ou não, se possível fosse, decorreriam várias e graves responsabilidades e conseqüências dentro dos respectivos processos, porquanto o administrador judicial ou o Comitê de Credores deveriam previamente verificar a situação econômica do devedor ou falido, a exemplo: a) a possibilidade de manter ou dar continuidade a exploração da empresa, sem a contratação de novas obrigações; b) os benefícios que trariam aos credores; c) as vantagens que poderiam acarretar para terceiros a mantença da atividade com a cooperativa; d) a existência de recursos capaz de cumprir as obrigações necessárias ao funcionamento da atividade; e) a reorganização necessária para a viabilidade econômica; f) a seleção dos colaboradores diante da escassez de patrimônio ou de recursos; g) o modo de solucionar o passivo existente; h) a extensão da responsabilidade da sociedade cooperativa e dos associados em relação às obrigações assumidas por assunção de dívidas ou por dívidas novas.


Todas essas questões, sem dúvida, por si só, levam à conclusão da inviabilidade jurídica de constituição de sociedade cooperativa para exploração de empresa, na hipótese de recuperação judicial, como meio soerguimento da atividade (art. 50, VII, LRF), como na falência continuda, ou, ainda, na hipótese de aquisição de ativos, na falência, com a continuidade da atividade econômica do falido (arts. 144 e 145 da LRF).


A Lei de Recuperações e de Falência, no Brasil, não cogitou da constituição de sociedade cooperativa, formada por empregados do devedor, em recuperação, ou do falido, para a exploração da atividade econômica, como se vê da redação do art. 50, VII e do art. 145, porque reconhece a impossibilidade jurídica da utilização do sistema associativo em situações como tais frente à incompatibilidade do sistema cooperativo com os riscos próprios e inerentes da exploração da empresa.


Contudo, na Argentina, como já visto, o legislador cochilou e inseriu no artículo 190, de la Ley de Concursos y Quiebras, a viabilidade de constituição de sociedade cooperativa de trabajo, nos regimes de concurso preventivo, com la nulidad del acuerdo, o declaración de quiebra, con a posibilidad excepcional de continuar con la explotación de la empresa del fallido o de alguno de sus establecimientos y la conveniência de enajenarlos en marcha. Tal inclusão, sem a devida regulamentação e esclarecimentos necessários, por parte do legislador, mereceu severas críticas na doutrina nacional, capitaneada pelo Professor Bertossi, fundador de la primera Cátedra Universitária de Derecho Cooperativo em Iberoamérica[19].


4. Conclusões


A exposição aqui realizada leva-nos as conclusões: a) os contratos de trespasse e de arrendamento mercantil do estabelecimento são meios de recuperação economicamente interessantes tanto para o devedor quanto para os credores, no processo da recuperação judicial; embora o presente artigo não tenha contemplado tais meios à luz da recuperação extrajudicial, podemos afirmar que os aludidos instrumentos também são viáveis de utilização naquela modalidade de recuperação; b) é absolutamente factível a constituição de sociedade formada por empregados do devedor, em recuperação, para a exploração da empresa através da celebração dos instrumentos de trespasse ou de arrendamento; c) a sociedade formada por empregados poderá ser constituída por qualquer regime societário, inclusive através de sociedade de propósito específico, com exceção das modalidades: sociedade simples, sociedade em conta de participação, sociedade subsidiária integral e sociedade cooperativa frente à incompatibilidade desses tipos societários na exploração da atividade econômica; d) em relação a sociedade cooperativa, ainda que esta seja de trabalho, formada por profissionais ou empregados com qualificação técnica, não poderá ser constituída para o fim de explorar empresa, nos processos de recuperação ou de falência, dada a sua natureza associativa e suas características, as quais se apresentam inviáveis diante das responsabilidades que o desenvolvimento da atividade econômica impõem, em tais processos, ao empresário e aos sócios e administradores da sociedade empresária.


No Brasil, embora a LRF não tenha indicado a constituição da sociedade formada por empregados sob o regime de cooperativa, de trabalho ou não, é fundamental dizer da impossibilidade jurídica de exploração da empresa, em recuperação ou falida por sistema cooperativo, ainda que seja ele de trabalho.


Diferentemente, na Argentina, o Direito Concursal admite a constituição de sociedade cooperativa de trabalho para explorar a atividade econômica. Todavia, o legislador não disse como operacionalizar tal situação, o que mereceu ácidas críticas por parte da doutrina nacional, mormente na voz de Bertossi.


 


Notas:

[1] Código Civil Brasileiro, Parte Especial, Livro II, Títulos I e II – Direito de Empresa.

[2]  Lei Brasileira sobre Recuperações e Falências – Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 – Regula os institutos da recuperação judicial e extrajudicial e a falência requerida pelo credor, autofalência e falência continuada do empresário e da sociedade empresária.

[3] Ley Argentina de Concurso y Acordo Preventivos y Quiebras- – Ley n. 24.522, de 9/8/1995, con la modificación de la Ley n. 26.086, de 10/4/2006 e Ley n. 25.589, de 16.5.2002.

[4] A Lei n. 5.764, de 16 de dezembro de 1971 – Define a política nacional de cooperativismo e institui o regime jurídico das sociedades cooperativas.

[5] GUERRA, Luiz Antonio. Falências e Recuperações de Empresas – Comentários à Lei de Recuperações e Falências do Empresário e da Sociedade Empresária. Brasília: Guerra Editora, 2008, p. 25.

[6] GUERRA, Luiz Antonio. Temas de Direito Empresarial – Lei de Recuperações e de Falências – A Recuperação é a Solução para a Empresa em Crise – Inovações, Avanços e Retrocessos na Nova Lei – Abordagem Crítica. Brasília: LGE Editora, 2007, p. 161.

[7] A Lei de Recuperação e de Falência, no art. 57, exige a apresentação de certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151, 205 e 206, do Código Tributário Nacional. Deverá o devedor comprovar a quitação dos débitos tributários e previdenciários ou comprovação do parcelamento. Sucede que o parcelamento indicado na LRF deverá ocorrer nos termos da legislação específica que ainda será votada e aprovada no Congresso Nacional (art. 68). Por essa razão, defendemos o direito do devedor de não apresentar certidão negativa de quitação, salvo se entender que deva pagar, em primeiro lugar, o credor fazendário, e, ainda, de não realizar o parcelamento do débito com base na atual legislação que lhe é desfavorável. Portanto, ao nosso juízo, independentemente de pagamento, o devedor deverá obter a decisão judicial de concessão da recuperação, sob pena de inversão dos valores, com violação direta ao art. 47 da LRF.

[8] Defendemos a concessão da recuperação judicial, em qualquer hipótese, tenha ou não o devedor apresentado certidão negativa de débitos tributários e previdenciários, tenha ou não realizado o pagamento mediante parcelamento. Reside na LRF manifesta antinomia entre os arts. 47 (reconhecimento da função social da empresa, com a mantença de empregos, recolhimento de tributos, geração de renda e riquezas) com a obrigatoriedade indevida prevista no art. 57, 58 e 68 da lei. Ademais, o legislador tributário, de forma vergonhosa, aproveitando-se para adaptar o Código Tributário Nacional à nova realidade do Direito Concursal, acabou inserindo dispositivo que obriga o prévio pagamento do crédito tributário, sob pena de não concessão da recuperação. Trata-se de verdadeira heresia jurídica que merece pronto afastamento por parte do Poder Judiciário, como já vem, felizmente, ocorrendo no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. O credor fazendário continua com triplo privilégio: a) seu crédito não se submete aos efeitos da recuperação; b) exige prévio pagamento do débito ou o seu parcelamento para a concessão da recuperação; c) seu crédito pode ser cobrado, via execução fiscal, nos termos da Lei n. 6.830/1980, sem que haja suspensão da demanda enquanto processada a recuperação. BASTA DE PRIVILÉGIOS PROCESSUAIS EM FAVOR DA FAZENDA! Posicionamo-nos absolutamente a favor da concessão da recuperação independentemente da quitação do débito tributário e previdenciário ou mesmo do seu parcelamento até que venha legislação específica cuidar da matéria. E mais: é bom que se diga que inexiste previsão legal, no art. 73 da LRF, contemplando a hipótese de convolação da recuperação em falência, no caso de não apresentação de certidão negativa de débitos, tampouco por não parcelamento, com base na lei atual, não específica para os débitos em processos de recuperação e falência.

[9] Dentre as várias aberrações contidas na LRF, o art. 59, § 2º, chama a atenção do leitor, porquanto de duas uma: a) ou o legislador equivocou-se quanto à natureza jurídica da decisão concessiva da recuperação judicial; b) ou equivocou-se na indicação do recurso cabível. Embora a LRF, no art. 59, § 2º, indique que o recurso cabível contra a decisão concessiva da recuperação judicial é o agravo, o § 1º afirma que tal decisão constitui título executivo judicial, nos termos do art. 584, III, do CPC. Com a reforma do Livro II, do CPC, Processo de Execução, levada a efeito pela Lei n. 11.232/2005, o mencionado art. 584 restou revogado, estando, hoje, o elenco de títulos executivos judiciais no novo art. 475-N. Do rol de títulos executivos, destacamos os incisos I – a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer; não fazer; entregar coisa ou pagar quantia; III – a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que inclua matéria não posta em juízo, eis que são as duas únicas hipóteses que dão sustentação à concessão da recuperação. De qualquer forma, seja pelo teor do § 1º, seja pelo manifesto equívoco contido no § 2º, do art. 59, discordamos do legislador. A natureza jurídica da decisão concessiva da recuperação judicial – que constitui título executivo judicial (art. 59, § 1º) é sentença e prova disso é que o legislador indicou o então art. 584, III, do CPC – título executivo judicial. Porém, o § 1º, do art. 59, afirma que o recurso é o agravo. Sabe-se que o recurso de agravo é próprio para a decisão que aprecia questão incidental. Diante dessa flagrante anomalia, resta dizer que jamais poderá ser considerada interlocutória a decisão concessiva da recuperação judicial, porquanto esta não decide incidente processual, mas sim homologa transação – o plano aprovado importa novação das obrigações, na forma nele prevista e, ainda, reconhece obrigação de fazer ou de pagar quantia. A concessão é, verdadeiramente, a apreciação do pedido de recuperação, aliás o único e exclusivo que pode ser feito pelo devedor, na petição inicial. Não se constitui título executivo judicial através de decisão interlocutória. As reformas pontuais no CPC vêm causando verdadeira bagunça na ciência processual civil. Os doutos, embora ainda em minoria, graças ao Altíssimo, vêm entendendo que é possível constituir título executivo judicial através de decisão interlocutória. Os doutos procuram confundir o operador do Direito, não por desconhecimento, mas por falta de lealdade à ciência processual, o que é grave! Esse movimento surdo, porém perigoso, começou a partir da inclusão no ordenamento processual civil brasileiro do instituto da tutela antecipada. Na concessão de tutela antecipada, no processo de conhecimento (art. 273), o juiz diante de prova inequívoca, que indica verossimilhança (juízo de quase certeza), poderá conceder, total ou parcialmente, de forma antecipada, os efeitos da futura decisão de mérito. A decisão concessiva da tutela antecipada, que se caracteriza como interlocutória, apresenta, no entanto, perspectiva diferente, se comparada com outras decisões interlocutórias proferidas em processos diversos, na apreciação de incidentes processuais. O juiz, na concessão da tutela, antecipa os efeitos da futura sentença de mérito. Portanto, a constituição de eventual direito através de decisão interlocutória, na tutela antecipada, deverá, obrigatoriamente, ser confirmada, no futuro, por sentença de mérito. É por isso que afirmamos inexistir constituição de título executivo judicial, sem decisão de mérito. Resta, pois, claro que decisões interlocutórias não constituem títulos executivos judiciais, salvo na estreita e específica hipótese de tutela antecipada, confirmada por sentença, de mérito. Equivocada a redação do art. 59, § 2º, da LRF. Assim, é certo que jamais a decisão concessiva de recuperação poderá ser considerada decisão interlocutória, mas sim sentença porque decide o próprio mérito do pedido – a concessão da recuperação -, aliás, o único pedido juridicamente possível que poderá ser feito pelo devedor. Logo, na técnica processual, a decisão concessiva da recuperação é sentença e desafia recurso de apelação, cujo manejo deverá ser feito no prazo de 15 dias. A pergunta que não quer calar é: então qual o recurso deverá ser aviado pelo credor ou pelo MP, na hipótese de concessão da recuperação judicial? O recurso próprio será o de apelação. Contudo, para evitar suposta declaração de erro grosseiro, no Tribunal, recomendamos a interposição do recurso de apelação, no prazo do agravo 10 dias, porém nas razões recursais deverá o apelante argüir o equívoco do legislador.

[10] ALVIM, Arruda; GUERRA, Luiz Antonio. Licitações e Contratos Administrativos – Uma Visão Atual à Luz dos Tribunais de Contas. Consórcio Empresarial e Sociedade de Propósito Específico. Curitiba: Juruá Editora, 2006, p. 289. 

[11] GUERRA, Luiz Antonio. Temas de Direito Empresarial – Consórcio Empresarial. Brasília: Editora LGE, 2007, p. 499. 

[12] GUERRA, Luiz Antonio. Seguro Caução Empresarial – Fator Importante para o Exercício de Empresa. Artigo publicado na Revista Biblioteca Digital Jurídica – BDJur, do Superior Tribunal de Justiça. <http//www.stj.gov.br>>. Acesso em: 30 Jan. 2008.

[13]  GUERRA, Luiz Antonio. Falências e Recuperações de Empresas – Comentários à Lei de Recuperações e de Falências do Empresário e da Sociedade Empresária. Brasília: Guerra Editora, 2008, p. 358.

[14]  Lei n. 8.245, de 18 de outubro de 1991 – Dispõe sobre as locações urbanas”

Art. 51. Nas locações de imóveis destinados ao comércio, o locatário terá direito a renovação do contrato, por igual prazo, desde que cumulativamente:

I – o contrato a renovar tenha sido celebrado por escrito e com prazo determinado;

II – o prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos ininterruptos dos contratos escritos seja de cinco anos;

III – o locatário esteja explorando seu comércio, no mesmo ramo, pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos.

[15] GUERRA, Luiz Antonio; GONÇALVES, Valério Pedroso. Contrato de Locação Mercantil de Postos de Combustíveis. Brasília: Brasília Jurídica, 2006, p. 69.

[16] Lei n. 5.764, de 16 de dezembro de 1971 – Define a política nacional de cooperativismo, instituindo o regime jurídico das sociedades cooperativas.

[17] Código Civil Brasileiro:

Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais.

Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e simples, a cooperativa.

[18] Ley Argentina de Concurso y Acordo Preventivos y Quiebras- – Ley n. 24.522, de 9/8/1995, con la modificación de la Ley n. 26.086, de 10/4/2006 e Ley n. 25.589, de 16.5.2002.

Art. 190. En toda quiebra, aun las comprendidas en el artículo precedente, el síndico debe informar al juez dentro de los veinte (20) dias corridos contados a partir de la aceptación del cargo, sobre la posibilidad excepcional de continuar con la explotación de la empresa del fallido o de alguno de sus establecimientos y la conveniencia de enajenarlos en marcha.

En la continuidad de la empresa se tomará en consideración el pedido formal de los trabajadores en relación de dependencia que representen las dos terceras partes del personal en actividad o de los acreedores laborales quienes deberán actuar en el período de continuidad bajo la forma de una cooperativa de trabajo.

El término de la continuidad de la empresa, cualquiera sea su causa, no hace nacer el derecho a nuevas indemnizaciones laborales.(…).

[19] BERTOSSI, Roberto F. Artigo publicado sob o título: Empresas recuperadas y gestión cooperativa.

A modo conclusivo, ante este estado de cosas y desde una visión holística nos planteamos algunos interrogantes, como, por ejemplo: 1) Son las empresas recuperadas por cooperativas, un síntoma del malestar de las raíces de nuestra economia nacional?; 2) Cuál es el contexto de las empresas en crisis que se proponen reciclar cooperativamente?; 3) Cuál es el “background” de cada empresa recuperable?; 4) En qué condiciones se dio la actual legislación?; 5) Cuál es el alcance y el sentido de la ley para que el juez pueda admitir la petición de recuperación empresaria mediante una cooperativa de trabajo?; 6) Cuál es el critério legislativo de “utilidad publica” en las expropiaciones estatales conexas a este asunto y, como queda el principio civil y concursal de la condición pareja de lo acreedores, los créditos legalmente preferentes o el principio de igualdad de trato de oportunidades respecto a la “utilidad publica e interés general” que revelan múltiples y diversas anomalías argentinas en otras realidades sociales y económicas de la geografia nacional federal?; 7) Cuál fue el objeto de la empresa en crisis? 8) Acaso es idêntico al que la ley prevé como causal de disolución y liquidación? 9) Lo proyecto cooperativo que ha previsto la ley podrá prosperar sin tener en cuenta el respaldo institucional del sector cooperativo, el financiamiento (Vg., Fideicomiso entre el Instituto Nacional de Asociativismo y Economia Social – INAES – com el Banco de la Nación Argentina), la complejidad social, la multidimensionalidad, la incertidumbre, la profesionalización de la gestión y el entorno de una economia de mercado donde habrán de desenvolverse los princípios cooperativos?; 10) Debe resolver el derecho concursal – y de este modo – la desocupación actual?

Finalmente, la expressión jurídica-económica de las empresas recuperadas mediante una gestión cooperativa si bien puede admitirse como un incipiente y desinformado ensayo solidario, en modo alguno impide dudar sobre su eficiencia y así entonces, sobre su propia eficacia. <http://www.DiarioJudicial.Com> Acesso em 27 nov. 2007.


Informações Sobre o Autor

Luiz Antonio Guerra

Presidente do Instituto dos Advogados do Distrito Federal. Advogado no Direito Comercial & Empresarial. Consultor Jurídico de Companhias Nacionais e Transnacionais. Parecerista. Palestrante. Conferencista. Jurista. Articulista, com inúmeros artigos jurídicos publicados no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos no Direito Comercial & Empresarial, Direito Contratual Civil & Comercial, Direito Econômico & Concorrencial, Direito Regulatório do Petróleo e Direito Processual Civil & Comercial. Sócio Fundador e CEO do escritório GUERRA ADVOGADOS – ADVOCACIA EMPRESARIAL. Professor de Direito Comercial & Empresarial do INSTITUTO GUERRA – PROF. LUIZ GUERRA – INSTITUTO GUERRA DE DIREITO COMERCIAL & EMPRESARIAL, Professor de Direito Comercial & Empresarial da Faculdade de Direito do UNICEUB, Professor de Direito Comercial & Empresarial do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e Professor de Direito Comercial & Empresarial da Escola Superior da Advocacia do Distrito Federal (OAB/DF)


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