Resumo: Este trabalho se propõe a analisar as últimas mudanças ocorridas nas decisões do Supremo Tribunal Federal com relação à validade dos tratados internacionais sobre direitos humanos e seus efeitos nos crimes contra a ordem tributária, se utilizando de um exemplo de declaração tributária obrigatória amplamente empregada, a DCTF, através da conduta de omitir informação, frente ao direito de não produzir prova contra si mesmo.
Palavras-chave: tratados internacionais; direto a não auto-incriminação; declarações tributárias obrigatórias; crimes contra a ordem tributária.
Abstract: This study aims to examine the latest changes in the decisions of the Supreme Court regarding the validity of international treaties on human rights and its effects on crimes against the tax, if using an example of tax declaration mandatory widely used, the DCTF through the conduct of omitting information, against the right not to produce evidence against himself.
Key-words: international treaties; not to direct self-incriminating statements; tax requirements; crimes against the tax.
Sumário: 1. Introdução. 2. Tratados Internacionais sobre direitos humanos; 2.1. Incorporação de tratados internacionais ao direito interno brasileiro. 3. O direito a não auto-incriminação; 3.1. O Estado que pune. 4. Declarações Tributárias Obrigatórias; 4.1. Legalidade; 4.2. DCTF; 4.3. Jurisprudência. 5. Os crimes contra a ordem tributária; 5.1. O direito de não produzir provas contra si próprio nos crimes contra a ordem tributária; 5.2. O direito de não produzir provas contra si próprio nas declarações obrigatórias – caso DCTF; 5.2.1. A conduta de omitir informação na DCTF, pode ser considerada crime, como previsto na primeira parte do inciso I, do artigo 1.o, da Lei n. 8.137/90, em confronto ao direito de não auto-incriminação? 6. Conclusões.
1. Introdução
Recentes mudanças na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal forneceram subsídios para se repensar à validade dos tratados internacionais, principalmente, aqueles sobre direitos humanos, frente ao ordenamento jurídico interno.
Sobre este aspecto levantaremos a questão do direito de não se auto-incriminar, ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, em face das obrigações tributárias acessórias, traduzidas pelas declarações obrigatórias, em relação aos crimes contra a ordem tributária, Lei 8.137/1990, e a prescrição de condutas como deixar de prestar declaração ou omitir informação, buscando mostrar que o sujeito dessas obrigações não pode ser impelido a produzir prova contra si mesmo, através do conteúdo dessas informações, mostrando que tal conduta é permissível à luz dos novos conceitos jurisprudenciais e da força normativa dos princípios e garantias insculpidos na Constituição Federal e nos Tratados e Convenções sobre Direitos Humanos.
2. Tratados Internacionais sobre direitos humanos.
Os tratados internacionais sobre direitos humanos têm como fonte um campo recentemente introduzido no cenário mundial, denominado Direito Internacional dos Direitos Humanos, surgido no cenário internacional após segunda grande guerra, como resposta aos horrores e atrocidades presenciados pela humanidade neste conflito.
Seguindo o escólio de Flávia Piovesan [1], citando Richard B. Bilder:
“O movimento internacional dos direitos humanos é baseado na concepção de que toda nação tem a obrigação de respeitar os direitos humanos de seus cidadãos e de que todas as nações e a comunidade internacional têm o direito e a responsabilidade de protestar, se um Estado não cumprir suas obrigações. O Direito Internacional dos Direitos Humanos consiste num sistema de normas internacionais, procedimentos e instituições desenvolvidas para implementar essa concepção e promover o respeito dos direitos humanos em todos os países, no âmbito mundial.” (BILDER apud PIOVESAN, 2008). [2]
No Brasil, após se passarem décadas de turbulência democrática, com o Estado Novo (1937-1945) e a Ditadura Militar (1964-1985), só se renovou a consolidação e respeito pelos direitos humanos a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, através dos direitos e garantias expressos no artigo 5.o do texto constitucional e por meio dos tratados e convenções sobre direitos humanos assinados e ratificados desde então.
Conforme Flávia Piovesan, a partir da Carta de 1988 foram ratificados pelo Brasil: a) a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, em 20 de julho de 1989; b) a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, em 28 de setembro de 1989; c) a Convenção sobre os Direitos da Criança, em 24 de setembro de 1990; d) o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em 24 de janeiro de 1992; e) o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em 24 de janeiro de 1992; f) a Convenção Americana de Direitos Humanos, em 25 de setembro de 1992; g) a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em 27 de novembro de 1995; h) o Protocolo à Convenção Americana referente à Abolição da Pena de Morte, em 13 de agosto de 1996; i) o Protocolo à Convenção Americana referente aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador), em 21 de agosto de 1996; j) o Estatuto de Roma, que cria o Tribunal Penal Internacional, em 20 de junho de 2002; k) o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, em 28 de junho de 2002; e l) os dois Protocolos Facultativos à Convenção sobre os Direitos da Criança, referentes ao envolvimento de crianças em conflitos armados e à venda de crianças e prostituição e pornografia infantis, em 24 de janeiro de 2004. A estes avanços, soma-se o reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em dezembro de 1998. (PIOVESAN, 2006). [3]
Destacamos, entre os tratados supracitados, dois tratados internacionais assinados e incorporados ao ordenamento pátrio: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos. De modo, que faremos um breve comentário sobre os referidos diplomas.
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos
Foi adotado e aberto à assinatura, ratificação e adesão pela Assembléia Geral das Nações Unidas pela Resolução n.o 2200-A (XXI), de 16 de dezembro de 1966, tendo entrado em vigor, internacionalmente, em 23 de março de 1976.
No Brasil foi aprovado pelo Decreto Legislativo nº 226, de 12 de dezembro de 1991, entrando em vigor nesta data.
Em 24 de janeiro de 1992 o Brasil depositou a Carta de Adesão na Secretaria Geral da Organização das Nações Unidas, entrando em vigor em 24 de abril de 1992.
Dispõe um dos textos que o Brasil, integralmente, aprovou e determinou seu cumprimento:
“Artigo 14.º
3. Durante o processo, toda a pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
g) A não ser obrigada a prestar declarações contra si própria nem a confessar-se culpada.”
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica)
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), foi adotada no âmbito da Organização dos Estados Americanos, em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, entrando em vigor internacional em 18 de julho de 1978, na forma do segundo parágrafo de seu art. 74.
No Brasil foi incorporado (art. 84, inciso VIII, CF/88) pelo Decreto n.o 678 de 6 de novembro de 1992, entrando em vigor na mesma data.
Dispondo um dos seus textos aprovados:
“Artigo 8º – Garantias judiciais
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada;”
A incorporação desses diplomas internacionais no direito interno tem como efeito a revogação, modificação ou afastamento de todas as normas que lhe forem contrárias, mormente porquehoje os países não estão preocupados em manter somente sua disciplina doméstica, em matéria de direitos humanos, pelo que devem corroborar com o “princípio da máxima efetividade das normas constitucionais referentes a direitos e garantias fundamentais e a natureza materialmente constitucional dos direitos fundamentais.” (PIOVESAN, 2008)
Mas, esse é um assunto polêmico e que, como veremos, atravessa uma transição de posicionamentos de forma que, atualmente a posição é favorável aos tratados e convenções sobre direitos humanos incorporados ao direito interno, conforme será visto adiante.
2.1. Incorporação de tratados internacionais ao direito interno brasileiro.
Duas são as teorias que se confrontam na concepção do direito internacional frente às normas de direito interno: a teoria dualista e a teoria monista.
Para os adeptos da teoria dualista, “o direito internacional e o direito interno de cada Estado são sistemas rigorosamente independentes e distintos, de tal modo que a validade jurídica de uma norma interna não se condiciona à sua sintonia com a ordem internacional”. [4]
Os adeptos da teoria monista se dividiram em duas correntes. “Uma sustenta a unicidade da ordem jurídica sobre o primado do direito internacional, a que se ajustariam todas as ordens internas. Outra apregoa o primado do direito nacional de cada Estado soberano, sob cuja ótica a adoção dos preceitos do direito internacional aparece como uma atividade discricionária.” [5]
No Brasil há vários autores que sustentam, ou sustentavam, as seguintes teses de solução de confronto entre a norma interna e a norma de direito internacional posta pelos tratados: a) a hierarquia supraconstitucional dos tratados; b) a hierarquia constitucional; c) a hierarquia infraconstitucional, mas supralegal e d) a paridade hierárquica entre tratado e lei federal. [6]
Até, pelo menos, o ano de 2006, o Supremo Tribunal Federal sustentava, majoritariamente, a tese de paridade hierárquica entre tratado e lei federal, havendo adeptos das outras três teorias, conforme a observação de Flávia Piovesan [7]:
“Note-se que no âmbito do próprio Supremo Tribunal Federal a matéria não se encontra pacificada. Inobstante a posição majoritária do STF defenda a paridade hierárquica entre tratado e lei federal, há posições favoráveis à hierarquia constitucional dos tratados de direitos humanos, bem como à hierarquia infraconstitucional, mas supralegal destes, nos termos do art.5o, parágrafo 2o da Constituição de 1988.”
Pois a virada jurisprudencial aconteceu no final do ano de 2008. O Plenário do STF colocou na pauta de julgamento, do dia 03 de dezembro de 2008, três recursos, HC 87.585/TO, RE 466.343/SP e RE 349.703/RS, em que se discutiu o mérito da prisão do depositário infiel, tendo como pano de fundo a efetividade dos tratados e convenções internacionais.
Há duas correntes de pensamento no STF, que por ora denominamos de constitucionalista, a primeira corrente, e supralegal, a segunda corrente.
Corrente Constitucionalista
No primeiro julgamento, HC 87.585/TO, o Relator, Min. Marco Aurélio, deu seu parecer contrário à prisão por dívida de qualquer natureza, passando à vez ao voto do Min. Celso de Mello, que surpreendeu por iniciar a discussão em torno da efetividade normativa dos tratados e convenções internacionais, reiterando a seguinte posição:
HC 87585/TO, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Julgamento: 03/12/2008, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação: DJe-118, DIVULG 25-06-2009, PUBLIC: 26-06-2009; EMENT, VOL-02366-02, PP-00237. DEPOSITÁRIO INFIEL – PRISÃO. A subscrição pelo Brasil do Pacto de São José da Costa Rica, limitando a prisão civil por dívida ao descumprimento inescusável de prestação alimentícia, implicou a derrogação das normas estritamente legais referentes à prisão do depositário infiel.
Voto do Ministro CELSO DE MELLO:
“É preciso ressalvar, no entanto, como precedentemente já enfatizado, as convenções internacionais de direitos humanos celebradas antes do advento da EC no 45/2004, pois, quanto a elas, incide o § 2o do art. 5o da Constituição, que lhes confere natureza materialmente constitucional, promovendo sua integração e fazendo com que se subsumam à noção mesma de bloco de constitucionalidade.”(…)
“É que existe evidente incompatibilidade material superveniente entre referidas cláusulas normativas e o Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), incorporado, em 1992, ao direito positivo interno do Brasil, como estatuto revestido de hierarquia constitucional, por efeito do § 2o do art. 5o da Constituição da República.” (MIN. CELSO DE MELLO)
Este pensamento foi apoiado nos votos dos Ministros CEZAR PELUSO, EROS GRAU, CARLOS BRITTO e ELLEN GRACIE.
Assim, a corrente constitucionalista entende que os tratados e convenções sobre direitos fundamentais incorporados ao ordenamento antes da EC 45/2004, foram integrados aos direitos e garantias fundamentais por força do § 2o, do art. 5o, da Constituição Federal, sendo portanto materialmente constitucionais, já os tratados e convenções internacionais incorporados depois da EC 45/2004, só poderão ser integrados ao texto constitucional se cumprirem a exigência do § 3o, do art. 5o, da Constituição Federal, pelo que serão material e formalmente constitucionais.
Corrente supralegal
No mesmo HC 87.585/TO, a partir da discussão aberta pelo Min. Celso de Mello e seu posicionamento, o seguinte a se pronunciar foi o Min. Menezes Direito, que em seu voto registrou o pensamento da segunda corrente:
Voto do Ministro MENEZES DIREITO:
“Entendo, portanto, que a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos passaram a integrar o ordenamento jurídico interno com hierarquia especial, embora infraconstitucional. Isso não quer dizer que o legislador não possa socorrer-se do § 3o do art. 5o para elevar a hierarquia desses atos internacionais ao plano constitucional.” (MIN. MENEZES DIREITO)
Este pensamento foi apoiado nos votos dos Ministros CÁRMEN LÚCIA, RICARDO LEWANDOWSKI e GILMAR MENDES.
Para esta corrente, supralegal, os tratados e convenções internacionais incorporados em nosso ordenamento em qualquer época somente serão integrados ao texto Constitucional após o tramite do § 3o, do art. 5o, da Constituição Federal (quórum qualificado para emenda), gozando, porém, de um caráter de lei especial, hierarquicamente superior as leis ordinárias e complementares, contudo infraconstitucional, ou seja, acima das leis e abaixo da Constituição, supralegal.
O Min. Marco Aurélio não quis se pronunciar sobre a discussão, embora tenha se manifestado disposto em outra ocasião, pelo que seu voto se restringiu a legalidade ou não da prisão do depositário infiel. Já o Min. Joaquim Barbosa se encontrava licenciado.
No julgamento posterior, do RE 466.343/SP, a discussão foi continuada e no seguinte, RE 349703/RS, prevalecendo à tese da corrente supralegal:
RE 349703/RS, Relator: Min. CARLOS BRITTO, Julgamento: 03/12/2008, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação: DJe-104, DIVULG: 04-06-2009, PUBLIC: 05-06-2009; EMENT, VOL-02363-04, PP-00675.
PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO INCISO LXVII DO ART. 5O DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988. POSIÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n° 911/69, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002). ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. DECRETO-LEI N° 911/69. EQUIPAÇÃO DO DEVEDOR-FIDUCIANTE AO DEPOSITÁRIO. PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR-FIDUCIANTE EM FACE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. A prisão civil do devedor-fiduciante no âmbito do contrato de alienação fiduciária em garantia viola o princípio da proporcionalidade, visto que: a) o ordenamento jurídico prevê outros meios processuais-executórios postos à disposição do credor-fiduciário para a garantia do crédito, de forma que a prisão civil, como medida extrema de coerção do devedor inadimplente, não passa no exame da proporcionalidade como proibição de excesso, em sua tríplice configuração: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito; e b) o Decreto-Lei n° 911/69, ao instituir uma ficção jurídica, equiparando o devedor-fiduciante ao depositário, para todos os efeitos previstos nas leis civis e penais, criou uma figura atípica de depósito, transbordando os limites do conteúdo semântico da expressão “depositário infiel” insculpida no art. 5º, inciso LXVII, da Constituição e, dessa forma, desfigurando o instituto do depósito em sua conformação constitucional, o que perfaz a violação ao princípio da reserva legal proporcional. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
Fato é que a questão ainda não está de todo resolvida, tanto que a Segunda Turma do Tribunal, recentemente, 09/06/2009, assim se pronunciou pelo voto do Relator, Min. Celso de Mello:
HC 96772/SP, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Julgamento: 09/06/2009, Órgão Julgador: Segunda Turma, Publicação: DJe-157, DIVULG: 20-08-2009, PUBLIC: 21-08-2009; EMENT, VOL-02370-04, PP-00811; RT v. 98, n. 889, 2009, 173-183.
E M E N T A: “HABEAS CORPUS” – PRISÃO CIVIL – DEPOSITÁRIO JUDICIAL – REVOGAÇÃO DA SÚMULA 619/STF – A QUESTÃO DA INFIDELIDADE DEPOSITÁRIA – CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (ARTIGO 7º, n. 7) – NATUREZA CONSTITUCIONAL OU CARÁTER DE SUPRALEGALIDADE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS? – PEDIDO DEFERIDO. ILEGITIMIDADE JURÍDICA DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL, AINDA QUE SE CUIDE DE DEPOSITÁRIO JUDICIAL. – Não mais subsiste, no sistema normativo brasileiro, a prisão civil por infidelidade depositária, independentemente da modalidade de depósito, trate-se de depósito voluntário (convencional) ou cuide-se de depósito necessário, como o é o depósito judicial. Precedentes. Revogação da Súmula 619/STF. TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS: AS SUAS RELAÇÕES COM O DIREITO INTERNO BRASILEIRO E A QUESTÃO DE SUA POSIÇÃO HIERÁRQUICA. – A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, n. 7). Caráter subordinante dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos e o sistema de proteção dos direitos básicos da pessoa humana. – Relações entre o direito interno brasileiro e as convenções internacionais de direitos humanos (CF, art. 5º e §§ 2º e 3º). Precedentes. – Posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento positivo interno do Brasil: natureza constitucional ou caráter de supralegalidade? – Entendimento do Relator, Min. CELSO DE MELLO, que atribui hierarquia constitucional às convenções internacionais em matéria de direitos humanos. A INTERPRETAÇÃO JUDICIAL COMO INSTRUMENTO DE MUTAÇÃO INFORMAL DA CONSTITUIÇÃO. – A questão dos processos informais de mutação constitucional e o papel do Poder Judiciário: a interpretação judicial como instrumento juridicamente idôneo de mudança informal da Constituição. A legitimidade da adequação, mediante interpretação do Poder Judiciário, da própria Constituição da República, se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a sociedade contemporânea. HERMENÊUTICA E DIREITOS HUMANOS: A NORMA MAIS FAVORÁVEL COMO CRITÉRIO QUE DEVE REGER A INTERPRETAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. – Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal como aquele proclamado no Artigo 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica. – O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs. – Aplicação, ao caso, do Artigo 7º, n. 7, c/c o Artigo 29, ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): um caso típico de primazia da regra mais favorável à proteção efetiva do ser humano.
Tanto a corrente constitucionalista, quanto à corrente supralegal, nos fornece subsídios para afirmar que:
Os tratados e convenções de direito internacional sobre direitos humanos gozam de no mínimo primazia sobre as leis ordinárias e complementares, assim como de todos os diplomas infraconstitucionais, segundo a tese da corrente supralegal, podendo ainda gozar de hierarquia constitucional, pelo que seus textos terão expressão normativa materialmente constitucional, incorporados aos direitos e garantias expressos no artigo 5.o da Constituição Federal, através do disposto no § 2.o, deste mesmo artigo do texto constitucional, conforme pensa a corrente da tese constitucionalista.
De qualquer maneira, isso nos permite deduzir que, mantidas as ressalvas de cada caso, os direitos e garantias expressos nos tratados e convenções sobre direitos humanos, incorporados ao direito interno, afastam condutas contrárias aos seus mandamentos, como por exemplo, o direito de não cooperar em produzir provas contra si mesmo, afasta qualquer disposição penal, processual penal, tributária, civil, administrativa, enfim, de qualquer ramo do direito, guardando as devidas diferenças principiológicas, qualquer comando prescritivo que impute criminosa a conduta de se proteger contra a auto-incriminação, como nas condutas omissivas, deixar de ou omitir, se esta conduta está sendo perpetrada sob o manto do exercício do direito de não produzir prova contra si mesmo.
Afirmar uma questão destas sem pagar o preço da ousadia é um perigoso delírio, contudo estamos dispostos a apregoar o que acabamos de afirmar e para isso pagaremos o preço da labuta e da argumentação jurídica e filosofal.
3. O direito a não auto-incriminação.
“Uma contradição entre as leis e os princípios naturais do homem acontece nos juramentos em que se pedem ao réu para que fale sinceramente a verdade quando este é o maior interessado em encobri-la; como se o homem pudesse jurar de contribuir seguramente a sua destruição; como se a Religião não calasse na maior parte dos homens quando fala o interesse.” (Tradução Livre). (BONESANA, César. MARQUÊS DE BECCARIA. Tratado de los Delitos y de las Penas. Argentina: Heliasta S.R.L. 1993, p. 98.)
Estudos recentemente realizados [8] dão conta de que o direito de não produzir provas contra si mesmo em processos, quer de natureza civil ou penal, somente se firma no período do Iluminismo (sec. XVIII), quando intelectuais e cientistas se juntam para defender direitos naturais e práticas de interrogatórios livres da tortura e das práticas de auto-incriminação impostas para que o acusado confessasse no interrogatório, servindo como meio de prova.
Os humanistas dessa época já sedimentavam ser uma contradição antinatural o fato de se que querer obrigar uma pessoa a contribuir com seu próprio infortúnio, tratando-se mesmo de uma imoralidade, contudo não restou pacificada a questão sobre a sanção decorrente do ato de se negar a falar ou contribuir, ou seja, ao se negar a falar o sujeito estaria “consentindo” com as acusações imputadas, pelo que não ensejou nem sequer se defender, contribuindo isto para a valoração de sua culpa e sua pena.
Na Inglaterra o princípio nemo tenetur prodere se ipsum, [NOTA 1] que vedava a auto-incriminação, expressado no mais popular manual de ius commune, o Speculum iudiciale, era utilizado desde o sec. XVI, tendo sido acolhido pelos glosadores medievais e repetido na maioria dos manuais de processo penal europeus dos séculos XVI e XVII. [9]
O princípio da não auto-incriminação é expresso na língua inglesa pelo privilege against self-incrimination (privilégio contra a auto-incriminação) e foi desenvolvido na Inglaterra pela defesa técnica, ou seja, por obra dos advogados de defesa, por volta do sec. XVIII, [10] nas cortes de common law.
Nos Estados Unidos consta na 5a emenda que ninguém será obrigado, em processo condenatório, a servir de testemunha contra si, tendo sido, desde sempre, considerado um privilégio [11] que o acusado pode aceitar ou se recusar caso queira se confessar espontaneamente.
RAMOS [12], em sua obra sobre o processo penal norte-americano, relata que em tema de confissão obtida mediante fraude um dos mais antigos precedentes é inglês, citando o caso R. v. Warickshall, 1 Leach 262, 168 Eng. Rep. 234 (K.B. 1783), onde uma moça foi presa pela polícia por furtar mercadorias em uma loja e induzida a confessar perante as autoridades sob falsas promessas de recompensa.
De fato, a busca da verdade no processo penal sempre foi controvertida, evoluindo da tortura, coação e fraude, para a prova tarifada. Somente no século passado (sec. XX), é que garantias e princípios foram positivados, na maior parte das Constituições democráticas, e adotados como direitos intransponíveis e garantias processuais penais.
Fogem do escopo deste breve estudo um aprofundamento histórico e evolutivo do principio em comento, contudo vasta bibliografia é recomendada [NOTA 2], tratando-se de estudos completos e de alto valor significativo.
No Brasil, o Código de Processo Penal, Decreto-Lei n.o 3.689, promulgado em 3 de outubro de 1941, introduziu em seu art. 186: “Antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao réu que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa.”
Tal preceito perde sua eficácia com a promulgação da Constituição Federal em 1988, garantindo, entre outros, o direito de permanecer em silêncio (art. 5o, inciso LXIII), e é expressamente revogado pela Lei n.o 10.792, em 01 de dezembro de 2003:
Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.
Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.
Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal o art. 186 original (CPP/ 1941), já se demonstrava obsoleto, conforme ementa no acórdão do HC 75.616/SP, de 07/10/1997. [13]
A não recepção do art. 186 do CPC antigo, pela C. Federal, foi ratificada no RE 199.570/MS [14], de 16/12/1997:
E, para aclarar mais ainda nossos sentimentos de pacificação, tramita de maneira célere e concisa o Anteprojeto de Reforma do (vetusto) Código de Processo Penal [15] – Projeto de Lei do Senado – PSL n.o 159/2009 – Comissão de Juristas responsável pela elaboração de anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal Criada na forma do Requerimento nº 227, de 2008, aditado pelos Requerimentos nº (s) 751 e 794, de 2008, e pelos Atos do Presidente nº (s) 11, 17 e 18, de 2008.
Mudanças de valor democrático significativo foram inseridas em seu texto legal, com redação de boa técnica, explicativa e simplificada, isentas do desconforto da prolixidade e do demasiado linguajar jurídico formalista.
Podemos destacar os seguintes princípios fundamentais do título I:
Art. 5º. A interpretação das leis processuais penais orientar-se-á pela proibição de excesso, privilegiando a máxima proteção dos direitos fundamentais, considerada, ainda, a efetividade da tutela penal. (grifo nosso)
Art. 6º A lei processual penal admitirá a analogia e a interpretação extensiva, vedada, porém, a ampliação do sentido de normas restritivas de direitos e garantias fundamentais. (grifo nosso)
E, principalmente o indubitável avanço na combinação dos textos dos artigos 64, 65 e 69, in verbis:
Art. 64. Será respeitada em sua plenitude a capacidade de compreensão e discernimento do interrogando, não se admitindo o emprego de métodos ou técnicas ilícitas e de quaisquer formas de coação, intimidação ou ameaça contra a liberdade de declarar, sendo irrelevante, nesse caso, o consentimento da pessoa interrogada.(grifo nosso)
§1º A autoridade responsável pelo interrogatório não poderá prometer vantagens sem expresso amparo legal.(grifo nosso)
§2º O interrogatório não se prolongará por tempo excessivo, impondo-se o respeito à integridade física e mental do interrogando. O tempo de duração do interrogatório será expressamente consignado no termo de declarações. (grifei)
Art. 65. Antes do interrogatório, o investigado ou acusado será informado:
I – do inteiro teor dos fatos que lhe são imputados ou, estando ainda na fase de investigação, dos indícios então existentes;
II – de que poderá entrevistar-se, em local reservado, com o seu defensor;
III – de que as suas declarações poderão eventualmente ser utilizadas em desfavor de sua defesa;
IV – do direito de permanecer em silêncio, não estando obrigado a responder a uma ou mais perguntas em particular, ou todas que lhe forem formuladas; (grifei)
V – de que o silêncio não importará confissão, nem poderá ser interpretado em prejuízo de sua defesa. (grifei)
Art. 69. Quando o interrogando quiser confessar a autoria da infração penal, a autoridade indagará se o faz de livre e espontânea vontade.
Ou seja, há uma grande mobilização, um esforço no sentido de se coadunar a legislação infraconstitucional consoante a Constituição Federal de 1988 – e suas emendas posteriores -, e outros diplomas, como os Tratados Internacionais de Direitos Humanos assinados e ratificados pelo Brasil.
A política implementada pela globalização almeja o ápice de um máximo de comunidades em harmonia formando uma união de cooperação recíproca. Incluem-se entre as metas de harmonização e da evolução para a uma unificação dos Estados, que os ritos e procedimentos processuais e suas garantias e princípios, aprimorados pela tutela da dignidade da pessoa humana, dos direitos humanos e da preservação e proteção da paz, do ambiente e da liberdade, estejam na maior sintonia possível, de modo que, guardadas as devidas proporções étnicas, religiosas, culturais e sociais, os códigos, legislações, e em alguns casos até Constituições (União Européia), não sendo necessariamente idênticos, devem resguardar princípios, regras, garantias e direitos, harmonizados equitativamente de maneira a assegurar uma relação jurídica justa e equivalente, independentemente do país aonde se proceda o pleito judicial e suas conseqüências, conforme a norma insculpida no caput do art. 5.o da C. Federal: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” Peço vênia para suprimir tal disparidade, uma vez que daria impressão que o estrangeiro aqui de passagem, ou não residente, não tivesse o direito de inviolabilidade da vida, da liberdade, da segurança e da propriedade.
Nos dias atuais, mormente no sec. XXI, o direito a não auto-incriminação, ou nemo tenetur se detegere, ou privilege against self-incrimination, seja como for, tornou-se um princípio merecedor de tutela das garantias processuais, evoluindo para abranger as mais diversas situações:
a) CPI – o depoente que comparecer ao interrogatório não é obrigado a responder quaisquer perguntas que lhe sejam prejudiciais, [16] ou seja, que importem em sua auto-incriminação, pelo que tem o direito de permanecer calado, não implicando seu silêncio em confissão ou meio de prova [17]; b) Obtenção de provas técnicas: padrão gráfico [18], padrão de voz [19], participação em reprodução simulada de crime [20] e teste de alcoolemia [21]; c) Juizados Especiais Criminais [22] – necessidade da informação do direito ao silêncio inerente ao acusado em audiência; c) Prisão preventiva e dosimetria da pena – O direito do sujeito de não colaborar com suas informações no processo não pode ser utilizado para fundamentar a prisão preventiva [23], nem para justificar acréscimo ao cálculo da pena [24]; d) Utilização de gravação clandestina [25], sem o prévio consentimento, para obter confissão.
3.1. O Estado que pune.
“Ninguém faz gratuitamente o sacrifício de uma porção de sua liberdade visando unicamente ao bem público. Tais quimeras só se encontram nos romances. Cada homem só por seus interesses está ligado às diferentes combinações políticas desse globo; e cada qual desejaria, se fosse possível, não estar ligado pelas convenções que obrigam os outros homens.” CÉSAR BONESANA (Marquês de Beccaria. Dos Delitos e das Penas. Edição Ridendo Castigat Mores. [199-], p. 25.)
Quando a sociedade fez o pacto, surgindo o Estado Absolutista, cada homem entrega parte da sua liberdade em troca, principalmente, de segurança, uma vez que esta garantiria a propriedade e a paz, cedendo ao soberano todo poder para cercear e punir, de modo a aplicar penalidade monetária ou corpórea, de acordo com a monta de lesão causada ao particular ou ao Estado, ficando sempre ao encargo deste último o poder/dever de punir.
Nem sempre foi assim, a criminalidade e, inseparavelmente, os delitos antecedem qualquer notícia histórica de formação estatal, é próprio da conduta humana o cometimento de crimes e, para alguns, antecede a própria sociedade e tem origem na formação bíblica da espécie humana, tendo Caim assassinado seu irmão Abel [26], perpetrando o primeiro homicídio da história do mundo:
“O primeiro homicídio
Disse Caim a Abel, seu irmão: Vamos ao campo. Estando eles no campo, sucedeu que se levantou Caim contra Abel, seu irmão, e o matou.”
E, conseqüentemente, foi aplicada a primeira sanção punitiva [27]:
“E disse Deus: Que fizeste? A voz do sangue de teu irmão clama da terra a mim.
És agora, pois, maldito por sobre a terra, cuja boca se abriu para receber de tuas mãos o sangue de teu irmão.
Quando lavrares o solo, não te dará ele a sua força; serás fugitivo e errante pela terra.”
De modo que, aos crimes concomitantemente sobrevêm às punições, ou, não tão raro, a impunidade, o que não variou tanto assim ao decorrer dos séculos, mas o poder de punir, aplicar a pena na medida do injusto cometido, este variou e juntamente com ele a medida da pena, tendo-se utilizado de meios cruéis, ainda não extintos, de tortura ou de pena de morte, muitas vez aplicados através da autotutela ou emanados por tribunais de exceção ou não legitimados.
De fato, evoluindo a organização do Estado em sociedade política, dotado de soberania, território, povo e Constituição, ficaria estabelecido um rol mínimo de princípios, direitos e garantias de natureza penal que não permitiriam arbitrariedades, abuso de poder e objetividade penal, contudo, a experiência não demonstra ser esta uma afirmativa absoluta, tudo irá depender da política adotada, efetivamente adotada no dia-a-dia, pelas instituições do detentor da soberania, pois sob as alcunhas de Democracia ou Governo Democrático, aonde “Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido”, muitas ditaduras se instalaram espalhando o medo e a insegurança através de atos editados sob o pano de fundo de uma pretensa ameaça subversiva terrorista, v.g., Brasil (1964 a 1985), suprimindo direitos, disfarçando princípios e suplementando as garantias com exceções permissivas.
Por isso, quando se fala em Política Criminal, prevenção e repressão da criminalidade, não há como deixar de se espelhar na Política -não no regime de governo-, adotada pelo governo, pois uma reflete a outra, resultando em uma equação aonde repressão é inversamente proporcional a prevenção, e ambas, diretamente proporcional à(s) Política(s) adotada(s) pelo governo, econômica, social, educacional, desportiva, habitacional, de produção, de mercado financeiro, industrial, saúde, assistência, entre outras, sendo certo que quanto mais inclusivo e equânime, mais preventivo será, e quanto mais exclusivo e desigual, mais repressivo, juntos, e em mesma proporção, aumentam, no sistema repressivo, os índices de criminalidade, e diminuem, no sistema preventivo, como não poderia deixar de ser.
No Estado Democrático de Direito, quando a política exercida pelos governantes, representantes do povo e exercendo por estes a soberania, é de fato democrática de direito, o Direito Penal tem um mínimo de garantias, ou como quer a doutrina, “Direto Penal garantista”, que numa primeira acepção vem a ser um modelo normativo de direito [28], precisamente porque respeita o sistema normativo penal de estrita legalidade, própria do estado de direito, aplicando com eficácia as normas constitucionais e infraconstitucionais, sem divergência destas com àquelas [29]:
“Esta divergência entre a normatividade do modelo em nível Constitucional e sua ausência de efetividade nos níveis inferiores comporta o risco de fazer daquele uma simples fachada, com meras funções de mistificação ideológica do conjunto.” (tradução livre)
Considera-se com alto grau de garantismo um sistema penal que atende aos princípios constitucionais e de baixo grau, aquele que leva em consideração as suas práticas efetivas. [30]
No Estado de Direito o agente público deve estar vinculado aos preceitos legais e deve respeitar os princípios, direitos e garantias constitucionais, estando vigilante para rechaçar qualquer tentativa de subordinação, da legislação infraconstitucional, assim como da utilização de práticas costumeiras, do sistema constitucional de garantia.
Como afirma Ferrajoli [31], o Estado de Direito não designa simplesmente um “estado legal” ou “regulado pela lei”, mas um modelo de estado nascido com as modernas Constituições e com as seguintes características:
“a) No plano formal, pelo princípio da legalidade, em virtude do qual todo poder público – legislativo, judiciário e administrativo- está subordinado as leis gerais e abstratas, que disciplinam suas formas de exercício e cuja observância se ache submetida ao controle de legitimidade por parte dos juízes separados e independentes do mesmo (o Tribunal Constitucional para as leis, os juízes ordinários para as sentenças, os tribunais administrativos para as decisões desse caráter); b) No plano substancial, pela funcionalização de todos os poderes do estado a serviço da garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos, mediante a incorporação limitativa em sua Constituição dos deveres públicos correspondentes, é dizer, das proibições de lesionar direitos da liberdade e das obrigações de dar satisfação aos direitos sociais, assim como dos correlativos poderes dos cidadãos de ativar a tutela judicial.” (tradução livre)
O Estado quando assume o monopólio do status negativus libertatis, os cerceamentos e as punições materiais e corpóreas, assume em contrapartida o dever de garantir o status positivus libertatis, ou seja, através de uma política criminal adequada, que se integre a políticas efetivas de investimento em educação, saúde, habitação, inserção no mercado de trabalho, assistência aos desvalidos, garantia do mínimo existencial, entre outras, de modo que a prioridade seja a prevenção e a reabilitação em escala de muito mais valor e eficácia do que a, sempre maléfica para todos, repressão.
Assim como, o Estado tem os meios necessários, ou antes deveria ter, para conseguir chegar aos fins sem necessitar ter que justificar os meios, de forma que sendo o processo penal um instrumento acusatório, nada mais justo que o acusado, indiciado, suspeito ou testemunha, não seja privado de nenhum dos meios de que dispõe para exercer a sua defesa, e entre estes está o princípio de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo ou confessar contra a própria vontade.
4. Declarações Tributárias Obrigatórias.
As declarações obrigatórias, obrigações acessórias que devem ser cumpridas pelo sujeito passivo, dependendo da existência da obrigação principal [32], foram criadas com o objetivo precípuo de viabilizar a fiscalização escorreita dos tributos, uma vez que se tornaria dispendioso e, por que não, impossível, para os agentes fiscais apurar todas as transações correntes ao mesmo tempo em que fossem calculados seus montantes devidos, logo, por uma questão de economicidade e eficiência.
Deste modo, de uma parte o contribuinte declara o fato, apura o montante, calcula a base, aplica a alíquota e efetua o pagamento, na outra ponta, a Fazenda verifica a veracidade e correção dos dados declarados, desonerando-se de dever obrigacional com as informações, pois estas são devidas pelo sujeito passivo.
O Decreto-Lei n.o 2.124, de 13 de junho de 1984, atribuiu competência ao Ministro da Fazenda para instituir ou eliminar obrigações acessórias [NOTA 3], que por força legal são obrigatórias e a simples verificação de sua inobservância converte-a em obrigação principal em relação à penalidade pecuniária (art. 113, § 3º, CTN).
Mas, o Ministro da Fazenda logo delegou esta atribuição, pela Portaria n.o 118, de 28 de junho de 1984 (quinze dias após a entrada em vigor do Decreto-Lei 2.124/84), ao Secretário da Receita Federal, que por Instrução Normativa (a de n.o 129/1986) instituiu a DCTF, atualmente regulada pela IN 903 da Receita Federal do Brasil.
4.1. Legalidade
Existem duas correntes doutrinárias que divergem sobre a legalidade e competência para a instituição de obrigações acessórias, a primeira [33] interpreta de modo restritivo a expressão legislação tributária contida no § 2o do art. 113 do CTN, in verbis:
“Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.
§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos”.
Asseverando que o termo legislação tributária aplicada neste caso decorre da lei formal e material, não podendo advir de decreto, portaria ou instrução normativa, entre outros.
Assim, encontramos na doutrina quem afirme que por força do princípio constitucional da legalidade, art. 5o, inciso II, da Constituição Federal, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei, e, conseqüentemente, decreto, instrução normativa, portaria, entre outras normas infralegais, não gozariam da força normativa da lei federal, aprovada com o quorum legislativo estipulado pela constituição e no exercício da democracia pelos representantes escolhidos pelo povo.
Interpretando o CTN, José Souto Maior Borges [34], defende que as expressões legalidade tributária e legislação tributária não são empregadas como sinônimos e, por isso, não se pode instituir obrigação acessória mediante atos infra-legais:
“(…) qualquer pretensão ao cumprimento de obrigações acessórias deverá estar submetida à regência de lei, e não de atos infra-legais do Executivo, como os decretos regulamentares. E compreende-se que assim o seja, porque não é só pela via da exigência de prestações pecuniárias compulsórias que o Estado se insinua nas relações entre os particulares, a demandar-lhes, com voracidade insaciável, uma crescente ordem de obrigações (deveres administrativos) instituídas por simples comodidade burocrática. Porque é muito mais fácil à administração do que assumi-las, sub-rogar os particulares no exercício de funções que lhe são – a ela, administração – constitucionalmente atribuídas. Mas, há ainda um argumento final para confirmar a afirmação de que as obrigações acessórias devem ser instituídas por lei, e não mediante atos infra-legais. É acertado afirmar-se que as expressões legalidade tributária e legislação tributária não são, no CTN, empregadas como sinônimos. Porque a lei, nos termos estipulados pelo CTN, art. 96, apenas integra a “legislação tributária”, ao lado dos tratados e convenções internacionais, decretos e normas complementares.”
Ora, isso é seguir o sentido mais restritivo da concepção da legalidade, uma vez que é sabido que um ato do executivo, que pode ser delegado a outro agente, por exemplo, Secretario ou Ministro, que não foi necessariamente escolhido pelo povo, mas o representa do mesmo modo, este ato goza da mesma presunção de legalidade que a lei votada, devendo ser obrigatoriamente cumprido, como exemplo perfunctório temos os feriados decretados e os efeitos que geram nos estabelecimentos que não podem funcionar em determinados setores de modo a não prejudicar a coletividade e outros que ao contrário não devem deixar de funcionar para almejar este mesmo propósito.
Por isso pensamos conforme a segunda corrente [35] que oferece uma interpretação ampla ao art. 96 do CTN: ‘A expressão “legislação tributária” compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes’; consoante o escólio de Hugo de Brito Machado [36]:
A obrigação acessória é instituída pela legislação, que é lei em sentido amplo (art. 96). Sempre no interesse da arrecadação ou fiscalização dos tributos (art. 113, § 2a). Não implica para o sujeito ativo (fisco) o direito de exigir um comportamento do sujeito passivo, mas o poder jurídico de criar contra ele um crédito, correspondente à penalidade pecuniária.
4.2. DCTF
A discussão em torno do exemplo escolhido, a DCTF, anteriormente Declaração de Contribuições e Tributos Federais, hoje correspondendo a Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais, vem desde a sua instituição pela IN 129 de 1986 da Secretaria da Receita Federal, hoje Receita Federal do Brasil, de maneira que podemos encontrar decisões de 1994 e 1995 do TRF da 1a Região, se opondo a legalidade da DCTF:
“Processo: REO 94.01.24826-5/BA, REMESSA EX OFFICIO, Relator: JUÍZA ELIANA CALMON, Órgão Julgador: QUARTA TURMA, Publicação: 06/10/1994, DJ p.56075; Data da Decisão: 19/09/1994. Decisão: A unanimidade, negar provimento ao recurso.
Ementa: Tributário – Obrigação Acessória – Declaração de Contribuição e Tributos Federais – DCTF – Instrução Normativa n. 129/86 – Ilegalidade.
1- É ilegal a criação de obrigação acessória via Instrução Normativa, por delegação do Secretário da Receita, através de Portaria do Ministério da Fazenda.
2- Pelo princípio da reserva legal, não se pode delegar matéria da competência do Congresso Nacional por decreto-lei.
3- Remessa oficial improvida.”
“Processo: AC 95.01.18755-1/BA, APELAÇÃO CIVEL, Relator: JUÍZA ELIANA CALMON, Órgão Julgador: QUARTA TURMA, Publicação: 09/10/1995, DJ p.68250; Data da Decisão: 13/09/1995. Decisão: A unanimidade, negar provimento aos recursos. Ementa: TRIBUTÁRIO – OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA – DECLARAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES E TRIBUTOS FEDERAIS: DCTF – INSTRUÇÃO NORMATIVA N. 129/86 – ILEGALIDADE.
1- E ilegal a criação de obrigação tributaria acessória, cujo descumprimento importa em pena pecuniária via Instrução Normativa, emanada de autoridade incompetente.
2- Desatendimento do principio da reserva legal, sendo indelegável a matéria de competência do Congresso Nacional.
3- Recurso voluntário e remessa oficial improvidos.”
Em 1999, no dia 19 de janeiro, foi promulgada a Lei n.o 9.779, que entre normas relativas ao imposto de renda, prescreveu em seu artigo 16:
Art. 16. Compete à Secretaria da Receita Federal dispor sobre as obrigações acessórias relativas aos impostos e contribuições por ela administrados, estabelecendo, inclusive, forma, prazo e condições para o seu cumprimento e o respectivo responsável.
Mesmo com a promulgação do comando acima descrito a discussão não cessou, em torno sempre da legalidade e da competência, de modo que em relação a sua entrega obrigatória pelos órgãos públicos dos estados-membros foi ajuizada, no Supremo Tribunal Federal, uma Ação Cível Originária (ACO) pelo estado de Minas Gerais, no ano de 2007, com pedido de antecipação de tutela, contra a União, sustentando a inconstitucionalidade da obrigatoriedade da DCTF:
ACO 1098 tutela antecipada / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Julgamento: 26/11/2007, Publicação: DJe-153, DIVULG: 30/11/2007; PUBLIC: 03/12/2007, DJ 03/12/2007, PP-00020.
DECISÃO: Trata-se de ação cível originária ajuizada contra a União pelo Estado de Minas Gerais, com pedido de antecipação de tutela, em que se sustenta a inconstitucionalidade da obrigação acessória de entrega da Declaração de Débitos e Créditos de Tributos Federais – DCTF, nos termos da IN SRF 695/2006. O estado-autor formula duas linhas de argumentação para sustentar a inconstitucionalidade da DCTF. Em primeiro lugar, afirma que a obrigação acessória viola o princípio da legalidade, na medida em que foi estabelecida por norma infra-ordinária e não por lei (art. 9º, § 1º e 113, § 2º do Código Tributário Nacional). O segundo argumento consiste na alegada violação dos princípios do pacto federativo e da isonomia, pois a IN 695 dispensa os órgãos públicos federais da apresentação do documento, ao mesmo tempo em que mantém a obrigação acessória em relação aos órgãos públicos estaduais, distritais e municipais. Pede-se a antecipação parcial dos efeitos da tutela, “para dispensar os órgãos públicos estaduais de apresentar a DCTF, ordenando-se à ré que se abstenha de adotar sanções em virtude desta não apresentação (imposição de multas, anotação em cadastro de inadimplementes, enfim, qualquer restrição tributária, financeira ou creditícia)” (Fls. 07). (…) Era dever da parte demonstrar de que maneira o próprio cumprimento da obrigação acessória se traduz em ônus desproporcional e quais são os prejuízos irrecuperáveis dele advindos. Reputo presente periculum in mora inverso, dado que a DCTF é importante obrigação acessória pertinente ao controle da regularidade fiscal. Não vislumbro, ainda, a densa plausibilidade das teses articuladas pelo estado-autor. Quanto à violação da isonomia, não está peremptoriamente afastada a existência de diferenças determinantes pertinentes ao controle dos órgãos públicos federais que pudessem justificar o tratamento tido por inconstitucional. Ademais, eventual violação da isonomia poderia justificar a cassação do suposto privilégio, mas não necessariamente sua extensão. Do exposto, indefiro o pedido de antecipação de tutela. Cite-se a ré, para que ofereça resposta. Publique-se. Brasília, 26 de novembro de 2007. Ministro JOAQUIM BARBOSA.
O estado de Minas Gerais recorreu da decisão e interpôs agravo regimental que foi julgado procedente:
“ACO/1098 – AG.REG. NA TUTELA ANTECIPADA NA AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. Classe: ACO, Procedência: MINAS GERAIS, Relator: MIN. JOAQUIM BARBOSA, Partes: AGTE.(S) – ESTADO DE MINAS GERAIS: ADV.(A/S) – ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO – MG – ROBERTO PORTES RIBEIRO DE OLIVEIRA; AGDO.(A/S) – UNIÃO: ADV.(A/S) – ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO. Decisão: O Tribunal, por maioria, deu provimento ao recurso de agravo, vencido o Senhor Ministro Joaquim Barbosa (Relator). Redigirá o acórdão o Senhor Ministro Marco Aurélio. Ausentes, justificadamente, o Senhor Ministro Eros Grau e, neste julgamento, os Senhores Ministros Gilmar Mendes (Presidente), Celso de Mello e Ellen Gracie. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Cezar Peluso. Plenário, 08.10.2009”.
“Plenário do STF dispensa estado da obrigação de entregar declaração tributária.[37]
“Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal deu provimento ao agravo regimental na Ação Civil Originária (ACO) 1098, interposto pelo Estado de Minas Gerais para que os órgãos públicos estaduais sejam dispensados da obrigação acessória de entrega da Declaração de Débitos e Créditos de Tributos Federais (DCTF), até o julgamento do mérito da ACO. O relator, ministro Joaquim Barbosa, teve o voto vencido depois de divergência aberta pelo ministro Marco Aurélio, que não concordou com a aplicação de sanções pelo descumprimento da obrigação. (…)
O ministro Marco Aurélio abriu a divergência, alegando que a articulação do estado de Minas Gerais é verossímil. De acordo com ele, o que se apontou na inicial é que um ato dito normativo da Receita Federal teria criado obrigação tributária acessória para o estado, e se teria dito que essa obrigação remete à lei e não à simples instrução da Receita Federal, em verdadeiro tratamento discriminatório já que entes públicos federais estariam eximidos da apresentação do DCTF. Esse entendimento foi seguido pela maioria.”
Assim, até o julgamento de mérito da ACO, os órgãos públicos estaduais estão dispensados da entrega obrigatória da DCTF, deixando então a questão mais acirrada, porque, uma vez que se decida pela inconstitucionalidade da entrega da DCTF pelos motivos acima alegados, ilegalidade e isonomia, tais princípios não podem gerar efeitos tão somente para os órgãos públicos, mas identicamente para os particulares, pessoas jurídicas e pessoas físicas, que também estariam desobrigados da entrega da declaração.
Longe de uma definição e perto de ainda provocar muita polêmica, a DCTF segue como uma das mais importantes obrigações acessórias das pessoas jurídicas na área federal, de apresentação periódica de declaração acerca dos créditos e débitos relativos aos tributos federais: IRPJ, IRRF, IPI, IOF, CSLL, PIS, COFINS, CIDE-Combustíveis e CIDE-Remessa.
4.3. Jurisprudência
A construção jurisprudencial em torno da DCTF revela que a posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) é inflexível no cumprimento dos procedimentos adotados pela instrução normativa da Receita, principalmente em relação ao seu artigo mais polêmico [38]:
“Art. 10. Os valores informados na DCTF serão objeto de procedimento de auditoria interna.
§ 1º Os saldos a pagar relativos a cada imposto ou contribuição, informados na DCTF, bem como os valores das diferenças apuradas em procedimentos de auditoria interna, relativos às informações indevidas ou não comprovadas prestadas na DCTF, sobre pagamento, parcelamento, compensação ou suspensão de exigibilidade, serão enviados para inscrição em Dívida Ativa da União (DAU), com os acréscimos moratórios devidos.
§ 2º No caso dos órgãos públicos da administração direta dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a inscrição em DAU será efetuada em nome do respectivo ente da Federação a que pertençam.”
De modo que iremos encontrar decisões, sempre no mesmo sentido, relativas às seguintes conclusões:
a) Após a entrega obrigatória da DCTF não há necessidade de processo administrativo [39] e da notificação, pois está constituído o crédito tributário; b) A entrega da declaração e falta do recolhimento do pagamento no prazo estipulado autoriza a inscrição em dívida ativa, fixa o termo inicial da prescrição, inibe a expedição de CND (certidão negativa de débito) e não permite a denúncia espontânea [40]; c) A declaração do contribuinte “constitui” o crédito tributário, sendo dispensado o lançamento [41]; e) A entrega da declaração implica em confissão de dívida. [42]
A guisa de uma conclusão pode-se afirmar que a DCTF é uma declaração obrigatória que tem natureza de confissão de dívida, constitui o crédito tributário dispensando o lançamento e goza de presunção iuris et de iures, pois: dispensa a notificação prévia, dispensa o processo administrativo, autoriza a inscrição em dívida ativa, inibe a expedição de CND, não permite a denúncia espontânea e fixa o termo inicial da prescrição. Não se esquecendo que na sua inobservância, a falta de declaração, omissão, sonegação ou erro, gera um crédito suplementar sob a forma de penalidade pecuniária, multa, conforme art. 113, § 3o, CTN [NOTA 4], além de poder implicar em um dos tipos penais contidos na Lei 8.137/90.
5. Os crimes contra a ordem tributária.
5.1. O direito de não produzir provas contra si próprio nos crimes contra a ordem tributária.
Há vários estudos sobre o principio nemo tenetur se detegere na literatura, mormente na questão fiscal, assim, resumidamente, iremos descrever algumas conclusões obtidas por doutrinadores sobre a questão do direito ao silêncio na seara penal tributária.
Hugo de Brito Machado [43] reitera que “quando se cogita do confronto entre o direito de não se auto-incriminar e o dever de prestar informações ao fisco, é importante registrarmos que o primeiro constitui um direito fundamental posto em nosso direito positivo no plano da Constituição que, por isto mesmo, não pode ser atingido pela disposição da lei ordinária que prescreve o dever de informar ao fisco”.
Assevera que o dever de prestar informações ao fisco deve ser examinado sob dois enfoques distintos [44]: um, o dever de prestar as informações necessárias ao lançamento regular dos tributos; o outro, o dever de prestar informações solicitadas por agentes do fisco na atividade de fiscalização tributária. O primeiro caso precede a ocorrência do crime tributário, já o segundo caso diz respeito a informações que podem constituir prova da autoria de crime tributário. Concluindo, que “não é razoável que o autor de crime hediondo tenha o direito de não colaborar em sua auto-incriminação e o sonegador não tenha”.
Heloisa Estelita Salomão [45] defende, igualmente, a incorporação do principio da não auto-incriminação aos direitos e garantias fundamentais, por força do § 2o, do art. 5o da CF/88, no tocante aos crimes contra a ordem tributária, assim se pronuncia:
“Se a recusa ou omissão do contribuinte se dá, portanto, no intuito de evitar a descoberta ou de evitar o fornecimento de elementos que possam servir à prova da prática de crime contra a ordem tributária, a conduta, apesar de típica, é lícita já que praticada sob o manto de excludente da ilicitude: exercício regular de direito (CP, art. 23, inc. II, segunda parte).”
Afirmando, que “a recusa não causa qualquer prejuízo à Fazenda Pública na medida em que o valor do tributo devido poderá ser calculado por arbitramento, art. 148 do CTN”. [NOTA 5]
No XX Simpósio Nacional de Direito Tributário [46], realizado pelo Centro de Extensão Universitário, foram levantadas cinco questões relativas aos crimes contra a ordem tributária, Lei n.o 8.137/1990, das quais uma, a de número três, é de nosso relevante interesse:
3) Pode o sujeito passivo da relação tributária, sob a proteção do inciso LXIII do artigo 5o da Constituição Federal, negar-se a prestar informações aos agentes fiscais sobre questões que poderão incriminá-lo?
Dividiram-se os autores dos pareceres em quatro Comissões, assim compostas:
Comissão 1 – Ives Granda da Silva Martins, Aristides Junqueira Alvarenga, José Maurício Conti, Eduardo Roberto Alcântara Del-Campo e Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho. Comissão 2 – Hugo de Brito Machado, Marilene Talarico Martins Rodrigues, Dejalma de Campos, Pedro Luiz de Amaral Marino e Raquel Elita Alves Preto Villa Real. Comissão 3 – Rubens Aprobatto Machado, Luiz Antonio Caldeira Miretti, Yoshiaki Ichihara, José Eduardo Soares de Melo e Cecília Maria Marcondes Hamati. Comissão 4 – Gustavo Miguez de Mello, João Mestieri, Plínio José Marafon, Vittorio Cassone e Antonio Manoel Gonçalez.
A seguinte proposta da comissão de redação foi aprovada pelo plenário, em resposta ao teor da terceira questão:
“Pode o sujeito passivo da relação tributária, sob o amparo do art. 5.o, inciso LXIII, da CF negar-se a prestar aos agentes fiscais informações sobre questões que possam incriminá-lo. Note-se que a parte final do art. 186 do CPP não foi recepcionada pela CF e o parágrafo único do art. 1.o da Lei 8.137/90 não se aplica nesta hipótese.”
Em recente estudo, de tese de dissertação de mestrado transformada em livro, Eduardo Muniz Machado Cavalcanti [47] discorre sobre o direito ao silêncio no âmbito da legislação tributária sancionadora, analisando sob a ótica dos princípios constitucionais e os critérios de ponderação para resolução dos conflitos, a possibilidade do contribuinte ou sujeito passivo da relação tributária de se negar a prestar informações em contrapartida ao dever que este mesmo tem, com relação à capacidade contributiva, de recolher tributos.
Ou seja, o autor aborda a colisão entre os princípios, ambos de patamar constitucional e referidos como direitos fundamentais, de um lado o direito que todo cidadão tem de não se auto-incriminar, o direito ao silêncio, de outro o dever que este mesmo cidadão tem, para com o Estado e a coletividade, de recolher tributos, conforme a capacidade contributiva.
Assim, concluindo após brilhante análise da dogmática dos princípios, o autor distingue dois âmbitos de situações sancionadoras, administrativa e penal:
“No âmbito administrativo-tributário, abordado sob a perspectiva sancionadora, essencialmente potencializado através da imposição da multa, o direito ao silêncio, inevitavelmente, deve sofrer ponderações frente ao dever de colaboração ou de contribuir em razão da preservação do princípio da capacidade contributiva.(…) Imaginar o contrário acobertaria os contribuintes inescrupulosos sob o manto de um direito fundamental absoluto e irrefutável, em prejuízo daqueles que, honestamente e rigorosamente, cumprem com suas obrigações tributárias.”
“Por outro lado, em se tratando do âmbito penal (crimes-tributários), fundamentalmente inspirado na cominação da pena privativa de liberdade, a tipificação punível da conduta do contribuinte de não prestar as informações exigidas pela autoridade pública é extremamente desproporcional e vulnera o direito ao silêncio, devidamente reconhecido ao contexto penal.”
(…) “Sob tal perspectiva, o ambiente penal, por essencialmente impor a pena privativa de liberdade, não poderá interferir no descumprimento dessas obrigações de prestar informações, intituladas de deveres instrumentais, sob pena de esbulhar preceitos de ordem constitucional: o direito ao silêncio, estando esse vinculado à idéia da ampla defesa ao acusado ou indiciado.”
Como é visto, o direito ao silêncio e, num sentido mais amplo de garantia, o direito de não se auto-incriminar, que engloba o direito de não colaborar com quaisquer elementos que possam constituir prova contra si próprio, é descrito pelos doutrinadores como um princípio que elide a ilicitude de crimes tributários que prescrevam condutas omissivas como “deixar de prestar declaração” ou “omitir declaração”, como meio de se resguardar de fornecer prova incriminando-se, assim como não constitui crime deixar de prestar as declarações exigidas pela autoridade pública.
Interpretação inteligente da recente jurisprudência do STF, processos HC 87.585/TO, RE 466.343/SP e RE 349.703/RS, todos de 03/12/2008, e processo HC 96772/SP, de 09/06/2009, nos revela que os tratados e convenções internacionais de direitos fundamentais incorporados ao ordenamento, gozam de supremacia legal sobre a legislação ordinária, seja por serem materialmente constitucionais, tese constitucionalista, ou por terem caráter supralegal, tese homônima, sendo assim, qualquer legislação ordinária ou lei complementar e demais dispositivos inferiores, que tipifiquem a conduta do sujeito passivo na relação tributária como omissiva, dolosa, pela negativa deste em produzir prova contra si mesmo através de declaração, entrega de documento ou bem, não tem eficácia, pois o direito de não produzir prova contra si mesmo está pontificado em dois tratados internacionais assinados pelo Brasil e insculpido pelo inciso LXIII, ratificado pela combinação com os incisos LIV e LV, todos do art. 5.o da Constituição Federal, em contrapartida, como visto, o Estado dispõe de meios para buscar a prova independentemente da cooperação do réu, indiciado ou suspeito, assim como dispõe de meios sancionadores pecuniários, como as multas, o arbitramento, o seqüestro de documentos e livros, entre outros.
5.2. O direito de não produzir provas contra si próprio nas declarações obrigatórias – caso DCTF
Em primeiro lugar devemos fazer uma importante distinção entre prestar declarações falsas e não prestar declarações, no primeiro caso o sujeito está cometendo um crime por meio de falsidade(s) na declaração, no segundo caso o sujeito evita de cometer o crime não apresentando declaração nenhuma. No primeiro caso o sujeito agiu, no segundo caso o sujeito deixou de agir, e na esteira de nosso raciocínio, apontado nas conclusões, o primeiro caso, agir e cometer o delito, só estará amparado pelo direito a não auto-incriminação em seguida à conduta, não alcançando os atos já perpetrados, já no segundo caso, deixar de agir para não cometer o delito, está amparado pelo direto a não auto-incriminação desde sempre, ou seja, o sujeito não estará obrigado a apresentar a declaração que omitiu, produzindo prova contra si mesmo, e essa conduta não constitui crime, como já vimos, é o exercício de um direito, portanto, embora a conduta seja típica, o agir é lícito, e o Estado dispõe dos meios para alcançar a prova.
No caso da DCTF, que se trata de declaração de caráter obrigatório, ou seja, o sujeito passivo é obrigado a declarar todas as operações relacionadas à transação tributária, iremos verificar se a omissão de declarações ou informações que poderão constituir prova de crime contra o declarante, sujeito passivo da relação tributária, pode ser considerado crime, como previsto na primeira parte do inciso I, do artigo 1.o, da Lei n. 8.137/90, omitir informações.
Para tanto, podemos utilizar um método de confronto entre as características atribuídas a DCTF e as posições, doutrinária e jurisprudencial, sobre os temas relacionados, e através dos questionamentos alcançar as conclusões necessárias para o cerne da questão.
5.2.1. A conduta de omitir informação na DCTF, pode ser considerada crime, como previsto na primeira parte do inciso I, do artigo 1.o, da Lei n. 8.137/90, em confronto ao direito de não auto-incriminação?
Primeiro iremos definir as características do delito e da DCTF:
Os crimes do artigo 1.o da Lei 8.137/90 são crimes que exigem a produção de resultado, são ditos crimes materiais, e a ausência de constituição definitiva do crédito impede a persecução penal. Precedentes: STF, HC 75.945/DF e AP 422 QO/SP.
A DCTF é uma declaração obrigatória que tem natureza de confissão de dívida, constitui o crédito tributário dispensando o lançamento, dispensa a notificação prévia, dispensa o processo administrativo, autoriza a inscrição em dívida ativa, inibe a expedição de CND, não permite a denúncia espontânea e fixa o termo inicial da prescrição. Precedentes: STJ, REsp 620.564/PR; REsp 957.682/PE; REsp 1.050.947/MG; REsp 671.219/RS e REsp 820.626/RS.
Hugo de Brito Machado [48] faz a seguinte afirmação, “o dever de prestar informações para o lançamento regular dos tributos precede a ocorrência do crime tributário”.
Por outro lado, este mesmo autor, aduz que o dever de prestar informações solicitadas por agentes do fisco na atividade de fiscalização tributária diz respeito a informações que podem constituir prova da autoria de crime tributário.
Ou seja, na omissão de informações para o lançamento do tributo o sujeito é obrigado a prestá-las, mas na atividade de fiscalização não é.
Mas, no caso da DCTF, que é uma declaração que constitui o crédito tributário dispensando o lançamento, a informação, então, não pode preceder o crime tributário, pois se o lançamento é dispensado, não se está prestando nenhuma informação para o lançamento regular de tributo, na verdade está-se prestando contas de valores a pagar, logo, qualquer informação prestada na DCTF diz respeito à informação que pode constituir prova de autoria de crime tributário, e neste caso, o sujeito passivo tem o direito de não produzir prova contra si mesmo, não constituindo crime a omissão de informação, mesmo que isto, e neste caso acontecerá, produza como resultado a redução ou supressão do tributo devido, posto que o Estado tem meios para cobrar e resgatar essa diferença sem que tenha que violar um direito e fazer pagar com o corpo, quem se defendeu.
Outro aspecto diz respeito à legalidade da DCTF, à legalidade de imputar criminosa a conduta de omitir informação que possa constituir prova contra si mesmo e, à legalidade dos tratados e convenções internacionais de direitos fundamentais incorporados ao ordenamento pátrio.
Podemos afirmar que a Instrução Normativa que institui a DCTF, atribui excessivos poderes de presunção de legitimidade, auto-executoriedade e imperatividade, sendo pouca monta o de publicidade. Os efeitos que lhe são atribuídos, mormente confissão de dívida, dispensa de notificação prévia, dispensa de processo administrativo e inibição de expedição da CDN, torna esse documento declaratório, data vênia, o trocadilho, um super poder da Super Receita.
Esses efeitos inibem qualquer chance do contribuinte de exercitar uma ampla defesa e o contraditório, restando para o resgate de um devido processo legal, somente o direito de não produzir provas contra si mesmo.
Como já visto, na ACO 1.098/MG, o Supremo Tribunal Federal concedeu a liminar ao governo de Minas Gerais para que os órgãos públicos estaduais sejam dispensados da obrigação acessória de entrega da Declaração de Débitos e Créditos de Tributos Federais (DCTF), até o julgamento do mérito da ACO, e o pensamento majoritário sobre a questão, ficou assim expressado:
“(…) o que se apontou na inicial é que um ato dito normativo da Receita Federal teria criado obrigação tributária acessória para o estado, e se teria dito que essa obrigação remete à lei e não à simples instrução da Receita Federal, em verdadeiro tratamento discriminatório já que entes públicos federais estariam eximidos da apresentação do DCTF. Esse entendimento foi seguido pela maioria.”
As condutas deixar de prestar declarações e omitir declarações, não podem ser consideradas ilícitas, independentemente do resultado, uma vez que estão protegidas pela Constituição Federal, pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), os dois últimos incorporados a nossa legislação, traduzido no direito fundamental de não produzir prova contra si mesmo.
Já foi verificado que os tratados e convenções internacionais sobre direitos fundamentais incorporados ao ordenamento pátrio gozam de supremacia legal sobre a legislação ordinária, seja por serem materialmente constitucionais, tese constitucionalista, ou por terem caráter supralegal, tese homônima, sendo assim, qualquer legislação ordinária ou lei complementar e demais dispositivos inferiores, que tipifiquem a conduta do sujeito passivo na relação tributária como omissiva, dolosa, pela negativa deste em produzir prova contra si mesmo através de declaração, entrega de documento ou bem, não tem eficácia.
Em suma, temos motivos para afirmar que se a Lei 8.137/90 possui limitações impostas às condutas omissivas que necessitem da colaboração do sujeito passivo em fornecer prova contra si mesmo, não será uma Instrução Normativa, questionamento também da maioria do Plenário do STF, que irá se impor sobre um direito fundamental incorporado através do inciso LXIII da CF/88 e dos tratados internacionais supracitados, sendo flagrante sua precariedade para tanto.
Reunidos esses elementos podemos concluir que não constitui crime contra a ordem tributária, ou qualquer outro delito, a conduta de omitir informação na DCTF, considerada crime, como previsto na primeira parte do inciso I, do artigo 1.o, da Lei n. 8.137/90, em decorrência do exercício do direito de não produzir prova contra si mesmo, princípio da não auto-incriminação, podendo e devendo o Estado, isto lhe compete, utilizar outros meios sancionadores para reaver seu prejuízo.
6. Conclusões.
O Estado na condição de sociedade política e tendo como sustentáculo financeiro a receita arrecadada de seus tributos, tem o direito incontestável, na tutela dos interesses não só de sua própria sustentação, mas, e principalmente, da coletividade, de seus componentes, humanos e institucionais, de fiscalizar e cobrar a regularidade do pagamento, de receber o tributo devido, assim como de apurar e punir as infrações administrativas e penais cometidas na relação tributária.
Na outra ponta o individuo, sujeito passivo na relação tributária, contribuinte ou equiparado, tem o dever de contribuir dentro da sua capacidade econômica, o que no final quer dizer que alguns pagam mais e outros menos, porém todos pagam, contudo deve ser observado que o sujeito passivo também possui direitos na relação tributária, que sopesados aos direitos do Estado não pode este último menosprezar direitos e garantias fundamentais para cobrar tributos de modo coercitivo, proibindo condutas que na verdade são defesas naturais do ser humano, ontológicas, como a de não produzir provas contra si mesmo, princípio nemo tenetur se detegere, e particularmente, o direito ao silêncio.
Foi analisado o caso da declaração obrigatória, Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF), propondo-se a questão da criminalização da conduta de omitir informação, contida na primeira parte do inciso I, do artigo 1.o da Lei 8.137/90, se a informação constituir prova contra si mesmo, concluindo-se que o princípio norteador de tal direito afasta a aplicabilidade de se incriminar a conduta omissiva, uma vez que se trata de exercício regular de direito, a uma porque o direito de não auto-incriminação é elevado ao status de norma constitucional ou supralegal, afastando a efetividade das disposições infraconstitucionais contrárias, a duas porque o Estado dispõe dos meios necessários para se chegar à prova e também dos meios de cobrança e recolhimento do prejuízo pecuniário, não sendo justo ou lícito coibir e violar direitos fundamentais, suprimindo direitos de defesa ou reduzindo sua amplitude, para fazer pagar com o corpo o objeto de dívida pecuniária, mesmo que se trate de tributo.
Não se quer dizer com isso que qualquer crime estará acobertado por este princípio ou por qualquer outro, apenas se procurou demonstrar que a conduta isolada da omissão, conjugada a finalidade de não se auto-incriminar, não pode ser considerada crime sem que se retire o direito de importante prerrogativa, considerada como direito natural e inerente a pessoa humana, do rol dos direitos de defesa.
Informações Sobre o Autor
Wladimyr Mattos Albano
Bacharel em Ciências Contábeis Bacharel em Química Perito Criminal Bacharel em Direito Especializado em Direito Público e Tributário