Resumo: O presente trabalho tem como objetivo demonstrar como os avanços tecnológicos vem ditando novas relações jurídicas que cada vez mais saem do campo científico e se tornam uma realidade na vida em sociedade, bem como que os laços de afetividade são capazes de assegurar a manutenção dos institutos jurídicos, especialmente a família, independentemente desta ter si originado graças à ciência.
A família, base da sociedade, já transcendeu os limites da ciência e hoje pode ser constituída através de técnicas de reprodução humana assistida que possibilitam a realização do desejo de muitos casais e mulheres que não podiam ter filhos pelo método tradicional, a concretizarem seu objetivo e gerarem uma criança.
Neste contexto a afetividade transcende os conceitos de consangüinidade e além da paternidade jurídica e biológica, passa a coexistir a paternidade sócio-afetiva.
A entidade familiar passou a ser vista sob uma ótica inédita, no Direito Brasileiro, passou a ser respeitada, independentemente da forma de sua constituição, seja através do instituto do casamento, da união estável ou de uma comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, consoante comando expresso no texto constitucional.
Assim a afetividade surge no contexto jurídico prestigiando a figura da paternidade sócio-afetiva, da maternidade sócio-afetiva e da irmandade sócio-afetiva.
Desta forma o que prevalece são aspectos sociológicos e filosóficos: o afeto, o carinho, o respeito, a fraternidade, os valores éticos e morais advindos do seio desta família, gerando o bem estar, a convivência mansa e pacífica, a luta pelo crescimento conjunto uns dos outros, a cumplicidade, dentre inúmeros outros elementos.
A família possui um novo paradigma, os sentimentos advindos da sócio-afetividade transcendem os liames da consangüinidade.
Os filhos advindos da reprodução humana assistida tem os mesmos direitos dos filhos advindos dos métodos tradicionais conceptivos e a paternidade sócio-afetiva surge neste contexto como um meio de assegurar os princípios constitucionalmente consagrados da dignidade da pessoa humana, da igualdade, o direito de personalidade, os valores humanos, sociais e filosóficos.
A paternidade sócio-afetiva se constitui no alicerce para a consolidação da reprodução humana assistida, garantindo à criança, o amor de seus pais, a aceitação da sociedade, a dignidade e enfim, a igualdade de direitos, enquanto ser humano, ser de direitos e obrigações no mundo jurídico.
1 – Introdução
O presente estudo tem como objetivo demonstrar como os avanços tecnológicos vem ditando novas relações jurídicas que cada vez mais saem do campo científico e se tornam uma realidade na vida em sociedade, bem como que os laços de afetividade são capazes de assegurar a manutenção dos institutos jurídicos, especialmente a família, independentemente desta ter sido originada graças à ciência.
As relações anteriormente disciplinadas pelas normas jurídicas, ao alçarem o vôo da tecnologia, atendendo aos chamados da ciência, adquirem novo enfoque, fazendo-se emergente a inserção de princípios éticos e morais, no ordenamento jurídico.
Neste diapasão, até mesmo um dos institutos mais antigos do Direito começa a gerar novas relações ditadas pelo avanço tecnológico, como ocorre com a sagrada instituição familiar.
A família, atualmente, pode ser constituída por formas diversas da concepção tradicional, onde os filhos eram frutos de relações sexuais havidas entre o homem e a mulher e transcendendo os limites naturais, utiliza-se dos conhecimentos científicos para gerar vidas, através da reprodução humana assistida.
Neste contexto a afetividade transcende os conceitos de consangüinidade e além da paternidade jurídica e biológica, passa a coexistir a paternidade sócio-afetiva.
A família passa a possuir um novo paradigma, os sentimentos advindos da sócio-afetividade transcendem os liames da consangüinidade.
Desta forma, o que se pretende, é demonstrar que o que prevalece nas relações de família são aspectos sociológicos e filosóficos: o afeto, o carinho, o respeito, a fraternidade, os valores éticos e morais advindos do seio desta família, proporcionando o bem estar, a convivência mansa e pacífica, a luta pelo crescimento conjunto uns dos outros, a cumplicidade, dentre inúmeros outros elementos.
Neste sentido, este estudo se justifica em razão da forma de concepção dos filhos não intervir nas relações de afetividade, se constituindo a paternidade sócio-afetiva em instrumento hábil e susceptível de evitar que os pais abandonem os filhos havidos em reprodução assistida, uma vez que o vínculo afetivo, o sentimento, encontra-se presente, desde o momento da manifestação do consentimento informado.
Para tanto, partindo de uma breve análise acerca da evolução do conceito de família e da importância da paternidade sócio-afetiva para sua solidez, analisamos como a reprodução assistida contribui para a formação de uma entidade familiar, reportando às demandas éticas que podem decorrer das mudanças de comportamento dos usuários de suas técnicas, enfatizando a importância dos sentimentos de família para garantir o estabelecimento desta instituição, objetivando, finalmente, assinalar a importância da paternidade sócio-afetiva na reprodução humana assistida.
2 – A evolução do conceito de família
A família, assim entendida, nos termos do artigo 266 da Constituição da República Federativa do Brasil, como sendo a base da sociedade, já transcendeu os limites da ciência.
A família, antes patriarcal e hierarquizada, fundada no casamento, hoje abrange a união estável entre o homem e a mulher, bem como toda comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes[1].
A afetividade, foi enfim, valorizada em nosso Direito e a família transcendeu os conceitos de consangüinidade e além da paternidade jurídica e biológica, passou a coexistir a paternidade sócio-afetiva.
O direito brasileiro, na sua origem, somente reconhecia a família matrimonializada, ou seja, a proveniente do casamento, sendo patriarcal e hierarquizada, onde o homem, o pai, ocupava lugar de destaque na entidade familiar e a sua esposa, a mulher, mãe, juntamente com os filhos, lugar secundário.
O homem era responsável pela manutenção da família, e esta estava a ele subordinada. Sua vontade era soberana, sendo que os demais integrantes desta entidade familiar ocupavam posição de inferioridade, respeitando e devotando obediência ao chefe da família.
Assim, os filhos eram a benção que o casal recebia, depois do casamento. A família era composta pelo marido, a sua senhora, esposa, e os filhos advindos desta relação conjugal, sendo assim chamados de legítimos, visto terem nascidos no seio familiar.
Ocorre que outras relações, estranhas ao casamento, também existiam, e os filhos nascidos daquelas, eram chamados ilegítimos, visto que estavam fora da relação jurídica tutelada pelo Estado, ficando a margem da sociedade, uma vez que eram frutos do pecado, portanto, desprezados pelo ordenamento jurídico, pela igreja e conseqüentemente, pela própria sociedade.
O pai somente poderia reconhecer os filhos havidos na constância do casamento, prevalecendo assim a presunção pater is est[2], sendo que a paternidade decorria de presunção legal, ou seja, prevalecia a paternidade jurídica, era filho quem nascia na constância de uma relação jurídica tutelada pelo Estado, desprezando assim a paternidade biológica e a sócio-afetiva.
Ocorre que grandes mudanças sociais, decorrentes de evolução econômica, política e cultural foram alterando o conceito de família. A mulher deixou de ser apenas a companheira do homem e passou a ter repercussão na sociedade, tanto de consumo, quanto produtiva, e a ocupar lugar de destaque no mercado de trabalho.
Esta mudança propiciou uma abertura das relações extraconjugais, sendo que os filhos havidos fora do casamento passaram a não serem vistos como um pecado e a paternidade biológica, aquela gerada por laços de sangue, começou a representar algo mais na sociedade e a lei acabou por equiparar os filhos, independente dos mesmos terem sido gerados na constância do casamento ou fora deste.[3]
As relações familiares foram tomando novos rumos. A Lei do Divórcio[4] propiciou o surgimento de novas relações de família, visto que ao regularizar o fim da sociedade conjugal possibilitou que casais desfeitos tivessem a oportunidade de reconstruir suas vidas e que no mesmo lar conjugal passassem a conviver de forma pacífica filhos da mulher do primeiro casamento, com filhos desta advindos do casamento atual, conjuntamente com filhos do seu atual marido, havidos no casamento anterior.
Desta forma a comunidade familiar passou a ser constituída de pai, mãe, filhos, sendo estes irmãos, meio irmãos e não irmãos entre si e com relação aos pais: filhos e enteados.
A evolução da sociedade, com nova mentalidade, novos valores, com as mulheres conquistando lugares de destaque no mercado de trabalho, emancipação, clamou por uma mudança na relação jurídica da entidade familiar, o que culminou com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 5 de outubro de 1.988, que estabeleceu no país, o Estado Democrático de Direito, fundado nos princípios da cidadania, da dignidade da pessoa humana, da igualdade[5], visando a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação[6], “garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”[7].
Desta forma a entidade familiar passou a ser vista sob uma ótica inédita, no Direito Brasileiro, passou a ser respeitada, independentemente da forma de sua constituição, seja através do instituto do casamento[8] da união estável[9] ou de uma comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, consoante comando expresso no texto constitucional.
Comunidade é “grupo, sociedade, associação de pessoas que têm os mesmos objetivos”[10]. O importante para se caracterizar a comunidade, reconhecida como entidade familiar, é a presença dos seus integrantes, os sujeitos determinados pela Constituição da República, como sendo os pais e seus descendentes, ou seja, a mãe e seus filhos, o pai e seus filhos, a mãe e o pai, com os filhos comuns.
O que se faz mais necessário para se caracterizar uma comunidade? A coabitação, o respeito, a confiabilidade, a cumplicidade, o afeto, entre estes sujeitos.
A afetividade surge no contexto jurídico prestigiando a figura da paternidade sócio-afetiva, da maternidade sócio-afetiva[11] e da irmandade sócio-afetiva[12].
Desta forma o que prevalece são aspectos sociológicos e filosóficos: o afeto, o carinho, o respeito, a fraternidade, os valores éticos e morais advindos do seio desta família, gerando o bem estar, a convivência mansa e pacífica, a luta pelo crescimento conjunto uns dos outros, a cumplicidade, dentre inúmeros outros elementos.
A família possui um novo paradigma: os sentimentos advindos da sócio-afetividade podem até superar os liames da consangüinidade, visto que serão pai, mãe, irmãos, aqueles que criam e convivem juntos, aqueles que usufruem dos sentimentos inerentes a paternidade, maternidade e irmandade, do que aqueles que efetivamente trouxeram ao mundo a criança, que forneceram seu material genético e que foram gerados pelos mesmos pais, ou pelo menos, pelo pai ou mãe em comum.
3 – A paternidade sócio-afetiva
O aspecto filosófico, sociológico, psicológico do sentimento passa a ter um grande efeito sobre o Direito, que valoriza cada vez mais os laços de afetividade.
Afetividade, nos dizeres de Bueno[13] é “qualidade do que é afetivo” e afetivo é “relativo a afeto, dado a afetos, delicado, afeiçoado”, e afeto é “afeição, amizade, simpatia, paixão”.
A paternidade sócio-afetiva encontra-se caracterizada quando os laços de afetividade estão presentes na relação entre pais e filhos. Assim, pai e mãe são aqueles que criam, educam, participam ativamente do desenvolvimento de seus filhos, que estão presentes nas alegrias, tristezas, doenças, que respondem aos por quês, que esclarecem acerca dos mistérios da vida, que convivem e não aqueles que procriam, que fornecem material biológico, que mantiveram conjunção carnal gerando um novo ser.
Agora, se a paternidade sócio-afetiva estiver presente conjuntamente com a paternidade biológica, temos o modelo ideal de família, visto que, aquele que gerou o ser, foi capaz de amá-lo, educá-lo e lhe conduzir pela vida, propiciando ao seu filho o ambiente propício para o seu desenvolvimento e bem-estar.
4 – A reprodução humana assistida
A gestação[14], que é o período que se inicia com a fecundação[15] do óvulo e termina com o nascimento da criança, passou por grandes evoluções graças aos avanços da tecnologia.
Os métodos conceptivos evoluíram e hoje é possível realizar o desejo de muitos casais que não podiam ter filhos pelo método tradicional, através da reprodução assistida.Novamente o direito precisa refletir esta nova realidade social, fruto das inovações tecnológicas, que permite a reprodução humana assistida, cujas técnicas “importam na implantação artificial de gametas ou embriões humanos no aparelho reprodutor de mulheres receptoras com a finalidade de facilitar a procriação”[16].
A reprodução humana assistida pode se dar através da inseminação artificial homóloga[17], quando os gametas são dos próprios usuários, aqui entendidos como os óvulos e os espermatozóides ou heteróloga[18], hipótese em que os gametas não serão, do cônjuge ou companheiro da mulher e se somente esta recorre as técnicas de reprodução assistida, forem de outra mulher e nesta implantados.
5 – Os filhos na reprodução humana assistida
Os filhos havidos da inseminação artificial homóloga ou heteróloga, são reconhecidos como filhos, sem nenhuma distinção, uma vez que a Constituição da República Federativa do Brasil, estabelece o princípio da igualdade, vetando assim qualquer discriminação ou tratamento desigual em função da forma de concepção.
Se isso não bastasse, por força da presunção de paternidade, que encontra amparo no artigo 1.597 do Código Civil, se estabelece que os filhos concebidos durante o casamento, “havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido” e os “havidos, a qualquer tempo quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga”, são do marido.
Os companheiros em união estável também serão considerados pais, dos filhos havidos em reprodução humana assistida, porém não encontram-se abrangidos pela presunção legal de paternidade, sendo imprescindível para vinculá-los a formalização do consentimento informado, previsto no artigo 3º do Projeto de Lei do Senado nº 90, de 1999[19].
6 – Demandas éticas decorrentes da reprodução humana assistida e a paternidade
Demandas éticas decorrem deste avanço tecnológico, que originará uma nova família, visto que o fruto da inseminação artificial será a criança[20] e esta será sujeito de direitos e obrigações, após o seu nascimento com vida, por força do disposto no artigo 2º do Código Civil Brasileiro[21], e os usuários das técnicas de reprodução assistida serão os seus pais[22].A existência de pais e filhos configura a constituição da entidade familiar prevista no artigo 226 da Carta Magna de nosso país. Se o casal mantiver firme a intenção de ter o filho e após o nascimento deste procederem ao registro, a situação gerada, teve o fim esperado. Mas, mudanças de comportamento podem ocorrer durante a gestação, que dura em média cerca de 9 (nove) meses, período este suficiente para gerar uma nova vida e para proporcionar desavenças, interrupções de relacionamentos, desafeto, enfim novos ideais.Os pais que recorreram as técnicas de reprodução assistida podem mudar de opinião no curso da gestação, e como o Direito virá dirimir este conflito?
Na fecundação homóloga, o próprio pai forneceu o material biológico, sendo a paternidade que decorre da mesma a biológica, porém, na heteróloga, os gametas foram fornecidos por doador estranho a relação conjugal, e neste caso o exame de DNA demonstrará a inexistência da paternidade biológica, visto que nesta prevalece puramente a paternidade sócio-afetiva.
Como o Direito irá lidar com a vontade e com os caprichos do ser humano? Como irá se manifestar diante da rejeição do homem, ao filho que autorizou ser gerado e que agora não mais deseja?
A solução encontra amparo na paternidade sócio-afetiva.
7 – A reprodução assistida e a paternidade sócio-afetiva
O pai sócio-afetivo, seja o marido ou companheiro da mãe, desejou, em comum acordo com esta, a criança, fruto da inseminação artificial, e independentemente da forma como esta foi gerada, utilizando-se ou não de seu material biológico, se comprometeu, mediante consentimento informado, a amá-la, educá-la, suprir todas as suas necessidades vitais[23]: educação, moradia, alimentação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, e a lhe dar carinho, afeto e proteção.
O filho desejado marca o início da paternidade sócio-afetiva, que neste caso antecede a qualquer outra modalidade: paternidade biológica e jurídica.
Desta forma ao autorizar a aplicação das técnicas da reprodução assistida, os pais assumem as responsabilidades decorrentes da paternidade, sendo destas previamente avisados, quando manifestam o consentimento informado[24].
O nascimento do filho, configura a satisfação do desejo dos pais, que agora encontra-se realizado e os sentimentos de pai, mãe e irmãos devem encontrar-se presentes, visto que a paternidade jurídica encontra-se consubstanciada, se o nascimento do filho se deu nos termos previstos no artigo 1.597 do Código Civil Brasileiro, que estabelece in verbis:
“Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;
II – nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.” Negritamos.
Diante do previsto na legislação civil, sendo os pais da criança casados e a fecundação artificial homóloga, presume-se concebido, o filho, na constância do casamento, estando assim a paternidade atribuída ao marido da mãe, por presunção pater is est, ou seja, também por força da paternidade jurídica, aliada à paternidade sócio-afetiva.
O arrependimento do pai não será eficaz, e o mesmo deverá responder pela paternidade de seu filho e por todos os direitos e obrigações decorrentes da mesma.
O mesmo ocorre com a criança concebida, por reprodução assistida, quando os pais forem companheiros em união estável, visto que a concordância do companheiro e cônjuge, mediante a manifestação expressa do consentimento informado, é um requisito obrigatório, para a realização das técnicas assistidas, e ao firmarem este, foram esclarecidos de todos os elementos que compõe o procedimento, dentre eles as implicações jurídicas de sua utilização, inclusive quanto à paternidade da criança[25].
O consentimento, manifestado de forma livre, consciente e informado, bem como a vontade consciente de produzir o filho, a criança, recorrendo para isto aos avanços tecnológicos, são os elementos susceptíveis para assegurar, juridicamente, a paternidade.
Ocorre que o dispositivo legal que prevê o consentimento informado ainda tramita pelo Poder Legislativo, porém já se constitui em prática nos estabelecimentos e profissionais que aplicam a reprodução assistida, mas independente do mesmo o desejo realizado, o elemento volitivo dos usuários se constitui em elemento suficiente para a configuração da paternidade sócio-afetiva.
O mesmo ocorre quando a mulher sozinha recorre ao emprego de reprodução assistida com o objetivo de procriar. Neste caso, poderá ela mesma gerar o filho, proveniente de inseminação heteróloga, ou na impossibilidade de fazê-lo recorrer a gestação ou maternidade de substituição [26].
Na primeira hipótese sua gravidez será exteriorizada para a sociedade e a maternidade, por força de presunção legal mater semper certa est[27], será reconhecida pela mesma e a paternidade biológica e jurídica irão encontrar-se presentes no caso em questão, aliada à paternidade sócio-afetiva, nestas hipóteses, melhor aplicado a terminologia, maternidade biológica, jurídica e sócio-afetiva.
Já na segunda hipótese, a criança poderá ser gerada, mediante duas possibilidades: com material genético da usuária ou com material genético de terceiros.
Na primeira possibilidade encontra-se configurada, junto com a maternidade sócio-afetiva, a biológica, mas ausente a, jurídica, enquanto na segunda hipótese, encontra-se presente apenas a maternidade sócio-afetiva.
Cumpre analisar agora, a hipótese desta usuária das técnicas de reprodução assistida, desistir de assumir a maternidade.
Na primeira hipótese ela dará a luz ao seu filho e a sociedade já lhe impõe os deveres de mãe, porém na segunda hipótese ela poderá se afastar da relação criada, deixando a criança nos braços daquela doadora que teve a intenção apenas de gerar a criança para a usuária.
A problemática criada encontra solução também, na maternidade sócio-afetiva que gera para a mãe a obrigação de assumir a assistência do filho que desejou, lembre-se de forma livre, consciente e informada.
A utilização das técnicas de reprodução assistida homóloga possuem respaldo legal, visto que o Código Civil Brasileiro, em seu artigo 1.597, expressamente reconhece a paternidade advinda da mesma, além disto possui também o resguardo da biologia, visto que o material genético foi fornecido pelos pais, estando em situação mais delicada a paternidade decorrente da inseminação artificial heteróloga, onde o material genético não foi fornecido pelos próprios usuários, futuros pais da criança, estando presente, nesta modalidade, apenas, a paternidade sócio-afetiva.
O afeto não advém da consangüinidade, da genética, muito menos de determinação legal, e sim deriva do sentimento, da satisfação pessoal em torno da relação havida, da vontade de participar ativamente da vida de outra pessoa.
A paternidade e maternidade sócio-afetiva é uma forte expressão de paternidade e maternidade, e o desenvolvimento científico, clama pelo seu reconhecimento, visando, assim, assegurar os princípios constitucionalmente consagrados da dignidade da pessoa humana, da igualdade, o direito de personalidade, os valores humanos, sociais e filosóficos.
A paternidade sócio-afetiva se constitui no alicerce para a consolidação da reprodução humana assistida, garantindo à criança, o amor de seus pais, a aceitação da sociedade, a dignidade e enfim, a igualdade de direitos, enquanto ser humano, ser de direitos e obrigações no mundo jurídico.
Isto porque a paternidade sócio-afetiva transcende os limites da lei, da biologia e garante à criança, seja fruto da utilização de técnicas de reprodução assistida ou de métodos conceptivos habituais e naturais, o ambiente propício para o seu desenvolvimento, afirmação de sua personalidade, de sua dignidade, enfim de uma vida repleta de carinho, aceitação, felicidade, cumplicidade e amor.
Desta forma, a modalidade de concepção dos filhos não intervem nas relações de afetividade, se constituindo a paternidade sócio-afetiva em instrumento hábil e susceptível de evitar que os pais abandonem os filhos havidos em reprodução assistida, uma vez que o vínculo afetivo, o sentimento, encontra-se presente, desde o momento da manifestação do consentimento informado, legitimando assim a família do novo milênio.
Informações Sobre o Autor
Kátia Maria Ferreira Faria Abi-Ackel
advogada, integrante da Assessoria Jurídica K.M.V, diretora da Proeducativa, professora universitária, na PUC-Minas doutoranda em Filosofia, Tecnologia e Sociedade, pela Universidade Complutense de Madri, mestre e portadora do DEA – Diploma de Estudos Avançados, pela Universidade Complutense de Madri, pós-graduada em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito de Sete Lagoas, especialista em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.