Resumo: O artigo traça uma panorâmica da evolução das ações na área de Saúde Pública desde a Constituição de 1891, que determinou aos Estados a responsabilidade pelas ações de saúde e saneamento até as tendências e perspectivas da atualidade. Desta forma, são citados fatos e personagens que tiveram um papel significativo para o desenvolvimento do sistema de saúde do Brasil, como Osvaldo Cruz, que, em frente à situação da saúde na época, viu-se obrigado a atuar de forma radical no combate a doenças e agentes infecciosos, propondo o código sanitário que instituía a desinfecção e arrasamento de edificações consideradas nocivas à saúde pública, além da campanha de vacinação obrigatória, fatos esses que foram alvos de criticas. Outros acontecimentos também foram explorados, como o nascimento da previdência social e a crise do regime de capitalização após a guerra de Vargas. Partindo do artigo 196 da Constituição Federal de 1998, que firma a saúde como direito de todos e dever do Estado, reflete-se que esta deve estar vinculada aos direitos humanos, ao direito ao trabalho, à moradia, educação, alimentação e lazer. Portanto, o artigo aponta que a efetivação do direito à saúde depende do provimento de políticas que assegurem esse direito, cabendo, especificamente ao SUS a promoção, proteção e recuperação da saúde dos indivíduos e das coletividades de forma eqüitativa.
Sumário: 1 Precedentes Históricos; 2 1923-1930: Nascimento da Previdência Social no Brasil ; 3 1930-1945: Proposta de Contenção de Gastos e Surgimento das Ações Centralizadas de Saúde Pública; 4 1945-1968: Crise do Regime de Capitalização e Nascimento do Sanitarismo Desenvolvimentista; 5 1968 – 1979: Crise, Reforma e Consolidação da Rede Privada em Saúde ; 6 Década de 80: A Eclosão da Crise Estrutural e Consolidação das Propostas Reformadoras; 7 Perspectivas Contemporâneas em Saúde Pública; Referências.
1 PRECEDENTES HISTÓRICOS
Proclamada a República, em 1889, o Brasil passou a ser dominado pelas oligarquias formadas pelos coronéis, manda-chuvas políticos em uma época onde a competição eleitoral era praticamente inexistente; e os bacharéis, a oligarquia elitizada, formada por intelectuais políticos da época.
A Primeira República acentuava as tendências centrífugas, caracterizando-se, entre outros aspectos, domínio das oligarquias estaduais e por uma coalizão federal de poderes locais atomizados (SANTOS, 2002, 2005).
Dessa forma, pode-se observar a presença do controle municipal exercido pelas oligarquias regionais, fato que contribuía para a ausência do sentimento de nacionalidade do povo brasileiro. Essa ausência de nacionalidade era um dos principais problemas enfrentado na época pelos intelectuais, que queriam construir a nacionalidade brasileira e fortalecer a presença do Estado em todo o território nacional. Com a criação da radiocomunicação e dos correios e telégrafos, abriu-se um novo horizonte para um sistema de comunicação integrado no país, fortalecendo o governo federal nos municípios, o que gerou forte resistência das oligarquias regionais.
A Constituição de 1891 determinou que, cabia aos estados a responsabilidade pelas ações de saúde e saneamento, assim como pelas de educação.
Segundo CONIL (2002), as políticas de saúde ocorrerão, na virada do século XIX para o século XX, com as mudanças no modo de produção, aliando autoritarismo ao nascente cientificismo europeu. Oswaldo Cruz, oriundo do Instituto Pasteur, irá enfrentar as epidemias da época (febre amarela e varíola) que ameaçam a saúde dos portos e a agroexportação por meio de campanhas com vacinações e inspeções sanitárias. Ou seja, as primeiras ações do Estado na área de saúde tinham um claro interesse econômico, para viabilizar as exportações dos produtos brasileiros.
Durante os séculos XVIII e XIX, os cientistas europeus buscavam explicações para os quadros de morbidade que acometiam a população. As pesquisas acerca das doenças baseavam-se na observação da morbidade com registro contínuo dos quadros de adoecimento e morte (evolução da doença e acompanhamento dos casos) e na busca de casualidade e formas de transmissão das doenças (COSTA, 1985).
Começava assim a busca por conhecimento e ações na área de saúde pública, com a criação em 1897, da Diretoria Geral de Saúde Pública e a criação de institutos específicos de pesquisa, como o Instituto Soroterápico Federal criado em 1900, renomeado Instituto Oswaldo Cruz (IOC) um ano depois.
A reforma na saúde foi projetada a partir de 1903, sob a coordenação de Oswaldo Cruz, que assume a Diretoria Geral de Saúde Pública. Extensivamente, em prol do saneamento e da reorganização urbana para eliminar os focos de desordem, a atuação no campo da psiquiatria é abarcada pela ação de Juliano Moreira. Em 1904, Oswaldo Cruz propõe um código sanitário que institui a desinfecção, inclusive domiciliar, o arrasamento de edificações consideradas nocivas à saúde pública, a notificação permanente dos casos de febre amarela, varíola e peste bubônica e a atuação da polícia sanitária. Ele também implementa sua primeira grande estratégia no combate às doenças: a campanha de vacinação obrigatória. Seus métodos tornaram-se alvo de discussão e muita crítica, culminando com um movimento popular no Rio de Janeiro, conhecido como a Revolta da Vacina (COSTA, 1985; COC, 1995).
Com as ações de Oswaldo Cruz, avançou-se bastante no controle e no combate de algumas doenças, além do conhecimento sobre as mesmas. Mas apesar das ações de saúde pública estarem mais voltadas para ações coletivas e preventivas, grande parte da população ainda não possuía recursos próprios para custear uma assistência à saúde.
2. 1923-1930: Nascimento da Previdência Social no Brasil
Em janeiro de 1923, inspirado pela Legislação Argentina sobre a previdência social, o Deputado Eloy Chaves apresentou um Projeto de Lei que propunha a instituição da Caixa de Aposentadoria e Pensões para os ferroviários, em cada uma das empresas de estrada de ferro. Este projeto de Lei foi aprovado pelo Congresso e sancionado pelo Presidente da República, transformando-se no Decreto nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923, conhecido depois como “Lei Eloy Chaves”. Esta caixa de proteção social foi influenciada também pelo modelo previdenciário inglês de seguro e propunha atender:
“soccorros médicos em caso de doença em sua pêssoa ou pêssoa de sua família, que habite sob o mesmo tecto e sob a mesma economia; a medicamentos obtidos por preço especial determinado pelo Conselho de Administração; aposentadoria; e, a pensão para seus herdeiros em caso de morte” (Artigo 9°, §§ 1° a 4°, do Decreto n° 4.682 de 24 de janeiro de 1923 – Lei Eloy Chaves).
Essa Caixa de Aposentadorias e Pensões (CAPs) foi criada especificamente para os servidores públicos e organizado segundo os princípios da seguridade social, dependendo de contribuição por parte dos segurados.
As CAPs eram organizadas pelas empresas e administradas e financiadas por empresas e trabalhadores, em uma espécie de seguro social. Nem toda empresa oferecia ao trabalhador a possibilidade de formação de uma CAP – esse era um benefício mais comum nas empresas de maior porte. O Estado em nada contribuía financeiramente e muito menos tinha responsabilidade na administração dessas Caixas – sua atuação restringia-se à legalização de uma organização que já vinha se dando de maneira informal desde 1910, e ao controle a distância do funcionamento dessas caixas, mediando possíveis conflitos de interesses (TEIXEIRA & OLIVEIRA, 1985).
Com as CAPs, uma parcela mínima dos trabalhadores do país passava a contar com uma aposentadoria, pensão e assistência à saúde. Assim, o direito à saúde neste período estava restrito à condição de segurado.
O movimento sanitarista da Primeira República obteve importantes resultados, principalmente na esfera política, o que pode ser observado com a criação, em 1920, após um intenso processo de negociação política, envolvendo sanitaristas, governo federal, estados e poder legislativo, do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), dirigido até 1926 por Carlos Chagas. Inicialmente, defendia-se a criação de um ministério autônomo, como ocorria em outros países latino-americanos, porém tal proposta foi fortemente atacada pelas oligarquias rurais que apontavam essa criação como uma ameaça ao princípio da autonomia estadual.
Em justificativa ao projeto de lei, o Deputado Eloy Chaves esclareceu que:
“Nas aposentadorias tive muito em vista não só o tempo de serviço como a idade do aposentado. Procurei evitar o auxílio demasiado aos inativos, ampliando aos verdadeiramente inválidos. Diminuí progressivamente a importância das aposentadorias à medida que aumentava os ordenados. Garanti ao empregado ferroviário esses favores de aposentadoria, qualquer que seja seu tempo de serviço, desde que fique incapacitado de exercer seu emprego por acidente havido no exercício do mesmo emprego. Ao organizar a direção da Caixa, procurei dar-lhe plena autonomia, libertando-a das peias da fiscalização do Poder Público. Deve ser dirigida e fiscalizada pelos que por ela vão ser beneficiados. Haverá em sua constituição para assegurar-lhe a tranqüilidade e continuidade, uma parte de diretores fixa e outra parte renovável por eleição. Aliás, uma e outra pertencerão ao quadro dos empregados ferroviários.”
As mudanças políticas implementadas com a criação do DNSP debatem sobre as tendências antioligárquicas e os conflitos intraoligárquicos manifestados na década de 1920 e culminados com a Revolução de 1930. A criação do DNSP foi o resultado de intenso processo de negociação política, envolvendo sanitaristas, governo federal, estados e poder legislativo.
De acordo com a Constituição de 1891, no que se refere às políticas sociais, verificou-se, na área da saúde, o desenvolvimento de uma política social pública e nacional. O período da Primeira República pode ser caracterizado como a “era do saneamento” (HOCHMAN, 1998), identificando-se o período de 1910 a 1930 como o crescimento da consciência do governo em relação aos diversos problemas sanitários do país. Com a reformulação dos serviços sanitários e a criação do DNSP, durante o regime oligárquico da Primeira República, foi possível aos estados:
“Obter auxílio federal mediante acordos para ações de saúde e saneamento. Esses convênios viabilizam a ação do poder central nos estados, sem ferir suas respectivas autonomias. Ao longo do tempo, houve o crescimento das atividades públicas em saúde e saneamento em todo o território nacional, tanto do governo federal, como de governos estaduais que passaram o desenvolver seus próprios serviços. São Paulo foi praticamente o único estado que se dedicou a uma ampla política sanitária, desde o início da República, e que se manteve autônomo em relação aos serviços federais. A era do saneamento não significou a resolução de todos os complexos problemas de saúde pública, mas legou uma infra-estrutura estatal, com a autoridade sanitária presente em grande parte do território brasileiro.” (HOCHMAN, 1998).
Ainda na Primeira República, foram instituídas bases para a criação de um sistema nacional de saúde, caracterizado pela concentração e verticalização das ações no governo central. O período de 1930 é visto como marco inicial das políticas sociais e da centralização estatal.
3.1930-1945: Proposta de Contenção de Gastos e Surgimento das Ações Centralizadas de Saúde Pública
Em 1930 foi criado o Ministério da Educação e da Saúde Pública (Mesp) no Governo Provisório do Presidente Getúlio Vargas, o qual passou por sucessivas reformulações.
Inicialmente, o período compreendido pelo Governo Provisório (1930-1934) foi marcado por uma grande instabilidade política, reflexo, entre outras razões, da heterogeneidade de forças que haviam se aliado durante o processo revolucionário. Naquela conjuntura política, tornou-se evidente que o setor agroexportador brasileiro passava por uma crise de hegemonia, identificada principalmente nas dissidências regionais. Como os demais setores da sociedade – no caso os grupos agrários não ligados ao café e os grupos urbanos emergentes – não se encontravam suficientemente coesos para se constituir como força política hegemônica, os desdobramentos do movimento de outubro de 1930 ficaram sujeitos às disputas políticas entre as diferentes facções que haviam se agrupado em torno da Aliança Liberal, particularmente entre tenentes e oligarquias dissidentes (GOMES, 1980).
Após ser criado o Ministério do Trabalho, os trabalhadores passaram a ter direitos antes inexistentes. Getúlio Vargas, conhecido como o pai dos trabalhadores começou uma política de proteção aos trabalhadores visando o apoio dos mesmos nos projetos do Estado, sustentando, assim, os seus interesses econômicos. É nessa fase que são criados os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), ampliando o papel da CAPs, dando início ao sistema de proteção social brasileiro.
Com a criação dos IAPs passou-se a incluir em um mesmo instituto toda uma categoria profissional, não mais apenas empresas, o Estado passou a participar da sua administração, controle e financiamento. A partir daí, dá-se início à criação de um sistema público de previdência social, porém, ainda se mantinha o formato do vínculo contributivo formal do trabalhador para a garantia do benefício, caso não contribuísse estaria excluído do sistema de proteção. Em decorrência desse sistema estavam excluídos: os trabalhadores rurais, o profissional liberal e todo trabalhador que exercesse uma função não reconhecida pelo Estado. Dessa forma, a proteção previdenciária era um privilégio de poucos, ocasionando uma injustiça social em grande parte da população, podendo-se notar uma cidadania regulada e excludente, pois não garante a todos os mesmos direitos.
Havia a discriminação dos benefícios de acordo com a categoria profissional, fazendo com que algumas categorias, sobretudo as mais importantes para o processo agroexportador, tivessem mais benefícios que outras, pois as IAPs organizavam e ofereciam aos seus contribuintes um número maior de benefícios, como um padrão melhor de assistência médica e hospitalar.
Ao Mesp coube cuidar da saúde pública, ou seja, tudo o que dissesse respeito à população e que não se encontrava resguardado pela medicina previdenciária, ou seja, todos aqueles que não se encontravam habilitados a usufruir os serviços dos serviços oferecidos pelas caixas e pelos institutos previdenciários, como era o caso dos pobres, desempregados e os que exerciam atividades informais.
Essa definição a respeito do conhecimento de direitos sociais implicou, ao mesmo tempo, a associação entre assistência médica previdenciária e trabalhadores urbanos e a ênfase das ações de saúde pública como políticas e modelos de serviços voltados predominantemente para a população rural. (LIMA, 2005).
Lima (2005) cita um texto publicado em 1948 pelos sanitaristas Ernani Braga e Marcolino Candau sintetizando com rara sensibilidade este fato:
“No Brasil, especialmente nos últimos anos, observou-se, sob o controle do governo, o desenvolvimento de um extenso programa de assistência médico-social compulsório para as classes assalariadas, programa esse que, apesar de vir atender a uma razoável parte de nossa população, não pode ainda cogitar da grande massa constituída pelos habitantes da zona rural, os quais por não trabalharem em regime regular de emprego, não sendo, portanto obrigados a contribuir para as organizações de seguro médico-social, vêem-se, em sua maioria, totalmente desprovidos de qualquer tipo de assistência médico-sanitária, a não ser aqui e ali e assim mesmo muito mal, aquela que é prestada pelos serviços oficiais de saúde e pelas instituições de caridade”. (CANDAU & BRAGA, 1948).
Desse modo pode notar-se que mesmo o Estado mantendo ações de saúde pública, promovendo o controle e a prevenção de doenças transmissíveis e atuando na assistência a algumas doenças, a assistência à saúde e ainda tinha que contar com a caridade, o assistencialismo dos hospitais e dos profissionais de saúde.
4. 1945-1968: Crise do Regime de Capitalização e Nascimento do Sanitarismo Desenvolvimentista
Com a queda de Vargas, em outubro de 1945, a eleição de Eurico Gaspar Dutra e a promulgação de uma nova constituição em 1946, o país inicia um período de 19 anos de experiência democrática. A saúde pública passou a ter uma estrutura mais centralizada com programas e serviços verticalizados para implementar campanhas e ações sanitárias. Assim a saúde pública e a assistência médica passaram a ser decididas em um ambiente mais democrático, caracterizado por disputas político-partidárias, eleições livres, funcionamento dos poderes republicanos, liberdade de imprensa e organização e demandas por direitos e incorporação.
Entre diversas doenças tropicais da época, a malária assumia um lugar de destaque. Era apontada por muitos como ‘a doença econômica’ por excelência (LIMA, 2005 apud PACKARD & BROWN, 1997). Esses novos significados e interesses presentes na associação entre saúde e desenvolvimento passaram a marcar os espaços institucionais no campo da saúde pública (LIMA, 2005 apud PACKARD, 1997).
Neste período ocorreu um intenso debate sobre os custos econômicos das doenças como obstáculo ao desenvolvimento dos países, particularmente no que se refere à expansão agrícola e à produtividade do trabalho (LIMA, 2005).
Diversos programas de controle e erradicação das “doenças tropicais” atraiam o interesse de instituições nacionais e internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) – transformada então em Escritório Regional da OMS para as Américas –, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).
Nos principais países desenvolvidos da Europa constituem-se, no pós-guerra, os Estados de Bem-Estar Social (também conhecidos como Welfare State) com o objetivo de reerguer as economias afetadas pela guerra e configurar Estados fortes e compromissados com a democracia e a justiça social – uma forma de combater o comunismo e manter as economias européias no padrão competitivo mundial (ESPING – ANDERSEN, 1995).
Os Estados de Bem-Estar consistem em uma política sustentada e pactuada entre a área econômica e a social com o objetivo de garantir o bem-estar da população e manter a produção econômica. Os pilares dessa política eram: o pleno emprego, a provisão pública de serviços sociais e universais – como saúde, educação, saneamento, habitação, lazer, transporte, etc. – e a assistência social para aqueles não incluídos no sistema produtivo (FARIA, 1997).
Nesse período, ainda não havia uma política de bem-estar social no Brasil, mas havia uma ideologia desenvolvimentista, indicando a relação pobreza-doença-subdesenvolvimento, com a necessidade de melhorar o nível de saúde da população para alcançar o desenvolvimento. Uma política de saúde pública universal e com a necessidade de melhorar o nível de saúde da população para alcançar o desenvolvimento. Uma política de saúde pública universal enfatizando a prevenção das doenças transmissíveis, e uma política de saúde previdenciária, restrita aos contribuintes da previdência e seus dependentes, com ênfase na assistência curativa. O direito à saúde integral e irrestrito ainda não era assegurado a todo cidadão brasileiro.
O ‘sanitarismo desenvolvimentista’, analisado por vários autores (LABRA, 1985; ESCOREL, 2000; BRAGA & PAULA, 1981) que tinha em Samuel Pessoa, Mário Magalhães e Gentile de Melo seus principais representantes, reagia ao campanhismo, à centralização, à fragilidade dos governos locais e ao baixo conhecimento do estado sanitário do país pela falta de informações e dados vitais – legados do Estado Novo –, e propugnava a compreensão das relações entre pobreza e doença e sua importância para a transformação social e política do país. Ainda que heterogêneo internamente, esse ‘novo sanitarismo’ integrava a corrente nacional-desenvolvimentista e se expressaria com mais vigor no processo de radicalização política que marcou o início da década de 1960 (LIMA, 2005).
De 1945 a 1964, o país continuava a ser predominantemente rural. O combate às endemias rurais e às doenças transmissíveis era a principal preocupação dos organismos de saúde pública, para isso foi criado o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu) em 6 de março de 1956, de acordo com a Lei 2.743, sua principal responsabilidade era combater às principais endemias do país, entre elas malária, leishmaniose, doença de chagas, peste, febre amarela, esquistossomose, ancilostomose, hidatidose, bócio endêmico e tracoma.
A criação do Ministério da Saúde (MS), a reforma dos serviços nacionais, até então especializados na definição e implementação de medidas isoladas para cada doença, com sua integração em um órgão único, o DNERu, mantinha como posição hegemônica a defesa do foco central nas doenças da coletividades, em especial nas endemias rurais que obstaculizavam o desenvolvimento em um país ainda rural. Ainda que o DNERu integrasse ações antes dispersas em diferentes órgãos que combatiam isoladamente doenças específicas, o modelo ainda se mantinha vertical, orientado para enfermidades rurais e coordenado pelo governo federal (LIMA, 2005).
A Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, sancionada pelo Presidente Juscelino Kubitschek, institui a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS). As instituições de previdência social foram constituídas como serviço público descentralizado da União, com personalidade jurídica de natureza autárquica.
O golpe militar de 1964 trouxe mudanças para o sistema sanitário brasileiro, com destaque na assistência médica, no crescimento progressivo do setor privado e na abrangência de parcelas sociais no sistema previdenciário.
A primeira ação significativa no sistema previdenciário brasileiro ocorreu em 1966 com a unificação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). O novo órgão permitiu uma padronização dos institutos, principalmente acerca dos benefícios prestados, causando insatisfação naqueles contribuintes de institutos com mais benefícios, afinal, com a unificação, os menos ricos poderiam usufruir de mais benefícios do instituto. Há ainda extensão da cobertura previdenciária para a assistência psiquiátrica, até então realizada em hospitais públicos, sobretudo para pessoas de baixa renda.
5. 1968 – 1979: Crise, Reforma e Consolidação da Rede Privada em Saúde
Frente às críticas ao seu projeto político, social, o regime militar procurou resistir ampliando, por um lado, de forma controlada, o espaço de manifestação política; por outro, utilizando-se simultaneamente de dois mecanismos voltados para responder às demandas das camadas populares: concessões econômicas restritas e uma política social ao mesmo tempo repressivo e paternalista (TEIXEIRA & OLIVEIRA, 1985).
A partir de meados da década de 70, após um cenário de crise política e econômica iminente do governo militar, começou a se definir novas estratégias para manter o governo, dentre elas houve a definição do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) e a política de abertura do governo.
O II PND foi um plano qüinqüenal voltado ao desenvolvimento econômico e social, o qual continuava ideologicamente orientado pela visão do ‘Brasil Grande Potência’. Apareciam nele, entretanto, algumas prioridades no campo social: educação, saúde e infra-estrutura de serviços urbanos. O diagnóstico apresentado para a saúde pública e, inclusive, para a assistência médica da previdência denunciava a carência de capacidade gerencial e estrutura técnica, o que reduzia a eficácia dos recursos públicos e elas destinadas e elevava o risco das decisões de aumentá-las substancialmente.
Para fazer frente a esses desafios, o governo criou o Conselho de Desenvolvimento Social (CDS), à semelhança do Conselho de Desenvolvimento Econômico e o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS). O regime precisava lançar mão de políticas sociais para a sua legitimação, por isso investiu, canalizou recursos e priorizou projetos nestes setores. No entanto, não tinha quadros para ocupar todos os espaços abertos e terminou por criar espaços institucionais para pessoas de pensamento contrário, senão antagônicos, ao dominante em seu setor. Por esta brecha, lideranças do movimento sanitário entraram na alta burocracia estatal, na área da Saúde e da Previdência Social (ESCOREL, 1998).
As pressões por reforma na política de saúde possibilitaram transformações concretas ainda nos anos 70, mudanças que se efetivaram de forma incipiente e resguardando os interesses do Estado autoritário. Dentre as políticas implementadas, segundo Baptista (2005), destacam-se:
“- a criação do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS), em 1974, que distribuiu recursos para o financiamento de programas sociais;
– a formação do Conselho de Desenvolvimento Social (CDS), em 1974, que organizou as ações a serem implementadas pelos diversos ministérios da área social;
– a instituição do Plano de Pronta Ação (PPA), em 1974, que constitui em uma medida para viabilização da expansão da cobertura em saúde e desenhou uma clara tendência para o projeto de universalização da saúde;
– a formação do Sistema Nacional de Saúde (SNS), em 1975, primeiro modelo político de saúde de âmbito nacional que desenvolveu imediatamente um conjunto integrado de ações nos três níveis de governo;
– a promoção do Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (Piass), em 1976, que estendeu serviços de atenção básica à saúde no nordeste do país e se configurou como a primeira medida de universalização do acesso à saúde;
– a constituição do Sistema Nacional da Previdência e Assistência Social (Sinpas), em 1977, com mecanismos de articulação entre saúde, previdência e assistência no âmbito do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), e a criação do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), que passou a ser o órgão coordenador de todas as ações de saúde no nível médico-assistencial da previdência social”.
Outra organização bastante importante na luta do movimento sanitário foi o Centro Brasileiro de Estudos em Saúde – CEBES criado em 1976 e a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco). Criada em 1979 como uma associação dos programas de pós-graduação em saúde coletiva e saúde pública, enfatizando a residência em medicina preventiva e social, para formar gestores sanitários para o Sistema Nacional de Saúde.
Os reformistas buscavam a universalização do direito à saúde, a unificação dos serviços prestados pelo Inamps e a integralidade das ações. No Brasil, crescia o debate sobre o direito à saúde, em um sentido mais amplo. Portanto, o direito à saúde significava a garantia de condições dignas de vida e de acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação em todos os níveis, assegurado pelo Estado.
6. Década de 80: A Eclosão da Crise Estrutural e Consolidação das Propostas Reformadoras
O governo Figueiredo, marcado pela abertura política e a influência do II PND, pareceu mais promissor para a área da saúde, pois as experiências municipais de reorganização de serviço de saúde e o Piass apresentavam sinais de sucesso. O movimento da Reforma Sanitária indicava propostas de expansão da área de assistência medica da previdência, aumentando os conflitos de interesse com a previdência e envolvendo poder institucional e pressões do setor privado. Tais pressões resultam na criação de mecanismos de coordenação entre os ministérios com o intuito de se elaborar um projeto para reordenar o setor.
A década de 80 iniciou-se em clima de redemocratização, crise política, social e institucional do país, tendo como primeiro passo a realização da 7ª Conferência Nacional de Saúde (CNS) com o propósito de reformular a política de saúde e formular o Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde (Prev-Saúde), que visava uma extensão nacional do Piass, ou seja, buscava dotar o país de uma rede de serviços básicos que oferecesse, em quantidade e qualidade, os cuidados primários de proteção, promoção e recuperação da saúde, tendo como meta a cobertura de saúde para toda a população até o ano 2000 (Conferência Nacional de Saúde, 1980). Tinha como seus pressupostos básicos a hierarquização das formas de atendimento por níveis de complexidade, a integração dos serviços existentes em cada um dos níveis de complexidade, seja na rede pública ou privada, e a regionalização do atendimento por áreas de populações definidas. Entretanto, não passava de uma proposta de investimento no nível primário de atenção, que não tocava na rede hospitalar privada.
No entanto, o Prev-Saúde acabou não sendo incorporado pelo governo e muito menos estabelecido na prática, dadas as resistências interburocráticas assentadas no Inamps, a forte oposição das entidades do segmento médico empresarial e ainda as pressões oriundas do campo da medicina liberal e do setor privado contratado (CORDEIRO,1991). Tais fatores contribuíam para que o Prev-Saúde não se concretizasse, tornando-se um projeto “natimorto”, e como tal, permaneceu como padrão das reformas sanitárias desejados pela sociedade, jamais atendidas pelo governo. Essas idéias reformistas começavam a se integrar em uma proposta abrangente de definição da política de saúde.
A década de 1980 é ainda marcada por movimentos de contestação ao sistema de saúde. A primeira medida tomada foi a formação do Conselho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciário (Conaps), em 1981, como órgão do Ministério da Previdência e Assistência Social. O Conasp deveria buscar respostas concretas que explicassem a razão da crise no setor, devendo operar como organizador e racionalizador da assistência médica buscando diminuir e racionalizar gastos. Sendo assim, deveria sugerir critérios para destinar recursos previdenciários do setor saúde, aconselhar políticas de financiamento e de assistência à saúde, aconselhar políticas de financiamento e de assistência a saúde, além de analisar e avaliar a operação e o controle da Secretaria de Assistência Médica da Previdência Social.
A avaliação do Conasp determinou diversas alterações no modelo de saúde até então vigente, como: inadequação de serviços à realidade; inclusão insuficiente de diversas prestadoras; recursos financeiros insuficientes; desvalorização dos serviços próprios; e, superprodução dos serviços contratados.
Essa avaliação indicava uma rede de saúde, ineficiente, desintegrada e complexa, indutora de fraude e desvios de recursos. A partir dessa avaliação, foram elaboradas propostas operacionais básicas para a reestruturação do setor, mas não para a finalização do sistema. Dentre as propostas apresentadas, destacam-se: o Programa das Ações Integradas de Saúde (Pais), a Programação e Orçamentação Integrada (POI), o Programa de Racionalização Ambulatorial (PRA) e o Sistema de Assistência Médico-Hospitalar da Previdência Social (SAMHPS).
O Pais, posteriormente denominado apenas Ações Integradas de Saúde (AIS), mostrou-se como a principal saída para a universalização do direito à saúde e significou uma proposta de “integração” e “racionalização” dos serviços públicos de saúde e de articulação destes com a rede conveniada e contratada, o que combinaria um sistema unificado, regionalizado e hierarquizado para o atendimento. A proposta resumia-se na assinatura de convênios entre os Inamps e os estados e municípios para o repasse de recursos destinados à construção de unidades da rede com o compromisso dos governos de oferecer assistência gratuita a toda a população e não só para os beneficiários da previdência. Com essa proposta, as AIS, recuperavam a estratégia apresentada no Prev-Saúde e avançavam significativamente na conformação de políticas que levariam à reforma do setor saúde, fortalecendo a coordenação de ações entre a união e os estados e a incorporação do planejamento à prática institucional.
Em 1985, o regime militar chega ao fim com a eleição indireta da chapa de oposição, apoiada pela dissidência do próprio partido governista. O presidente eleito, Tancredo Neves, falece antes de tomar posse, assumindo o governo, chamada Nova República, o vice-presidente José Sarney. No setor econômico, o governo Sarney é marcado por dois planos, o Plano Cruzado I e II, que visam atacar a hiperinflação, buscando a estabilidade e o crescimento econômico. No setor político, busca-se um equilíbrio entre as forças vitoriosas sob a hegemonia dos políticos democratas e liberais.
Com a chegada da Nova República, o plano das AIS foi retomado, impulsionando, junto com uma nova POI, a reformulação do sistema de saúde visando uma rede unificada.
Líderes do movimento sanitarista passam a ocupar posições de destaque no âmbito político-institucional no país, coordenando as políticas e negociações no setor da saúde e previdência. Em decorrência disso, no ano de 1986, ocorreu a 8ª Conferência Nacional de Saúde, presidida por Sérgio Arouca, então presidente da Fundação Oswaldo Cruz. “Esta conferência foi um marco histórico da política da saúde brasileira, pois, pela primeira vez, contava-se com a participação da comunidade e dos técnicos na discussão de uma política setorial”. A conferência contou com a participação de mais de quatro mil pessoas nos debates, evidenciando-se que as modificações no setor da saúde ultrapassava, os limites de uma reforma administrativa e financeira.
Existia a necessidade de uma reforma mais profunda, com a aplicação do conceito de saúde e sua correspondente ação institucional. Foi aprovada, por unanimidade, a diretriz da universalização da saúde e do controle social efetivo de acordo com as práticas de saúde estabelecidas, permanecendo as propostas de fortalecimento do setor público, garantindo um direito à saúde integral.
No relatório da 8ª Conferência Nacional de Saúde consta que:
“- Saúde como Direito – em seu sentido mais abrangente, a saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É, assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, que podem gerar desigualdades nos níveis de vida.
– Direito à saúde significa a garantia, pelo Estado, de condições dignas de vida e de acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação de saúde, em todos os seus níveis, a todos os habitantes do território nacional, levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade.”
Este relatório serviu de referência na discussão da Assembléia Nacional Constituinte em 1987/1988, sendo reconhecido como um documento de expressão social.
Na 8ª CNS, também se discutiu a unificação do Inamps com o Ministério da Saúde, devendo a Previdência Social ficar encarregada das ações próprias do seguro social, enquanto que a saúde seria entregue a um órgão federal com novas características. Sendo assim, foi aprovada a criação de um sistema único de saúde com a separação total da saúde em relação à previdência.
As propostas da 8ª CNS não foram realizadas imediatamente, pois, ainda havia a discussão acerca do financiamento e a sobre a operacionalização do novo sistema de saúde. Dessa forma, em julho de 1987, criou-se o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (Suds), através de uma proposta do Inamps/MPAS, que se apresentou como base na construção do SUS.
O Suds avançou na política de descentralização da saúde e, principalmente na descentralização do orçamento, permitindo uma maior autonomia dos estados na programação das atividades do setor; deu prosseguimento às estratégias de hierarquização e universalização da rede de saúde e retirou do Inamps a soma de poder que ele centralizava (VENÂNCIO, 2005). Destarte, os superintendentes do Inamps, que tinham um poder político enorme, anteriormente, passaram a não possuir mais poder algum, ficando em segundo plano, e quem passou a ter o poder foram os secretários estaduais de saúde, tornando-se gestores principais.
Ocorria ao mesmo tempo da implementação do SUS, a discussão da Assembléia Nacional Constituinte de 1987/88, tendo como base o relatório da 8ª CNS para discutir a reforma sanitária, e finalmente a aprovação do SUS.
O debate constituinte foi acirrado e revelou resistências por parte dos prestadores de serviço privado do setor de saúde e da medicina autônoma, além de conflitos de interesses entre os reformistas da previdência social. As disputas de interesse não foram suficientes para barrar a aprovação do SUS e seus princípios, mas impediram a definição de algumas políticas importantes para o processo de implementação da reforma, tais como o financiamento, a regulação do setor privado, a estratégia para a descentralização e unificação do sistema, dentre outras (FARIA, 1997).
Em 5 de outubro de 1988 é promulgada a Oitava Constituição do Brasil, denominada ‘Constituição Cidadã’, sendo um marco fundamental na redefinição das prioridades da política do Estado na área da saúde pública.
Ao longo de 1989, as negociações se concentraram em torno da lei complementar que daria bases operacionais para o SUS. Nesse mesmo ano, é realizada a primeira eleição direta para presidente da República, assumindo a presidência em janeiro de 1990, Fernando Collor de Mello. Nesse período ocorria a projeto de formulação da Lei Orgânica da Saúde, entretanto a LOS 8.080, promulgada pelo governo Collor, sofreria uma grande quantidade de vetos. Foi nessa conjuntura que iniciaria a construção do SUS.
7 Perspectivas Contemporâneas em Saúde Pública
A história do controle social da saúde pública no Brasil é sinônimo de luta e empenho de representantes da sociedade que dedicam tempo, esforço e recursos materiais no processo que garante a participação da sociedade civil na história do Sistema Único de Saúde (SUS).
Concebida pela Constituição Federal de 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS) é o resultado de um processo de articulação do Movimento pela Reforma Sanitária e de diversas pessoas comprometidas com o reconhecimento dos direitos sociais de cada cidadão brasileiro, ao determinar um caráter universal às ações e aos serviços de saúde no País.
O processo de consolidação do SUS implicou em mudanças na legislação brasileira, buscando uma melhor implementação do sistema onde possa acompanhar as transformações econômicas e sociais do Brasil.
O resgate dessa história é parte do compromisso do Conselho Nacional de Saúde com o reconhecimento e implementação do controle social em Saúde no Brasil. Para uma melhor implementação do SUS, que permitisse aos conselheiros de saúde de todo o país ter acesso à legislação federal que regulamenta o setor saúde, o Conselho Nacional de Saúde disponibilizou Leis, Normas e dispositivos constitucionais que definem os princípios e diretrizes do sistema de saúde brasileira.
A criação do Sistema Único de Saúde (SUS) tem sido analisada como a maior política de inclusão social no País inserida sob o novo regime democrático.
A instituição do SUS, a partir da Constituição Federal de 1988, representa um marco histórico das políticas de saúde em nosso país, pois na nova constituição, a atenção à saúde passa a ser assegurada legalmente como direito fundamental de cidadania, cabendo ao Estado a obrigação de provê-la a todos os cidadãos brasileiros e estrangeiros que vivem no Brasil. E desde a sua instituição, quatro pontos sobre a gestão têm sido apontados como fundamentais: a descentralização, o financiamento, o controle social e a gestão do trabalho.
O direito à saúde, afirmado na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, está claro na Constituição Federal de 1988 que define a Saúde como direito de todos e dever do Estado, indicando os princípios e diretrizes legais do Sistema Único de Saúde – SUS.
Segundo o artigo 196 da Constituição Federal Brasileira de 1988:
“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universitário e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. (grifo nosso)
A saúde preconizada na Constituição está inspirada no debate da Reforma Sanitária Brasileira iniciado na década de 70, com grande expressão no resultado do intenso e participativo debate ocorrido na 8ª Conferência Nacional de Saúde em 1986. Durante a década de 90 assiste-se à árdua luta pela implantação do SUS, ainda que se esteja distante de completar esta tarefa, muito se avançou.
Saúde é qualidade de vida e, portanto, deve estar vinculada aos direitos humanos, ao direito ao trabalho, à moradia, educação, alimentação e lazer. O direito à saúde, especialmente quando examinado sob a ótica da qualidade de vida, exige também que a superação das desigualdades envolva o acesso democrático a alimentos, medicamentos e serviços que sejam seguros e que tenham sua qualidade controlada pelo Poder Público. Qualidade de vida implica o reconhecimento do ser humano como ser integral. O conceito de cidadania que a Constituição assegura deve ser traduzido nas condições de vida da população. Ressalta-se que a promoção a atenção à saúde são fundamentais e fazem parte do elenco de políticas sociais necessárias para a construção de uma sociedade justa e democrática, sendo esta a missão central do SUS.
Nesse sentido, a efetivação do direito à saúde depende do provimento de políticas sociais e econômicas que assegurem desenvolvimento econômico sustentável e distribuição de renda; cabendo, especificamente ao SUS a promoção, proteção e recuperação da saúde dos indivíduos e das coletividades de forma eqüitativa.
Em 19 de setembro de 1990, foi aprovada a Lei Federal nº 8.080, a chamada Lei Orgânica da Saúde (LOS), elaborada pela Comissão Nacional de Reforma Sanitária (CNRS), que dispõe sobre as condições para a promoção, a proteção e a recuperação da Saúde. No entanto, a legitimidade do processo constituinte e do movimento pela reforma sanitária constitui-se na melhor garantia da operacionalização dos ideais dos SUS, ou seja, de seus princípios e diretrizes.
Ainda o controle social, foi assegurado pela Lei 8.142, de 28 de dezembro de 1990, mantendo a perspectiva de participação social na gestão do SUS e consequentemente, conquista dos cidadãos, que passaram a ocupar espaços estratégicos a partir de dentro dos aparelhos do Estado.
Informações Sobre os Autores
Manoel Valente Figueiredo Neto
Mestre em Políticas Públicas –UFPI. Especialista em Gestão Pública. Especialista em Direito Civil. Professor de Direito. Bacharel em Direito e Licenciado em Letras.
Priscyla Freitas da Silva
Pesquisadora em Direito – UNICEUMA
Lúcia Cristina dos Santos Rosa
Doutora em Serviço Social –UFRJ e Doutora em Sociologia –UFPE – Coordenadora do Mestrado em Políticas Públicas da UFPI
Carlos Leonardo Figueiredo Cunha
Mestre em Saúde Materno Infantil – UFMA. Enfermeiro.
Rafael Vitor Silva Gaioso dos Santos
Acadêmico de Biomedicina – Faculdade Aliança