Resumo: A pesquisa aborda as diferenças existentes entre a Ciência Jurídica da Modernidade e as implicações traduzidas pela Política Jurídica para se compreender o Direito no início do século XXI. As comparações se traduzem pelas entidades mitológicas Apolo e Dionísio, na qual representam, respectivamente, a perfeição, a certeza e segurança desejadas pela Ciência Jurídica e os valores que se tornam significativos pelas imperfeições, os erros e acertos que são considerados o elã vital da vida cotidiana.
Palavras-chave: Apolo, Dionísio, Ciência Jurídica Moderna, Política Jurídica
Abstract: The research addresses the differences between legal science and the implications of Modernity translated by Legal Policy to understand the law at the beginning of the XXI century. These comparisons are reflected by mythological entities Apollo and Dionysus, which account for the perfection, the certainty and security desired by legal science and values that become significant by imperfections, mistakes and successes that are considered vital to draw daily life.
Key-words: Apollo, Dionysus, Modern Science Law, Legal Policy
Sumário: Introdução; 1 Ciência Jurídica Moderna: Ainda em busca da Terra Prometida; 2 A Política Jurídica e a construção da Utopia Normativa; 3 O que é a Ciência Jurídica hoje? A tensão entre Apolo e Dionísio na busca de seus fundamentos no Século XXI; Considerações Finais; Referências Bibliográficas.
“A inabilidade das ferramentas jurídicas modernas, e sua incapacidade de responder aos desafios da sociedade contemporânea, se encontra entre os grandes desafios deste tempo, de modo que a ineficácia sistêmica do direito somente um conjunto de impactantes e insolúveis efeitos de perda de legitimidade que somente aprofundam a distancia da sociedade brasileira do contexto da realização de uma civilização.” Eduardo C. B. Bittar (Prefácio da obra MARCELLINO Júnior, Júlio Cesar; VALLE, Juliano Keller do; AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Direitos fundamentais, economia e estado: reflexões em tempos de crise. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010, p. 13.)
INTRODUÇÃO
A Ciência Jurídica criada pela Modernidade[1] não cumpre, razoavelmente, com seus objetivos no século XXI. O seu fundamento positivista[2] carece de uma reflexão crítica acerca do papel que desempenha na Sociedade.
A força da Norma Jurídica, como fonte de ordem, é suficiente para o Estado alcançar a manutenção da paz para os cidadãos? O Termo Sociedade consegue traduzir a essência de categorias como Comunidade e Tribos[3], vivenciadas neste começo de século? As respostas aos questionamentos formulados parecem denotar a necessidade de uma aproximação entre Estado e Pessoa.
Vive-se o que precariamente se denomina como Pós-modernidade a partir de valores da Modernidade. Entre esses dois paradigmas, o impasse axiológico se torna manifesto e, aos poucos, inicia-se a corrosão de uma estrutura normativa que foi criada para ilustrar respostas definitivas, mas não o ir e vir entre a certeza e incerteza humana[4].
As providências metodológicas para delinear esta pesquisa têm como objetivo geral investigar se a Ciência Jurídica Moderna permite construir um sistema normativo para o Século XXI por meio da utopia ética humanística presente na Política Jurídica.
Os objetivos específicos serão: a) refletir sobre a conexão entre Ciência Jurídica na Modernidade e Política Jurídica na Pós-modernidade para se vislumbrar o Direito como um fenômeno cultural; b) analisar os efeitos da construção da Norma Jurídica a partir do conhecimento presente na metáfora de Apolo e Dionísio. O critério metodológico utilizado para realizar essa reflexão reside no método indutivo e, como técnica, utilizou-se a Pesquisa Bibliográfica[5], a Paráfrase, a Categoria[6] e o Conceito Operacional[7].
1 CIÊNCIA JURÍDICA MODERNA: AINDA EM BUSCA DA TERRA PROMETIDA
O pensamento científico da Ciência Jurídica Moderna pauta-se na escola do positivismo criada pelo Sociólogo Auguste Comte[8]. O caráter epistemológico do conhecimento anteriormente citado foi estudado por Kelsen a fim de se poder criar um sistema científico que oferecesse uma resposta satisfatória à idéia do fenômeno chamado Direito.
A Teoria Pura do Direito[9], segundo a concepção kelseniana, correspondeu à finalidade científica que se desejava promover, qual seja, de comprovar a estrutura da Ciência Jurídica a partir de suas normas. Essa é o âmago do Direito Positivo: a norma como garantia eficaz para a ordem social.
Kelsen afirma que o objeto nuclear da Teoria Pura do Direito é as normas produzidas pelo Estado. Os elementos que a compõem, tais como a conduta, não provêm da vida cotidiana[10], ao contrário, a reforma ou criação do dever-ser parte tão-somente da Norma Jurídica[11].
A Ciência Jurídica Moderna construiu a idéia de norma estatal a partir do fundamento formal. O Século XX concebeu o Direito como derivação das considerações epistemológicas daquele ramo do conhecimento. A categoria Direito, segundo Kelsen, é um conjunto de normas que pretende oferecer ordem ao convívio entre as pessoas por meio do poder do Estado. Mas, a legalidade e a coação são elementos que garantem autenticamente a paz? A resposta, no século XXI, parece se distanciar desse ideal.
O Estado, a partir da Ciência Jurídica, parece corroborar o caráter perene da escola positivista. As respostas devem ser certas, precisas e absolutas. Não se admite ambigüidade no sistema jurídico moderno. Ao repelir o aspecto negativo, feio, da vida, retira-se, igualmente, a condição de ser[12] humano.
Quando se reflete os requisitos da teoria juspositivista, tais como ordem, legalidade, coação, sanção não se deseja construir uma teoria que a sobreponha. Deseja-se dialogar entre o imperativo a priorístico[13] da Razão Lógica com a Razão Sensível[14] (argumento a posteriori[15]). A completude entre os dois paradigmas constrói o caminho da compreensão da Ciência Jurídica nessa transição de valores.
A Modernidade[16], com a sua pretensão de tudo gerir, tudo prever, tudo descrever e tudo organizar, gerou(a) a necessidade de transição para uma abordagem do sensível, do passional, do irracional. Essa atitude é uma reação contra as certezas habituais e as suas predizibilidades que reprimem os conteúdos humanos presentes na vida do dia-a-dia.
As análises dos estudos de Kelsen[17] se preocupam com a norma vigente, ou seja, o Direito que é. Não pode o Legislador Constitucional ou Cientista Jurídico se preocupar com a norma desejável pela população. Caso percorra esse caminho, haverá juízo de valor[18] numa hipótese científica, descaracterizando a concretização da Ciência sobre o Senso Comum.
A proposição sobre a sanção no citado jus filósofo traduz a importância da norma Jurídica para efetivar a paz social a partir do racionalismo da idade Moderna. Segundo Kelsen, a citada categoria não seria um meio de garantia eficaz à Norma Jurídica, mas elemento essencial, nuclear, de sua atividade[19].
O poder do Estado, vislumbrado na sanção da norma, permite a efetividade do convívio social. Entretanto, a aplicação coercitiva dessa hipótese – sanção jurídica – não permite a compreensão do porquê se obedece à regra imposta pelos órgãos do Poder Público. Existe, nesse argumento, uma diferença: a prevalência do racionalismo sobre racionalidade.
O caráter totalitário do racionalismo impede de se perceber a pulsão da manifestação dos sentimentos de vida[20]. Segundo Maffesoli, existe algo de errado em querer se coibir o real. A vontade dessa quimera[21], em querer explicar os aspectos vitais num molde preestabelecido, não demonstra intenção de preocupação com o ser humano que sofre, é feliz, tem sentimentos e emoções.
As ações científicas justificam-se não no homem vivo, mas nas necessidades conforme a causa surge[22]. Falta algo de essencial nesse esquema intelectual que pretende descrever e prescrever a ocorrência do anódino cotidiano: a vida. Para retomar uma expressão do autor, há algo que deixa de ser desencarnado, deixa de ser satisfatório[23].
Há intenção de se construir uma forma, porém essa não possui função. O citado sociólogo destaca que o racionalismo é para a racionalidade um processo mortífero porque as potencialidades de transformação – especialmente na dimensão jurídica – podem ser vislumbradas, mas não compactuam com a finalidade desse racionalismo estático, ou seja, são estranhas aos seus desideratos[24]. Ao não concretizar essas potencialidades, ao perder a força viva da criação, o racionalismo torna-se vazio. Os pensamentos originais não se submetem mais às vontades de um simples utilitarismo[25].
A potência da criação normativa encontra seu sentido original entre o logos e o pathos. A preocupação de Kelsen não pode restringir em se perceber e viver quais os anseios que unificam as pessoas na procura de se concretizar a idéia de Maffesoli denominada estar-junto. Em outros termos, a vida é considerada como uma obra de arte e permite a concepção de uma estética[26] generalizada. O experimentar junto emoções ou valores, segundo o mencionado sociólogo, torna-se vetor de criação[27]. Esse criar a norma desejável torna-se a finalidade nuclear da Política Jurídica.
2 A POLÍTICA JURÍDICA E A CONSTRUÇÃO DA UTOPIA NORMATIVA
A consagração do espírito positivista na Ciência Jurídica Moderna[28] criou um ambiente para se identificar o Direito como Norma Jurídica. A técnica prevalece a fim de garantir o cumprimento da legalidade, pois a metodologia utilizada pelo positivismo jurídico não concebe nada que não possa ser medido ou quantificado. Devem-se satisfazer os critérios de observação e descrição científica, prevalecendo a neutralidade[29].
Entretanto, o desejo do Estado, formulado pela Norma Jurídica, compactua com os anseios da Sociedade? Poderá a entidade estatal promover qualquer ação normativa, pois estaria protegendo as relações intersubjetivas[30]? A resposta parece negativa porque não se efetivou, tampouco se tornou eficaz, a mudança paradigmática exigida à Ciência Jurídica tal como aconteceu com o advento da Astronomia Copernicana[31].
Goyard-Fabre, quando apresentou os equívocos do Positivismo Jurídico enunciou três possibilidades para sua ocorrência. Destaca-se a primeira perspectiva, pois essa ilustra a dimensão da Ciência Jurídica Moderna na atualidade. A proposta do jus positivismo pretende-se a – filosófica, ou seja, qualquer elemento que indicasse imprecisão ou ambigüidade não poderia ser estudado pelo citado método. Cita-se o exemplo da Categoria Justiça.
Entretanto, segundo a mencionada filósofa do Direito, a pretensa neutralidade axiológica do observador serve como fundamento para demonstrar a auto-suficiência científica da dimensão jurídica na análise da fenomenalidade do Direito, qual seja, a Norma criada pelo Poder Legislativo. Perceber a dimensão normativa como sinônimo de um fenômeno maior como o Direito, conforme expressam os ideais jus positivos, é uma ilusão[32].
A idéia kelseniana parece esgotar-se ao tentar promover a paz quando estuda uma única dimensão: o Direito Vigente. O Século XXI apresenta uma proposta (cultural, filosófica, antropológica, sociológica, política, econômica) diferenciada dos valores apresentados pela Modernidade. A era denominada Pós-modernidade não consegue evidenciar integralmente sua proposta axiológica ou epistemológica, porém percebe-se uma intenção em querer redimensionar e resgatar o significado da Pessoa. Ao realizar essa finalidade, a Política Jurídica[33] começa a perceber na vida de todos os dias os laços significativos para construir a norma desejável.
A primeira idéia que fundamenta a Pós-modernidade, segundo Bittar, é a incapacidade de se gerar um consenso sobre sua definição, seja para designar um […] estado atual das coisas, seja para se determinar um marco histórico no qual demonstre o fim da Modernidade e o início da Pós-modernidade[34].
Apesar dessa dificuldade (epistemológica), percebe-se uma característica própria desse movimento, qual seja: a de superar os paradigmas criados (e impostos) pela Modernidade.
Para Bittar, o modelo da racionalidade moderna começa a se esfacelar a partir dos anos setenta. A ideologia da Modernidade começa a ser questionada e reavaliada a partir de (novos) valores que necessitavam (e necessitam) de uma resposta satisfatória. Se o termo – Modernidade -, no pensamento do autor, era fonte de ambigüidades, o seu período sucessor – Pós-modernidade – traria uma dupla carga de questionamentos e inseguranças. Viver o momento presente significa estar entre dois períodos históricos, […] dois universos de valores[35], muito embora haja prevalência da Pós-modernidade sobre a Modernidade (aparentemente).
Existe, portanto, uma transição paradigmática inegável[36], contudo, a resistência de passagem (ou ruptura)[37] também se apresenta fortemente enraizada no cotidiano e na produção científica. Para o jusfilósofo, a Modernidade engendrou […] ares de eternidade no horizonte da sociedade ocidental […][38].
A Pós-modernidade é um processo (cultural) em formação. É uma vivência na qual não se consegue afirmar a partir de seus narradores ou de uma concepção teórica. O enaltecimento ou crítica a esse movimento torna-se uma atividade complexa, pois o cotidiano está impregnado de especulações (mitos, fantasias) em detrimento de informações empíricas que comprovem a existência desse período histórico. Em outros termos, conforme Bittar, […] se sabe menos sobre a pós-modernidade do que efetivamente acerca dela se especula[39].
Esse ir e vir entre a certeza e incerteza dos valores cotidianos permite às pessoas construírem entre si possibilidades de convivência que fomentam uma idéia autentica de democracia. O fundamento dessa busca por belas ações – ideal estético – reside na ética. A partir dessa manifestação social, a Política Jurídica procurar estabelecer um diálogo entre a ética (meio) e o bem comum (fim), ou seja, não se pode fundamentar ações que efetivem tão-somente finalidades utilitárias e sejam […] incompatíveis com a Ética[40].
A ética como fundamento estético permite ao político do direito, conforme Melo, criar normas jurídicas que procurem […] ensejar beleza na convivência humana, atingindo questões que estejam ligadas à apreensão de necessidades materiais e espirituais do homem[41].
O discurso da norma jurídica, engendrado por meio da Política Jurídica, não se torna uma promessa longínqua, destinada a perpetuar determinadas condições ideológicas do século XIX e XX. Ao contrário, recebe novo matiz que percebe o desejo de uma construção cultural pautada no […] bem-conviver, na comunicação aberta, no sentir-se aceito na diversidade […][42]. Cria-se a cultura da paz, do respeito, da tolerância[43].
Esse objetivo precisa ser perseguido, pois é impossível criar uma conduta que atenda aos procedimentos formais do Poder Legislativo sem qualquer receptividade pelas pessoas, ou seja, uma norma sem eficácia. A Política do Direito[44] pretende, pelo seu lanor científico, oferecer validade formal e material à Norma Jurídica. Consagra-se a função transformadora das utopias.
Para Melo, a Política Jurídica não pode estar comprometida com o projeto da Modernidade. A proposta epistemológica da Pós-modernidade representa uma nova forma de se pensar a reflexão sobre a produção normativa do Direito a partir de critérios racionais como a Justiça, a Legitimidade e a Utilidade. A realização desse pensamento permite, na idéia do autor, a […] realização de novas utopias carregadas de esperança[45].
As mudanças contínuas nos valores e cultura representam a vontade de se aprimorar as relações humanas, fomentando possibilidades de convivências que sejam belas e harmoniosas. Embora a realidade se mostre contrária (e muitas vezes persuasiva, negativamente), é possível visualizar esses projetos pelo qual se acredita lutar.
A categoria utopia, diferente de seu uso popular, significa, sob o ângulo da Filosofia, uma realidade que pode vir a ser, pode ser construída. Representa a […] força de transformação da realidade, assumindo corpo e consistência suficientes para transformar-se em autêntica vontade inovadora e encontrar os meios da inovação[46].
A partir da utopia, é possível criticar e modificar a realidade. Segundo o pensamento de Melo, quando esta categoria une sentimento e inteligência, os projetos sociais (adormecidos) tornam-se concretos, engendrando a consciência ética que produz belas ações (sentido estético). Entretanto, para que a utopia seja uma prática social efetiva, é necessário transformá-la em decisão política ou jurídica[47]. Eis a necessária participação das pessoas como cidadãs[48] que se preocupam com as vidas e ações intersubjetivas.
3 O QUE É A CIÊNCIA JURÍDICA HOJE? A TENSÃO ENTRE APOLO E DIONÍSIO NA BUSCA DE SEUS FUNDAMENTOS NO SÉCULO XXI
A partir do desenvolvimento teórico, demonstrou-se duas correntes de pensamento que traduziram(em), respectivamente, a Modernidade e Pós-modernidade. A metáfora utilizada para compor essa pesquisa demonstra a dicotomia acima citada como Apolo e Dionísio[49].
A expressão de Apolo sintetiza o ideal Moderno. A alta racionalidade para explicar cada minúcia do desenvolvimento da vida cotidiana indica as luzes e a beleza do conhecimento científico para gerar o progresso. Porém, quando essa última categoria acredita que toda ação reflexiva traz um avanço para a Sociedade, estar-se-ia concretizando a expressão de Latour: A Modernidade é uma flecha que avança para o futuro[50]. A Modernidade, sob o ângulo da Ciência Jurídica, despreza o passado e determina o presente como futuro imediato.
Quando esse avanço, sob a denominação progresso, não efetiva o equilíbrio entre os meios e os fins, torna-se impossível perceber o benefício advindo dessa atitude científica para as pessoas. A Norma Jurídica persegue ideal semelhante. Ao se preocupar com a forma adotada a fim de garantir ordem e legalidade, a expressão anteriormente citada perde sua eficácia, pois ausente estaria a validade material da regra. Sem essa última perspectiva, o Estado torna-se árbitro de suas vontades, impondo aos cidadãos a força da validade formal. O conteúdo normativo é desconsiderado. A estrutura e poder são suficientes para se efetivar o ideal de convivência pacífica.
A Pós-modernidade é caracterizada como um saber dionisíaco, ou seja, está impregnada pelo prazer dos sentidos e cumpre com sua função de efetivar a união social porque engendra uma sabedoria comedida[51]. Para Maffesoli, a sinergia dos sentidos, a sua harmonia contida na vida de todos os dias, concretiza o sensível como princípio de civilização porque nele reside uma fonte de riqueza espiritual, que fortalece o corpo e também a plenitude do coração[52]. Não há preocupação em se oferecer repostas prontas, precisas ou absolutas, mas de se construir um caminho que evidencie a peculiar condição humana: sua finitude e imperfeição.
O Direito, a partir desse saber dionisíaco, torna-se fenômeno cultural e acaba por ratificar a Consciência Jurídica[53] de uma determinada Sociedade. Entretanto, não se pode querer a substituição de um paradigma por outro. Estar-se-ia corroborando com a auto-suficiência vislumbrada pelo positivismo jurídico, na qual gerou(a) deficiências na compreensão epistemológica do fenômeno chamado Direito a partir da Ciência Jurídica. No século XXI, qual o caminho a ser trilhado pela construção normativa? Adota-se a perfeição apolínea ou a tragédia dionisíaca?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que significa produzir uma norma jurídica? O que pretende a Ciência Jurídica ao tentar estabelecer (ou prever) condutas que permitam ratificar uma convivência pacífica (e fraternal) entre as pessoas? Estas são indagações quer percorrem o imaginário dos juristas a procura de uma resposta que não possua a intenção de elaborar um paradigma científico definido, mas traga uma indicação de esperança (possível), de mudança.
A metáfora apolíneo-dionisíaca representa a dicotomia existente entre Ciência Jurídica Moderna e Política do Direito. A primeira expressão denota a força do Estado, dos procedimentos, da idéia científica absoluta que tudo prevê e resolve. A segunda, demonstra a condição humana: suas falhas e acertos na vida cotidiana, seus elementos unificadores e significativos que traduzem a tentativa de se conviver pacificamente, tais como a Cultura.
Dois pólos antagônicos, entretanto, complementares. Os defensores de uma visão radical sobre a denominada Pós-modernidade – Maffesoli, Morin, Lyotard – acreditam que a (extinta) Modernidade já cumpriu o seu dever social. Cede-se espaço para uma mentalidade que aprecie os (novos) valores do Século XXI: tolerância, harmonia, humanidade, entre outros. Os positivistas, contudo, rechaçam toda a ambigüidade e incerteza contida nas manifestações anódinas da vida. Somente a Ciência é capaz de determinar os passos do Ser humano.
Como sair desse problema epistemológico? A resposta já foi indicada: a idéia do complemento.
A Norma Jurídica criada pelo Positivismo Jurídico parece não possuir eficácia ou efetividade, especialmente no Brasil. Cria-se uma regra e, muitas vezes, não há adesão social. Por quê? Aparentemente, o discurso normativo pode estar distante da vida de todos os dias. Não se pode negar a necessidade do pensamento kelseniano. É preciso uma diretriz para se aplicar e (re)pensar os critérios formais da Norma Jurídica – validade formal. Entretanto, o caráter apolíneo dessa atividade não consegue satisfazer seu objetivo sozinho. Necessita-se, também, perceber a validade material, ou seja, os desejos e anseios dos cidadãos presentes na elaboração da regra estatal.
A validade material será concretizada por meio da Política Jurídica – caráter dionisíaco. O Político do Direito discute os modos de elaboração da norma desejável para população a partir da ética, bem como (re)formula os critérios de aplicação da regra vigente. Busca-se, por meio desse pensamento, resgatar a história, cultura e valores de uma determinada Sociedade porque, a partir desses subsídios, é possível reatar a esperança nas pessoas. Traduz-se e protege-se algo que representa, autenticamente, a idéia de ser humano. Adequa-se, portanto, a norma ao tempo dos valores ali descritos.
Percebe-se que a ação Política Jurídica preocupa-se com a correspondência da situação axiológica ao discurso contido na regra jurídica. Quando os dois elementos – formal e material – unem-se para descrever a ação normativa, tem-se a sua eficácia. A realidade é criada e protegida pela lei, aplicada ao cotidiano e institui a compreensão do seu conteúdo, em outros termos, não se obedece à regra pela imposição coercitiva do Estado, mas porque há tradução de um projeto ético que permite a efetivação do bem-viver entre as pessoas.
Apolo e Dionísio, nessa perspectiva, somam esforços e garantem o equilíbrio à vida social, percebendo os seus valores significativos. Se essa condição for algo autentico e fomentar um ambiente democrático, o Estado, por meio do Poder Legislativo e da Política Jurídica, irá corroborar proteção legal a essas manifestações humanas.
Ao se preservar os eixos culturais (mínimos) – amor, respeito, dignidade, tolerância e cidadania -, constroem-se normas de conteúdo axiológico que não se perdem com o tempo, ao contrário, afirmam a possibilidade de se perceber uma Cultura cujo conteúdo respeita e concretiza o belo sentido da condição humana: viver e compartilhar o momento presente.
Informações Sobre o Autor
Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino
Doutorando e Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.. Especialista em Administração pela Universidade Independente de Lisboa – UNI. Integrante do Grupo de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu – Mestrado e Doutorado – da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI: Fundamentos Axiológicos da Produção do Direito e do Grupo Interdisciplinar em Desenvolvimento Regional, Contingência e Técnica da Universidade Estadual do Piauí – UESPI. Professor do Instituto de Ensino Superior da Grande Florianópolis – IES, da Associação de Ensino Superior de Santa Catarina – ASSESC, da Faculdade Santa Catarina – FASC e do Centro Universitário de Brusque – UNIFEBE.