Resumo: Este trabalho versa sobre os sentidos da sexualidade, os direitos sexuais de crianças e adolescentes e a história da concepção da infância e adolescência desde os primórdios da Idade Média até a atualidade. Salientamos também, por pesquisa bibliográfica, as principais discussões a respeito dos direitos sexuais e reprodutivos, no âmbito jurídico, sociológico e antropológico.
Sumário: Introdução. I. Debate sobre mudanças na história da consideração sobre infância e adolescência – sexualidade, autonomia e vontade. II. Debate conceitual sobre direitos sexuais reprodutivos, enfocando crianças e adolescentes. III – a proteção nos textos legais, e a diversificação de crianças e adolescências no cotidiano. IV. Breve perfil sobre diversidade de situações quanto a sexualidade, enfocando adolescentes. Considerações finais. Referências
INTRODUÇÃO
Partimos da reflexão de Gagnon e Simon (in Escoffier 2006) sobre sexualidade, qual seja, orientarmo-nos por uma interpretação social sobre a produção da sexualidade de crianças e adolescentes, ressaltando as normas, o discurso legal sobre direitos sexuais e reprodutivos, em particular de adolescentes e o substrato cultural, sua dinâmica na história e diversidade quanto a comportamentos e sentidos de vivências de temas relacionados a tal produção e os roteiros sexuais.
“Gagnon e Simon procuraram substituir as teorias biológicas ou as teorias psicanalíticas do comportamento sexual por uma teoria social dos roteiros sexuais. Nessa teoria afirmaram que os indivíduos usam sua habilidade interativa, bem como material da fantasia e mitos culturais, para desenvolver roteiros (com deixas e diálogos apropriados), como um modo de organizar seu comportamento sexual. Eles distinguiram três níveis distintos de roteirização: os cenários culturais, que fornecem instruções sobre os requisitos narrativos dos papéis sociais gerais; os roteiros interpessoais, que são padrões institucionalizados de interação social cotidiana; e os roteiros intrapsíquicos, que são detalhes que o indivíduo utiliza em seu diálogo interno com as expectativas culturais e sociais de comportamentos (Simon e Gagnon 1986: 98-104). Por exemplo, os roteiros interpessoais ajudam os indivíduos a organizar sua própria auto-representação e a representação de terceiros para instaurar e exercer a atividade sexual, enquanto os roteiros intrapsíquicos organizam as imagens e os desejos que despertam e sustentam o desejo sexual dos indivíduos. Os cenários culturais moldam os roteiros interpessoais e intrapsíquicos no contexto de símbolos culturais e papéis sociais genéricos (como os baseados na raça, no gênero ou na classe” (Escoffier, 2006: 21-Nós sublinhamos.)
Assim partimos da premissa de que no entrelace entre gênero e geração, os e as adolescentes configuram relações interpessoais, representação do outro/ da outra e de si que se fundamentam em cenários culturais, aprendizagens sujeitas a traduções, reproduções e desconstruções por símbolos em conflito, quando o velho e o novo se entrelaçam. Os sentidos mesmo da diversidade de viver o sexual combinam símbolos que misturam socializações de instituições variadas que são parte de um sistema social dado, como explicita Jeffrey Weeks sobre o trabalho de Gagnon e Simon (Weeks 1980:14 in Escoffier 2006:25):
“A tradição teórica representada por Gagnon e Simon e a escola de pensamento representada por Michel Foucault têm em comum o reconhecimento de que […]a sexualidade é regulada pelo processo de categorização e pela imposição de uma grade […] as várias possibilidades do corpo e às várias formas de expressão que o ‘sexo’ pode assumir. Isso, por sua vez, deve orientar nossa atenção para as várias instituições e práticas sociais que desempenham esse papel de organização, regulação e categorização: as diversas formas de família, mas também a regulamentação jurídica, as práticas médicas, as instituições psiquiátricas, e assim por diante, todas podendo ser vistas como produtos da organização capitalista da sociedade” (Nós destacamos.)
Direitos sexuais da criança e do adolescente é tema que pede que se conceitue criança e adolescente por enfoques multidisciplinares e por consideração de práticas sociais, ou seja, o indivíduo na cultura e na contra cultura, não sendo suficiente a mera inserção do mesmo em determinada faixa etária, o que a depender de tempos históricos e vivencias se redefine. Devem-se considerar trajetórias, vontades, comportamento e ambiências sociais e que contribuem para a sua formação e formas de ser.
O Direito brasileiro tende ao protecionismo e à punibilidade do adulto quando o assunto é criança e adolescente, mas será que esta proteção não deveria ser equacionada com direito à autonomia, desejos e maturidade e, em particular em se tratando de adolescentes, do direito a ser sujeito?
De fato pode ser inocente uma menina que se veste como mulher e se comporta como tal, incentivada por uma sociedade consumista e que transforma milhares de crianças em adultos cada vez mais cedo, mas possivelmente há que qualificar tal inocência já que passa por identidades ainda que construídas. Em que medida a punibilidade da criança e do/da adolescente é justa quando comparada com a punibilidade de adultos capazes? Será que um/a adolescente que gosta de manter relações sexuais com adultos é mais uma vítima de violência sexual tão noticiada nos dias atuais, ou há casos em que o/a adolescente mobiliza vontade e arbítrio, componentes da autonomia em processo, na relação que ali se estabeleceu?
Este de fato é tema complexo e há que lembrar que as mudanças históricas sobre relações entre adultos e crianças de fato vieram no sentido de coibir abusos e casamentos arranjados. Shorter (1977) apud Roudinesco (2002:89) sobre mudanças na família consolidadas durante o século XIX observa que após a Revolução Francesa e por iniciativa da sociedade civil põe-se fim ao sistema de casamentos arranjados em “beneficio da aventura amorosa ou do amor romântico… subvertendo as relações matrimoniais, tornando inaceitáveis os casamentos pré-puberes, em beneficio da aventura amorosa ou do amor romântico”. Mas, por outro lado, já no século XXI quando em cada dimensão—trabalho, sexualidade, formação intelectual, e responsabilidade criminal, por exemplo—os indivíduos não necessariamente se apresentam com identidades e percursos unificados quanto a maturação e vivencias no publico e no privado, como se definiriam o ciclos etários em termos de afloramento do amor romântico, ou do ‘assujeitamento’ por usos e abusos em uma relação afetiva e sexual?
Para tratar de Direitos Sexuais da Criança e do Adolescente é necessário ter em mente que os jovens em muitos casos não são vítimas das situações em que se envolvem, muitas vezes eles/elas preferiram estar naquela situação, não foram coagidos ou pressionados por adultos, são produtos do meio em que vivem. Assim, aquela idéia de que toda criança e adolescente deve ser protegido acima de qualquer coisa por se tratarem de sujeitos em formação, inocentes, deve ser questionada, sendo necessário analisar situações, interações e produções sócio culturais de um momento histórico. É preciso considerar a responsabilidade e o desejo individual do/a jovem ao entrar em determinadas relações. Até que ponto podemos tratar a criança e o adolescente como sujeitos hipossuficientes e carentes de proteção jurídica e familiar?
Insiste-se que os direitos sexuais e reprodutivos exigem um diálogo interdisciplinar, visto que colocam questões que incidem sobre diferentes áreas do conhecimento, tais como a antropologia, sociologia, ciência política, saúde coletiva, medicina, psicanálise e direito. Esse é um desafio para o conhecimento científico, que, tradicionalmente, se organiza em áreas que pouco interagem entre si. Portanto, a interdisciplinaridade do Direito com outras ciências, torna-se essencial para entender o universo dos novos jovens. Afinal um código penal da década de 40 e uma Constituição Federal instituída nos anos 80 são dispositivos que não necessariamente respondem a questões contemporâneas, sendo indispensável uma revisão nos conceitos de infância, adolescência, juventude, família, liberdade sexual, direitos sexuais e reprodutivos e sexualidade, a consideração de sua diversidade, pois a sociedade mudou, convivendo tempos e espaços diferentes. Novos conceitos e outros olhares, ou formas de olhar (por múltiplas lentes) se fazem urgentes; as crianças e adolescentes de 20 anos atrás não são as mesmas de hoje, inclusive porque são produtos sociais e a sociedade mudou e a legislação precisa acompanhar ou ser flexível para não engessar em modelagens homogêneas a diversidade social, as mudanças que estão sendo constatadas.
Para melhor discutir os paradigmas da infância e adolescência neste artigo, realizamos um exame histórico ainda que abreviado de seus conceitos, bem como da história da jurisdição sobre criança e adolescente, partindo do princípio de que o entendimento sobre proteção e educação para crianças e adolescentes tem mudado constantemente, o que nos levou a crer que o Direito ainda que tenha se atualizado em relação às novas expressões culturais de crianças e adolescentes na sociedade ainda dá espaço para o debate sobre o ser sujeito desses e sobre a ótica de proteção e punição, ou seja, questionar mesmo que bem intencionada a redução da criança e do adolescentes a objetos desejados e não a sujeitos desejastes. Também neste artigo são questionados os principais parâmetros utilizados para a constatação e demarcação de ser criança e adolescente, bem como algumas lacunas nas leis com relação aos Direitos Sexuais de Crianças e Adolescentes. Aqui, explicitam-se intenções que não necessariamente se consubstanciam em gestos, mas os anunciamos para que se possa vir a dar outros passos nesse sentido em outros espaços ou, possivelmente por outros autores—e assim sermos coerente sobre a necessidade de esforços interdisciplinares para a interpretação de casos que envolvam sexualidade de crianças e adolescentes, em perspectiva de mudanças culturais.
Aqui se faz um parêntese para melhor esclarecer o conceito de cultura que usamos. Se ficarmos na normativa jurídica e em referências a normas familiares sobre expressões da sexualidade, limitamo-nos a cultura como relacionada a tipos de relações, fundadas, ainda que condicionadas socialmente, na tradição e não na vontade, como sugere Chauí (2006: 12) por leituras de Hanna Arendt e Raymond Williams:
“Entendida como exercício racional da vontade, a cultura surge como reino humano dos fins ou da liberdade, oposto ao reino das leis necessárias da natureza. Em outras palavras, a oposição deixa de ser entre o ‘natural’ e o ‘artificial’ para tornar-se oposição entre liberdade (cultura e historia) e necessidade (natureza).”
Mas se cultura remete a formas de ser, comportar-se e invoca vontades, também em seu sentido original remete a cuidar[1]. Mais uma vez a complexidade se apresenta no caso de direitos sexuais e reprodutivos de crianças e adolescentes: como considerar vontades e cuidar de direitos?
Faz-se em capítulo específico também um passeio por referências empíricas, visitando dados recentes sobre adolescentes (15 a 17 anos) quanto a vivências culturais da sexualidade para melhor discutir expressões contemporâneas de comportamentos sexuais em face de algumas dimensões.
Confrontamos o debate jurídico com o debate sociológico, psicanalítico e antropológico para então discutir as questões ligadas à autonomia, imputabilidade, capacidade e responsabilização da criança e do adolescente, chegando muitas vezes a conclusão de que a diversidade de “tipos comportamentais” de crianças e adolescentes promove uma verdadeira confusão na hora do julgamento judicial, sendo necessária, em todos os casos, a utilização mais da casuística do que da dogmática jurídica
I. DEBATE SOBRE MUDANÇAS NA HISTÓRIA DA CONSIDERAÇÃO SOBRE INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA – SEXUALIDADE, AUTONOMIA E VONTADE.
Ao longo da história a criança e o sentimento sobre a infância sofreram mudanças expressivas no que concernem seus próprios sentidos e significados sociais. Segundo o autor Phillipe Áries o sentimento da infância não existiu sempre, sua análise, que começa a partir da Idade Média Ocidental, constatou que a criança medieval não se distinguia do adulto tal como podemos discernir hoje. Por exemplo, as crianças jogavam os mesmos jogos dos adultos, conviviam nas mesmas classes escolares, diga-se salas de aula, tinham a mesma vida profissional, freqüentavam combates, usavam os mesmos estilos de roupa e até participavam das conversações e brincadeiras sexuais de adultos.
Antes do século XVII estudos indicam que as famílias não depositavam atenção elevada nas crianças, que eram vistas como “adultos em miniatura”. Muitas nasciam e eram direcionadas imediatamente às nutrizes, como eram chamadas as amas de leite, isto é, não havia preocupação dos pais para com seus filhos a fim de acompanhá-los e/ou educá-los passo a passo, bem como não existiam vínculos afetivos demasiados entre eles, o que segundo Donzelot (1985) infere que as crianças eram jogadas à própria sorte.
Há que se interpretar, de acordo com os próprios historiadores especialistas no tema da infância, que até o final da Idade Média existe uma ausência da idéia de infância tal como um estágio específico do desenvolvimento humano, e da idéia de que a infância é um período distinto da idade adulta.
A constituição de um novo lugar e conceito de infância veio a se desenvolver somente a partir do século XVIII, paralelamente ao sentimento de família. O Estado, movido por ideais burgueses e iluministas, deu início a novos elementos e estratégias sociais que pudessem fortalecer seu desejo por uma sociedade mais disciplinada e civilizada, voltada aos interesses dos novos donos do poder. Assim, a partir da Idade Moderna a criança passou a ser vista como um ser produtor em potencial e obteve importância fundamental na nova configuração social da Europa ocidental.
Uma das maiores simbologias da nova visão dirigida às crianças foi a proteção à infância com a aparição do ato de mimar e paparicar crianças, inclusive como meio de entreter os adultos. Com essas mudanças de mentalidade o espaço interno das casas se tornou um espaço todo programado para facilitar as brincadeiras de crianças almejando-se com isso um desenvolvimento físico sadio e sem muitos contatos externos. As escolas, agora mais freqüentadas, passaram a reproduzir os ideais de higiene – para diminuir a mortalidade infantil-, disciplina, obediência e conhecimentos técnicos.
Resultado de uma gama de condicionamentos religiosos, medicinais e psicológicos, que em muito serviram para os interesses do Estado e da igreja, a família moderna passou a enxergar a criança como ser ingênuo e passivo, moldando suas prioridades de acordo com as vontades dos “pequenos”. Um dos enfoques sobre sexualidade infantil nesse período de transição é do autor Michel Foucault (1988) asseverando que se antes-Idade Média- as casas reduziam-se a um cômodo apenas e por isso não havia privacidade sexual entre os casais, pouco importando se as crianças estavam observando a cópula entre eles, já na Idade Moderna o modelo de habitação afastou a criança das cenas libidinosas pretendendo que a residência familiar se tornasse um lugar de decência e moralidade. Destarte, perceba-se que se o sexo saiu das cenas cotidianas da infância, a compreensão sobre ele também se tornou, para as crianças, mais secreta e ‘fetichiosa’.
Autores divergem quanto ao aspecto positivo ou negativo do sexo na vida cotidiana das crianças. Muitos crêem que quando o sexo se afasta do cotidiano delas, somado ao que é retratado pela igreja como pecado, está inaugurada cognitivamente uma repressão sexual e com isso uma tendência a psicopatias sexuais em adultos, já outros afirmam que a separação das crianças para com o sexo dos adultos ao longo da história do ocidente representou uma evolução social.
O caso é que na Idade Média e em partes da Idade Moderna as crianças não apenas presenciavam cenas sexuais da cultura dos adultos como também, especialmente as de sexo feminino, eram freqüentemente vítimas de abusos sexuais.
“[…] o tratamento dado a uma criança do sexo masculino era, em muitos casos, diferente do tratamento recebido por uma criança do sexo feminino, pois “as meninas costumavam ser consideradas como o produto de relações sexuais corrompidas pela enfermidade, libertinagem ou a desobediência a uma proibição” (HEYWOOD, 2004, apud CALDEIRA 2008, p.74).
“[…] a celebração do nascimento de uma criança se diferenciava de acordo com o sexo da mesma. Um exemplo é a Bretanha do século XIX, em que a chegada de uma criança do sexo masculino era saudada com três badaladas de um grande sino, enquanto a chegada de uma criança do sexo feminino era saudada com apenas duas badaladas e de um sino pequeno.” (CALDEIRA, 2008, p 76).
Nesse contexto o tema de uma sexualidade voltada especificamente para problemas como abuso sexual e maus tratos sexuais de crianças, veio a aparecer em 1860 com o médico-legista francês Ambroise Tardieu. Anteriormente, os relatos de crianças maltratadas eram considerados fantasiosos ou mesmo mentirosos para as cortes judiciais:
“O mesmo autor, já em 1857, em Étude médico-légale sur les attentats aux moeurs, analisara 632 casos de abuso sexual de mulheres, em sua maior parte meninas, e 302 contra meninos e jovens do sexo masculino, descrevendo os sinais físicos conforme a gravidade do caso. No Dictionnaire dhygiène et de salubrité, de 1862, Tardieu descreveu quase todas as formas de maus-tratos conforme são conhecidos hoje. O que ele infelizmente não conseguiu foi convencer seus pares de que o abuso e os maus-tratos contra crianças e adolescentes aconteciam não só no ambiente de fábricas, minas e estabelecimentos escolares, mas também no seio das famílias.” (ADED, et al. 2006, p. 1)
Em A polícia das famílias (DONZELOT 1985) notamos que os problemas públicos da infância e juventude relatados pelo Estado, igreja e pela medicina social, no século XVIII, eram mais voltados à questão da delinqüência, do roubo, do abandono e de distúrbios mentais tendentes a criminalidades. Também os tribunais de menores no séc.XIX, apesar de trabalharem com a ajuda e orientação de psicólogos e pedagogos que avaliavam toda estrutura familiar do jovem delinqüente antes mesmo de julgá-lo e puní-lo, não detinham muita atenção à questão dos traumas sexuais, que muitas vezes levavam as crianças à marginalidade.
Apesar das constatações ao longo do tempo sobre os abusos sexuais contra jovens e crianças, uma lei que defendesse e prevenisse esses abusos só fora validada cem anos depois, em 1962, nos Estados Unidos. (ADED, et al. 2006).
É com o nascimento da psicanálise freudiana que vem à tona a preocupação com o desenvolvimento psico-sexual harmônico de jovens e crianças. A psicanálise passou a servir de suporte e referência científica nos estudos sobre distúrbios morais e também nos caminhos saudáveis para a vida sexual de casais. Para Freud e muitos estudiosos da época as doenças modernas psíquicas apareciam em decorrência de limitações impostas à vida sexual do indivíduo moderno, assim, Freud nos fala que uma moral coercitiva da sexualidade produz padecimento psíquico (PINHEIRO; LIMA; OLIVEIRA, 2006).
No entanto, embora Freud não tenha citado propriamente os abusos sexuais como as fontes dos problemas psíquicos da sociedade moderna, e sim a repressão moral sexual, há que se supor genericamente que os abusos sexuais também são fontes para o desenvolvimento de psicopatologias futuras, é o que demonstramos a seguir: “Estudo publicado nos Estados Unidos em 1994, com base no ano de 1993, revelou que 85% a 90% dos pacientes com problemas psiquiátricos foram vítimas de algum tipo de mau-trato na infância, com predominância do abuso sexual”. (Carter-Lourensz e Johnson-Powell 1999, citado por ADED et al. 2006). A descoberta por Freud de uma sexualidade na infância, representada inicialmente pelo complexo de Édipo deve ser interpretada, deste modo, como uma cadeia de fases fundamentais à estruturação da sexualidade adulta e/ou ao recalcamento das representações inconscientes, e não como uma disposição da criança às práticas sexuais.
É inicialmente com influência da psicanálise que se irá introduzir normas jurídicas em prol da infância e da adolescência. A solução da questão familiar, buscada desde o XVIII, passou do campo da medicina para o campo da psicanálise e só posteriormente para a jurisdição.
Num breve olhar sobre a história da infância e adolescência no Brasil é possível perceber que os tratamentos dirigidos às crianças e adolescentes pobres eram iguais aos da Europa, afinal os colonos brasileiros eram europeus. Assim podemos supor que as crianças e adolescentes, não indígenas, trazidos ou nascidos aqui, eram tratados com muito desprezo, violência e abandono. E as primeiras formas de proteção dessas pessoas também foi igual às implementadas na Europa, ou seja, apareceram por iniciativa da igreja e do Estado através da “casa dos expostos” e da “Roda”.
Já no final do século XIX e início do século XX o enorme contingente de ex-escravos sem trabalho fez formar a primeira grande massa de brasileiros excluídos e seus descendentes, crianças e adolescentes pelas ruas, que praticavam crimes e ameaçavam a ordem da sociedade (FRONTANA, 1999, apud OZELLA, 2003). Diante disso os juristas concretizaram a promulgação do Código de Menores em 1927 com o intuito de retirar as crianças das ruas e colocá-las em instituições disciplinadoras. Porém esse código ainda não tratava dos direitos sexuais de crianças e adolescentes, quem já tratava de direitos e crimes sexuais era o Código Penal de 1890, mas nada especificava sobre crianças e adolescentes.
Antes desse primeiro Código de Menores de 1927, o código penal de 1890 já havia dado os primeiros passos no sentido de se organizar melhor a punição de crimes sexuais, distinguindo claramente estupro de defloramento. Nesse período muitos casos de amor foram parar nos tribunais, devido justamente, a um entendimento diversificado sobre moralidade sexual; entre as classes mais pobres existiam formas de relacionamento, de namoro e de lazer distantes dos rígidos limites propalados por juristas e médicos, o que levava o juiz a pensar casuisticamente algumas sentenças.
ABREU (1999) demonstrou o caso de Maria Carolina que aos 15 anos perdeu a virgindade com Vicente de 20 anos. A mãe de Maria, envergonhada com a notícia do desvirginamento da filha, recorreu aos tribunais contra Vicente alegando que o mesmo prometera casar-se em troca da virgindade da menina, mas no final, não cumpriu com a promessa. O juiz, analisando o caso contextualmente, verificou que Maria Carolina demonstrava ser uma menina “esperta” que ficava constantemente tarde da noite na rua provocando rapazes. Significa dizer que:
“Apesar de reforçarem em suas falas a imagem de moças passivas, sem nenhuma iniciativa ou até mesmo forçadas ao relacionamento sexual, não deixavam de evidenciar vontade e prazer na realização desse encontro (…) todas essas colocações e comportamentos evidenciam as possibilidades de iniciativa dessas meninas moças frente às relações amorosas que distanciavam muito das expectativas valorizadas por juristas” (ABREU, 1999, p. 312).
Foi assim que o Código Criminal de 1940 assimilou a diversidade de cotidianos e padrões sexuais morais e reconheceu a inexistência de um corpo ideal e puro, admitindo que as jovens possuíam instintos sexuais.
Na república de 1964 a ascensão dos militares no Brasil afirmou o princípio da destituição do poder pátrio e deu ao juiz de menores a prerrogativa de decretar a sentença de abandono, transferindo a responsabilidade pelos cuidados dos menores ao Estado.
Já em 1979 o Código de Menores foi alterado adotando a “Doutrina Jurídica de Proteção ao Menor em Situação Irregular”, segundo o qual a família era responsabilizada pelo menor e o abandono passou a ser nomeado de situação irregular. E apenas “em 1990 o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA aboliu o termo Menor, definindo todas as crianças e adolescentes como sujeitos de direito.” (OZELLA, 2003, p.142).
Para o Direito, crianças e adolescentes ligados ao trabalho sexual são indivíduos que tiveram o seu direito de proteção violado. Desde a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA em 1990 os jovens têm em mãos novos equipamentos sociais de defesa e proteção como os Conselhos Tutelares e os Conselhos de Direito. Isso significa que o olhar sobre a criança e o adolescente deve ser considerado hoje a partir dessas novas construções de sujeito de direito que a legislação tem oferecido à criança e o adolescente.
Ainda que a legislação traduza o conceito de criança cronologicamente por “todas as pessoas com idade até 12 incompletos e adolescente aquelas entre 12 e 18 anos de idade” (ECA, 1990), uma parte considerável da população brasileira excluída do acesso aos bens materiais e simbólicos vivem uma infância e adolescência de curta duração, pois logo devem ingressar no mercado de trabalho ou possuir desde cedo responsabilidade dentro da família.
Como analisa CASTRO (2001) “um sujeito de direitos só o é na medida em que sua ação é a priori considerada válida, e, manifestação singular do seu ser, em que pesem as diferenças entre os diversos agentes” (CASTRO, 2001, p.29). Deste modo, nos relatos de crianças e adolescentes pobres é possível perceber que o marco de entrada no mundo adulto não é exatamente a idade, mas as experiências de vida, por exemplo: com o advento da maternidade ou paternidade, com o advento do trabalho ou mesmo com o advento da entrada no mundo das drogas e do tráfico, etc.
Num exame sobre crianças e adolescentes enquanto objeto de pesquisa é preciso lembrar que ao lado do direito à proteção, crianças e adolescentes são cidadãos com direito à liberdade de opinião e expressão, entre outros, ou seja, é preciso ter cuidado para que a proteção não se torne uma estratégia de silenciamento e também de desqualificação da própria pesquisa sobre crianças e adolescentes.
Há alguns impasses relevantes constatados por muitos autores que se dedicam à infância e adolescência. Um deles, considerado um dos mais recorrentes, é o entendimento de que a sociedade brasileira contemporânea nos processos de socialização de crianças e adolescentes, por um lado valorizam a construção da autonomia, vale lembrar: a permissão do voto para maiores de 16 anos, a inclusão no mundo do trabalho a partir dos 14 anos (entre 14 e 16 anos é considerado aprendiz). Sem dúvida votar e trabalhar exige uma capacidade de discernimento e tomada de decisão típica de uma vida adulta. Essa compreensão é salutar na medida em que o direito, a psicologia e outras tendências científicas conceituam a adolescência segundo referências cronológicas e/ou biológicas sexuais. Porém autores mais comprometidos com a historicidade e a construção social do sujeito acreditam que “deve-se superar as visões neutralizantes e entender a adolescência como um processo de construção sob condições histórico-culturais, sociais, específicas”. (OZELLA, 2003, p. 20)
Em análise sobre as concepções de adolescência veiculadas nos programas nacionais de televisão, observou-se que, a mídia brasileira, da mesma forma que algumas disciplinas científicas, predica visões universalistas e naturalizantes da adolescência. Não há uma preocupação com o contexto histórico e social dos jovens ali enfocados.
Num outro estudo designado “adolescências construídas” foi averiguado que, por exemplo, sob o tema da sexualidade, os adolescentes negros traziam particularidades marcantes em relação aos demais. Também foi examinado que “nas camadas mais pobres da população mantém-se os valores tradicionais com significação de gênero mais hierárquicas” (OZELLO, 2003, p.68). Enfim, este estudo traz à tona a diversidade de adolescentes, sob o aspecto da sexualidade, considerando características sócio-econômicas, territoriais e raciais.
“(…) observamos que os (as) adolescentes negros (as) dão sentidos negativos à prática do “ficar”, em geral todos fazem críticas a esta forma de relacionar-se… (…) este dado leva-nos a pensar que talvez, a população negra tem sido encarada a partir da ideologia erótica, mas não vive a sedução e o erotismo com este significado… (…) quando ocorre uma relação exogâmica, ela se dá muito mais em relação a homem negro com mulher branca do que a homem branco com mulher negra.(…) Rodrigo só namora garotas negras e não explica o direcionamento de suas escolhas como uma prática racista e sim de auto-afirmação e valorização de suas origens…”
Como vimos, o pressuposto deste estudo é que a criança e o adolescente só podem ser compreendidos no contexto da sociedade em que estão inseridos, pois indivíduo e sociedade são entrelaçados. Não há dualismo entre eles, embora a relação indivíduo e sociedade seja uma questão instigante que acaba por gerar várias polêmicas e posições controversas.
Ainda que no plano de políticas públicas se faça necessário ter delimitações do público alvo, e que o ciclo etário seja uma dessas marcas e que no imaginário social costuma-se qualificar como crianças e adolescentes, em particular das classes sociais menos desprivilegiadas, pessoas de certa idade, não há consenso nas ciências sociais sobre a validade da idade como demarcador de etapas de vida principalmente no plano psico-social.
A partir de qual idade pode-se considerar alguém como criança? E como adolescente? Segundo o ECA, (1) criança é considerada a pessoa com doze anos de idade incompletos e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Já segundo a Convenção sobre os Direitos da Criança (2) criança é todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo. Esta definição coincide com o conceito de menor que consta do Código Civil de 2002 (3): “é menor quem não tiver ainda completado 18 anos de idade”.
Como visto, há, no Brasil, divergência, tanto jurídica quanto sociológica em relação à demarcação através do indicador idade, dos conceitos de criança e de adolescente, o que deve complicar o entendimento tanto para fins de representação social desses indivíduos para a sociedade como para a interpretação legal. Tal ambigüidade conceitual já dificulta a discussão acerca dos Direitos ao Desenvolvimento Sexual da Criança e do Adolescente, aliás, termos que também não repousam em alicerces consensuados. Para muitos estudiosos a adolescência começa com a puberdade CALLIGARIS (2000), para outros começa com as experiências de vida que sugerem certa autonomia como votar, dirigir, trabalhar, etc., já para a lei essas categorias não têm nada a ver com o corpo ou a mente, e sim com a idade, a infância termina aos 12 e a adolescência vai apenas até os 18.
Precisamente pelo art. 5º do Código Civil de 2002, passou a se reconhecer que a “Menoridade cessa aos dezoito anos de idade completos, quando então a pessoa encontra-se habilitada para a prática de todos os atos da vida civil. Vale dizer, a pessoa maior de dezoito anos é considerada adulta, não sendo por demais ditar que a nova ordenação civil não somente presumiu como regrou, salvo condição excepcional, que toda pessoa maior de dezoito anos de idade já possui personalidade e caráter formados.”
Segundo o atual Código Civil:
Art. 3o – São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I – os menores de dezesseis anos;
II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;
III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
Art. 4º – São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I- os maiores de 16 (dezesseis) e menores de 18 (dezoito) anos; e artigo 1.690: Compete aos pais, e na falta de um deles ao outro, com exclusividade, representar os filhos menores de 16 (dezesseis) anos, bem como assisti-los até completarem a maioridade ou serem emancipados.
Art. 4º- São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: II- os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; e III- os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo.
Art.1.767– Estão sujeitos à curatela: I- aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil; II- aqueles que, por causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade; III- os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos; IV- os excepcionais sem completo desenvolvimento mental; V- os pródigos.
Art. 1.728– Os filhos menores são postos em tutela: I- com o falecimento dos pais, ou sendo estes julgados ausentes; II- em caso de os pais decaírem do poder familiar.
Art. 5º- A menoridade cessa aos 18 (dezoito) anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.
Art. 5º, parágrafo único: Cessará a incapacidade para os menores: I- pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público. Independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver 16 (dezesseis) anos completos; II- pelo casamento; III- pelo exercício de emprego público efetivo; IV- pela colação de grau em curso de ensino superior; V – pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função dele, o menor com 16 (dezesseis) anos completo tenha economia própria.
II. DEBATE CONCEITUAL SOBRE DIREITOS SEXUAIS REPRODUTIVOS, ENFOCANDO CRIANÇAS E ADOLESCENTES.
Analisando o Estatuto da Criança e do Adolescente, nota-se que o documento é muito genérico ao se referir aos direitos ao desenvolvimento sexual da criança e do adolescente. O instituto tende a uma ótica de proteção. Diz o Art. 1º: “Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”. Segundo o ECA, criança é considerada pessoa com doze anos de idade incompletos e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Constata-se que no ordenamento brasileiro faltam dispositivos legais que garantam a preservação dos direitos sexuais das crianças e dos adolescentes. Até em termos de ótica de responsabilização/ punição para aqueles que incentivam práticas ilegais e cometem crimes sexuais contra a criança e o adolescente há áreas que ainda não estão totalmente positivadas, como o caso de abusos por internet. Torna-se assim, imprescindível a ampliação da legislação tanto no sentido de punir novas formas de violência contra crianças e adolescentes quanto no de encarar um novo perfil dos jovens na contemporaneidade, crianças e adolescentes considerados sujeitos de vontade, mais inteiradas sobre o que ocorre no mundo, providos de autonomia e capazes de discernir o “certo do errado”.
As normas já positivadas, como o ECA e a Convenção sobre os Direito da Criança, frente às transformações as quais os jovens se submeteram ao longo dos últimos anos, construindo uma “nova juventude”, mostram-se vagas para dirimir as situações de agressão e violência às quais os jovens estão submetidos nos dias atuais, como por exemplo, assumir a família como agência básica de proteção.
Os artigos do ECA mais importantes para o debate da temática da sexualidade de crianças e adolescentes, diretamente e indiretamente são:
Art. 13- Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais.
Art. 82- É proibida a hospedagem de criança ou adolescente em hotel, motel, pensão ou estabelecimento congênere, salvo se autorizado ou acompanhado pelos pais ou responsável.
Uma questão importante a se tratar é que o ECA, em nenhum de seus artigos utiliza diretamente a palavra “sexo” para se referir ao Direito ao Desenvolvimento Sexual da Criança e do Adolescente, o que dificulta ainda mais a positivação deste direito. Note-se que a orientação do ECA é pela negação e não afirmação do direito à sexualidade.
Sobre a Convenção sobre os Direitos da Criança:
O preâmbulo é a parte da Convenção que é mais evidentemente protecionista, ao versar, por exemplo:
“… na Declaração Universal dos Direitos Humanos as Nações Unidas proclamaram que a infância tem direito a cuidados e assistência especiais;”
“Tendo em conta que a necessidade de proporcionar à criança uma proteção especial foi enunciada na Declaração de Genebra de 1924 sobre os Direitos da Criança e na Declaração dos Direitos da Criança adotada pela Assembléia Geral em 20 de novembro de 1959, e reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (em particular nos Artigos 23 e 24), no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (em particular no Artigo 10) e nos estatutos e instrumentos pertinentes das Agências Especializadas e das organizações internacionais que se interessam pelo bem-estar da criança”
“… na Declaração dos Direitos da Criança, a criança, em virtude de sua falta de maturidade física e mental, necessita proteção e cuidados especiais, inclusive a devida proteção legal, tanto antes quanto após seu nascimento”;
Quando o texto retrata a criança como um indivíduo imaturo física e mentalmente, está generalizando e mais uma vez relevando protecionismo. É necessária a relativização dos casos, para discernir se verdadeiramente a criança é imatura, inexperiente, para determinada situação a que é confrontada. Para determinados atos, ela já possui compreensão suficiente, não estamos aqui afirmando que a criança deve ser considerada sujeito imputável, apenas que já pode ser considerada responsável por algumas atitudes (como foi dito imputabilidade e responsabilidade são conceitos distintos), se ela já tem conhecimento de fatos, se já os vivenciou, e se até os 12 anos se considera o indivíduo como criança há de se relativizar também que medida de responsabilização seria adequada a uma criança de 5 anos e a outra de 11, por exemplo.Ainda ao analisar a Convenção sobre os Direitos da Criança deve-se considerar alguns artigos importantes para a discussão da temática Direitos Sexuais da Criança e do Adolescente:
Art. 16. 1- Nenhuma criança será objeto de interferências arbitrárias ou ilegais em sua vida particular, sua família, seu domicílio ou sua correspondência, nem de atentados ilegais a sua honra e a sua reputação.
Aqui, mais uma vez, nega-se a individualidade da criança, não se fala em direitos, mas sim em obediência a normas culturais, a criança é tratada como um sujeito que deve obedecer a preceitos já estabelecidos pela sociedade, ela recebe uma carga de valores e princípios já prontos, sua honra e reputação já estão conceituadas antes mesmo dela saber o significado destas palavras,
Art. 16. 2- A criança tem direito à proteção da lei contra essas interferências ou atentados.
Art. 19. 1- Os Estados Partes adotarão todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de violência física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração, inclusive abuso sexual, enquanto a criança estiver sob a custódia dos pais, do representante legal ou de qualquer outra pessoa responsável por ela.
Nota-se que a Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente é mais explícita do que o ECA ao tratar dos meios de proteção destinados a criança, contudo peca pela condicionalidade, pois para ser protegida a criança deve estar sob a guarda de adultos juridicamente reconhecidos como responsáveis, a ênfase está na tutelagem confirma-se mais uma vez a idéia de que a criança é imatura física e mentalmente.
Essas medidas de proteção deveriam incluir, conforme apropriado, procedimentos eficazes para a elaboração de programas sociais capazes de proporcionar uma assistência adequada à criança e às pessoas encarregadas de seu cuidado, bem como para outras formas de prevenção, para a identificação, notificação, transferência a uma instituição, investigação, tratamento e acompanhamento posterior dos casos acima mencionados de maus tratos à criança e, conforme o caso, para a intervenção judiciária.
Art. 34 – Os Estados Partes se comprometem a proteger a criança contra todas as formas de exploração e abuso sexual. Nesse sentido, os Estados Partes tomarão, em especial, todas as medidas de caráter nacional, bilateral e multilateral que sejam necessárias para impedir:
a) o incentivo ou a coação para que uma criança se dedique a qualquer atividade sexual ilegal;
b) a exploração da criança na prostituição ou outras práticas sexuais ilegais;
c) a exploração da criança em espetáculos ou materiais pornográficos.
Art. 39 – Os Estados Partes adotarão todas as medidas apropriadas para estimular a recuperação física e psicológica e a reintegração social de toda criança vítima de qualquer forma de abandono, exploração ou abuso; tortura ou outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes; ou conflitos armados. Essa recuperação e reintegração serão efetuadas em ambiente que estimule a saúde, o respeito próprio e a dignidade da criança.
Embora o termo direitos reprodutivos tenha surgido explicitamente com a criação da Rede Mundial pela Defesa dos Direitos Reprodutivos das Mulheres em 1979, desde o início do século XX pode-se identificar uma demanda do movimento de mulheres pelo controle da própria capacidade reprodutiva. Na I Conferência Mundial de Direitos Humanos de 1968, em Teerã, finalmente reconheceu-se o direito da pessoa a decidir sobre sua reprodução.
A discussão dos direitos reprodutivos no âmbito dos direitos humanos significou um avanço no sentido de que não importava o sexo/gênero da pessoa, sua religião, idade, raça/etnia, grupo social de pertença e, sim, que qualquer um deve ser reconhecido como sujeito de direitos neste campo e deveria ter asseguradas as condições para o exercício pleno destes direitos.
Segundo a definição adotada pela Organização Mundial de Saúde, os direitos sexuais seguem os direitos humanos que já são reconhecidos pelas leis e documentos internacionais consensuais. Eles incluem o direito de todas as pessoas e repudiam qualquer forma de coerção, discriminação ou violência, devendo ser protegidos e respeitados.
O interesse particular em estudar a presença dos homens no campo da saúde sexual e reprodutiva tem seu início em torno dos anos 80 do século passado em função de duas constatações fundamentais que se associam à noção de direitos, tal como vem sendo desenvolvida aqui: o aumento da incidência da AIDS, em especial no segmento constituído por mulheres casadas, e o papel que os homens exercem na regulação das estratégias preventivas e contraceptivas de suas parceiras.
Em 1997, por ocasião do XV Congresso Mundial de Sexologia, foi instituída a Declaração dos Direitos Sexuais. No que tange à Sexualidade Infanto-Juvenil, convém lembrar da Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança, de 1924, e da Declaração de 1959 dos Direitos da Criança (ONU).
De acordo com a Declaração dos Direitos Sexuais, “sexualidade é uma parte integral da personalidade de todo ser humano”. Assim sendo, o desenvolvimento total do ser humano depende da satisfação de necessidades básicas como o desejo de contato, intimidade, expressão emocional, prazer, carinho e amor. Hoje em dia, defende-se a idéia de que a sexualidade seja construída através da interação entre o indivíduo e as estruturas sociais, sendo essencial para o bem-estar individual, interpessoal e social.
Os Direitos Sexuais constituem, portanto, um elemento fundamental dos direitos humanos. Eles englobam o direito a uma sexualidade prazerosa, que é essencial em si mesma e, ao mesmo tempo, um veículo fundamental de comunicação e amor entre as pessoas. Incluem o direito a liberdade e autonomia e o exercício responsável da sexualidade. (Plataforma de Ação de Beijing, 1995) São direitos humanos universais baseados na liberdade inerente, dignidade e igualdade para todos os seres humanos. (Declaração dos Direitos Sexuais, 1997).
Como dito, os Direitos Sexuais e Reprodutivos são Direitos Humanos já reconhecidos em leis nacionais e documentos internacionais.
Direitos reprodutivos consistem em:
– Direito das pessoas de decidirem, de forma livre e responsável, se querem ou não ter filhos, quantos filhos desejam ter e em que momento de suas vidas.
– Direito a informações, meios, métodos e técnicas para ter ou não ter filhos.
– Direito de exercer a sexualidade e a reprodução livre de discriminação, imposição e violência.
Direitos sexuais significam:
– Direito de viver e expressar livremente a sexualidade sem violência, discriminações e imposições e com respeito pleno pelo corpo do (a) parceiro (a).
– Direito de escolher o (a) parceiro (a) sexual.
– Direito de viver plenamente a sexualidade sem medo, vergonha, culpa e falsas crenças.
– Direito de viver a sexualidade independentemente de estado civil, idade ou condição física.
– Direito de escolher se quer ou não quer ter relação sexual.
– Direito de expressar livremente sua orientação sexual: heterossexualidade, homossexualidade, bissexualidade, entre outras.
– Direito de ter relação sexual independente da reprodução.
– Direito ao sexo seguro para prevenção da gravidez indesejada e de DST/HIV/AIDS.
– Direito a serviços de saúde que garantam privacidade, sigilo e atendimento de qualidade e sem discriminação.
– Direito à informação e à educação sexual e reprodutiva.
Em nossa legislação atual, a questão da tutela dos pais e da família é considerada indispensável à segurança e proteção da criança e do adolescente. A este tema relaciona-se o crime de corrupção de menores (art. 218 do Código Penal) que se refere a relações consentidas na faixa etária dos 14 aos 18 anos, mas somente pode ser aplicado através de uma queixa apresentada pelo menor ou por seus pais (art. 225 do Código Penal), tal como ocorre nos crimes por ofensa (calúnia, injúria, difamação). Deste modo, o legislador conferiu à família o poder de julgar e decidir sobre a relação privada.
Formalmente, o sexo com menores de 14 anos, punido com penas mais elevadas, também só pode ser processado mediante iniciativa dos pais do menor (art. 225 do CP). Entretanto, desde a aprovação do ECA em 1990, autoridades têm levado casos à Justiça baseadas na definição legal de criança (pessoa com menos de 12 anos – art. 2º do ECA). Acusações de sexo com adolescentes (indivíduos entre 12 e 17 anos) permanecem sob a iniciativa da família.
Como exceção, o Estado pode processar o ofensor quando o menor tiver qualquer idade abaixo de 18 anos, mas apenas em duas situações particulares: (a) quando a família do menor for tão pobre que não pode pagar as despesas do processo (artigo 225, I, do Código Penal); e (b) quando o ofensor for pai, mãe, padrasto, madrasta, tutor ou curador do menor (artigo 225, II), havendo deste modo abuso do pátrio poder.
A prostituição de menores, no Brasil, é severamente punida por lei (art. 244-A do ECA) e processada diretamente pelo Estado. A questão é: em que medida a presença da família é indispensável para garantir a proteção dos jovens? Não deveria o Estado ser também responsável direto por tal função? A CPMI da Exploração Sexual sugeriu a Instituição da ação penal pública para todos os delitos sexuais cometidos contra crianças e adolescentes pois hoje apenas é possível iniciar uma investigação quando existe uma queixa privada, o que pode em muitos casos causar impunidade quando a queixa não é feita pelos responsáveis do menor.
III. A PROTEÇÃO NOS TEXTOS LEGAIS, E A DIVERSIFICAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCÊNCIAS NO COTIDIANO.
Outra questão relevante é o tema da responsabilização da criança e do/da adolescente na legislação atual. Com que critérios a imputabilidade do menor deve ser definida? Será que a idade cronológica da pessoa é suficiente para indicar se ela deve ou não ser punida pelo que de ilícito cometer? Ou será que fatores psico e sociológicos devem ser inseridos neste contexto? Qual a diferença entre capacidade, imputabilidade e responsabilização? Seria esta uma distinção meramente terminológica e conceitual ou necessária à compreensão de processos auferidos a crianças e adolescentes? Faz-se necessária a conceituação destes termos, quais sejam, capacidade, imputabilidade e responsabilidade, para que se possa entender em que medida os jovens (crianças e adolescentes) poderão ser inseridos em um contexto de autonomia, compreensão de direitos e deveres e punição.
Conceito de Capacidade:
Capacidade é a medida da personalidade. A que todos possuem (art. 1º) é a capacidade de direito (de aquisição ou de gozo de direitos). Mas nem todos possuem a capacidade de fato (de exercício de direito), que é a aptidão para exercer, por si só, os atos da vida civil, também chamada de “capacidade de ação”. Os recém nascidos e os loucos têm somente a capacidade de direito (de aquisição de direitos), podendo, por exemplo, herdar. Mas não têm a capacidade de fato (de exercício). Então, para propor qualquer ação em defesa da herança recebida, carecem serem representados pelos seus pais ou curadores. Conclui-se que, quem tem as duas espécies de capacidade, tem Capacidade Plena. Quem só tem a de direito, tem capacidade limitada e necessita de outra pessoa que substitua ou complete a sua vontade. São, por isso, chamados de “incapazes”.
Capacidade Civil é, portanto, a aptidão que a pessoa tem de adquirir e exercer direitos na ordem civil. O Código Civil, em sua parte geral, mais especificamente no capítulo I, trata da personalidade e da capacidade, prevendo a capacidade das pessoas em relação a sua idade, como supracitado.
Imputabilidade Penal no Brasil:
O código penal brasileiro dispõe sobre a imputabilidade das pessoas pelos atos considerados crimes, ou contravenção penal, cometidos.
Art. 27- Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas em legislação especial.
Imputabilidade: é a pessoa a quem se pode atribuir a responsabilidade de crime ou contravenção penal. Já o conceito de inimputabilidade – significa que não se pode imputar, ou seja, ser responsável. Desse modo, penalmente inimputável significa que não se pode aplicar as penas previstas na legislação penal, no caso de cometimento de um crime ou contravenção penal. A pessoa é considerada irresponsável. Porém estará sujeita às normas da legislação especial que no caso trata-se da legislação do menor (atualmente o ECA).
Conceito de Responsabilidade:
Provém do latim respondere, que representa a necessidade de se responsabilizar alguém por seus atos danosos. A responsabilização, conforme Rui Stocco, é meio e modo de exteriorização da própria Justiça e a responsabilidade é a tradução, é o sistema jurídico do dever moral de não prejudicar o outro, ou seja, o neminem laedere (STOCCO, 2004, p. 118). Assenta referido autor, citando Marton, que responsabilidade é:
“a situação de quem, tendo em vista uma norma qualquer, se vê exposto às conseqüências desagradáveis decorrentes dessa violação, traduzidas em medidas que a autoridade encarregada de zelar pela observação do preceito lhe imponha, providências essas que podem, ou não, estarem previstas.” (STOCCO, 2004, p. 121)
Para Stocco (2004), a responsabilidade jurídica se cinde em responsabilidade civil e penal; enquanto esta pressupõe uma turbação social, determinada pela violação da norma penal e objetiva estabelecer e conservar o equilíbrio desfeito, a responsabilidade civil, que é a repercussão do dano privado, faz surgir ao atingido o direito de pedir reparação.
A responsabilidade administrativa, por seu turno, é decorrente da prática de infrações administrativas. Para Bandeira de Mello (2006):
“a razão pela qual a lei qualifica certos comportamentos como infrações administrativas, e prevê sanções para quem nelas incorra, é a de desestimular a prática daquelas condutas censuradas ou constranger o cumprimento das obrigatórias. Assim, o objetivo da composição das figuras infracionais e da correlata penalização é intimidar eventuais infratores, para que não pratiquem os comportamentos proibidos ou para induzir os administrados a atuarem na conformidade de regra que lhes demanda comportamento positivo. Logo, quando uma sanção é aplicada, o que se pretende com isto é tanto despertar em quem a sofreu um estímulo para que não reincida, quanto cumprir uma função exemplar na sociedade.” (MELLO, 2006. p.807)
Verifica-se, destarte, que a atual concepção é a de que os menores possuem regras específicas para a imputação de penas, o que não significa, todavia, a irresponsabilidade por seus atos.
Para Salles (2005) a necessidade de repensar os parâmetros que definem a infância e a adolescência na sociedade atual, deve-se ao fato de que os referenciais funcionais que demarcavam os limites entre uma idade e a outra estão desorganizados:
“Antes a seqüência do ciclo de vida era clara. O jovem primeiro estudava ao fim da escola se empregava e daí casava. Hoje, no entanto, começa a ocorrer um processo de alongamento dessas fases, o que está, entre outros fatores, associado às dificuldades cada vez maiores de obtenção de emprego e ao prolongamento do estudo. A falta de autonomia financeira e o desemprego contribuem para que os jovens permaneçam mais tempo com os seus pais. Hoje os jovens estudam, trabalham, se especializam, adiam a saída da família de origem e a constituição da própria família. Embora esse processo seja mais acentuado nas camadas médias da população, há uma tendência para que se generalize para toda a sociedade.” (SALLES, 2005, p.4)
Além das implicações geradas pela reorganização da família e do trabalho no mundo contemporâneo, a autora também aponta para as mudanças ocorridas no caráter preparatório educativo de crianças, adolescentes e adultos, afirmando que em décadas anteriores existia uma separação e diferença definida na educação dessas categorias etárias, porém hoje em dia, a educação, realizada não apenas nas instituições escolares, mas também na própria socialização dos indivíduos, colocou as crianças, adolescentes e adultos, de diversos contextos sociais, em um processo de aprendizado mais dialético. Acabou a idéia de ensinamento partido apenas do adulto, também a idéia de que a criança e o adolescente são seres inacabados, pelo contrário, na situação atual, as tecnologias da comunicação (internet, TV, rádio, etc.) têm possibilitado que as informações cheguem aos jovens sem o controle dos adultos. Assim, as crianças entram, por exemplo, desde cedo em contato com o sexo, com a violência, com a exploração dos conflitos íntimos (… ) (SALLES, 2005, p.4).
Outro paradigma da mudança do conceito de adolescente e criança deve ser analisado sobre o aspecto das novas tecnologias. A familiaridade com as novas tecnologias têm tornado os jovens e crianças, em certo ponto, igualados ou mesmo “superiores” aos adultos. Como vimos, na contramão da jurisdição, a sociologia tem interpretado a necessidade de entender as crianças e os jovens como atores, isto é, como sujeitos e não só como sujeitados (SALLES, 2005), isso se mostra resumidamente da seguinte forma:
– Maior dependência financeira da família e conseqüentemente prolongamento da vivência de jovens com a família;
– Diminuição da autoridade de pais;
– Métodos autoritários de educação são criticados, ou seja, diminuição da autoridade de professores;
– Minimizam-se as diferenças entre as gerações, esperando-se mais maturidade e independência das crianças e adolescentes;
– O domínio de crianças e adolescentes com as novas tecnologias tem as colocado em patamares superiores aos dos adultos;
– Maior contato com o sexo, com a violência, com a exploração dos conflitos íntimos, devido às novas tecnologias;
– Exalta-se a juventude, fazendo com que mais velhos desejem ser jovens;
– O consumismo atual juvenil promove um “tipo de cidadania” que os torna iguais ao adulto (SALLES 2005 apud CASTRO 1998)
Assim, a problemática maior não está tanto na falta de normas reguladoras do assunto, mas sim em como encarar as novas formas de sexualidade na juventude. É indispensável que os atuais e futuros juristas interpretem a norma através de uma perspectiva que vê a juventude de forma inovadora, formada por novos princípios, ideais e comportamentos. É também de suma importância que a legislação vigente seja ampliada no sentido de abarcar esta nova realidade. Não se pretende aqui revogar as normas que já estão em vigor e sim ampliá-las para adequá-las à atualidade.
IV. BREVE PERFIL SOBRE DIVERSIDADE DE SITUAÇÕES QUANTO A SEXUALIDADE, ENFOCANDO ADOLESCENTES.
A intenção deste capítulo é acessar o empírico via analise de dados de pesquisa realizada com 10 000 jovens entre 15 a 29 anos, enfatizando uma cultura em construção de iniciação sexual em idades consideradas próprias da infância e adolescência e identificar diversidade de situações a depender da referencia (e.g. grande região, classe, idade, gênero e outras)
Conta-se com destacado acervo contemporâneo de estudos sobre dimensões da sexualidade de adolescentes e jovens no Brasil que sublinham como elas e eles têm trajetórias singulares e são codificados por perspectivas de gênero e construções sociais do ser homem e mulher. Codificações culturais que configuram aprendizagens, práticas e representações diversificadas, tendendo a assimetrias e muitas vezes a diversos tipos de violências, em particular contra a mulher. Para alguns autores sexualidade no caso de adolescentes e jovens adquire o sentido de autonomia, em particular do grupo familiar (Heilborn, Aquino, Bozon e Knauth 2006). Mas busca de autonomia é construto que autores dedicados a estudos sobre jovens e adolescentes ressaltam como básico, quando não somente sexualidade joga com tal significado. A nosso juízo de fato sexualidade tem contornos próprios tratando-se de adolescentes e jovens, mas os sentidos são múltiplos, jogando a fratria, a relação com os iguais, a afirmação identitária, a busca por reconhecimento são condicionamentos básicos, o que questiona que se dê um sentido único a iniciação e praticas sexuais que envolvem adolescentes e jovens, o que por outro lado também questiona generalizações normativas, ainda que culturas juvenis, normas, memória civilizatória, o publico, entrelacem sentidos em dimensão considerada intima e privada, como sexualidade. Ou seja, sem negar a força social de processos culturais e normativos, trajetórias e situações juvenis pedem cuidado para historias de vida.
É comum também a chamada sobre a combinação de categorias identitárias, quando não somente gênero, mas posição de classe social, territorialidade e em muitos casos raça/etnicidade e orientação sexual implicariam em perfilhações juvenis diferenciadas em relação a sexualidades o que também alerta quer contra generalizações sobre formas de ser e pensar a/da juventude quer contra avaliações sobre a abrangência de modernizações ou mudanças, ainda que essas se registrem em estudos sobre jovens e sexualidade (Heilborn, Aquino, Bozon e Knauth 2006; Castro, Abramovay e Silva, 2004 e Monteiro 1999, entre outros).
Nesta seção para melhor ilustrar diversidades quanto à sexualidade entre adolescentes e jovens, focalizamos a iniciação sexual considerando pesquisa recente de abrangência nacional[2]
Há os que consideram que existe uma maior pressão para que os rapazes se iniciem sexualmente o mais cedo possível. Segundo Bozon e Heilborn in Heilborn et al 2006: 200): “A iniciação masculina é assim uma obrigação social e ‘técnica’, que não implica que os homens tenham um compromisso com respeito às mulheres”.
A ideologia de gênero é reproduzida pela família que considera que homens e mulheres lidam de maneira distinta com o desejo e que as jovens devem ser “contidas”, retardando sua iniciação sexual.
Em pesquisa realizada sobre juventudes e sexualidade em escolas em distintas cidades brasileiras (Castro, Abramovay e Silva 2004), a divisão sexual de poder, nesse caso de poder de conquista, capital erótico e de exercício de uma virilidade idealizada são construtos destacados quando se conjugam comportamentos sexuais legitimados pela socialização familiar. Mas note-se também a importância da sociabilidade entre pares, a pressão desses e como essa reproduz valores que legitimam papéis de gênero:
“Para o homem, quanto mais meninas ele ficar, melhor. O pai até pergunta se já fez ou não. Mas, a menina não pode; ela não pode porque muda tudo e pode até engravidar. Para o homem, quanto mais, melhor pra ele. Até os amigos respeitam mais a gente” (GRUPO FOCAL COM ALUNOS, DISTRITO FEDERAL)
Percebe-se que os indicadores sobre a primeira relação sexual desses jovens têm acontecido cada vez mais cedo, desestabilizando normas culturais. No estudo, citado anteriormente contata-se que 50% dos jovens que em 2004 tinham entre 15 a 29 anos iniciaram sua vida sexual até os 15 anos.
Os jovens do sexo masculino entre 15 a 29 anos, que tiveram a sua primeira relação sexual até os 13 anos, são mais que o dobro das jovens, registrando 22,3% e 9,1%, respectivamente. Para Heilborn et al (2006: 171), citando Galland (1995): “Esse acesso mais rápido à sexualidade ajuda a configurar um quadro de precocidade geral na trajetória do indivíduo, mais cedo e mais diretamente confrontado com as realidades da vida adulta”.
Sobre a primeira relação sexual, tem-se que 56% dos jovens têm a sua primeira relação com o (a) namorado (a), o que sugere que a percepção que o mundo adulto tem sobre os jovens é muitas vezes “adultocrata”, centrada em uma visão equivocada sobre a maneira de agir e pensar das juventudes, como a de que os jovens tendem a promiscuidade, a ter diversos parceiros.
Os dados mostram diferenças expressivas no comportamento sexual quanto à condição de sexo/gênero. Geralmente a primeira relação sexual acontece com namorados (as) e amigos (as). A categoria “namorado (a)” é indicada por 68,3% das mulheres e 45,1% dos homens, evidenciando que as moças elegem os namorados como parceiros ideais para a primeira relação sexual. Já para o tipo de parceiro “amigo” na primeira relação sexual, os homens apresentam percentual elevado quando comparado com as mulheres, sendo de 38,8% (7.822 mil jovens) e 5,6% para as mulheres ou 1.013 mil. Na categoria esposo (a) se observam posições opostas, sendo que para o total de mulheres, corresponde a 24,1% (quase 4.344 mil) e 2,7% (535 mil) dos homens. Para as mulheres, percebe-se que estas tiveram sua primeira relação sexual, principalmente, com namorados ou com marido, revelando o papel social previsto para a mulher na sociedade.
A primeira relação sexual dos jovens brasileiros acontece, em ordem decrescente, com o (a) namorado (a), seguido do (a) amigo (a), esposo (a), garoto (a) de programa e desconhecido (a) e por último com algum parente, independe da variável analisada, ou seja, sexo, faixa etária, raça/cor auto-referida, grau de escolaridade ou situação sócio-econômica.
Considerando a intensidade da vida sexual por sexo na geração jovem, observam-se divisões sexuais nítidas quando se observa o número de parceiros. Para a resposta um parceiro, tendem as jovens a responderem com percentagens significativamente maiores que os homens.
O quadro abaixo sintetiza algumas dimensões até aqui analisadas como componentes do tema sexualidade, indicando variações de posturas por gênero.
QUADRO 1 – Brasil: Distribuição dos jovens entre 15 a 29, por sexo e percentuais extremos[3], segundo síntese das respostas sobre assuntos relacionados à sexualidade – 2004
Note-se que ainda que a norma legal tenda a considerar os adolescentes (até 18 anos) relativamente incapazes quanto a seus atos e presumir que relações sexuais nessa idade tendam a envolver violências e não determinação, o quadro anterior aponta para iniciação sexual em idade tia como própria da infância, em particular no caso de jovens e não necessariamente envolvendo imposição.
Iniciação sexual-Adolescentes-entre 15 a 17 anos – Brasil
Nas tabelas seguintes serão demonstradas informações sobre idade da primeira relação sexual, considerando algumas dimensões.
Nota-se (Tabela 1) que a iniciação sexual em idade quase infantil (com 15 anos ou menos) dos jovens é maior nas regiões Norte e Nordeste. Constata-se que na região Norte, os jovens, em sua maioria, tem a sua primeira relação sexual até os 16 anos, a partir dos 17 anos este percentual começa a diminuir. No Nordeste, é aos 15 anos que a maioria dos jovens começa a manter relações sexuais. No Sudeste é entre os 15 e 16 anos predominantemente, que os jovens têm a sua vida sexual iniciada bem como na região centro- oeste e sul, este último em que aos 17 anos ainda se constata um bom percentual de jovens que têm a sua primeira relação sexual, enquanto as outras regiões têm uma media de 11%, o Sul aponta 14%.
A maioria dos jovens tem a sua primeira relação sexual aos 15 anos, se consideramos o total de jovens que habitam as situações Urbano Metropolitano, Urbano não Metropolitano e Rural. Constata-se que é na região urbano metropolitano que os jovens têm mais cedo a sua primeira relação sexual (entre os 13 e 14 anos). Entre os 15 e 16 anos é na região rural que esse percentual torna-se maior. A partir dos 17 anos a diferença de percentual entre as situações do município são insignificantes.
Considerando-se a Tabela 3 tem-se que, tomando como referencia faixa etária dos jovens, é entre os 17 e 18 anos que a maioria dos jovens ficou grávida ou engravidou alguém.
Os jovens de 15 a 17 anos ficaram grávidas ou engravidaram alguém em sua maioria aos 15 a 16 anos. Os de 18 a 20 anos, 21 a 23 anos e 24 a 26 anos ficaram grávidas ou engravidaram alguém em sua maioria entre os 17 e 18 anos. A maioria dos jovens que têm entre 27 e 29 anos ficou grávida ou engravidaram alguém aos 23 anos ou mais. Por uma tendência natural, os jovens que tem uma idade mais avançada tendem a engravidar pela primeira vez mais tardiamente.
Percebe-se (Tabela 4) que na classe A/B os jovens de 19 a 20 anos são aqueles que representam o maior percentual de jovens que ficou grávida ou engravidou alguém pela primeira vez. Na classe C, a maioria dos jovens que se enquadram nesse contexto são aqueles que têm entre 17 a 18 anos, bem como na classe C/D. Conclui-se que jovens que pertencem à classe socioeconômica mais favorecida tendem a ficar grávidas ou engravidar alguém mais tarde, por uma questão de cultura, e maior conhecimento sobre métodos contraceptivos, ao passo que os jovens que pertencem a classes menos favorecidas economicamente tendem a engravidar pela primeira vez ou engravidar alguém mais cedo.
A tabela anterior indica que a maioria dos jovens brancos ficou grávida ou engravidou pela primeira vez entre os 17 e 18 anos. A maioria dos jovens negros passou por esta experiência também entre os 17 e 18 anos, bem como os pardos/morenos. Quando falamos em “outros” o quadro muda um pouco, a maioria dos jovens ficou grávida ou engravidou alguém pela primeira vez entre os 15 e 16 anos. Conclui-se que quando se trata de Raça/ Cor Auto-Atribuída, os diferenciais não são muito altos, quando tratamos de brancos, negros e pardos/morenos, contudo outras Raças/ Cores Auto- Atribuídas se diferenciam um pouco mais das outras.
Percebe-se também que os jovens pardos/morenos passam por essa situação mais prematuramente (aos 14 anos) do que brancos, negros e outros. Na faixa dos 15 aos 16 anos outras raças se destacam mais com 27, 5% . Jovens brancos se encaixam neste contexto mais tardiamente (aos 23 anos ou mais) em relação a outras Raças/ Cores Auto – Atribuídas.
Em todas as faixas etárias, constata-se que a continuidade da gravidez se manteve com grande diferença percentual, isso significa que as mães apesar das adversidades, em sua maioria, têm optado por ter seu filho, mesmo as adolescentes mais jovens, de 15 a 17 anos. Em segundo lugar aparece o aborto natural, com 7,0% no total, demonstrando mais uma vez o desejo das mães de terem seus filhos. As mulheres entre 15 a 17 anos são aquelas que mais optam pelo aborto provocado possivelmente por não estar em condições muitas vezes financeiras de criar seus filhos, ou em alguns casos não encontrar apoio do parceiro ou da própria família.
O exercício anterior de controlar algumas dimensões quanto ao perfil de inicaçao sexual e gravidez sugere diversidade de situações influenciadas por essas dimensões e outras não analisadas o que questiona generalizações de praticas em se tratando de juventudes, quando ambiências sócio culturais e trajetórias de vida se entrelaçam resultando em singularidades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscamos por diversos gêneros de escrita indicar a diversidade, na cultura e na história, de formas de crianças e adolescentes serem codificados quanto à sexualidade e emprestarem individuação a formas de aprender, viver a sexualidade. A sugestão em termos de normativa jurídica e avaliações sociais, é que há que se cuidar de parâmetros rígidos, se está em jogo vontades de adolescentes e jovens e combinar certa flexibilidade de julgamento quando em pauta o arbítrio e a rigidez na defesa de direitos quando se anunciam violências, imposições, abusos de poder.
Há avanços consideráveis na legislação de proteção a direitos de crianças, adolescentes e jovens contudo mais há que investir na conjugação desses com direitos a individualização.Concluímos, defendendo que se deve pensar o jovem, a criança e o adolescente sob uma perspectiva atual, como sujeito de direitos e de vontades, inserido em uma cultura globalizada e informatizada o que o torna mais “antenado” com o que ocorre ao seu redor e que por outro lado há que mais considerar o sistema de gênero que se vulnerabiliza as mulheres jovens também tende a condicionar suas vontades, como não sujeito. O Direito ao Desenvolvimento Sexual da Criança e do Adolescente é um tema que deve ser encarado através de um novo prisma, sem deixar de lado a proteção que estes jovens merecem e têm como garantia por serem ainda vulnerabilizados para a prática de alguns atos da vida civil, mas é preciso que tabus sejam quebrados e que casos de ofensa a esse Direito sejam relativizados. É evidente, como já afirmamos, que o perfil do jovem do século XXI mudou, ele está mais engajado, as crianças aprendem as coisas muito mais cedo e, portanto, sua imagem de pureza e inocência deve ser relativizada. É de suma importância que os julgamentos de casos que envolvam Direito Sexual de Crianças e Adolescentes sejam embasados na flexibilização da figura da criança e do adolescente em que se faça uma minuciosa análise de fatores comportamentais, sócio e psíquicos que constituem a realidade do jovem em questão. Cada caso deve ser examinado isoladamente desprovido de pré-conceitos e pré-julgamentos considerando contextos sociais.
Informações Sobre os Autores
Mary Garcia Castro
PhD em Sociologia, professora Universidade Católica de Salvador- Mestrados de Família na Sociedade Contemporânea e Políticas Sociais e Cidadania; professora aposentada da UFBA; pesquisadora do CNPq; bolsista da FAPESB; coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Juventude, Cultura, Identidade e Cidadania – NPEJI/UCSAL/CNPq
Shayana Busson
Historiadora, mestranda em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica de Salvador, e é membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Juventude, Identidade, Cidadania e Cultura /CNPQ
Ingrid Ribeiro
Estudante de Direito da Universidade Católica de Salvador; estagiaria PIBIC e membro do NPEJI