Resumo: A presente pesquisa será doutrinária e jurisprudencial referente ao Dano Moral na Relação de Trabalho: uma abordagem jurisprudencial nas decisões do TRT4. Um dos temas mais discutidos hodiernamente no âmbito doutrinário e jurisprudencial que vem ganhando espaço, pois trata de uma questão que assola a humanidade. Estudos feitos por diversos doutrinadores e juristas já comprovaram que o dano moral pode ocorrer também no âmbito social e familiar, mas a pesquisa visa tratar da incidência deste fenômeno nas relações trabalhistas, fazendo-se um estudo das causas, conseqüências, bem como, uma forma de reparação às vítimas. Procura-se a verificar as possibilidades do dano moral na fase pré-contratual, contratual e pós-contratual de trabalho e a responsabilização do empregador. Esta pesquisa tem como objetivo principal demonstrar, através dos fundamentos jurídicos, que os trabalhadores submetidos e expostos a qualquer situação que caracterize o dano moral laboral, podem contar com a proteção do judiciário, mostrando que por meio da responsabilização do agressor, podem buscar a reparação do dano. Por fim, o trabalho aborda a questão do quanto indenizatório devido nas ações trabalhistas referente ao dano moral, analisando-se aspectos doutrinários e jurisprudências, de forma a compreender-se a forma de atribuição de valores às indenizações, sem que estas deixem de atender os pressupostos legais, éticos, o bom senso e a equidade, pois a reparação do dano moral visa uma função compensatória a vítima e punitiva/pedagógica ao ofensor.
Palavras-chave: Dano. Vítima. Indenização. Quantum. Igualdade. Não. Discriminação.
Abstract: This search is case law concerning the doctrinal and moral damages in the employment relationship: a jurisprudential approach in the decisions of TRT4. One of the most discussed topics in our times in doctrine and jurisprudence that has been gaining ground, because this is an issue that plagues mankind. Studies by various scholars and jurists have tested the material damage can occur in the social and family life, but the research aims to address the incidence of this phenomenon in labor relations, making a study of the causes, consequences and, as a reparations to victims. Seeking the difference in moral damages in the pre-contractual, contractual and post-contract work and responsibility of the employer. This research aims mainly to demonstrate, through the legal grounds that the workers were and were exposed to any situation that characterizes the moral damage Labour can count on the protection of the judiciary, showing that through the accountability of the offender may seek redress damage. Finally, the paper addresses the question of indemnity due as labor actions in respect to moral damages, analyzing aspects of doctrine and jurisprudence, in order to understand the way of assigning values to damages, unless they fail to meet the legal requirements, ethical, common sense and fairness, as compensation for moral damages seeks a compensatory function and punishing the victim / offender to teaching.
Keywords: Damage. Victim. Indemnity. Quantum. Equality. Non. Discrimination.
Sumário: Introdução. 1. O dano moral. 1.1 Conceito de dano moral e natureza jurídica da reparação. 1.2 O dano moral na legislação. 1.3 O dano moral na relação de trabalho. 2 Dano moral na relação de trabalho nos julgados do TRT4. 2.1 O dano moral na fase pré-contratual. 2.2.1 O dano moral na fase contratual. 2.2.2 Assédio Sexual. 2.2.3 Assédio Moral. 2.2.4 Acidente de Trabalho. 2.2.4 Dispensa do Empregado. 2.3 Dano moral na fase pós-contratual. Considerações finais. Referências. Anexos
INTRODUÇÃO
O presente trabalho discorrerá de maneira a pontuar e esclarecer o Dano Moral na Relação de Trabalho, as decisões do TRT4. Ao estudar-se a reparação por dano moral decorrente da relação de trabalho, descobriu-se que muitas pessoas, na maioria das vezes, desconhecem este instituto e o seu alcance.
A Constituição Federal de 1988 dispõe que, qualquer pessoa, tem direito a receber indenização por dano moral. No âmbito do direito do trabalho, o trabalhador deverá reclamar e provar em juízo a ocorrência do dano moral. Pode-se dizer que no Processo Trabalhista, campo mais apropriado, porque trata-se de uma justiça célere e competente para resolver este tipo de conflito.
O artigo 483 e incisos da Consolidação das Leis do Trabalho, traz que o ato praticado pelo empregador contra o empregado, mesmo contra algum membro de sua família, lesivo da honra ou da boa fé, ofendendo sua moral, são passíveis de rescisão indireta do contrato de trabalho, podendo o empregado buscar a devida indenização moral.
Durante muito tempo a doutrina reconhecia apenas o dano a vida e a honra, mas hodiernamente a doutrina considera o dano moral uma lesão ao direito personalíssimo, proporcionando a configuração do dano moral.
O Direito do Trabalho é campo favorável e fértil por excelência, concedendo tutela a personalidade do trabalhador, isto é, uma aptidão do caráter pessoal, de subordinação de perenidade da prestação de serviço.
Uma das principais finalidades do Direito do Trabalho é assegurar o respeito e proteção ao trabalhador, sabe-se que a proteção ao direito de personalidade do empregado é de responsabilidade do empregador, em relação a isto, cabe sim a reparação por dano moral trabalhista.
A Constituição Federal de 1988 dispõe com clareza sobre o dano moral se enquadrar e ter sua aplicação no âmbito do Direito do Trabalho, sabe-se que, desde o surgimento da relação entre empregado e empregador surgiram diversas ocorrências de dano moral, e hoje o Direito do Trabalho deve resolver estas questões, visando sempre o bem estar da parte hipossuficiente.
A presente monografia se dividirá em dois capítulos. No primeiro capitulo, far-se-á um estudo dos conceitos de dano moral, bem como a natureza jurídica do instituto, os requisitos e tratamento dado para o tema em questão diante da legislação pátria em vigor, além disto, será tratado o dano moral na relação de trabalho.
No segundo capítulo será demonstrado e analisado as situações potenciais do dano moral, por meio de estudo doutrinário, podemos verificar que o dano moral no direito do trabalho poderá ocorrer em três situações do contrato de trabalho, sendo essas nas fases pré-contratual, contratual e pós-contratual. Bem como serão feitas análises de julgados do Tribunal do Trabalho da 4º Região, visando, demonstrar que o tema ora estudado, no processo do trabalho, não é tão simples à sua comprovação e, também, é difícil estabelecer valor monetário para a dor e sofrimento de uma pessoa, por que não se pode retornar ao estado anterior (“status quo ante”).
Ressalta-se a importância do tema, pois ao estudar os julgados do Tribunal do Trabalho da 4º Região, verifica-se o reconhecimento dos Direitos dos Trabalhadores sendo valorizados na relação empregado e empregador, para assegurar a todos a integridade psicológica e social.
1. O DANO MORAL
1.1. CONCEITO DE DANO MORAL E NATUREZA JURÍDICA DA REPARAÇÃO
O tema referente à reparação do dano moral não é tão recente, pois já era utilizado antes de Cristo, depois em outros séculos. Encontrava-se referência no Império Babilônico com Hamurabi, o Código de UR-Nammu, o Código de Manu, o Alcorão e a Lei das XII Tábuas[1], no Código de Napoleão, no Direito Romano, Código Civil português de 1987, Código Canônico de 1918, na Constituição portuguesa de 1933, Código Civil Italiano de 1942, Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, dentre outros.[2]
O dano[3] (do latim damnu) é o mal, prejuízo, material ou moral causado por alguém a outrem, detentor de um bem juridicamente protegido. Em suma, seria aquele que causar prejuízo a outrem, mas não foram feitos estudos mais aprofundados referentes ao significado da palavra, pois o que realmente interessa hodiernamente e antigamente é o resultado e seus efeitos, bem como a forma de sua reparação, e não o dano em si.[4]
Compreende-se com isso, que o que está presente no dano é a noção do prejuízo, portanto, haverá possibilidade de indenização se o ato ocasionar dano.[5]
Já para Caio Mário da Silva Pereira, é a circunstância elementar da responsabilidade civil, uma vez que constitui requisito fundamental da obrigação de indenizar.[6]
O dano moral, trata de prejuízos na esfera extra patrimoniais de pessoa física ou jurídica decorrente do fato danoso. O prejuízo extra patrimonial ou moral, não se refere à ofensa[7] à bem patrimonial, mas sim os de ordem moral, como por exemplo, a honra, a liberdade, à pessoa ou à família, bem como explica Silvio Venosa:
“Dano moral é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Sua atuação é dentro dos direitos de personalidade. Nesse campo, o prejuízo transita pelo imponderável, daí por que aumentam as dificuldades de se estabelecer a justa recompensa pelo dano. Em muitas situações, cuida-se de indenizar o inefável.”[8]
Segundo Orlando Gomes, o dano moral é definido a partir da idéia de exclusão. “A expressão dano moral deve ser reservada, exclusivamente, para designar o agravo que não produz qualquer efeito patrimonial. Se há conseqüência de ordem patrimonial, ainda que mediante repercussão, o dano deixa de ser extra patrimonial”.[9]
É importante dizer que o dano moral é a diminuição ou privação dos bens da vida tais como à liberdade individual, paz, tranqüilidade de espírito, integridade física, integridade individual, honra, que podem ser classificados em dano que afeta parte social do patrimônio moral (honra, reputação, etc), dano moral que causa prejuízo patrimonial (deformidade, cicatrizes, etc) e o dano moral puro (dor, tristeza, etc).[10]
A existência da reparação do dano moral é proteger os chamados direitos da personalidade[11], portanto os autores classificam os danos morais conforme a espécie do direito da personalidade do lesado.[12]
O dano moral atinge principalmente os direitos da personalidade em geral, como direito à imagem, ao nome, à privacidade, ao próprio corpo, etc. Por isso, o dano moral não acarreta somente dor física e psíquica, mas também ocasiona um distúrbio anormal na vida da pessoa, um desconforto comportamental a ser examinado no caso concreto.[13]
Nesse sentido, Maria Celina Bodin de Moraes leciona, “o que nos humilha, ofende, constrange, o que nos magoa profundamente, é justamente o que fere nossa dignidade”.[14]
Por isso, o dano moral ao abranger os direitos de personalidade, faz que não se busque apenas a reparação do dano moral pela dor psíquica ou física, mas também pelo dano que cause distúrbios anormais na vida do ser humano, desconforto comportamental e pela dor ou padecimento moral, ou seja, mesmo não resultando em alteração no plano psíquico, o dano moral é indenizável, e será verificado em cada caso concreto.[15]
O ato que originou o dano consiste em qualquer manifestação de vontade, contrária ao direito, porém a vítima deverá provar em juízo o autor da omissão ou da conduta, o nexo causal, o prejuízo, a culpa ou dolo.[16]
Ao falar em dano moral, a prova que deverá ser afeita no processo, é diferente da prova feita para comprovar o dano material, porque trata de um aspecto imaterial lastreado de modo diverso dos pressupostos do dano material, pois não se pode medir por pericias ou avaliar por testemunhas a dor por uma morte, a agressão moral, o desprestigio social dentre outras possibilidades, nesses casos o juiz deverá usar de toda a sua experiência, bem como exames probatórios da conduta do ofensor e da personalidade da vítima, que poderão ser exigidos em situações particulares. A complexidade de arbitrar a indenização do dano moral não é razão para afastá-lo.[17] Quando não se repara um prejuízo ou dano, isso gera uma preocupação social, pois a responsabilidade civil tem o intuito de restaurar o equilíbrio patrimonial e moral lesado.
Durante muitas décadas, este tema, era desconhecido no Brasil, isto porque, a honra e dignidade do ser humano não tinham tanta prioridade. O Tribunal do Rio Grande do Sul foi o pioneiro nessa matéria, quando decidiu há quase trinta anos, que o dano moral era indenizável. Nesse tempo, a doutrina tinha o entendimento de que o dano moral era indenizável, mas a jurisprudência não admitia tal posicionamento, sendo o maior entrave à sua admissão, entendimento este, que perdurou até a promulgação da Constituição Federal de 1988.[18]
Nesse período, argumentava-se que se a reparação do dano moral fosse concedida, esta teria caráter punitivo, o que seria incompatível com o direito privado, na medida em que não visaria à recomposição do prejuízo sofrido pelo ofendido. Ficando a duvida se a natureza da reparação seria punitiva ou reparatória.[19].
A reparação do dano pode ser compensatória (reparatória) para vítima e punitiva para o ofensor, fala-se em caráter punitivo com enfoque puramente patrimonial, já que o ofensor sofre diminuição em seu patrimônio, não se confundindo com a punição estabelecida no direito penal.[20]
Hodiernamente entende-se que a natureza jurídica da reparação não é punitiva, mas reparatória, já que trabalha com a idéia de que todo o dano é reparável, seja em pecúnia, seja in natura. Por não ser possível determinar uma quantia exata da indenização do dano moral, pois não tem como retornar ao status quo nesse tipo de dano, à reparação é atribuído um caráter satisfatório.[21]
Fala-se caráter satisfatório porque o dinheiro provoca na vítima uma sensação de prazer, de desafogo, é uma maneira de compensar a dor provocada pelo ilícito.[22]
Conforme Yussef Cahali entende que:
“Esse Caráter aflitivo que subsiste tanto no ressarcimento como na reparação não conflita com assertiva singela daqueles para os quais ‘não confunde a reparação com a pena’, desde que não o deixamos envolver por um preconceito retrógrado ligado ao Direito Romano, a confundir a indenização com a pena adotada para designar a composição pecuniária que veio após e em substituição à vingança privada.”
Ao indenizar um dano exclusivamente moral, não se repara apenas o pretim doloris, mas busca-se restaurar a dignidade do ofendido, o que é muito mais do que dizer que a indenização por dano moral é um preço que se paga pela dor sofrida, pois a ilicitude não está apenas na violação de uma norma, mas na ofensa ao direito de outrem.[23]
Silvio de Salvo Venosa dispõe: “a indenização, qualquer que seja sua natureza, nunca representará a recomposição efetiva de algo que se perdeu, mas mero lenitivo para sua perda, seja esta de cunho material ou não”.[24]
A reparação do dano moral deve possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória e também exercer uma função de desestímulo a novas praticas lesivas, com caráter inibitório de futuros atos do agente causador do dano.[25]
Assim, foi decidido em acórdão do Tribunal Regional da 4º Região, no qual o reclamante busca a majoração do quantum a ser pago pela reclamada em razão da indenização por dano moral.
“EMENTA: INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. QUANTIFICAÇÃO. O valor fixado para a indenização por dano moral deve ser condizente ao contexto fático-probatório, observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como o caráter pedagógico-punitivo da reparação. Sendo inequívoco o prejuízo alegado pelo empregado, o valor irrisório arbitrado em sentença deve ser majorado.[26]”
Seguindo esta linda de pensamento, pode-se afirmar que o instituto do dano moral atingiu “sua maturidade e afirma a sua relevância, esmaecida de vez a relutância daqueles juízes e doutrinadores então vinculados ao equivocado preconceito de não ser possível a compensação da dor por pecúnia (dinheiro).
1.2 O DANO MORAL NA LEGISLAÇÃO
O Código Civil de 1916, não trouxe expressamente o instituto da responsabilidade civil em forma ordenada, mesmo traçando os fundamentos da responsabilidade contratual nos artigos 159 e 160. No entanto, logo após na Parte Especial vários foram os dispositivos que trataram do assunto, ficando claro e dinâmico o estudo da responsabilidade civil, e a partir daí, surgiram novas correntes de pensamento, novas teorias a cada momento.
Em conseqüência deste dinamismo o Código Civil de 2002, nos artigos 927 e seguintes, e artigo 186, tratam com maior profundidade a responsabilidade civil, mesmo não sendo ainda o esperado por toda a sociedade, mas inclui a indenização exclusivamente moral, a luz da Constituição Federal de 1988, que era uma possibilidade e muito reclamada pela sociedade, no entanto, os tribunais até a promulgação do no Código Civil de 2002, não davam grande respaldo.[27]
Já superado o entendimento em que os tribunais entendiam não ser possível a reparação de dano moral, o Superior Tribunal de Justiça, consolidou a súmula nº 37[28] que veio a modificar este entendimento, abrindo ainda a possibilidade de cumular as indenizações de dano moral e material decorrentes do mesmo fato.[29]
Além da responsabilização civil trazida pelo Código Civil de 2002 esculpida no artigo 186[30], também trouxe consigo a possibilidade de indenizar-se civilmente os delitos praticadas no âmbito penal, como injuria, difamação ou calúnia (art. 953 Código Civil de 2002) [31], bem como a ofensa a liberdade (art. 954, Código Civil de 2002) [32], a indenização por homicídio (art. 948, Código Civil de 2002) [33] e lesão corporal (art. 951, Código Civil de 2002) [34].
A responsabilidade civil será avaliada de acordo com a conduta do agente, que poderá ser uma série de atos ou fatos, gerando a obrigação que incumbe a uma pessoa de reparar o prejuízo causado a outra, no entanto, não impedindo que o único ato gere o dever de indenizar. Por isso na esfera da responsabilidade civil, o foco é saber se o prejuízo da vítima deve ou não ser reparado, ou seja, se a conduta é passível de sanção, cumpre indagar em que condições e de que maneira tal prejuízo será reparado.[35]
A responsabilidade civil tem como objetivo buscar a compensação ou reparação do dano causado para que restabeleça o equilíbrio jurídico-econômico que preexistia entre o individuo lesado e o autor do ato lesivo.[36]
Para que se caracterize a responsabilidade civil, e conseqüentemente o dever de indenizar o prejuízo causado pelo agente, deve se verificar alguns requisitos essenciais que são: a) ação ou omissão do agente, b) culpa do agente, c) relação de causalidade, d) dano experimentado pela vítima.
A ação e omissão do agente poderá decorrer de três maneiras distintas.
1) Por ato próprio, que é aquele que o agente por ação pessoal prejudica terceiro, ao infringir um dever legal ou social;
2) Por ato de terceiro, que ocorre quando o dano é causado a outrem por ato de terceiro que esteja sob a responsabilidade do agente, criando, por exemplo, uma responsabilidade solidaria entre o empregador e empregado que diretamente causou o dano;
3) Por fim, quando os danos são causados por coisas que estejam sob a guarda do agente, ou seja, deverá reparar o dano causado por coisa ou animal que estava sob sua guarda e causar prejuízo.[37]
O segundo requisito culpa do agente, se dá quando o agente age dolosamente ou ao menos culposamente ao causar o dano, mesmo sendo a regra básica da responsabilidade civil a existência de culpa para atribuir o dever de reparar/indenizar, em algumas situações especificas, excepcionalmente, se admite a responsabilidade sem culpa ou com culpa presumida.[38]
Conforme Silvio Venosa:
“A responsabilidade objetiva, ou responsabilidade sem culpa, somente pode ser aplicada quando existe lei expressa que autorize ou no julgamento do caso concreto, na forma facultada pelo parágrafo único do ar. 927. Portanto na ausência de lei expressa, a responsabilidade pelo ato ilícito será subjetiva, pois esta é regra geral no direito brasileiro.”[39]
O terceiro requisito para que se caracterize a obrigação de reparar o dano causado é a relação de causalidade entre a ação ou omissão e o dano causado à vítima[40], ou seja, é o liame que une a conduta do agente e o dano, o que se entende desse requisito é que a responsabilidade objetiva como se viu acima pode dispensar a culpa, mas não o nexo causal.[41]
E por último, o quarto requisito o dano experimentado pela vítima, entendendo que, se não houver dano, não há responsabilidade, pois para o direito civil, o ato ilícito só repercute se causar prejuízo a alguém.[42]
Ainda que o dano possa ser conceituado como sendo ofensa à intimidade e honra, as quais fazem parte da personalidade do ser humano, e que o direito de personalidade possa ser tutelado pelo direito civil, cumpre salientar que o direito do trabalho surgiu com o propósito de proteger a personalidade do trabalhador, com mais afinco do propriamente proteger apenas o patrimônio do obreiro.
Já na doutrina anterior a Constituição Federal de 1988, se admitia a reparação por danos morais, mas a real possibilidade de reparação só ganhou força mesmo, com o preceito constitucional previsto no art. 5º, inciso X, da Constituição Federal de 1988, mesmo a jurisprudência que antes rejeitava a reparação do dano exclusivamente moral, teve de aceitar a nova forma de reparação.[43]
A Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, incisos V e X[44], garante a reparação de dano, de qualquer natureza, sendo que a partir da promulgação, foram reformadas todas as teses acerca do dano extra patrimonial. Assim, a Constituição Federal de 1988, traz consigo em seu texto constitucional a possibilidade de indenização por dano material, dano à imagem, e ainda, a indenização por dano moral, “in verbis”:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
V: é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.
(…)
X: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”
Pode-se citar o direito à vida, à integridade física, ao corpo e às partes separadas deste, ao cadáver, à imagem e à voz. Os direitos psíquicos são direitos à liberdade, à intimidade, a honra, à integridade psíquica e ao segredo. Por fim, os direitos morais dizem respeito ao direito à identidade, direito à honra, direito ao respeito, à dignidade, Ao decoro pessoal e o direito às criações intelectuais.
Sabe-se que o direito do trabalho é o campo propício e fértil por excelência, sendo válido salientar que o direito do trabalho confere especial dimensão à tutela da personalidade do trabalhador, em virtude do caráter pessoal, subordinado e duradouro da prestação de serviço.
Portanto, uma das finalidades fundamentais do direito do trabalho é assegurar o respeito da dignidade do trabalhador, caso ocorra algum tipo de lesão esta seja reparada.
É inegável que a proteção ao direito personalíssimo do trabalhador é um dos deveres do empregador, e esclarece que em conseqüência disso, cabe a reparação do dano moral trabalhista, não há como deixar de reconhecer que as disposições constitucionais sobre a reparação do dano moral têm aplicação no direito do trabalho.
O dano moral que enseja uma ação judicial, certamente está ligado à idéia de uma indenização. No entanto, este termo utilizado nos tribunais, não é o mais adequado, isto porque, a indenização está ligada diretamente ao ressarcimento de prejuízos pelo simples fato do descumprimento de obrigação contratual, bem como, por prática de ato ilícito, e em decorrência desta indenização tem-se a eliminação dos prejuízos causados e de suas conseqüências. Assim, o termo “indenização” foi consagrado pela doutrina e pela jurisprudência.
1.3 O DANO MORAL NA RELAÇÃO DE TRABALHO
É de suma importância frisar que o instituto do dano moral não é trabalhista, sendo assim, não existe dano moral trabalhista, bem como dano moral civil, penal e administrativo, o que se vincula ao instituto do direito aplicado é a reparação, ou seja, a reparação é que será penal, administrativa ou civil, se está se falando de um dano moral que ocorreu dentro da relação de trabalho, então a reparação pelo dano causado será trabalhista e a competência para processar e julgar será da Justiça do Trabalho.[45]
Antes da Emenda Constitucional 45/2004[46], dano moral nas relações de trabalho era um tema que se discutia muito, trazendo muitas dúvidas e incertezas, isto porque o Direito do Trabalho era mais polêmico do que prático nas relações de emprego[47], antes com as jurisprudências e doutrinas favoráveis, começaram a aceitar com mais freqüência a matéria do dano moral no âmbito das relações de emprego.
A Emenda Constitucional 45/2004, veio alterar o dispositivo do artigo 114 da Constituição Federal de 1988, que dispõe que a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as ações decorrentes de dano moral ou patrimonial no âmbito das relações de trabalho.
Na relação de trabalho, tem-se a vinculação de dois sujeitos no contrato de trabalho que são empregador e o empregado, este se subordina àquele, o que a principio torna a relação desigual, pois não é similar aos demais tipos de contrato, em que a regra é a igualdade entre os contratantes.[48]
A reparação do dano moral na esfera trabalhista é de suma importância para o campo do Direito do Trabalho, pois significa o avanço na proteção nos direitos da personalidade do empregado, que devem ser respeitados pelo empregador, sob pena de ser condenado a pagar indenização ao trabalhador que será fixada considerando a necessidade de punir o ofensor de maneira que o mesmo não volte a reincidir prejudicando os direitos do empregado.[49]
Muitos são os atos discriminatórios que podem gerar um dano moral passível de indenização como, por exemplo, a discriminação por motivo de gravidez, raça, cor, estado civil, etc., mas além dessas existem outras formas de discriminação que são chamadas de “listas de restrições”, essas listas circulam entre os empregadores, contendo informações de empregados que entram com ações trabalhistas ou participam de greves, essas listas são formas ilegais de seleção, e ferem dispositivos constitucionais que asseguram o direito a greve e ao acesso ao judiciário para defesa de direitos que julgue garantido.[50]
O dano moral praticado pelo empregador ao empregado ocorre quando aquele no seu papel de controlar, disciplinar e fiscalizar comete excessos atingindo assim a honra e desrespeitando a dignidade do empregado. Nas relações de trabalho é necessário ter-se um respeito mútuo.[51]
O Código Civil de 2002 no artigo 12[52], prevê a possibilidade de buscar indenização por perdas e danos, sendo perfeitamente aplicável na relação de emprego, já que na CLT inexiste norma especifica que tutele o direito da personalidade do empregado, utilizando-se o principio da subsidiariedade, conforme entendimento de Maria Aparecida Alkimin:[53]
“[…] a CLT trata indiretamente da defesa dos direitos de personalidade quando autoriza, no art. 483 da CLT, o empregado a considerar indiretamente rescindido o contrato de trabalho no caso de ofensa à sua honra ou de sua família, ou ainda, quando for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo.”
O principio da subsidiariedade, previsto no art. 769 da CLT[54], esta previsto também no parágrafo único do artigo 8º da CLT, que preconiza: “O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste”. Desta forma, entende-se que o instituto do dano moral não é incompatível com os princípios do Direito do Trabalho, que visa proteger também a intimidade do empregado[55], também estando previsto na Constituição Federal no artigo 114.
Porém por mais que seja um direito do trabalhador em ter uma reparação pelo dano moral causado nas relações de emprego, inúmeros são os empregados que desconhecem a possibilidade dessa reparação na Justiça do Trabalho.[56]
Mesmo o trabalhador tendo esse direito, não são poucas às vezes que se vê “impossibilitado” de buscá-lo, porque estando o contrato em vigor, acabam por silenciar-se para não deteriorar ainda mais a relação empregatícia levando a perder o emprego, o que seria prejudicial para o trabalhador.
Mesmo depois de rescindindo o contrato de trabalho o trabalhador se omite quando não busca ter seu sofrimento ressarcido, por conta da dificuldade de provar o dano causado, mas o que se deve ter em mente que não importa em que momento ocorreu o dano, se foi na fase pré-contratual, contratual ou pós-contratual, existindo vinculo entre o dano moral e a relação de emprego, este deve ser compensado.
O dano moral decorrente da relação de emprego mais comuns, segundo Américo Luis Martins da Silva são:[57]
“a) O empregado que é difamado ou caluniado por seu empregador (por exemplo, uma justa causa gravíssima, com fortes adjetivos, como de furto, fato suficientemente grave para abalar os alicerces do trabalhador-cidadão, repercussões seríssimas na sua família e que depois de longos anos de discussão na Justiça do Trabalho descobre-se finalmente que tudo não passou de uma “justa causa fabricada”);
b) As informações passadas pelo empregador às outras empresas, co intuito de prejudicar seu empregado, taxando-o de indisciplinado, baderneiro, enfim, de individuo perigoso, o suficiente para fechar as portas do mercado de trabalho, colocando-o assim à margem de dificuldades que produzem abalos irreversíveis na sua personalidade, no âmbito familiar, quiçá, na sociedade”.
No próximo iremos trabalhar mais especificamente alguns exemplos de dano moral que ocorre em cada uma das fases contratual.
2. DANO MORAL NA RELAÇÃO DE TRABALHO NOS JULGADOS DO TRT4
2.1. O DANO MORAL NA FASE PRÉ-CONTRATUAL
O dano moral na fase pré-contratual, é aquele causado antes da contratação, isto é, a pessoa ainda não tem vinculo direto com o empregador, o dano nesta fase dar-se antes da assinatura do contrato de trabalho.
Conforme Sérgio Martins que:
“Essa fase é aquela que compreende o período anterior ao contrato de trabalho, ou seja, é a fase dos testes, exames médicos, apresentação de currículo, questionários, psicotécnicos, compreendendo nesse processo a seleção para o trabalho e as tratativas do contrato de trabalho”
O Tribunal Regional do Trabalho da 4º Região, conforme acórdãos colacionados, confirma este entendimento já pacificado na doutrina de que o trabalhador tem direito a indenização na fase pré-contratual, pois mesmo antes do contrato de trabalho assinado, o empregador deve agir com lealdade e boa-fé objetiva com o individuo que esta para ser contratado.
1º Julgado
“EMENTA: RECURSO ORDNÁRIO DO RECLAMANTE. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – FASE PRÉ-CONTRATUAL. Ainda que o processo seletivo não confira certeza de admissão, tomando a empresa atitudes que evidenciem de forma inequívoca que o contrato de trabalho caminha para a celebração, frustrada esta, haverá direito à recomposição do prejuízo causado, mesmo na fase pré-contratual. (…) Recurso Provido.” [58]
O referido acórdão traz o caso de um homem que após proceder todos os atos necessários para sua contratação, tais como: abrir conta-salário em instituição bancaria indicada pela empresa reclamada, realizou exame médico admissional, pediu demissão do emprego anterior, por ser uma exigência da empresa reclamada, já que a vaga deveria ser preenchida imediatamente, sendo que depois que o reclamante realizou todos os tramites burocráticos exigidos pela empresa reclamada para sua contratação, acabou por não ser contratado. A empresa reclamada alegou que o autor não foi contratado em face de ter sido reputado inapto para o trabalho, porquanto o exame médico atestou que possuía alteração na contagem de suas plaquetas.
Esse tipo de atitude no entendimento da doutrina e do Tribunal do Trabalho da 4º Região configura dano moral ao reclamante, devendo o reclamado pagar indenização pelo dano causado. Dano moral e material na esfera pré-contratual.
2º Julgado
“EMENTA: INDENIZAÇÕES POR DANOS MATERIAIS E MORAL. RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL. A instituição de critérios e de fases atinentes a processo seletivo de trabalhador, inclusive quanto à verificação da aptidão física do candidato para a função a ser desempenhada, está inserida no poder de gestão do empregador. Hipótese dos autos em que o conjunto probatório indica, todavia, ter adotado a reclamada conduta imprudente, conferindo ao reclamante a certeza da sua contratação, a qual, uma vez frustrada, resultou em inegáveis prejuízos de ordem material e moral ao trabalhador. Recurso do reclamante provido no aspecto para condenar a reclamada ao pagamento das indenizações respectivas. (…) [59] “
Nesse segundo caso a situação não é diferente, depois de proceder todos os atos para contratação e sendo orientado pela empresa reclamada a rescindir o contrato de trabalho com antigo empregador, recebeu a triste notícia que não poderia ser contratado pela empresa reclamada, pois o mesmo foi considerado inapto para o trabalho. Notícia esta, que lhe trouxe dano emocional e financeiro, razão pela qual teve direito ao recebimento da indenização.
Leciona Diogo Nicolau Pítsica[60]:
“Salienta-se, desde já que muitas são as hipóteses imagináveis de empresas que, durante as tratativas, por motivo ou ocasião delas, agridem os sentimentos do aspirante a um trabalho, seja avançando sua intimidade, originando sofrimentos psíquicos etc. Assim, causa dano moral o empregador que divulga, no interior da empresa ou fora dela, que um trabalhador não foi admitido como empregado por ser homossexual ou cleptomaníaco.
Ainda quando a acusação seja verdadeira, constituirá dano extrapatrimonial por desnecessária a respectiva publicidade. E se não for verídica, torna-se muito mais grave o dano.
Aliás, o reconhecimento da prática de atos discriminatórios na fase pré-contratual foi reconhecida pelo legislador ordinário, ao elaborar a lei nº. 9.029/95, que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras praticas discriminatórias, não somente para efeitos adimissionais, mas também para efeitos da permanência da relação de emprego.”
Já para João Teixeira Filho[61]:
“Para obter maiores informações do candidato pode o empregador requerer que seja utilizada várias formas, como por exemplo, analise de curriculum vitae, referências pessoais, entrevistas, testes grafológicos, exames médicos e psicotécnicos. Estes devem ser utilizados apenas para a seleção do candidato que será contratado, não podendo passar da razoabilidade e pertinência destas informações, caso contrário será caracterizado ofensa à honra, à intimidade e à moral do empregado gerando com isto dano e direito a indenização.”
Assevera Reginald Delmar Hintz Felker[62]
“É claro que algumas informações são imprescindíveis à formalização do contrato de emprego, como seja endereço (para fins de vale-transporte), numero e idade dos filhos (para fins do salário-familia), experiência anterior ou informações inerentes à atividade pretendida. Entretanto, será conduta abusiva do empregador pedir informações ao candidato ao emprego, sobre sua religião, filiação política ou preferências sexuais, informações sobre sua vida familiar ou pedir antecedentes dos pais ou parentes próximos”
Nenhum tipo de teste pode afetar diretamente a moral do candidato, caso contrário, configurará uma ofensa direta e esta será indenizável. Aquilo que parece ser ofensivo pode afetar drasticamente a moral do empregado.
3º Julgado
“EMENTA: INCOMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO. Empresa pública. Inaptidão de candidato aprovado em concurso constatada em exame médico. Conquanto não constituída formalmente a relação contratual de natureza empregatícia, nesta se insere o período pré-contratual. Considerada a regra do art. 114, inciso I, da Constituição Federal, é a Justiça do Trabalho competente para processar e julgar causas que envolvam pretensões relativas aos períodos pré-contratual, contratual e pós-contratual. Se o núcleo principal do contrato é de natureza jurídico-trabalhista, resulta lógica a competência da Justiça do Trabalho para apreciar os pedidos atinentes às obrigações acessórias, que dizem respeito aos períodos pré e pós-contratual.
INDENIZAÇÃO POR LUCROS CESSANTES. Plausível expectativa de assunção do emprego público, que ensejou o desligamento de anterior emprego. Prejuízo manifesto do trabalhador que, ao ser impedido de assumir emprego para o qual foi aprovado em certame público, deixou de auferir renda para seu sustento. Reconhecido o direito à contratação, mostra-se razoável o deferimento de uma indenização equivalente ao montante que ganharia acaso tivesse sido admitido.[63]”
No referido acórdão, o reclamante passou em todas as fases eliminatórias do concurso da Empresa Pública (CORSAN), sendo eliminando da fase final do processo seletivo a que se submetia, tendo como fundamento a inexistência de condições plenas de saúde para o desempenho das atividades, apontadas no resultado de exame médico (ressonância magnética), exame este não previsto no edital. O tribunal no caso em tela entendeu pela indenização por lucros cessantes e a contratação do reclamante, pois acarretou-lhe prejuízo financeiro. Desempregado, ao ser frustrada a assunção no emprego público não teve direito à remuneração do cargo.
Pode-se citar como exemplo, as empresas que expõe o candidato ao detector de mentiras, isto é inaceitável, expor a pessoa a um constrangimento, sua privacidade estará amostra, portanto, completamente inaceitável para a obtenção de um cargo em determinada empresa.
Verifica-se também a exigência de muitas empresas nos testes de gravidez, mas salienta-se que o artigo 373-A da CLT[64], mais a Lei 9.799/99 que inseriu no texto da Consolidação das Leis do Trabalho regras sobre o acesso da mulher ao mercado de trabalho, bem como, a Lei nº. 9.263/96 que regula o § 7º do artigo. 226[65] da Constituição Federal, que dispõe do planejamento familiar, e estabelece penalidades e dá outras providências, no artigo 13[66], proíbem expressamente a prática de atos discriminatórios.
A Lei 9.029/95 também veda atos discriminatórios ou limitativos em relação ao sexo, cor, estado civil, raça ou situação familiar na admissão do empregado.
Conforme dispõe o art. 7º, XXX, da Constituição Federal:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(…)
XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
(…)”
Podem-se citar as doenças infecto-contagiosas que também ensejam dano moral, como exemplo a AIDS, que apesar de ser uma doença até então incurável, o paciente já possui condições de manter-se estável, portanto requerer em exame admissional o teste de HIV é um ato claro e direto de discriminação.
Mas, não é só na fase pré-contratual que essa discriminação ocorre, na fase contratual também, e tanto numa, como na outra o empregador tem o dever de indenizar, pois a AIDS é um tema social o que exige da sociedade a iniciativa de acolher e não rejeitar os indivíduos acometidos por essa doença, dando-lhes um tratamento humanitário, evitando que esses empregados sejam submetidos a mais esse drama que é o desemprego.[67]
Para Márcia Flávia Santini Picarelli:[68]
“(…) a AIDS não se transmite com mera convivência com os portadores do vírus (…), a contaminação não configura motivo para não contratação, demissão ou rescisão do contrato de trabalho, devendo o empregado quando prejudicado, solicitar indenização por danos morais e materiais, além da reitegração no emprego, caso haja a divulgação indevida de sua condição de soropositivo, com base no artigo 5º, incisos V e X da Constituição Federal.”
Assim, pode-se dizer, o questionamento sobre o estado de saúde também se inclui como ato discriminatório, sendo estes passiveis de reparação por danos morais, tanto na esfera dos direitos humanos, bem como, na esfera do direito de igualdade.
2.2.1 O dano moral na fase contratual
Segundo o critério de conveniência e oportunidade a empresa pode despedir o empregado, mas não pode se utilizar à despedida por justa causa ou sem justa causa para acobertar um ato discriminatório. Os tribunais admitem que os atos preconceituosos que geram o direito do empregado de ter seu dano reparado são aqueles que colocam o empregado em situações vexatórias, degradantes de humilhação e, que ofendem a dignidade e a honra.[69]
Atualmente o mais comum é o medo constante do trabalhador de perder o emprego, portanto muitos trabalhadores sofrem calados os danos morais, principalmente os trabalhadores das empresas privadas.
O dano moral na fase contratual acontece quando o empregador deixa de cumprir com uma ou várias das obrigações estabelecidas no contrato de trabalho.
Conforme Alexandre Agra Belmonte:[70]
“[…] ocorrendo o dano moral decorrência direta do desenvolvimento do contrato de trabalho, o conflito e o enfoque desse conflito eram trabalhistas e, igualmente, a responsabilização decorrente e não poderia existir jurisdição diferente que, com justiça e conhecimento especializado da dinâmica e características da relação de trabalho, sujeitos envolvidos e condições da prestação de serviços, pudesse melhor decidir sobre a eventual ocorrência de dano moral e a justa reparação.”
Sabe-se que o dano moral na esfera contratual pode ocorrer de diversas formas, por exemplo, através de revistas pessoais, assedio sexual e moral, acidentes de trabalho, rebaixamento de cargo, discriminação, a dispensa do emprego (por injuria, caluniosa, ou difamatória ou indireta).
Leciona Diogo Nicolau Pítsica:[71]
“O dano pode ser infligindo quando o empregador deixa de cumprir certas obrigações derivadas do contrato de trabalho, tais como, as de higiene e segurança do trabalho e de respeito a personalidade e dignidade do trabalhador. Também este pode ser autor do dano moral ao empregador se descumprir a sua obrigação acessória, derivada da relação empregatícia, de tratá-lo igualmente, e aos seus representantes, com respeito a sua personalidade e dignidade.“
Alem disso, versa as alíneas do artigo 483 da CLT, “in verbis”:
“Art. 483 – O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;
b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
c) correr perigo manifesto de mal considerável;
d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.
§ 1º – O empregado poderá suspender a prestação dos serviços ou rescindir o contrato, quando tiver de desempenhar obrigações legais, incompatíveis com a continuação do serviço.
§ 2º – No caso de morte do empregador constituído em empresa individual, é facultado ao empregado rescindir o contrato de trabalho.
§ 3º – Nas hipóteses das letras “d” e “g”, poderá o empregado pleitear a rescisão de seu contrato de trabalho e o pagamento das respectivas indenizações, permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo.”
Nesse sentido, comenta Teixeira Filho:[72]
“quanto a vida familiar, excepcionam-se algumas situações em que a informação pode ser importante para certas tarefas que exigem distanciamento do lar durante um tempo prolongado, fato muito difícil de compatibilizar com uma vida familiar normal. É, todavia, uma intromissão na vida privada do emprego proibir o casamento com pessoa que trabalha na mesma empresa ou em uma concorrente, bem assim exigir que se case com a pessoa com que convive ou perguntar se a trabalhadora ou esposa do trabalhador interrompeu a gravidez”.
Antes mesmo da Constituição Federal de 1988 o então Ministro Marco Aurélio Mendes de Faria Neto[73]
“A violência ocorre minuto a minuto, enquanto o empregador violando não só o que contratado, mas, também, o disposto no § 2º, do art. 461 consolidado – preceito imperativo – coloca-se na insustentável posição de exigir trabalho de maior valia, considerando o enquadramento do empregado, e observa contraprestação inferior, o que conflita com a natureza onerosa, sinalagmática e cumulativa do contrato de trabalho e com os princípios de proteção, da realidade, razoabilidade e de boa-fé, norteadores do direito do trabalho. Conscientizem-se os empregadores de que a busca do lucro não se sobrepõe, juridicamente, à dignidade do trabalhador como pessoa humana e participe da obra encerra o empreendimento econômico.”
No artigo 482[74] da Consolidação das Leis Trabalhistas, tem-se uma situação contraria do tema da pesquisa, em que evidencia-se a ofensa à moral do empregador pelo empregado, onde este ultimo deixa de cumprir com suas obrigações da contratação, bem como, pratica atos lesivos à honra e à boa fama do empregador.
Reginaldo Delmar Hintz Felker[75] comenta o assunto da seguinte forma:
“É de ser ter em conta, porém que a hipossuficiência e subordinação do prestador de serviço, frente ao tomador de serviço não caracterizam a exclusividade da pratica do dano moral nas relações do trabalho por este último. O dano pode ser caracterizado pelo empregado contra o empregador. Inclusive de pessoa física contra a pessoa jurídica, como seja o caso de empregado promover falsas acusações contra o empregador perante o fisco, ou difamar o empregador pela imprensa. Ocorre, porém, que via de regra, o dano moral advém de conduta do tomador de serviço contra o prestador, pois a conduta reprovável e ilícita decorre exatamente da ascendência econômica, do menosprezo pelo hipossuficiênte, pela desmedida ânsia de produtividade e significar maior lucro, pelo desrespeito à dignidade do subordinado e a sensação de onipotência decorrente do poder exercido, além de contar com um exército de mão-de-obra à sua disposição, para a substituição de peças da engrenagem a qualquer momento e, normalmente, por um preço mais em conta.”
A fiscalização do empregado e revistas pessoais ao teor do art. 2º caput, parte final da CLT, versa sobre as condições de fiscalizar o serviço que o empregado presta ao empregador. Esta fiscalização não pode ser arbitrária, não podendo interferir na privacidade e intimidade do empregado.
No III Congresso Regional Americano Plá Rodrigues ressaltou que as revistas pessoais são aceitas, mas que devem ser realizadas com certos limites, e condições, conforme regulamentações ou até mesmo em países em que não há regulamentação. Pode-se entender que quando necessária à revista deve ser feita para evitar subtração de bens, cercada de discrição, ter abrangência à generalidade dos trabalhadores ou a um grupo determinado, ser realizada por pessoa do mesmo sexo, e de modo algum deve expor ao empregado a posições vexatórias ou nudez. [76]
Nesse sentido, encontra-se decisões do Tribunal Regional do Trabalho da 4º Região, como por exemplo:
4º Julgado
“EMENTA: RECURSOS ORDINÁRIOS DA RECLAMANTE E RECLAMADA. DANO MORAL. REVISTA ÍNTIMA. LIMITAÇÃO DE ACESSO AO SANITÁRIO. DANO MORAL CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. O Dano moral tem por essência o abalo da imagem, a dor pessoal e o sofrimento íntimo do ofendido. Presentes os elementos caracterizadores à aplicação do disposto do inciso X do artigo 5º da Constituição Federal cabível a indenização por dano moral em razão da limitação de acesso ao sanitário, bem como em razão da revista íntima realizada pela empresa, por força do procedimento vexatório utilizado. Sentença mantida, ante a correção do valor arbitrado.[77]”
Neste caso, foi acolhido o pedido de indenização por danos morais, pois o julgado entendeu que mesmo que a testemunha da reclamante não tenha presenciado o fato da reclamante poder ir ao banheiro quando necessitava por ter menstruado, e conseqüentemente ter sua calça suja de sangue por não ter ninguém para substitui – lá. Sendo a indenização devida não só a este fato como também em razão da revista realizada pela reclamada.
5º Julgado
“EMENTA: DANO MORAL. REVISTA PESSOAL E QUANTUM INDENIZATÓRIO. Hipótese em que o conjunto probatório demonstra que a revista pessoal realizada extrapolava os limites do poder fiscalizatório do empregador, pois havia apalpação no corpo do empregado. Inegavelmente, tal procedimento fere a intimidade e dignidade do trabalhador, autorizando a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais.[78]”
Neste outro caso o Tribunal entendeu que se configurou o dano moral, pois as revistas e a forma que eram feitas diariamente pelos seguranças extrapolaram os limites do poder fiscalizatório do empregador, configurando constrangimento passível de indenização do dano moral.
2.2.1 O dano moral na fase contratual
Leciona Yussef Said Cahali [79], que o assédio sexual nas relações de trabalho é muito comum embora a maioria das vítimas não denuncie o fato às autoridades. Por motivos diversos. Quando configurado o assédio não deixa de ser uma forma de constrangimento psicológico e físico passível de ser reparado como dano moral.
O assédio sexual mesmo sendo tipificado como crime, pois está inserido no Código Penal no artigo 216-A[80], também é caracterizado como dano moral trabalhista, portanto passível de indenização.
Conforme, Nehemias Domingues de Melo:[81]
“Tendo em vista que os aspectos penais refogem aos objetivos do presente trabalho, nos cabe examinar o tema sob a ótica da responsabilidade civil. Nessa perspectiva, o assédio sexual deve ser analisado sob o prisma da violação ao princípio da dignidade humana, que se encontra protegido pela Constituição Federal (art. 1º, III). Além disso, o assédio não deixa de ser uma invasão indevida privada da pessoa assediada, de tal sorte a afirmar que constitui grave violação aos princípios constitucionais da inviolabilidade da intimidade, da vida privada e da honra, o que autoriza a indenização por dano moral em face de sua e total reparação pela via da indenização por dano moral (art. 186 c/c art. 927), violação (CF, art. 5º, X). Ademais, constituindo-se em ato ilícito, violador de direitos, assegura o Código Civil Brasileiro à plana.”
Com isso se pode afirmar que os fundamentos da responsabilidade civil, estão assegurados de um lado, no principio fundamental de proteção à dignidade humana, conforme art. 1º, III da Constituição Federal, e de outro lado, no art. 5º, X da Constituição Federal, que traz o principio fundamental que assegura a inviolabilidade da intimidade, da honra, liberdade e da vida privada das pessoas.
Estão intrinsecamente ligados os princípios constitucionais da liberdade, igualdade e intimidade, não há como separá-los, são valores da pessoa humana. Pode-se dizer que a liberdade sexual se vincula à idéia de livre disposição do próprio corpo, direito este violado no caso do assédio sexual.[82]
Relata Alexandre Agra Belmonte:[83]
“O individuo tem o direito de viver a própria sexualidade, com liberdade de escolha de suas preferências, parceiros e oportunidade de se relacionar. A liberdade de disposição do próprio corpo somente é vedada quando importar em diminuição permanente da integridade física ou contrariar os bons costumes (art. 13, do Código Civil). Caracterizam o assédio sexual os vários comportamentos do empregador ou de prepostos dele que, abusando da autoridade inerente à sua função ou condição, pressionam o empregado para obtenção de favores sexuais. O valor atingindo pelo assédio sexual é a liberdade. O constrangimento imposto tolhe a liberdade de escolha do parceiro e do momento, causando humilhação e ofensa à dignidade.”
Portanto, verifica-se que o assédio sexual pode ensejar o rompimento do contrato de trabalho, por culpa do empregador, tendo que reparar o empregado patrimonialmente por seus prejuízos e compensar pelo dano da dor sentimental.
Os requisitos para configuração do assédio sexual são:[84]
a) Sujeitos (assediante e assediado);
b) Posição de ascendência do assediante em relação ao assediado;
c) Conduta coercitiva através de chantagem ou intimidação, implícita, visando à inequívoca obtenção de favores sexuais.
Nas relações de emprego o assédio sexual gera conseqüências extremamente nocivas, pois ocorre muitas vezes como sendo condição para obtenção ou manutenção do emprego, e havendo resistência por parte do trabalhador traz um clima de hostilidade, intranqüilidade sem falar no sentimento constrangedor que pode levar uma negatividade na vida pessoa, social e familiar do empregado e até mesmo a dispensa do profissional.[85]
6º Julgado
“EMENTA: ASSÉDIO SEXUAL. PROVA. OCORRÊNCIA. Prova oral que ratifica a conduta intimidatória do gerente da reclamada na prática de assédio sexual contra a autora, mantendo-se a condenação pecuniária imposta.[86]”
No referido acórdão a reclamada foi condenada a pagar R$ 20.000,00, a título de indenização por danos morais, conforme se observa no referido acórdão a reclamante era assediada sexualmente diariamente por seu superior hierárquico, pedindo para que ela fosse à sala dele para eles ficarem mais a vontade para conversar e o mesmo dar suas investidas contra a reclamante. Trazendo assim, diversões transtornos psicológicos e atingindo diretamente os direitos de personalidade da autora. O que restou, negado provimento ao recurso ordinário da reclamada.
7º Julgado
“EMENTA: REPARAÇÃO POR DANO MORAL. ASSÉDIO SEXUAL. Havendo constrangimento capaz de causar humilhação e mácula à imagem da empregada por culpa do empregador, existe lesão a ser reparada, nos termos do art. 186 do CC e do art. 5º, V e X, da Constituição Federal.[87]”
No presente acórdão, verifica-se comprovado o assédio sexual do sócio gerente da reclamada, pois o mesmo a constrangia diariamente fazendo propostas indecentes e ao mesmo tempo lhe acariciava. Em um determinado dia em que sua amiga a esperava no seu local de trabalho, presenciou tal situação quando a reclamante saiu de dentro da copa, falando alto e em bom tom “tu me respeita porque eu vou contar para tua mulher e para meu marido”, e ele vai vir aqui”. A reclamante dirigiu-se ao banheiro muito nervosa e chorando e sua amiga foi logo atrás indagando da reclamante o que havia acontecido com ela para ela estar naquele estado e ela referiu que “ele mexeu na minha bunda para ver se estava dura”;
“Assim, considera-se demonstrado o assédio sexual descrito na inicial, cujos fatos caracterizadores são de difícil comprovação, pois os elementos constantes dos autos correspondem às alegações da parte autora, razão pela qual se mantém a sentença que condena a reclamada ao pagamento de reparação pelos danos morais decorrentes, nos termos do art. 186 do Código Civil e do art. 5º, V e X, da Constituição Federal.
Portanto, nega-se provimento ao recurso da reclamada. Por unanimidade, negar provimento ao recurso da reclamada.
Salienta-se que não será configurado o assedio sexual se não houver o exercício de subordinação hierárquica ou ascendente, bem como, o eventual galanteio, comentários, elogios ou admiração, que forem de forma respeitosa também não são caracterizados como assédio sexual.
O assédio sexual pode ser praticado com violência física, usando meio de força, mas desta forma enseja outros tipos de ofensa, previsto no artigo 213 (estupro) [88] e 215 (Violação sexual mediante fraude) [89] ambos do Código Penal e passíveis de prisão.
Também, a chantagem e a intimação de ambas as partes pode causar danos morais, mas sem prejuízo de reparações maiores.
Nesse sentido, disserta Alice Monteiro de Barros[90] sobre estes temas:
“o assédio sexual por intimidade, mais genérico, caracteriza-se por incitações sexuais inoportunas, de uma solicitação sexual ou de outras manifestações da mesma índole, verbais ou físicas, com o efeito de prejudicar a atuação laboral de uma pessoa ou de criar uma situação ofensiva, hostil de intimidação ou abuso no trabalho. O assédio sexual por chantagem traduz exigência formulada por superior hierárquico a um subordinado para, para que preste à atividade sexual, sob pena de perder o emprego ou benefícios da relação de emprego.”
O agente no caso se assédio sexual pode ser homem ou mulher, a ofensa pode também partir de pessoa do mesmo sexo ou de sexo oposto.
Comenta Alexandre Agra Belmonte:[91]
“O assédio sexual tem por finalidade obter o favor sexual, o que não ocorre na conduta descrita, em que o sexo é apenas pretexto para criar uma situação de constrangimento moral, destinada a diminuir ou desestabilizar uma pessoa.”
O assédio sexual se constitui em ato ilícito, onde não são respeitados os direitos das pessoas envolvidas, o Código Civil Brasileiro no art. 186[92] c/c art. 927[93], assegura o direito a reparação através de indenização por dano moral.
2.2.3 Assédio Moral
O assédio moral pode acorrer na relação de emprego por meio de alguns procedimentos do empregador, como por exemplo, rigor excessivo, confiar tarefas inúteis ou degradantes, criticas em público, inatividade forçada, desqualificação, ameaças, obrigação de realizar autocríticas em reuniões públicas, divulgação de doenças pessoais do empregado, exposição ao ridículo, humilhação pública e privadas, entre outros, gerando assim o direito do empregado de ter ressarcido o dano moral causado por tais atos de abuso de poder.[94]
A relevância jurídica do assédio moral nas relações de trabalho é cristalina, porque todos os atos já elencados contaminam o ambiente do trabalho, violando assim a garantia constitucional de ter um meio ambiente de trabalho sadio e equilibrado, agredindo também o principio da dignidade humana do empregado, ou seja, o assédio moral viola os direitos e garantias individuais previstas na Constituição Federal no art. 5º, inciso X.[95]
8º Julgado
“EMENTA: INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. ASSÉDIO. O reiterado tratamento desrespeitoso emprestado pelos superiores hierárquicos ao trabalhador caracteriza assédio moral.[96]”
A reclamada não se conformou com a decisão que a condenou ao pagamento de indenização por danos morais, pois a recorrente sustenta que a comprovação do dano, em síntese, é do reclamante e alegando ausência de provas nos autos quanto ao assédio moral sofrido pelo reclamante. Mas os desembargadores da 9º Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4º Região, por unanimidade de votos, negaram seguimento ao recurso ordinário da reclamada. Porque entenderem que mesmo que a prova de assédio moral deve ser robusta, aberta e inequívoca, sendo comprovado o evento danoso por parte da reclamada e confirmando o assédio moral que esteve submetido o trabalhador. Mesmo este assunto não tendo ainda previsão em legislação especifica, “atenta contra inúmeros direitos positivados em nosso ordenamento jurídico, dentre eles o da dignidade humana, o da inviolabilidade da intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, e o direito à saúde, em especifico a saúde mental, tal como consta nos artigos 1º, III, 5º, X e 6º, todos da Constituição Federal”.
Em nosso ordenamento jurídico não existe previsão especifica sobre o conceito de assédio moral, ficando a cargo da jurisprudência e da doutrina estabelecer uma conceituação do que pode se entender desse fenômeno, senão vejamos alguns conceitos:
Preleciona Nehemias Domingos de Melo[97], dano moral é:
“[…] há uma concordância quanto a classificar a lesão que possa autorizar a indenização por danos morais, como aquela que atinge a âmago do individuo, causando-lhe dor (incluindo-se aí a incolumidade física), sofrimento, angustia, vexame ou humilhação e, por se passar no intimo das pessoas, torna-se insusceptível de valoração pecuniária adequada, razão porque o caráter da indenização é o de compensar a vítima pelas aflições sofridas e de subtrair o desejo da vingança pessoal, além de impor uma pena ao lesante como uma forma de reprimenda.”
No livro Nehemias Domingos de Melo, ainda coloca os ensinamentos de Wilson Melo da Silva[98], onde diz que: “[…] os danos morais são definidos como sendo as lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição ao patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que seja suscetível.”
Para Maria Helena Diniz[99]: “o dano moral vem a ser a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, provocada pelo fato lesivo.”
Também refere o autor Nehemias Domingos de Melo, o entendimento de Sérgio Cavalieri Filho[100]:
“[…] hoje o dano moral não mais se restringe à dor, tristeza e sofrimento, estendendo a sua tutela todos os bens personalíssimos – os complexos de ordem ética, razão pela qual revela-se mais apropriado chamá-lo de dano imaterial ou patrimonial, como ocorre no direito português”. Par ao ceptivel de avaliação pecuniária, podendo apenas ser compensado com a obrigação pecuniária imposta ao causador do dano, sendo esta mais uma satisfação do que uma indenização.”
Relata Nehemias Domingos de Melo[101] que o dano moral trabalhista, é: “o agravo ou o constrangimento moral infligindo quer o empregado, quer o empregador, mediante violação a direitos ínsitos à personalidade, como conseqüência da relação de emprego”.
A agressão psicológica ou assédio moral pode ocorrer no meio social, estudantil, familiar e, mais intensamente, nas relações de trabalho, devido à subordinação do empregado ao empregador, situação essa inerente ao contrato de trabalho.[102]
O assédio moral é chamado por muitos doutrinadores de terrorismo psicológico, e trata-se de um problema social que merece uma atenção relevante, além de um tratamento médico e psicológico, há muito pouco tempo que esta matéria passou a ser tratada pela doutrina e assim chegou aos tribunais, podemos encontrar várias jurisprudências sobre o tema.
9º Julgado
“EMENTA: Assédio moral. Quantificação do valor da indenização por danos morais. O montante indenizável deve atender ao aspecto compensação do ofendido e educação/punição do ofensor, tendo presente que, embora o resultado não deva ser insignificante, a estimular o descaso do empregador, não pode ser motivo de enriquecimento do empregado.[103]”
Neste caso acórdão os desembargadores que estavam configurados os requisitos que enseja a indenização por danos morais, já que ficou comprovado por prova testemunhal e devido a contradição entre o preposto da empresa e a defesa que a reclamante teve abalo à sua dignidade e a relação e reprovabilidade da conduta da empregadora. Devendo o valor fixado na sentença atender ao aspecto compensação do ofendido e educação/punição do ofensor. Negando provimento ao recurso ordinário da reclamada, unânime.
A Constituição Federal de 1988, não versará sobre dano moral trabalhista, então até 2004 os operadores do direito orientavam-se sobre o tema através dos poucos trabalhos doutrinários existentes sobre o tema.
O dano moral trabalhista pode ser praticado pelo empregador, como também, pelo empregado, mas o mais comum devido a subordinação é o dano moral cometido pelo empregador, pois é freqüentemente a pratica de atos ilícitos, pode-se citar, como exemplo, acidente de trabalho, a publicização da vida pessoal do empregado.
Versa o art. 2º da CLT, a subordinação e direção do empregado pelo empregador, sujeitando-se as ordens do empregador. Desta forma, o empregador está sujeito aos excessos tanto do empregador, quanto de seus prepostos que podem lhe causar danos morais em razão doa atos praticados, ofendendo sua honra ou desrespeitando sua dignidade.
Como inexiste uma legislação especifica do assunto, entre os conceitos apresentados, basicamente pode-se identificar quatro elementos caracterizadores do assédio moral, de empregador contra empregado, que são:
1) Sujeito ativo – empregador ou superior hierárquico; sujeito passivo (vítima) – empregado;
2) Comportamento e atos atentatórios aos direitos de personalidade;
3) Reiteração do ato ilícito;
4) Consciência do agente[104]
Com relação aos sujeitos não carece de explicação, já o comportamento ou conduta degradante pode ser descrita como aquela capaz de romper com o equilíbrio no ambiente laboral, afetando diretamente a qualidade de vida do trabalhador, causando males a saúde psíquica da vítima, ou seja, condutas que criam condições de trabalho humilhante e degradante, podendo até colocar em perigo o empregado.[105]
Mas para que a conduta degradante descrita acima possa caracterizar o dano moral não pode ser vista como um caso isolado, ou seja, o comportamento, entendido como gestos, palavras e atos direcionados contra o assediado, deve ser praticado de forma reiterada e sistemática.
Toda via, para ser habitual não precisa acontecer todos os dias, o que importa é a regularidade e repetição sistemática da conduta degradante.[106]
O ato ilícito do assediante pode ser praticado com dolo ou culpa. No Direito Brasileiro basta que a conduta do empregador viole o ordenamento jurídico, pouco importando para responsabilização do agente, se praticou na modalidade culposa ou dolosa o ato contra a vítima, pois nasce da conduta antijurídica e do resultado danoso o dever de reparar o dano.[107]
O assédio moral pode ser classificado em três espécies que são: vertical descendente (parte do superior em relação aos seus subordinados); vertical ascendente (de um ou mais assalariados em relação ao superior hierárquico) e horizontal simples ou coletivo (parte de um ou mais trabalhadores em relação ao colega de serviço).[108]
2.2.4 Acidente de Trabalho
Uma das conseqüências jurídicas que o acidente do trabalho pode trazer ao empregador é a responsabilidade civil, que poderá ensejar uma reparação por danos materiais ou morais.[109]
O Decreto legislativo nº 3.724 de 15 de janeiro de 1919 foi a primeira lei acidentária a tratar do acidente de trabalho mais diretamente, inclusive assegurando ao trabalhador direito de indenização.
A Constituição Federal em seu art. 7º, XXVIII[110], assegura todos os trabalhadores o direito ao seguro de acidente do trabalho, bem como, uma indenização ao encargo do empregador quando este acidente incorrer em dolo ou culpa.
Alexandre Agra Belmonte[111], pondera o que observa Sebastião Geraldo de Oliveira, sobre o assunto:
“cada vez mais o judiciário vem sendo acionado por acidentados postulando indenizações por danos materiais, morais e em face do empregador e que questões tormentosas como o enquadramento legal do acidente do trabalho, as doenças ocupacionais e as concausas, a cumulação da indenização com os benefícios acidentários, a análise da presença dos pressupostos da responsabilidade civil, a mensuração dos danos, o valor e os beneficiários da pensão, a legitimidade para pleitar o dano moral, o cabimento ou não da responsabilidade civil objetiva, as hipóteses de exclusão do nexo causal, dentre várias outras, continuam gerando decisões conflitantes e muitas interrogações.”
Hoje as previsões das regras sobre o acidente de trabalho estão na lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, nos artigos 19 e 23, bem como no Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999.
Segundo Alexandre Agra Belmonte[112], o conceito de acidente do trabalho abrange lesão corporal, perturbação funcional ou doença que cause a morte ou a perda ou ainda a redução, permanente ou temporária da capacidade para o trabalho.
O acidente do trabalho que cause deformação, dano estético, incapacidade para o trabalho, enfim, lesão ou até mesmo a morte do trabalhador, conforme o caso assegura ao trabalhador ou a sua família direito a reparação dos danos materiais e imateriais (dano moral)[113], sem prejuízo da prestação de ordem previdenciária.[114]
10º Julgado
“EMENTA: DOENÇA OCUPACIONAL EQUIPARÁVEL A ACIDENTE DO TRABALHO. PERDA AUDITIVA. Comprovada a existência do nexo causal entre a “PAIR” (perda auditiva induzida pelo ruído), doença sofrida pelo trabalhador, de caráter irreversível, equiparável a acidente de trabalho, e o trabalho por ele executado para a empresa, faz jus ao pagamento de indenização por danos materiais e morais.[115]”
A indenização por danos morais e materiais foi majorada pelo Tribunal, pois entendeu que o reclamante teve sua audição prejudicada por falha na proteção conferida pelo respectivo aparelho utilizado como equipamento de proteção individual – EPI, sendo irreversível a perda auditiva, causando dificuldades nas relações sociais, como também redução na capacidade laborativa.
Para Sergio Pinto Martins:[116]
“Na ação em que postule reparação por dano moral ou material contra o empregado, decorrente de acidente do trabalho, causada por dolo ou culpa do segundo, a competência será da Justiça do Trabalho, por decorrer da relação de emprego, independentemente de a norma a ser aplicada ser de Direito Civil. O acidente de trabalho é originário da existência do contrato de trabalho. Quando a questão envolver benefício previdenciário será a Justiça Comum.”
A competência para dirimir litígio sobre acidente de trabalho na esfera administrativa é do INSS, e, na via judicial, é da Justiça do Trabalho, mesmo que o acidente não tenha ocorrido, somente pelo risco da infortunística e sim por negligência, imprudência ou omissão do empregador, e por essa razão tem o empregado direito a receber, além benefícios previdenciários, uma indenização por danos causados. Tal indenização material ou moral decorre do contrato de trabalho.[117]
11º Julgado
“EMENTA: ACIDENTE DO TRABALHO. VIÚVA E FILHO DE TRABALHADOR MORTO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VALOR DA INDENIZAÇÃO. O valor da indenização por danos morais deve ser arbitrado pelo julgador com base em vários elementos, assim como o critério pretoriano de casos semelhantes.[118]”
Neste Caso, os reclamados inconformados com a sentença de primeiro grau que condenou as empresas solidariamente ao pagamento de indenização por danos morais aos familiares da vítima, recorreram ao Tribunal para reduzir o quantum indenizatório fixado no juízo de 1º grau. O tribunal entendeu em dar parcial provimento ao recurso de duas das reclamadas e negar provimento de outra, reduzindo-se assim, o quanto indenizatório.
2.2.4 Dispensa do Empregado
A dispensa do empregado pode ocorrer por justa causa, ou, sem justa causa, porém não raras vezes o empregador faz com que a dispensa seja sem justa causa, para que seu ato não tenha que ser justificado podendo acobertar assim um ato discriminatório.
Como pode-se ver no exemplo citado por Mauro Paroski:[119]
“Há uma completa dissimulação do verdadeiro motivo do rompimento do contrato. Uma prática bastante comum é rescindir o contrato de trabalho do empregado soropositivo (portador do vírus HIV), movido unicamente pelo preconceito. Mostra-se necessário que esse comportamento discriminatório seja combatido com rigor pela lei e pelo Judiciário, quando provocado a decidir questões envolvendo essa situação”.
Não está se discutindo o poder do empregador de dispensar o trabalhador sem motivação, a própria CLT lhe dá esse direito, desde que arque com as indenizações previstas em lei, mas o que ocorre nesse caso não é uma dispensa sem motivação é uma dispensa juridicamente inaceitável, que sem sombra de dúvida caracteriza o dano moral, podendo gerar a reintegração do trabalhador no emprego, incluindo a percepção de todas as remunerações do período de afastamento, com juros e correção monetária.[120]
12º Julgado
“EMENTA: Justa Causa. A prova da justa causa deve ser robusta e indubitável no que respeita aos fatos ensejadores da motivação da despedida, não se prestando para tais documentos confeccionados de forma unilateral pelo empregador.[121]
2.3 DANO MORAL NA FASE PÓS-CONTRATUAL
Até mesmo na fase pós-contratual é possível ocorrer ato capaz de configurar dano moral ao ex-empregado, como por exemplo, a divulgação de fatos desabonadores que teriam motivado a demissão mesmo sendo inverídicas.[122]
Tanto empregado, quanto empregador podem sofrer dano moral após a rescisão contratual.
Assim assevera Nehemias Domingos de Melo[123]:
“Ocorre que logo após o término do contrato de trabalho, via de regra, os ânimos ficam acirrados e fazem aflorar sentimentos de vingança que, muitas vezes, podem descambar para ataques à honra das partes envolvidas na ex-relação empregatícia. Uma das principais situações que autorizará o trabalhador, e também a empresa, a exigir indenização por danos morais é a divulgação de fatos desabonadores inverídicos. No curso da relação de emprego, tanto empregado quanto empregador devem pautar seus procedimentos dentro do mais estrito respeito aos princípios da confiança e da boa-fé. O término da relação de emprego não põe fim a essa obrigação.”
Com isso, fica o empregado e o empregador com a responsabilidade de um pacto de respeito, visando como isso não terem que procurar a justiça para redimir este tipo de questão.
Já encontra-se jurisprudência nos Tribunais com decisões de que se comprovado que a empresa divulgou informação inverídica quanto a dispensa do empregado, ou também boatos vexatórios ao empregado que foi dispensado sem justa causa, está configurando o direito à reparação por dano moral, pois este empregado terá sofrido situação constrangedora em vida profissional e pessoal, portanto passível de indenização.
13º Julgado
“EMENTA: DANO MORAL. LISTA NEGRA. RESTRIÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO AO EMPREGADO. ATO ILÍCITO. DANO MORAL CONFIGURADO. REPARAÇÃO INDENIZATÓRIA DEVIDA. Configura ato ilícito do empregador, balizador de indenização por dano moral, a confecção de lista negra e sua divulgação a outras empresas do mesmo ramo de atividade, com o intuito de impedir e/ou dificultar a contratação de ex-empregados que ajuizaram ação trabalhista, em flagrante violação à intimidade, à vida privada, à honra e/ou à imagem da pessoa, a teor do preceituado no art. 5º, X, da CF, configurador de dano moral. Indenização devida à luz dos arts. 186 e 927 do CC. [124]”
Versa o art. 23 da Declaração do Direito do Homem: “todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha do emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”.
Assevera Sergio Pinto Martins[125]:
“O empregador que desse informações desabonadoras e inverídicas da conduta do empregado teria de indenizar o obreiro. O fato de se alegar que o empregado é incompetente, quando não o é, importa em dano moral, pois afeta a sua reputação profissional e sua boa fama. É difícil haver prova das informações prestadas pelo empregador após o término do contrato de trabalho, pois o empregado muitas vezes não irá conseguir gravar convesas telefônicas.”
Relata Sergio Pinto Martins, com a que assevera Valdir Florindo[126]
“de forma tendenciosa, que o ex-empregado recebeu todas as verbas trabalhistas devidas e mesmo assim reclamou Justiça direitos que não possui. Com isso, tenta-se passar a imagem de um trabalhador litigante de má-fé, insinuando que a Justiça do Trabalho da guarida a pretensões absurdas, e, finalmente, restringindo o direito público e indisponível de ação que possui o cidadão”.
Assim como o empregador, o empregado também pode prestar informações inadequadas quando a conduta administrativa da empresa, desta forma gerando também danos ao empregador, com isto, gera direito à indenização por dano moral.
Pode ainda ocorrer fato em que a empresa informe dados inadequados para a abertura de crédito do empregado, se acontecer causará prejuízo moral.
Também, ocorre o fato de empresas terem uma lista de restrição onde consta o nome de empregados que tiveram conduta de acionarem as empresas que trabalhou.
Sobre este assunto assevera Diogo Nicolau Pítsica[127]:
“Outro aspecto a se destacar são as chamadas listas negras, em que supostamente constariam nomes de empregados indesejáveis, de tal modo a obstar suas contratações ou a simplesmente criar empecilhos para que isto ocorra. Conseguindo-se a prova efetiva da ocorrência de tal fato, inquestionavelmente estará caracterizada a lesão ao trabalhador, tanto na sua esfera patrimonial, quanto moral, vez que foi expurgado do mercado de trabalho, sem ter direito sequer à defesa do que lhe foi imputado.”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Antes da Constituição Federal de 1988, o ordenamento jurídico já referenciava à reparação do dano moral. Mas, foi a partir da promulgação da Constituição Federal que ocorreu a consagração da reparação do dano moral. A Constituição Federal do Brasil tutela os direitos pessoais do trabalhador, bem como os de todo e qualquer cidadão brasileiro, sempre analisando a violação ou ofensa pertencente ao patrimônio moral. É incontestável a importância do reconhecimento do direito nos casos de reparação por dano moral, pois se trata de violação e ofensa à honra, à intimidade, à dignidade da pessoa humana. Ainda mais no âmbito do Direito do Trabalho, pois nas relações de subordinação entre empregado e empregador as ocorrências de danos podem acontecer diretamente.
O dano moral pode ocorrer antes, durante e após o encerramento da relação trabalhista, do contrato propriamente dito. O dano antes da efetivação do contrato de trabalho ocorre nas tratativas de admissão.
O dano moral, após o encerramento do contrato de trabalho, pode se dar quando na despedida ocorrer um ou mais atos ilícitos. Sabe-se que a maior incidência de danos se dá na vigência do contrato de trabalho, por diversas situações. Nesta fase, pode também acontecer situação inversa, isto é, ofensa moral por parte do empregado ao empregador, neste caso, ocorre quando o empregado pratica ato lesivo à honra e à fama do empregador.
Quanto ao dano moral na fiscalização do trabalho, analisou-se que, embora o empregador tenha o poder de fiscalizar o trabalho do empregado, não pode este ser realizado de forma arbitrária. Os critérios para a fiscalização devem atender limites, pois se forem arbitrais resultará em lesão a personalidade do empregado.
Quanto às revistas pessoais ao empregado, devem ser realizadas de forma a não ensejar situações vexatórias, tampouco constrangedoras, quando não observada, ocorrerá a violação da esfera extrapatrimonial de interesse dos empregados, causando-se dano, portanto sujeito a indenização. O assédio sexual trata-se de outra forma de dano moral, pode ocorrer entre subordinados ou entre colegas. Mas salienta-se que, a única forma tipificada para a configuração de crime no Direito Penal Brasileiro, é aquela onde exista a subordinação entre assediante e assediado, este é, o requisito principal. Na doutrina, encontra-se duas classificações para o assédio que, são: por chantagem e o por intimidação ou também chamado de ambiental. Por chantagem se dá quando, o superior exige favores sexuais em troca de benefícios e por intimidação quando o ambiente de trabalho se torna prejudicado, devido a intimidação causada pelos colegas.
Quanto às conseqüências, podem existir em três esferas: na trabalhista, configurada na justa causa; na civil, através da responsabilidade patrimonial; na penal, o ofensor deverá praticar os atos do artigo 216 – A do Código Penal.
O assédio moral trata-se de um fenômeno onde o empregado passa por humilhações repetitivas e de longa duração, afetando sua vida pessoal e profissional. Aqui a vítima tem sua dignidade violada, apresentando dificuldades em seus relacionamentos pessoais, afetivos e sociais, afeta diretamente a sua integridade física e mental. Estas situações podem levar os empregados à incapacidade para o trabalho, ao desemprego e até chegar a morte, caso extremo, mas que não pode deixar de ser citado.
Vislumbra-se que a dispensa do empregado provoca efeitos patrimoniais negativos, pois causa também, com a ruptura do contrato de trabalho, um estado psíquico de incertezas, de insegurança, de dúvidas àquele que foi dispensado. Esta dispensa pode ocorrer quando o empregador exerce o seu direito de resilir o contrato de trabalho, não importando que o empregado não tenha dado causa para a rescisão do contrato de trabalho, e, ainda, pode ser caracterizada como dispensa indireta, neste caso é o empregado que rescinde o contrato através de justa causa praticada pelo empregador.
Também, pode ainda ocorrer à dispensa por calúnia, difamação e injúria. Deste modo, o dano moral decorrente da injúria, difamação ou calúnia, ocorre quando na despedida, o empregador insulta o empregado com acusações falsas infundadas, onde se restou não comprovada, vindo afetar a honra e a dignidade da pessoa humana, tais acusações podem inclusive mudar a sua vida, bem como, a de seus familiares.
Sobre a discriminação na relação de trabalho verificou-se vários casos no Judiciário, contendo práticas discriminatórias, a discriminação pode ocorrer ao empregado portador de algum defeito físico, bem como, de doenças infecto-contagiosas, ou ainda, pose-se verificar a discriminação quanto à idade, crença religiosa, orientação sexual e cor, também quanto se trata de emprego do sexo feminino. Verificando-se o dano moral em decorrência de discriminação, a advertência deve ser no sentido de reparação, como também no sentido de prevenção para que não ocorra outro caso no âmbito de trabalho.
O dano moral na fase pós-contratual pode ser configurado através da divulgação do nome dos empregados dispensados em listas de restrições, o que acarreta na dificuldade de uma nova oportunidade de emprego, com isto o empregado é prejudicado de forma patrimonial e também extrapatrimonial. Estas informações desabonatórias e inverídicas ensejam a reparação de dano moral, ocorre quando o empregado requer do ex-empregador carta de referência ou mesmo quando o empregador anota o motivo da dispensa na CTPS do empregado, isto é totalmente desnecessário, pois não influencia para a obtenção de novo emprego. É importante salientar que a rescisão contratual deve ocorrer de forma regular, o empregador deve exercer o direito de ruptura do contrato de trabalho, se ocorrer abuso por parte do empregador trata-se de causa para o dano, portanto merecedora da reparação.
A prova do dano moral é uma questão importante nas ações trabalhistas, pois para que o empregador tenha o dever de indenizar, se faz necessário que a postulação da indenização decorrente de dano moral seja embasada em elementos de convencimento da conduta, do nexo causal e do dano efetivo, deve demonstrar claramente as condições que se deu o evento danoso, a culpa ou o dolo do ofensor. Isto deve ficar muito claro, pois sabemos que a lesão decorrente do dano moral, é de difícil indenização, pois tal lesão não é visível no patrimônio do empregado.
Verificou-se que à função da reparação do dano moral, tem caráter compensatório, bem como, punitivo, pois a finalidade é reduzir as conseqüências do dano que a vítima sofreu em relação ao mal causado pelo ofensor. Mas não pode-se deixar de salientar que, junto com estas duas funções de reparação, está também a pedagógica, tendo como principal função a de desestimular o ofensor do dano na continuidade de praticar novos atos lesivos ao patrimônio moral das pessoas.
As causas que ensejam o dano moral não estão determinadas legalmente, não podem se dar taxativamente, eis que o dano atinge direitos de personalidade. Este estudo não teve a finalidade de esgotar a matéria do dano moral na esfera do Direito do Trabalho, pois existem várias formas que são possíveis para a configuração deste dano isto vai depender principalmente da sociedade em que se vive.
ANEXOS: DECISÕES JURISPRUDENCIAIS DO TRT4 – 4º REGIÃO
ANEXO: DECISÕES JURISPRUDENCIAIS DO TRT4 – 4º REGIÃO
Anexo julgado 01 nº 0021000-69.2009.5.04.0013
“EMENTA:
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – FASE PRÉ-CONTRATUAL. Ainda que o processo seletivo não confira certeza de admissão, tomando a empresa atitudes que evidenciem de forma inequívoca que o contrato de trabalho caminha para a celebração, frustrada esta, haverá direito à recomposição do prejuízo causado, mesmo na fase pré-contratual.”
VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juízo da 13ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo recorrente EZEQUIEL BORGES DA SILVA e recorrido SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM COMERCIAL – SENAC.
Inconformado com a sentença das fls. 90-93, proferida pelo Exmo. Juiz do Trabalho Joe Ernando Deszuta, que rejeitou os pedidos formulados na petição inicial, o reclamante interpõe recurso ordinário às fls. 98-102. Reitera o pedido de condenação da reclamada ao pagamento de indenização por dano moral.
Oferecidas contrarrazões às fls. 118-126, os autos são encaminhados a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO DO RELATOR:
PRELIMINARMENTE.
NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO.
Nas contrarrazões (fls. 118-126), o reclamado argui o não conhecimento do recurso do autor, por ausência de fundamentação.
Ao contrário do que sustenta o recorrido, a insurgência do reclamante está devidamente fundamentada nas razões de recurso (fls.98-102) em face da sentença proferida pelo Juízo (fls. 90-93).
Rejeito a arguição.
MÉRITO.
DO VÍNCULO DE EMPREGO E DO DANO MORAL.
O recorrente insurge-se contra o indeferimento do pedido de indenização por danos morais. Assevera que o reclamado o induziu em erro ao fornecer-lhe documento no qual consignado que havia sido contratado, bem como ante a determinação de abertura de conta bancária. Salienta que restou comprovado ter havido muito mais que a mera expectativa de obtenção de emprego.
Saliento, inicialmente, que o pedido de reforma da sentença está limitado “ao dano moral causado ao obreiro”.
Na petição inicial o reclamante alegou que “realizou entrevista para colocação de emprego no SENAC, e foi aprovado para iniciar em 03 de novembro de 2.008, no cargo de Monitor I, com salário de R$ 707,73/mês, conforme comprova a declaração do SENAC”. Sustentou que, confiando na declaração fornecida pelo recorrido que, inclusive, determinou a abertura de conta corrente, iniciou tratativas para rescindir o contrato de trabalho vigente à época. Esclareceu que, “em relação ao emprego anterior, o SENAC oferece vários benefícios para o obreiro e sua família, tais como, o plano de saúde, ticket alimentação, o salário que é 40% superior ao que vinha recebendo, que levaram o obreiro a pedir demissão tendo em vista as últimas promessas que ficaria para janeiro sua admissão”.
O reclamado, na defesa, alegou que o autor não foi contratado em face de ter sido reputado inapto para o trabalho, porquanto o exame médico atestou que possuía alteração na contagem de suas plaquetas. Tampouco refutou as alegações do autor no sentido de que teria se desligado do emprego para prestar-lhe serviços.
Conquanto não exista propriamente, na hipótese em apreço, a figura do empregado ou do empregador, tampouco relação de emprego, porquanto não houve contratação, mas somente uma promessa de contratar, ela pode gerar direitos e obrigações para ambas as partes.
A questão colocada consiste em definir a responsabilidade do tomador dos serviços antes da efetiva contratação do empregado. Trata-se da responsabilidade pré-contratual.
Sustenta Délio Maranhão[128] que:
“… não pode ser confundida a fase pré-contratual com a proposta do contrato, visto que, feita esta e havendo aceitação, o contrato se forma e vincula o proponente, nos termos do artigo 427 do atual CCB. Adverte, contudo, que embora as conversações não obriguem a concluir o contrato, em alguns casos geram efeitos jurídicos. Isto ocorre quando os entendimentos preliminares conduzem à presunção de que o contrato seria celebrado e uma das partes os rompe sem motivo justo e razoável (culpa in contrahendo). A outra terá o direito ao ressarcimento do dano causado por esse rompimento (interesse contratual negativo), quando possa provar que, confiando na previsível conclusão do contrato, fez despesas em virtude de tais entendimentos, ou deixou de aceitar outra oferta tanto ou mais vantajosa.”
Segundo Alice Monteiro de Barros[129]:
“A doutrina estrangeira também assevera que não há inconveniente em se aplicar os princípios da responsabilidade pré-contratual elaborados pelo Direito Civil para os casos em que, em virtude da atitude de uma das partes, configuradora de um claro abuso de direito, se produza um dano com a frustração do contrato de trabalho. Dá-se na hipótese “abuso da liberdade de não contratar”, que constitui abuso de direito. Apesar de o contrato ainda não ter sido concluído, durante a negociação as partes devem agir com lealdade e boa-fé. A infringência desses deveres implica ressarcimento do dano emergente (gastos realizados) como também do lucro cessante que poderia ser obtido em outra contratação que não se concretizou, dada a frustração da negociação anterior, sem prejuízo da compensação pelo dano moral acaso verificado”.
O principal fundamento da responsabilidade pré-contratual é o princípio da boa-fé, o qual atribui às partes que pretendem celebrar o pacto uma série de deveres alusivos à fase pré-negocial. Esses deveres já não pertencem ao simples convívio social, mas se situam no campo das obrigações.
A objeção mais frequente ao reconhecimento da responsabilidade pré-contratual é a de que tolheria uma das liberdades dos contratantes, que é a de retirar-se das negociações. Todavia, como ensina Antônio Chaves[130], “ainda quanto a este particular não há como negar razão a Fagella quando argüi que ninguém contesta este direito, que apenas se esgota com a retirada, o que não quer dizer que o retirante não deva suportar as conseqüências desse exercício, que prejudica e diminui o patrimônio alheio. Não pode o exercício do direito de recesso justificar a aniquilação de um legítimo valor, anteriormente incorporado ao patrimônio alheio, ou a produção de um prejuízo”.
Comprovada a existência de prejuízo originário de culpa ou dolo de uma das partes, ao prejudicado sempre caberá o ressarcimento equivalente, não importando tenha o fato ocorrido em uma fase preliminar do contrato.
No caso dos autos, restou incontroverso que houve o contato inicial entre as partes e que o reclamado efetuou declaração no sentido de que o reclamante iniciaria a prestação de serviços “a partir de 03 de novembro de 2008, exercendo o cargo de Monitor I, com salário de R$ 707,73/mês”. (fl.14)
A divergência reside na culpa pela não finalização do contrato, que a reclamada atribui ao autor, já que ele foi considerado inapto no exame médico admissional.
Ocorre que a reclamada não provou ter dado ciência ao reclamante de que somente seria contratado se o exame médico estivesse sem alterações. Ao contrário, leitura do depoimento do reclamado esclarece que não foi estipulada tal condição previamente (fl.83):
“o anúncio de vaga se faz pela instituição que seleciona o pessoal (FACAD/FATEC), normalmente por meio de publicação em jornais; que o candidato se apresenta com a documentação necessária e faz uma entrevista; que em relação ao Reclamante, especificamente, cuja vaga era para monitor, havia necessidade de contratação imediata, tanto que em aproximadamente uma semana já havia sido encaminhada a documentação; que somente não houve a contratação porque não teria ‘passado’ no exame médico; que no anúncio normalmente não há especificações relacionadas a condições médicas, sexo, cor, ou qualquer outra referência dessa natureza; que na situação específica do Reclamante, a entrega da declaração de folha 14 ocorreu antes da realização do exame médico em face da urgência para a contratação; normalmente, tal declaração só se faz após o exame médico, destinada à abertura de conta salário; que uma semana após o resultado do exame médico teria havido contato com o Reclamante para comunicar-lhe a não admissão”.
Consta do depoimento do autor (fl.83) que:
“efetivamente foi contatado por Marcelo Rodrigues após realização do exame médico; que Marcelo teria lhe falado para realizar um tratamento médico para superar o problema verificado para possibilitar posterior contratação; que o reclamante realizou o tratamento médico junto ao Centro Clínico Gaúcho; que o depoente estava trabalhando à época na empresa Soul, com quem teria tentado a despedida para que pudesse trabalhar junto à reclamada (…) que o último contato com a Reclamada ocorreu em janeiro de 2009, ainda com Marcelo, quando este teria dito que não havia previsão para a contratação”.
Consoante atestado médico (fl. 11), não impugnado pela reclamada, o autor, provavelmente, é portador de “púrpura crônica”, com exames de investigação normais, estando liberado para trabalhar como monitor de frentista.
A negligência do reclamado está evidenciada, na medida em que, embora considerasse a aptidão física imprescindível à contratação, agiu de forma displicente, fixando a data em que teria início o contrato de trabalho, o valor do salário a ser pago e a função a ser exercida, sem condicionar ao resultado do exame médico.
Verifica-se que a hipótese não trata de mera expectativa de direito, estampada nas situações em que a pessoa disputa um posto de trabalho, inerente aos processos seletivos de um modo geral. A situação que ora se analisa não é dessa ordem. Primeiro, porque o reclamado não expôs os critérios por ele estabelecidas para que fosse celebrado o contrato de trabalho, cuja transparência se mostra essencial para a exata compreensão dos objetivos que deveriam ser atingidos pelo futuro empregado. Segundo, porque não há prova de que a moléstia (púrpura crônica) do autor constitua óbice ao desempenho das atribuições para as quais seria contratado. Destaco que, justamente porque considerou ter ingressado nos quadros do reclamado – na medida em que a conduta empresarial assim o fez presumir -, o reclamante pleiteou a rescisão do contrato de trabalho que mantinha com outra empresa.
A caracterização do dano moral, bem como do dano material, em regra, está ligada à ação culposa ou dolosa do agente, à intenção de prejudicar, imputando-se a responsabilidade civil quando configurada a hipótese do artigo 927 do Código Civil vigente, que dispõe: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Pode-se caracterizar o dano e a obrigação de repará-lo, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, conforme estabelece o parágrafo único do citado dispositivo legal.
Considero que há obrigação de indenizar, porquanto comprovado o dano e demonstrado o nexo de causalidade entre este e o comportamento do reclamado, que não atendeu aos princípios da boa-fé e da lealdade que devem reger as relações interpessoais. As atitudes do reclamado revelam que a fase inicial estava encerrada e o contrato se encaminhava rapidamente para a celebração. Nesse sentido o pedido de abertura de conta corrente para percepção de salários, declaração da data em que teria início o contrato de trabalho, função a ser exercida, valor do salário a ser pago e a realização de exame admissional. Evidentemente que não se faz tais declarações quando não há certeza de que o contrato será celebrado. O pedido de desligamento da empresa na qual prestava serviços, bem como a frustração por não ter sido contratado, evidentemente originou sofrimento e constrangimento, caracterizando abuso de direito suficiente a ensejar o deferimento da indenização pleiteada.
Quanto ao valor da indenização, com fulcro no princípio da razoabilidade, e tomando por base os valores praticados nessa Justiça em casos semelhantes, considero que R$ 5.000,00 é quantia que garante a função pedagógica da indenização.
Ante o exposto,
ACORDAM os Magistrados integrantes da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, preliminarmente, por unanimidade, REJEITAR A ARGUIÇÃO DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO ARGUIDA EM CONTRARRAZÕES. No mérito, por unanimidade, DAR PROVIMENTO AO RECURSO DO AUTOR para condenar o reclamado ao pagamento de indenização por dano moral fixada em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Custas de R$ 100,00 (cem reais) sobre o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) atribuído à condenação.
Intimem-se.
Porto Alegre, 11 de junho de 2010 (sexta-feira)
DES. RICARDO TAVARES GEHLING
Relator
Anexo julgado 02 nº 0000001-96.2010.5.04.0551
EMENTA: INDENIZAÇÕES POR DANOS MATERIAIS E MORAL. RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL. A instituição de critérios e de fases atinentes a processo seletivo de trabalhador, inclusive quanto à verificação da aptidão física do candidato para a função a ser desempenhada, está inserida no poder de gestão do empregador. Hipótese dos autos em que o conjunto probatório indica, todavia, ter adotado a reclamada conduta imprudente, conferindo ao reclamante a certeza da sua contratação, a qual, uma vez frustrada, resultou em inegáveis prejuízos de ordem material e moral ao trabalhador. Recurso do reclamante provido no aspecto para condenar a reclamada ao pagamento das indenizações respectivas.
VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da Vara do Trabalho de Frederico Westphalen, sendo recorrente DIRCEU DE CAMARGO TORMA e recorrido MONIER TÉGULA SOLUÇÕES PARA TELHADOS LTDA..
Inconformado com a sentença prolatada pelo Juiz do Trabalho Ivanildo Vian, fls. 93-99, na qual julgou improcedente a ação, o reclamante interpõe recurso ordinário, fls. 102-107. Busca a reforma daquela com o deferimento de indenizações por danos materiais e moral, além de honorários advocatícios.
Com contrarrazões às fls. 112-116, os autos são remetidos a este Tribunal para julgamento.
É o relatório.
ISSO POSTO:
I – PRELIMINARMENTE
Frente aos diversos documentos de identidade juntados às fls. 15-16, determina-se a retificação da autuação para que conste como reclamante/recorrente ADÃO DIRCEU DE CAMARGO TORMA.
II – MÉRITO
1. Indenizações por danos materiais e moral. Responsabilidade pré-contratual. Promessa de contratação
O reclamante não se conforma com o indeferimento das pretensões indenizatórias decorrentes da alegada promessa de contratação, posteriormente não efetivada pela reclamada. Sustenta, em síntese, que a reclamada agiu com imprudência ao gerar a certeza da contratação, fazendo com que ele, recorrente, pessoa humilde e de pouca instrução, se desligasse do seu emprego anterior, o que lhe causou inegáveis prejuízos de ordem moral e material. Sustenta que, se a reclamada desconhecia a sua aptidão para o trabalho, não deveria ter lhe pedido antes da conclusão dos exames de admissão os documentos então exigidos, inclusive a sua CTPS, muito menos que abrisse conta no Banco do Brasil.
O julgador de origem entendeu que a reclamada não cometeu qualquer ato ilícito ao não contratar o reclamante, após a realização do processo seletivo, diante do atestado médico de inaptidão para atuar na produção de telhas, em atividade com exposição de poeira, atestado este referendado no depoimento prestado pelo médico. Concluiu inclusive que, desses eventos, resultou algo de positivo ao reclamante, já que deixou de trabalhar em garimpo, parando de prejudicar a sua saúde.
Examina-se.
A questão referente à responsabilidade pré-contratual discutida nos presentes autos, pela dita promessa de contratação não concretizada, é conhecida nesta Justiça Especializada. Particularmente, esta 8ª Turma examinou situação que, em suas linhas gerais, é semelhante à do reclamante, envolvendo, no plano fático, a não contratação do empregado a partir da verificação de inaptidão para o desempenho das funções (Processo n.º 0168000-22.2008.5.04.0203 RO, Relator Desembargador DENIS MARCELO DE LIMA MOLARINHO, julgado em 16.07.2009). No referido feito concluiu-se que a recusa de admissão foi justificada, não discriminatória, em razão da inaptidão física do autor para o serviço.
Esse registro inicial é necessário para que se estabeleça a distinção entre uma conduta diligente adotada pela empresa que ofertou a vaga – referente a todo o processo seletivo por ela instituído, inclusive quanto à verificação da aptidão física do candidato – de uma conduta imprudente, por meio da qual a certeza da contratação é conferida ao trabalhador antes mesmo da verificação do preenchimento de todos os requisitos necessários à sua admissão, inclusive de ordem médica.
O caso dos presentes autos insere-se neste último contexto.
Com efeito, é esclarecedor o depoimento da testemunha CARINE S. K., fls. 88-89, convidada a depor pela própria reclamada e empregada desta que, dentre outras atribuições, é a responsável pelo Setor de Recursos Humanos da empresa. O relato da testemunha descreve os passos inerentes ao preenchimento de eventuais vagas de trabalho na reclamada:
“Que trabalha na reclamada desde 05-06-2006, exercendo a função de Assistente Administrativo, em setor que, entre outras atribuições é o responsável pelo setor de Recursos Humanos da empresa; que eventuais interessados a trabalhar na reclamada, preenchem uma ficha cadastral e quando surge a vaga, algumas fichas são selecionadas e os candidatos convidados a participar de seleção composta de uma entrevista e uma prova; que os candidatos considerados aprovados depois da entrevista e da realização da prova, são submetidos ao exame médico admissional; que depois dos exames, a empresa apresenta ao candidato uma lista de documentos para serem apresentados, entre elas a exigência de abertura de conta bancária para recebimento do salário; que os candidatos não aprovados no exame médico admissional não são aproveitados; que o autor realizou entrevista na reclamada e foi encaminhado ao exame médico admissional; que o autor não foi contratado por ter sido considerado inapto no exame médico admissional por ter apresentado problema no pulmão; que há exposição de poeira no trabalho em que o autor iria prestar, caso contratado; que havia uma vaga em aberto para a qual o autor iria ser contratado, caso tivesse sido considerado apto; que houve outros casos de não contratação por reprovação do candidato no exame médico admissional; que a empresa trabalha com o Banco do Brasil e o Banco Bradesco para pagamento dos salários; que na época só havia vaga para operador de produção, para a qual o autor havia se candidatado (…) [sublinha-se]”
Como se percebe do relato, os procedimentos seletivos que antecediam a realização do exame médico restringiam-se, em um primeiro momento, ao preenchimento da ficha cadastral e, numa segunda fase, à realização de entrevista e de prova. Superados estes estágios, os candidatos deveriam ser submetidos a exame médico e, somente após essa avaliação médica, a empresa apresentaria ao candidato uma lista com os documentos a ser apresentados, dentre os quais a exigência de abertura de conta bancária para recebimento do salário.
Ora, com a petição inicial, o reclamante junta diversos documentos, dentre os quais não só a solicitação de emprego, fl. 12 (ficha cadastral; primeira fase do processo seletivo), mas também a proposta de abertura de conta bancária junto ao Banco do Brasil, fl. 11 – uma das duas instituições com as quais a reclamada trabalhava, conforme reconheceu a testemunha CARINE –, além de inúmeros outros documentos de caráter pessoal do candidato.
Convém ressaltar, aqui, aliás, que reclamada sequer contesta, na sua defesa, a alegação constante da petição inicial de que o reclamante lhe entregou inclusive a sua CTPS.
Na realidade, a apresentação de toda essa documentação e as informações prestadas pela testemunha antes referida impõem a conclusão de que a lista com os documentos necessários à contratação, inclusive CTPS, e a exigência de abertura de conta bancária já tinham sido passadas ao reclamante antes da realização de exames médicos, justificando, definitivamente, o sentimento deste de que estava, afinal, contratado pela reclamada. Tanto é assim que a testemunha ALEXANDRE A. DE L., fl. 88, a qual morava na mesma comunidade interiorana do reclamante e trabalhava com este no garimpo de pedras ametistas, confirmou que esse dissera, ao parar de laborar no garimpo, que trabalharia na reclamada.
Registra-se, ainda, que o reclamante, de fato, é pessoa de pouca instrução (ensino fundamental incompleto, conforme histórico escolar da fl. 14), de quase 40 (quarenta) anos de idade (documentos de identidade das fls. 15-16) e que sempre trabalhou em garimpo (ficha cadastral da fl. 12), elementos que também vem referendar a sua tese de que, a partir da exigência da documentação referida, conforme procedimento adotado pela própria empresa, já estava garantida a sua contratação.
Diante desses elementos, se de um lado a reclamada não é responsável pela não contratação em virtude da constatação de inaptidão para o desempenho da função – situação devidamente esclarecida pelo médico DIMAS LUIZ T., fls. 89-90, que prestou depoimento coeso quanto à rasura constante da ficha médica da fl. 82 –, a conclusão não pode ser a mesma quanto à condução do processo seletivo, evidenciando a exigência da documentação, da abertura de conta e da entrega da CTPS que a contratação estava garantida, independentemente do resultado dos exames médicos.
Entende-se, assim, que a reclamada negligenciou na observância correta de seu próprio processo seletivo, o que gerou inegáveis prejuízos ao reclamante, devendo aquela, pois, responder pelos danos experimentados (CC, artigos 186 e 927), os quais são de origem tanto material quanto moral e serão adiante identificados.
Em análise semelhante à dos autos, aliás, manifestou-se neste sentido, recentemente, a 4ª Turma deste TRT, em acórdão da lavra do Desembargador RICARDO TAVARES GEHLING:
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – FASE PRÉ-CONTRATUAL. Ainda que o processo seletivo não confira certeza de admissão, tomando a empresa atitudes que evidenciem de forma inequívoca que o contrato de trabalho caminha para a celebração, frustrada esta, haverá direito à recomposição do prejuízo causado, mesmo na fase pré-contratual. (Processo n.º 0021000-69.2009.5.04.0013, 4ª Turma, Relator Desembargador Ricardo Tavares Gehling, julgado em 11.06.2010)
Em relação aos danos materiais apregoados, são identificados pela perda do posto de trabalho anteriormente ocupado sem a respectiva contratação pela reclamada. Na hipótese, embora o trabalho em garimpo oferecesse risco à saúde do trabalhador, conforme pontuou o julgador de origem, é certo que dele dependia a sua subsistência. Na ficha da fl. 12, consta expressamente, que o reclamante sempre trabalhou no garimpo, o que foi confirmado inclusive pelo depoimento do médico DIMAS LUIZ, fl.89, e também pela testemunha ALEXANDRE, fl. 88, que foi colega de trabalho do reclamante no garimpo e esclareceu que este deixou o local porque iria trabalhar na reclamada. O reclamante, portanto, após ter a certeza de que seria contratado pela reclamada, deixou o seu posto de trabalho no garimpo, provavelmente um dos poucos locais em que estava habilitado para trabalhar, considerando-se a sua baixa escolaridade, idade e demais fatores pessoais. Note-se que a recusa da contratação do reclamante pela reclamada ocorreu no final de maio de 2009 e ao firmar a procuração e a declaração de pobreza, fls. 08-09, em setembro de 2009, o reclamante ainda se qualificava como “desempregado”. É inegável, pois, que os atos praticados pela reclamada resultaram em prejuízos econômicos ao reclamante. O próprio pedido de demissão do garimpo já implicou em dano material concreto, inclusive com a perda, por exemplo, da percepção de seguro-desemprego. A pretensão inicial, no caso, diz respeito justamente à remuneração que o reclamante deixou de auferir no período em que permaneceu desempregado. Não parece adequado, porém, simplesmente assegurar indenização que contemple todos os valores que o reclamante receberia indefinidamente em razão do trabalho no garimpo (não há informação precisa quanto aos valores recebidos) ou mesmo da própria reclamada (o reclamante sequer foi considerado apto para o exercício da função para a qual realizou processo seletivo).
Entende-se adequada, no caso, a aplicação da teoria da perda de uma chance. Isso porque, embora não seja possível concluir que o empregado permaneceria indefinidamente laborando no garimpo, era real e significativamente provável a continuidade do serviço lá desenvolvido até que, eventualmente, encontrasse posto de trabalho mais adequado. Oportuna, no aspecto, a referência de SÉRGIO SAVI sobre a identificação do prejuízo decorrente dessa perda e a quantificação deste[131]:
Para a valoração da chance perdida, deve-se partir da premissa inicial de que a chance, no momento de sua perda, tem um certo valor que, mesmo sendo de difícil determinação, é incontestável. É, portanto, o valor econômico desta chance que deve ser indenizado, independentemente do resultado final que a vítima poderia ter conseguido se o evento não a tivesse privado daquela possibilidade.
O fato de a circunstância ser idônea a produzir apenas provavelmente e não com absoluta certeza o lucro a essa ligado influi não sobre a existência, mas sobre a valoração do dano. Assim, a chance de lucro terá sempre um valor menor que a vitóriaut fura, o que refletirá no momento da indenização.
Quanto à quantificação do dano, a mesma deverá ser feita de forma equitativa pelo juiz, que deverá partir do dano final e fazer incidir sobre este o percentual de probabilidade de obtenção da vantagem esperada. [sublinha-se]
Por todas essas circunstâncias, com base na referida teoria, fundada na cláusula geral de responsabilidade civil (CC, artigos 186 e 927) e no princípio da razoabilidade, reputa-se equânime, no presente caso, assegurar ao reclamante o pagamento de indenização por danos materiais no valor mínimo postulado na inicial, de R$ 5.000,00, e que, segundo se entende, representa a quantia a reparar o prejuízo econômico experimentado. O referido valor será corrigido a partir do presente arbitramento e acrescido de juros de mora desde o ajuizamento da ação.
Quanto ao dano moral, deve este ser presumido no caso. Relativamente à matéria, JOSÉ AFONSO DALLEGRAVE NETO cita, em sua obra, o oportuno ensinamento de MARIA CELINA BODIN DE MORAES de que o “dano é considerado moral quando violam direitos de personalidade, originando, de forma presumida, angústia, dor, sofrimento, tristeza ou humilhação à vítima, trazendo-lhe sensações e emoções negativas”[132] (sublinha-se).
Trata-se a hipótese de dano moral in re ipsa, o qual deriva do próprio fato ofensivo. No caso, o reclamante, é pessoa humilde, pai de família e que trabalhou há vários anos em serviços de garimpo, em condições notoriamente precárias. Certamente, ao julgar que já estava contratado pela reclamada, empresa multinacional e bem estruturada, o reclamante nutriu a justa expectativa de que iria mudar de vida, o que deve ter repercutido no seu meio social e familiar. A frustração causada pela atitude imprudente da reclamada gerou inegáveis sentimentos de angústia e de incerteza ao reclamante, atingindo diretamente a sua auto-estima, pois além de sofrer pela perda daquela contratação que julgou consumada, perdeu também o posto de trabalho que até ali garantia a sua subsistência própria e familiar. Consequentemente, tem direito o reclamante à reparação pelo dano moral sofrido (CF, art. 5º, V e X).
Relativamente ao valor devido, na falta de critérios objetivos, tem-se entendido que o montante a ser arbitrado deve observar certos parâmetros traçados pela doutrina, pela jurisprudência e pela própria lei. Destaca-se, no particular, a posição de JOSÉ CAIRO JÚNIOR, o qual concluiu pela “existência de cinco pilares para fixação da indenização por dano moral, quais sejam: condição pessoal da vítima, capacidade financeira do ofensor, intensidade do ânimo de ofender, gravidade do dano e repercussão da ofensa.”[133] Acrescenta-se, também, o necessário caráter pedagógico que deve ter o valor da indenização, de forma que a reclamada sinta-se impelida a adotar conduta prudente por ocasião dos seus processos de seleção. Cumpre notar, também, que a reclamada é empresa multinacional de expressivo capital social, superior a R$ 90.000.000,00 (noventa milhões de reais), fl. 38.
Sopesando esses critérios, entende-se adequado o deferimento de indenização por dano moral no valor de R$ 5.000,00, o qual será acrescido de correção monetária desde a data do presente julgamento e de juros de mora, estes a contar da data de ajuizamento da demanda (CLT, art. 883).
Diante desse quadro, dá-se provimento parcial ao recurso ordinário do reclamante para condenar a reclamada ao pagamento de indenizações por danos materiais e por dano moral, nos termos da fundamentação.
2. Honorários advocatícios
Reformada a sentença quanto às pretensões indenizatórias, deve ser revertida à reclamada a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios arbitrados pelo juízo de origem em 10% (dez por cento), fixando-se a base de cálculo, porém, no valor bruto da condenação. Não obstante o entendimento pessoal deste Relator quanto à aplicabilidade das Súmulas 219 e 329 do TST, registra-se que não houve insurgência das partes contra o deferimento de honorários com base na Instrução Normativa nº 27/2005 do TST, tal como fundamentado na sentença. Ainda que a reclamada não tenha sido sucumbente na primeira instância, ela própria requereu na defesa, expressamente, a condenação do reclamante ao pagamento de honorários advocatícios (item 45, fl. 54), chancelando, assim, o entendimento quanto à aplicabilidade da citada Instrução Normativa 27 do TST no caso dos presentes autos.
O recurso, pois, é provido em parte no tópico.
Ante o exposto,
ACORDAM os Magistrados integrantes da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: preliminarmente, determinar a retificação da autuação para que conste como reclamante/recorrente ADÃO DIRCEU DE CAMARGO TORMA. No mérito, por unanimidade, dar provimento parcial ao recurso ordinário do reclamante para condenar a reclamada ao pagamento de indenização por danos materiais, no valor de R$ 5.000,00, e indenização por dano moral, no valor de R$ 5.000,00, ambas com acréscimo de correção monetária desde a presente data e de juros de mora a contar do ajuizamento da ação, revertendo-se à reclamada a condenação ao pagamento de honorários advocatícios de 10%, os quais incidirão sobre o valor bruto da condenação. Custas de R$ 220,00, calculadas sobre R$ 11.000,00, valor arbitrado provisoriamente à condenação, sujeitas à complementação, pela reclamada.
Intimem-se.
Porto Alegre, 5 de agosto de 2010 (quinta-feira).
JUIZ CONVOCADO WILSON CARVALHO DIAS
Relator
Anexo julgado 03 nº 0015700-69.2008.5.04.0011
EMENTA: INCOMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO. Empresa pública. Inaptidão de candidato aprovado em concurso constatada em exame médico. Conquanto não constituída formalmente a relação contratual de natureza empregatícia, nesta se insere o período pré-contratual. Considerada a regra do art. 114, inciso I, da Constituição Federal, é a Justiça do Trabalho competente para processar e julgar causas que envolvam pretensões relativas aos períodos pré-contratual, contratual e pós-contratual. Se o núcleo principal do contrato é de natureza jurídico-trabalhista, resulta lógica a competência da Justiça do Trabalho para apreciar os pedidos atinentes às obrigações acessórias, que dizem respeito aos períodos pré e pós-contratual.
INDENIZAÇÃO POR LUCROS CESSANTES. Plausível expectativa de assunção do emprego público, que ensejou o desligamento de anterior emprego. Prejuízo manifesto do trabalhador que, ao ser impedido de assumir emprego para o qual foi aprovado em certame público, deixou de auferir renda para seu sustento. Reconhecido o direito à contratação, mostra-se razoável o deferimento de uma indenização equivalente ao montante que ganharia acaso tivesse sido admitido.
VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz Roberto Antônio Carvalho Zonta da 11ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo recorrentes PAULO RICARDO HENCKEL E COMPANHIA RIOGRANDENSE DE SANEAMENTO – CORSAN e recorridos OS MESMOS.
Contra a sentença, as partes interpõem recursos ordinários.
A reclamada, primeiramente, renova a prefacial de incompetência material da Justiça do Trabalho. No mérito, reitera a validade do ato administrativo que considerou inapto o autor para assunção do emprego público. Assim, requer absolvição do comando condenatório concernente à compulsória contratação ao emprego e à indenização por lucros cessantes, bem como aos honorários assistenciais (fls. 427-47).
O autor, por sua vez, pugna pelo deferimento de indenização por danos morais uma vez reconhecida a nulidade do ato administrativo que frustrou legítima expectativa de assunção de emprego público. Por outro lado, requer a concessão dos honorários assistenciais também pela ação cautelar ajuizada (fls. 500-10).
Custas e depósito recursal comprovados às fls. 448-9.
Com contrarrazões (reclamada às fls. 516-21 e reclamante às fls. 523-34), o processo é remetido ao Tribunal para julgamento dos apelos. O Ministério Público do Trabalho, nesta fase, não teve vista prévia dos autos.
É o relatório.
ISTO POSTO:
RECURSO DA RECLAMADA
1. INCOMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO.
A reclamada renova a arguição de incompetência da Justiça do Trabalho para apreciar a matéria que envolve o dissídio, porquanto o ato que o autor visa anular precede à relação de emprego. Por oportuno, alerta que decisão do STF, dirimindo conflito de competência (sob nº 6.959-6), e que serviu de fundamento da sentença não contempla a hipótese ora em exame. Naquele a relação de emprego era pré-existente, neste processo, reitera, sequer logrou consumar-se. Tratando-se de controvérsia adstrita à matéria de natureza administrativa não está sob o foco do art. 114 da Constituição Federal. Como suporte de suas alegações, transcreve recente decisão do STJ, na qual reconhecida a competência da Justiça Comum para processar e julgar a causa semelhante. Assim, requer seja acolhida a incompetência material e determinada a remessa do processo à Justiça Comum.
A despeito das razões recursais e da decisão juntada como subsídio, proferida pelo STJ, mantém-se o entendimento do juízo a quo, no sentido de que a matéria sub judice insere-se na competência desta Justiça especializada.
Sem dúvida, trata-se de ação fundada em lesão a direito de candidato aprovado em certame público impedido de assumir o cargo, sob suposta insuficiência de condições de saúde para o exercício da atividade. Conquanto não estabelecida formalmente a relação contratual entre as partes, o período que medeia a aprovação e a efetiva assunção do emprego corresponde a uma fase pré-contratual.
Ora, se o contrato de trabalho é regido pela legislação consolidada, e, portanto, sujeita à competência material da Justiça do Trabalho, por certo as obrigações ou deveres acessórios ou secundários, próprios das fases pré e pós-contratual, inserem-se, na mesma regra de competência.
A presente ação foi proposta justamente em razão da exclusão do reclamante na fase de exame médico admissional em processo seletivo, no qual este se encontrava na iminência de ter formalizada a sua contratação junto à ré, sob o regime celetista. Apesar de ainda não estabelecida a relação contratual entre as partes, trata-se, incontroversamente, da última etapa existente no processo seletivo. A fase pré-contratual também se encontra no âmbito da relação de trabalho, cuja competência, como se disse, é desta Justiça Especializada.
Por fim, o fato de o Superior Tribunal de Justiça, em conflito de competência ter apreciado de modo diverso a questão, não tem o condão de alterar o decidido, até porque a mesma não tem caráter vinculativo.
Nega-se provimento ao recurso.
2. CONTRATAÇÃO.
Linhas gerais, a reclamada insiste na validade e eficácia do exame médico que concluiu pela inaptidão física do reclamante para assumir o emprego público para o qual aprovado em certame. Por oportuno, aduz que o zelo na análise dos exames admissionais não pode ser interpretado como forma de burlar as regras do concurso público. Trata-se, sublinha, de aferição de requisito contido no edital do certame. Requer, pois, seja revista a condenação de nomeação do autor para o cargo, sob pena de violação aos arts. 168, inciso I, e parágrafo 5º, da CLT e 37, inciso II, da Constituição Federal.
Impecável a sentença, no aspecto. A eliminação do reclamante do processo seletivo teve lastro em motivo que, inegavelmente, extrapolou o regramento do edital. Julgando causas semelhantes, inúmeras são as decisões proferidas por este Regional reconhecendo a ilegalidade e abusividade do ato – com consequente declaração de sua nulidade -, que excluiu o reclamante do grupo dos nomeados. Assim, por pertinente, adotam-se os fundamentos lançados no acórdão 00595-2008-005-04-00-9 RO, da lavra da Desª Dionéia Amaral Silveira, julgado na 7ª Turma em 06-05-09:
“Na esteira do quanto decidido pela Julgadora de origem, entende-se que a determinação de realização do exame complementar, consistente no exame de ressonância magnética (fls. 44 e 150 dos autos), que resultou na eliminação do autor do processo seletivo a que estava sendo submetido, não encontra amparo legal. Com efeito, a eliminação do reclamante do processo seletivo está fundamentada no fato de não ter ele apresentado plenas condições físicas para o exercício das funções de Agente de Tratamento de Água e Esgoto (documento da fl. 53), embora o edital (fls. 29/43) se limite a exigir, como requisito para contratação: boa saúde física e mental (item 11.2 – letra “h”).
A submissão do reclamante a exame específico de ressonância magnética não encontra previsão no edital do concurso promovido pela reclamada, não se podendo considerar que tal medida estivesse incluída na exigência da realização de exame médico admissional ali previsto. Cumpre transcrever, por oportuno e relevante, excerto da sentença atacada que bem esclarece tal situação (fls. 311/312):
“Convém sublinhar a existência de estudos médicos revelando que a ressonância magnética ‘tem um elevado índice de sensibilidade e especificidade para as lesões da coluna lombar. Dos 785 pacientes examinados, apenas 98 foram normais’. Isso demonstra sua incompatibilidade com o conceito de ‘exame médio admissional’ referido no edital a que se submeteu o reclamante e previsto na norma regulamentar antes mencionada. Cumpre relembrar que é o edital quem fixa as regras a serem observadas pelas partes para o processo de admissão de novos trabalhadores por parte de ente público. É, pois, garantia da transparência na contratação. Não pode o administrador público exigir a realização de exame especializado, não previsto no edital, sobretudo com o fito de eliminar candidatos regularmente selecionados para ocupar a vaga em serviço público.
Ao contrário do que quer fazer crer a demandada, o cargo para o qual o reclamante fora selecionado (agente de água e esgoto) sequer faz presumir haja exigência de tamanho preciosismo na avaliação do estado de saúde dos trabalhadores selecionados. Nem mesmo o rol de atividades, dentre as quais a reclamada confere especial importância àquela de carregar e descarregar caminhões, certamente incidental e não essencial ou recorrente para um agente de água e esgoto, é suficiente para determinar uma seleção a partir de critério tão rigoroso como aquele eleito, sem previsão expressa em edital. Também não exige uso extremo de força capaz de fazer supor que a perda de sinal em um disco da coluna seja suficiente para tornar o trabalhador inapto para a atividade. A utilização de exame sofisticado como uma ressonância magnética, permite ao administrador preterir ou preferir candidatos em razão de interesse outro, que não o interesse público que deve permear a atuação da administração pública, atentando assim contra a moralidade administrativa. Por isso, não pode servir como critério válido de seleção.”
No presente caso, restou evidenciada a prática de ato abusivo e ilegal por parte da reclamada a partir do momento em que, embora inexistente previsão no edital do concurso acerca da realização de exame médico tão minucioso e específico (ressonância magnética), exigiu e submeteu o autor a este tipo de procedimento e, em face do seu resultado, promoveu a eliminação do demandante da parte final do processo seletivo. Ora, como antes relatado, a única exigência contida no edital (fls. 29/43), conforme o item 11.2 – Requisitos para a contratação – letra “h”, era: “ter boa saúde física e mental, verificada em exame médico admissional”.
Na hipótese dos autos, também se constata que, consoante edital de convocação dos aprovados, que faz remissão ao edital do concurso (item 11.2.h), o reclamante estava obrigado a se submeter a exame médico para comprovar a “boa saúde física e mental, verificada em exame médico admissional”. Este exame, a teor do PCMSO (NR-7), abrange a realização obrigatória do exame médico admissional, que compreende “avaliação clínica, abrangendo anamnese ocupacional e exame físico e mental”.
A exigência do exame de ressonância magnética de coluna cervical como condição para aferir a boa saúde do candidato, pois, excede a previsão do edital. Desta forma, o fundamento do ato administrativo que excluiu o reclamante do certame mostra-se insubsistente, razão por que desserve para impedir a contratação. Correta a sentença ao declarar nulo o referido ato, por ilegal e abusivo. Em consequência, sem dúvida, deve o reclamante ser contratado e assumir o cargo para o qual logrou êxito no concurso, nos termos do edital, com o registro do contrato de trabalho na CTPS. Refuta-se, por fim, a alegada violação ao art. 168, inciso I e parágrafo 5º, da CLT, bem como ao art. 37, inciso II, da Constituição Federal.
Nega-se provimento ao recurso.
3. INDENIZAÇÃO.
No entender da reclamada, não tem ela qualquer responsabilidade por eventuais prejuízos sofridos pelo reclamante que, por ato seu, pediu demissão de anterior emprego, sob expectativa de assunção de emprego público.
Incontroverso que o autor deixou seu emprego anterior, convencido de que, dada a aprovação no concurso público, breve assumiria o cargo na reclamada. Todavia, pelas razões acima explicitadas, foi impedido por suposta falta de condições de saúde. Evidente que seu procedimento, sublinhe-se, fundado em razoável expectativa – foi aprovado no concurso e convocado para o exame médico de rotina -, acarretou-lhe prejuízo financeiro. Desempregado, ao ser frustrada a assunção no emprego público não teve direito à remuneração do cargo.
Nessas circunstâncias, sem dúvida, correto o deferimento da indenização por lucros cessantes, equivalente ao montante dos salários que faria jus (com base no padrão remuneratório fixado no edital de R$ 1.056,32 a ser apurado em liquidação), nos exatos termos da sentença.
Nega-se provimento ao recurso.
4. HONORÁRIOS DE AJ.
Satisfeitos os requisitos legais, faz o autor jus aos honorários de A.J. A declaração de pobreza (fl. 13) dá conta de sua incapacidade de arcar com os custos da demanda. Além disto, está assistido por advogado credenciado pelo sindicato da categoria (fl. 162).
Nega-se provimento ao recurso.
RECURSO DO RECLAMANTE
1. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
Sustentando legítima expectativa para assunção no emprego publico, para o qual se credenciou pela aprovação em prova seletiva, nos termos do Edital nº 14/2006-2007, o autor insiste fazer jus ao pagamento de uma indenização por danos morais.
O fato, em si, não dá ensejo à reparação indenizatória. É imperioso que dele advenha inequívoca situação humilhante ou constrangedora, daí a necessária comprovação. Sem dúvida, o autor não produziu qualquer prova a demonstrar, ainda que minimamente, haver sofrido humilhação ou constrangimento ao ser frustrada sua contratação. De todo modo, o reconhecimento da nulidade do ato administrativo, fundamento do suposto dano moral, implicou, como consequência jurídica, o direito à pronta contratação, cumulada com a indenização por lucros cessantes (equivalente aos salários que deixou de perceber). Isto, entende-se, compensa os prejuízos suportados pelo autor.
Nega-se provimento ao recurso.
2. HONORÁRIOS DE AJ. AÇÃO CAUTELAR.
Com fulcro no art. 14 da Lei nº 5.584/70 e art. 20, § 4º, do CPC, o autor vindica também os honorários assistenciais pelo ajuizamento da ação cautelar vitoriosa.
Embora ação própria, a cautelar é dependente do processo principal. Assim, apensada à ação principal e feito o julgamento conjunto na mesma sentença, eventual deferimento de honorários advocatícios há de ser único. Portanto, correta a decisão (fl. 496-v) ao rechaçar a pretensão.
Nega-se provimento ao recurso.
Ante o exposto,
ACORDAM os Magistrados integrantes da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, por unanimidade de votos, negar provimento a ambos os recursos ordinários.
Intimem-se.
Porto Alegre, 9 de junho de 2010 (quarta-feira).
MARIA INÊS CUNHA DORNELLES
DESEMBARGADORA-RELATORA
Anexo julgado 04 nº 0133500-03.2008.5.04.0017
EMENTA: RECURSOS ORDINÁRIOS DA RECLAMANTE E RECLAMADA. DANO MORAL. REVISTA ÍNTIMA. LIMITAÇÃO DE ACESSO AO SANITÁRIO. DANO MORAL CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. O Dano moral tem por essência o abalo da imagem, a dor pessoal e o sofrimento íntimo do ofendido. Presentes os elementos caracterizadores à aplicação do disposto do inciso X do artigo 5º da Constituição Federal cabível a indenização por dano moral em razão da limitação de acesso ao sanitário, bem como em razão da revista íntima realizada pela empresa, por força do procedimento vexatório utilizado. Sentença mantida, ante a correção do valor arbitrado.
VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da 17ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo recorrentes SCHEILA RIBEIRO DA COSTA E CARREFOUR COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA e recorridos OS MESMOS.
Inconformados com a sentença de parcial procedência prolatada nas fls. 301-20, complementada na fl. 369, a reclamante e a reclamada apresentam recurso ordinário, conforme as razões das fls. 330-45 (ratificadas na fl. 373, a carmim) e fls. 377-83, respectivamente.
A reclamante pretende a reforma do julgado em relação aos seguintes aspectos: majoração do valor fixado a título de indenização por danos morais, indenização pelo trabalho aos domingos, invalidade do regime de compensação, adicional noturno e hora reduzida noturna, intervalo do art. 384 da CLT e prequestionamento.
A reclamada, de seu turno, pretende ser absolvida em relação à condenação ao pagamento de indenização por danos morais, quebra de caixa e honorários assistenciais.
Foram apresentadas contrarrazões apenas pela reclamante (fls. 392-401), subindo os autos a este Tribunal, vindo conclusos para julgamento.
É o relatório.
ISTO POSTO:
RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE E DA RECLAMADA.
MATÉRIA COMUM.
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.
Recorre a reclamante pretendendo a majoração do valor fixado em sentença a título de dano moral. Menciona ser grave a situação ocorrida nos autos, pois o acesso aos sanitários não era permitido, bem como era submetida à revista íntima. Invoca jurisprudência e o teor da prova oral produzida a fim de ver majorada a indenização fixada na origem.
A reclamada, por sua vez, entende equivocada a decisão de origem, não tendo a prova oral produzida comprovado as alegações da petição inicial, bem como não havendo motivo para desconsiderar o depoimento da testemunha por ela convidada a depor. Aduz, ademais, não terem as testemunhas convidadas a depor pela reclamante comprovado qualquer tipo de constrangimento ou humilhação, mas apenas relatado a ocorrência de revista pessoal, realizada, se fosse o caso, por uma empregada mulher. Menciona não ter a reclamante comprovado ter sofrido revistas íntimas a gerar constrangimento e humilhações, sendo indevida a condenação ao pagamento de danos morais por este motivo. Em relação às idas ao sanitário, entende não ter a reclamante comprovado o fato constitutivo do seu pedido, tendo a testemunha por ela convidada a depor negado o tempo de espera informado pela reclamante, não ensejando o reconhecimento de dano moral. Pela prova oral produzida, sustenta não haver comprovação quanto a ter a reclamante menstruado no seu local de trabalho, apenas relatando ter ficado sabendo disso por comentários. Invoca jurisprudência e doutrina, requerendo a reforma do julgado e absolvição da condenação ou, sucessivamente, redução do “quantum” fixado.
À análise.
Inicialmente, o dano moral tem status constitucional desde o advento da Constituição Federal de 1988, através do inciso V do artigo 5º, pelo qual, literalmente, “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”, e do inciso X do mesmo dispositivo constitucional que diz, in verbis: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente da sua violação”.
Na hipótese em comento, competia à reclamante a prova não só de que havia limitação de acesso aos sanitários, mas que também tal limitação lhe implicava sofrimento, ofendendo o princípio da dignidade da pessoa humana e, em relação às revistas realizadas, serem estas procedidas de forma desumana e vexatórias, implicando em humilhações, pois fato constitutivo das suas alegações (art. 333, I, do CPC).
Aliás, em relação à limitação de acesso aos sanitários, bem como em relação às revistas pessoais, em processo envolvendo a ora reclamada (processo nº 0140000-76.2008.5.04.0020, de lavra da Desa. Vanda Krindges Marques, julgado em 05.05.2010, citado no recurso da reclamada), já entendeu esta Turma julgadora que:
“O abalo sofrido com a limitação do acesso aos sanitários não pode ser presumido. O fato de a reclamante ter de aguardar a substituição por colega de trabalho para a ida ao sanitário não configura, por si só, dano extrapatrimonial, sendo indispensável a comprovação de que causou transtornos que excedam o grau de tolerância presumível ao homem médio. Veja-se que também não restaram comprovadas as alegações da petição inicial no sentido da realização das necessidades fisiológicas no próprio caixa, revistas pessoais desrespeitosas e desumanas, mediante apalpação e retirada de roupas e calçados, bem como assédio moral decorrente do ajuizamento da presente ação com o contrato em andamento (aditamento à inicial, fl. 71).”
Dito isso, necessária se faz a análise da prova oral produzida nos autos. A partir da análise desta, confirma-se o acerto da decisão de origem em não se utilizar do depoimento da testemunha Janice (fl. 293-4), convidada a depor pela reclamada, ante as incongruências contidas no seu depoimento quando questionada a respeito do procedimento adotado para realização de revistas, pois, trabalhando para a ré desde 2002, como afirmou em depoimento, não se mostra crível desconhecer este procedimento. Inclusive, neste aspecto, o depoimento incorreu em contradição, pois ao mesmo tempo em que afirma desconhecer o procedimento adotado, lembra da “maquininha de apertar o botão e passar”. Assim, correta a decisão ao desconsiderar esta prova no tema em análise.
Deste modo, a questão passa a ser dirimida a partir da prova oral produzida pelas testemunhas Renata e Rosane (fls. 292-3), ante a inexistência de confissão das partes ao prestarem depoimento pessoal.
Quanto a isso, a prova produzida nos presentes autos comprova a realização de revistas íntimas, através de procedimento vexatório utilizado, consistente, por exemplo, em obrigar a reclamante a levantar a sua blusa até o pescoço. Neste sentido, a testemunha Renata (fl. 292) informa que, quando soasse o alarme, era necessário erguer a blusa e a barra das calças.
Logo, apesar de o fato de levantar a blusa e retirar os calçados e meias ser eventual e realizado na presença de outra empregada mulher, como informa a testemunha Rosane (fl. 293), entende-se que a determinação de a empregada se ver obrigada a assim proceder, inclusive retirando os seus calçados e meias, constitui-se em procedimento vexatório e desumano, configurando, assim, ato ilícito a ser indenizado, conforme art. 186 do Código Civil.
No presente caso, portanto, entende-se ter havido abuso de direito da empresa quando da realização do procedimento de revista íntima, mesmo tendo-se presente o direito da empresa de salvaguardar o seu patrimônio, considerando o cargo de caixa ocupada pela reclamante junto ao estabelecimento reclamado.
Assim, tem a autora direito ao pagamento de indenização por dano moral em razão das revistas realizadas pela reclamada.
Por outro lado, em relação à limitação de acesso aos sanitários, como já entendido por esta Turma Julgadora, conforme decisão acima transcrita de lavra da Desa. Vanda Krindges Marques, “o fato de a reclamante ter de aguardar a substituição por colega de trabalho para a ida ao sanitário não configura, por si só, dano extrapatrimonial, sendo indispensável a comprovação de que causou transtornos que excedam o grau de tolerância presumível ao homem médio”.
Logo, no presente caso, cumpre analisar se esta situação causou ou não transtornos à reclamante que tenha excedido o limite de tolerância razoável.
Neste ponto, assim se pronunciou a testemunha Renata (fl. 292):
“que para ir ao banheiro, tinha que acender a luz e pedir para subir; que costumava levar mais de hora para vir um substituto; que já viu uma caixa operadora grávida se urinar de tanto esperar; que não havia uma pessoa específica para substituir os caixas quando precisavam ir ao banheiro; que a depoente normalmente trabalhava no mesmo horário que a reclamante; que por comentários ficou sabendo que a reclamante certa vez menstruou no local de trabalho e não conseguiu liberação logo para ir ao banheiro e em razão disso sujou a calça que estava usando; que acha que a gerente no dia era Aline, mas a impossibilidade de ir ao banheiro não era culpa da gerente e sim decorria do procedimento adotado pela reclamada; que a depoente viu a calça da reclamante que estava suja; que já aconteceu com a depoente de encerrar o expediente sem que um substituto houvesse aparecido para ir ao banheiro;”
Embora a testemunha não tenha presenciado o ocorrido com a autora quanto a menstruar no seu local de trabalho, informou ter visto a calça suja da reclamante, comprovando, assim, ter a reclamada adotado procedimento equivocado, não permitindo que a autora tivesse acesso ao sanitário quando necessitava. Inclusive, o tempo de demora para substituição da autora junto ao caixa também é confirmado pela testemunha Rosane (fl. 293) como sendo mais de trinta minutos.
Aliás, o equívoco no procedimento adotado pela ré é confirmado inclusive pela testemunha convidada a depor pela empresa (Janice – fl. 293), quando esta relata que a contar de março de 2009 passou a existir pessoa específica para fazer a rendição dos caixas, possibilitando o acesso aos sanitários em tempo tolerável, fato não ocorrido ao longo do contrato de trabalho da autora, o qual foi rescindido em 07.02.2009, conforme Termo de Rescisão de fl. 298.
Deste modo, entende-se ter o procedimento adotado pela reclamada causado transtornos à reclamante, como comprovado pela prova oral.
Cumpre, pois, analisar a correção do valor fixado em sentença (R$ 10 mil reais, relativos não só a este fato como também em razão da revista realizada pela reclamada).
Assim, em relação ao quantum indenizatório, oportuno ressaltar que, em se tratando de danos morais, a recomposição da condição anterior é inviável, devendo o valor da indenização servir como objeto de satisfação e de compensação pelos danos sofridos. Não sendo possível a sua aferição exata e objetiva, o quantum deve ser fixado por arbitramento, levando em conta as circunstâncias do caso. Desta forma, a indenização deve ser moderada, proporcional e razoável, observadas a culpa, a extensão do dano e o porte econômico das partes. Por outro lado, o valor não pode ser excessivo, a ponto de ensejar o enriquecimento ilícito do ofendido.
Na espécie, considerando o acima exposto, especialmente o salário mensal recebido pela autora (R$ 528,14, tomando-se por base o valor assim considerado no Termo de Rescisão de fl. 298), os prejuízos efetivamente provados e inerentes à revista vexatória e desumana realizada, bem como a intolerável limitação de acesso aos sanitários, o valor arbitrado na origem (R$ 10.000,00) para os danos morais mostra-se correto e adequado ao caso concreto, não havendo falar na sua majoração ou diminuição, como pretendem as partes. Este valor atende não só à finalidade de compensação pela situação apresentada e diminuição do sofrimento, mas também ao intento de punição e repressão do ato culposo da reclamada, a qual deveria ter zelado pela integridade física de seus empregados.
Nesses termos, nega-se provimento ao recurso ordinário da reclamante, bem como ao recurso ordinário da reclamada.
RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE.
MATÉRIAS REMANESCENTES.
1. INDENIZAÇÃO PELO TRABALHO AOS DOMINGOS.
Recorre a reclamante salientando estar equivocado o entendimento adotado em sentença. Ampara o seu pedido no teor da cláusula 2ª das Convenções Coletivas, sustentando haver comprovação, nos controles de ponto, de trabalho em inúmeros domingos, sem que haja prova do pagamento dos vales e/ou indenização equivalente, citando, como exemplo, os dias 14 e 21 de janeiro de 2007. Requer, assim, a reforma do julgado.
Sem razão.
No item 15 da fl. 229 dos autos a reclamante já havia indicado, a título de demonstrativo de diferenças, os dias 14 e 21 de janeiro de 2007 (fls. 116-7), entendendo fazer jus à indenização no valor de R$ 44,00.
Por sua vez, a sentença recorrida (fl. 311), apreciando este demonstrativo da reclamante, verificou o pagamento no recibo de pagamento de janeiro de 2007, atentando-se, ainda, para o teor do parágrafo quarto da cláusula segunda (fl. 178), quanto ao pagamento ser proporcional ao número de horas trabalhadas nestes dias.
De fato, a partir do contido na cláusula 2ª e no seu parágrafo quarto (fl. 178), bem como no recibo de pagamento de fl. 85, que comprova o pagamento proporcional às horas trabalhadas nos dias 14 e 21 do mês de janeiro de 2007 (cartão-ponto das fls. 116-7), não persistem as diferenças apontadas pela reclamante, razão pela qual se nega provimento ao recurso.
2. HORAS EXTRAS. REGIME DE COMPENSAÇÃO SOB A MODALIDADE DE BANCO DE HORAS.
Recorre a reclamante salientando ser inválido o regime de compensação adotado pela empresa, ante a habitual prestação de horas extras. Sustenta ter apresentado diferenças de horas extras, demonstrando trabalho além de duas horas extras diárias, bem como horas extras impagas ao longo do contrato. A partir da cláusula 8ª, alínea “f”, sustenta somente haver previsão normativa para compensação horária de horas excedentes com horas faltantes na mesma semana. Invoca o item IV da Súmula 85 do TST requerendo a reforma do julgado.
Sem razão.
Em relação ao regime de compensação de horários sob a modalidade de banco de horas foram observadas as regras atinentes a esta modalidade, possuindo este regime previsão no art. 7º, inciso XIII, da CF/88, bem como na Súmula 349 do TST.
Inclusive, este sistema está previsto nas convenções coletivas, conforme documentos juntados nas fls. 30-54 (pela reclamante) e fls. 118-208 (pela reclamada), como, por exemplo, na cláusula 8ª das fls. 31-2, relativamente à convenção com validade de doze meses, a contar de 01.11.2006.
Na hipótese, os registros de horário mencionam lançamentos referentes ao “banco de horas” e explicitam o saldo de horas a compensar, não negando a reclamante tivesse acesso a tais dados ao longo do contrato.
Ademais, não se verificam dias de trabalho em horário extraordinário além do limite máximo diário de 10 horas (art. 59, § 2º, da CLT), sendo que a mera realização pela autora, em duas oportunidades apenas (1º.02 e 05.04.2007, como esclarece a sentença na fl. 305), de trabalho além de duas horas extras diárias não implica invalidade do regime, quer porque a carga horária máxima diária (10 horas) não foi ultrapassada (pois a reclamada considerava o trabalho como extra excedente das 07h20min), quer porque os minutos trabalhados em tais dias além das duas horas extras foram pagos com a incidência do adicional de 70%, não tendo sido objeto de lançamento no banco de horas, isto é, não sendo compensados.
Assim, entende-se válido o regime compensatório adotado ao longo da contratualidade, não havendo falar na aplicação da Súmula 85 do TST, pois este verbete se refere à compensação semanal, ao passo que, no presente caso, se está a tratar de compensação sob a modalidade de banco de horas, com duração de 60 dias.
Logo, ainda que se constate tenha a autora trabalhado em horas extras de forma habitual (cartões-ponto de fls. 98-117), tal situação não invalida o regime de compensação sob a modalidade de banco de horas, pois é da essência deste regime a realização de horas extras.
Ademais, equivoca-se a recorrente ao entender não haver previsão normativa para compensação de horas excedentes com horas faltantes na mesma semana, pois as normas coletivas juntadas aos autos são claras ao instituírem o regime de compensação sob a modalidade de banco de horas, com duração de 60 dias, como já dito acima, sendo que a cláusula 8ª, alínea “f” da fl. 31 apenas determina que a folga compensatória ocorra de segunda a sábado, não se limitando à mesma semana como interpreta a recorrente em suas razões de recurso.
Por fim, em relação às diferenças de horas extras existentes a partir dos registros de ponto, igualmente não assiste razão à reclamante.
Conforme consignado em sentença, a reclamada, ao impugnar o demonstrativo de diferenças apresentados pela autora e reiterado em recurso, demonstrou ter pago ou compensado as horas extras realizadas, conforme argumentos lançados no item 1 das fls. 239-41, não persistindo, assim, o demonstrativo apresentado pela recorrente.
Nega-se provimento ao recurso.
3. ADICIONAL NOTURNO E HORA NOTURNA REDUZIDA.
Recorre a reclamante no aspecto salientando ter apontado diferenças do adicional noturno, sem o cômputo da hora reduzida noturna, a partir dos registros de ponto apresentados pela reclamada, estando equivocada a decisão de origem ao indeferir o seu pleito. Requer, assim, a condenação da reclamada ao pagamento destas diferenças.
Sem razão.
A reclamante apresentou demonstrativo de diferenças do adicional noturno a partir do item 7 de fl. 224 dos autos. Por outro lado, a reclamada refutou tais diferenças, demonstrando a correção dos pagamentos por ela realizados ao longo do pacto (item 3 das fls. 241-2). Ciente disso, conforme petição das fls. 270, item 4, a reclamante apenas reiterou a sua manifestação anterior, aquiescendo, portanto, com os esclarecimentos prestados pela ré.
Assim, não persistindo as diferenças apontadas pela reclamante quando da manifestação sobre os documentos juntados pela empresa quando da apresentação da defesa, nega-se provimento ao recurso.
4. INTERVALOS DO ART. 384 DA CLT.
Rebela-se a reclamante contra a sentença em relação à aplicabilidade do artigo 384 da CLT. Entende que, ao contrário do entendimento a quo, o descumprimento do dispositivo legal citado não gera somente infração administrativa, mas também o direito à percepção de horas extras pelo intervalo não concedido. Colaciona jurisprudência em amparo à sua tese.
Sem razão.
É entendimento desta Turma julgadora, em sua atual composição, vencido o Juiz Convocado Marcelo Gonçalves de Oliveira, ser indevido o deferimento de horas pela não concessão do intervalo em questão, pois o artigo 384 da CLT não foi recepcionado pela atual Constituição Federal, a qual proíbe as distinções entre homens e mulheres, conforme artigo 5º, inciso I.
Recurso desprovido.
5. PREQUESTIONAMENTO.
Para fins de prequestionamento a reclamante indica dispositivo legal e súmula do TST (item 6 da fl. 334).
Todavia, diante dos posicionamentos acima adotados não se verifica qualquer contrariedade ou ofensa ao citado dispositivo e verbete, os quais, de qualquer sorte, se tem por prequestionados para os efeitos previstos na Súmula 297 do TST.
RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA.
MATÉRIAS REMANESCENTES.
1. QUEBRA DE CAIXA.
O reclamado não se conforma com a condenação ao pagamento do adicional de quebra de caixa previsto nas normas coletivas. Afirma ser aplicável o regramento coletivo o qual possibilita o não-pagamento do referido adicional na hipótese da inexistência de descontos pela empresa por ocasião da conferência do caixa.
Sem razão.
Nos termos das normas coletivas instituidoras da parcela em tela (cláusula 6ª, parágrafo único, fl. 31), a fim de se isentar deste pagamento, era obrigação da recorrente comprovar, por intermédio de expressa estipulação no contrato de trabalho ou em documento entregue ao empregado, a cientificação da reclamante quanto à não realização de descontos a título de diferenças de caixa.
À míngua desta prova nos autos, entende-se por não preenchido o requisito normativo necessário à isenção do pagamento da parcela quebra de caixa, razão pela qual se nega provimento ao recurso.
2. HONORÁRIOS ASSISTENCIAIS.
O Juízo de origem, a partir da declaração de pobreza juntada na fl. 16, deferiu o pagamento de honorários assistenciais no importe de 15% do valor bruto da condenação, amparando o seu entendimento no art. 4º da Lei 1.060/50.
Em relação a isso, insurge-se a reclamada, sustentando não ter a Constituição Federal revogado o art. 14 da Lei 5.584/70.
À análise.
Esta Relatora ressalva seu entendimento no sentido de serem devidos os honorários assistenciais, nesta Justiça Especializada, somente quando atendidos os pressupostos elencados no art. 14 da Lei 5.584/70, consoante disposto nas Súmulas nº 219 e 329 do C. TST.
Entretanto, por questão de política judiciária, adota o entendimento prevalente da Turma Julgadora quanto a ser cabível o deferimento da Assistência Judiciária Gratuita quando declarada a condição de miserabilidade do trabalhador, por aplicação da Lei nº 1.060/50.
Destarte, ante os termos da declaração à fl. 16, independentemente da credencial sindical juntada na fl. 17, faz jus a reclamante à concessão do referido benefício, estando assegurado ao seu procurador o pagamento dos honorários assistenciais, à razão de 15% do valor bruto da condenação.
Nega-se provimento ao recurso.
Ante o exposto,
ACORDAM os Magistrados integrantes da 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por maioria de votos, vencido parcialmente o Juiz Convocado Marcelo Gonçalves de Oliveira, conhecer e negar provimento ao recurso ordinário da reclamante. Por unanimidade de votos, conhecer e negar provimento ao recurso ordinário da reclamada.
Intimem-se.
Porto Alegre, 20 de outubro de 2010 (quarta-feira).
Desembargadora Beatriz Zoratto Sanvicente
Relatora
Anexo julgado 05 nº 0095100-32.2008.5.04.0012
EMENTA: DANO MORAL. REVISTA PESSOAL E QUANTUM INDENIZATÓRIO. Hipótese em que o conjunto probatório demonstra que a revista pessoal realizada extrapolava os limites do poder fiscalizatório do empregador, pois havia apalpação no corpo do empregado. Inegavelmente, tal procedimento fere a intimidade e dignidade do trabalhador, autorizando a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais.
VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da 12ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo recorrente WMS SUPERMERCADOS DO BRASIL LTDA. e recorrido ISAAC DE MARINS MARINS.
O reclamado recorre da sentença proferida pela juíza Janaína Saraiva da Silva, que julgou procedente em parte a ação. Busca a reforma do julgado quanto à validade do regime compensatório, reflexos das horas extras deferidas, indenização por danos morais, devolução de descontos, FGTS e diferenças de verbas rescisórias (férias e 13º salário).
Com contra-razões do autor, vêm os autos a este Tribunal para o julgamento do feito.
É o relatório.
ISTO POSTO:
Conhecimento:
Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal (tempestividade: fl. 351; representação: fls. 64/65; e preparo: fls. 361/362), conheço do recurso apresentado.
Mérito:
1) Horas extras. Validade do regime compensatório. Reflexos.
A sentença condenou a reclamada ao pagamento de horas extras, assim consideradas as excedentes da 8ª diária ou 44ª semanal, considerando inválido o regime de banco de horas, porquanto não observado o limite máximo de 10 horas de trabalho diário, previsto no artigo 59, §, 2º, da CLT e nas normas coletivas.
No recurso, a reclamada argumenta que não pode ser mantida a decisão que considerou inválido “um regime regularmente fixado em norma coletiva, objeto de longa negociação entre as entidades representantes das respectivas categorias, pela inobservância de uma formalidade”. Caso subsista a condenação, requer seja limitada ao adicional de horas extras, em conformidade com a Súmula 85 do TST.
Não prospera
O banco de horas foi pactuado por convenção coletiva, nos seguintes termos:
“(…) A duração normal da jornada de trabalho poderá, para fins de adoção do regime de compensação horária de que trata o art. 59 da CLT, ser acrescida de horas suplementares em número não excedente de 02 (duas) horas, respeitada a seguinte sistemática:
a) o regime de compensação horária poderá ser estabelecido por períodos máximos de 60 (sessenta) dias;
b) o número máximo de horas extras a serem compensadas será de 60 (sessenta) horas por trabalhador;
c) as horas excedentes ao limite previsto na letra “b” da presente cláusula, serão pagas como extras e acrescidas do adicional previsto nesta convenção; (cláusula 8ª, fls. 242/243, por exemplo).”
Todavia, compulsando os registros de horário juntados aos autos, verifico que o limite legal e normativo não era observado: v.g. dias 04, 07, 10, 16 de janeiro e 12 e 14 de fevereiro de 2008 (fls. 106/107), quando realizadas jornadas superiores a 10 horas. Tal procedimento, por si só, permite a desconsideração do regime de banco de horas adotado, já que seu cumprimento é disciplinado pelas cláusulas e condições estabelecidas no instrumento coletivo, sendo devidas as horas excedentes da 8ª diária e 44ª semanal, tal qual decidido na origem.
Incabível a limitação ao pagamento do adicional de horas extras (Súmula 85 do TST), tendo em vista que a condenação não se refere à compensação dos sábados, mas sim à invalidade do sistema de banco de horas praticado pela reclamada. Quanto aos reflexos, sobre o principal devido e inalterado, incidem os acessórios, corolários lógicos da condenação.
Provimento negado.
2. Danos morais. Quantum indenizatório.
A sentença condenou o reclamado ao pagamento de indenização por danos morais, no patamar de R$ 2.000,00, por entender que anteriormente a adoção da revista mediante detector de metais, o autor foi submetido rotineiramente a revista pessoal constrangedora, visto que os seguranças que a realizavam apalpavam os empregados em todas as partes do corpo, inclusive as partes íntimas
Irresignado, o reclamado recorre, aduzindo que a mera alegação de danos morais não conduz ao dever de indenizar, se não houver prova de que o reclamante foi submetido a “perturbação da sua dignidade moral” na revista íntima dos empregados, acrescentando que tal procedimento é totalmente superficial e realizado em todos os funcionários. Caso mantida a condenação, requer seja reduzido o montante indenizatório arbitrado, pois no seu entender o valor é “exorbitante” e não guarda proporção com o dano supostamente sofrido.
Não prospera.
Em seu depoimento, o autor relata ter sido submetido diariamente a constrangimentos quando da realização de revistas pessoais, já que os seguranças poderiam manter contato com qualquer parte do corpo dos trabalhadores, inclusive partes íntimas.
No mesmo sentido, é o depoimento da única testemunha no presente feito, que confirma tal procedimento antes da adoção do detector de metais: “até 2006, a revista era feita pelos seguranças, que apalpavam os empregados, em todas as partes do corpo, inclusive as partes íntimas” (Sr. Ademir, à fl. 324).
Como se vê, ao contrário do que alega a recorrente, restou comprovado que era procedimento padrão da equipe de segurança da ré apalpar o corpo dos empregados, várias vezes ao dia, o que extrapola os limites do poder fiscalizatório do empregador, ferindo a intimidade e a dignidade do empregado.
A configuração do dano moral, diferentemente do que sustenta o demandado, não depende de prova das conseqüências objetivas do dano, pois decorre de conseqüências subjetivas da lesão na esfera da personalidade do trabalhador, bastando para seu aferimento a comprovação do nexo causal com o fato causador.
À propósito o precedente nº 01296-2005-103-04-00-4 RO, de relatoria da Desa. Maria Helena Mallmann, publicado em 30.07.2007, que analisou situação fática semelhante à do caso em apreço:
“(…) Entram aqui em controvérsia posições e valores jurídicos importantes. De um lado, a possibilidade que o empregador tem de, apoiado tanto no direito de propriedade quanto no poder diretivo (que de resto se vincula ao direito de propriedade), tomar providências a fim de prevenir-se contra furtos; de outro, o direito do trabalhador a sua intimidade, conforme CF, art. 1º, inciso III (“dignidade da pessoa humana;”), art. 5º, incisos “V” e “X”, bem como CLT, art. 373-A, inciso “VI” (“proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias.”), aplicável por analogia no caso de empregado homem.
Em relação à problemática da revista íntima, Estevão Mallet se posiciona da seguinte maneira:
“A CLT não contém regra abrangente sobre os limites à fiscalização da atividade do empregado por meio de revista pessoal. Somente proíbe, em norma cheia de imperfeições, mal redigida e mal situada, o que chamou de revista íntima (art. 373-A, inciso IV). Conquanto tenha o legislador vedado tal prática apenas em relação à mulher – tanto que inseriu o dispositivo no Capítulo dedicado à proteção do trabalho feminino -, é evidente que se há de interpretar a norma ampliativamente, a fim de adequá-la ao princípio da isonomia (art. 5º, caput, e inciso I, da Constituição), de modo que o mesmo óbice favoreça todos os trabalhadores, inclusive menores e homens. Como quer que seja, outras formas de revista ou de inspeção, que não tenham caráter íntimo, encontram amparo no poder diretivo do empregador e não violam o dever de boa-fé contratual. Não estão, portanto, peremptoriamente afastadas. Tanto é correta a assertiva que a Ley de Contrato de Trabajo argentina, embora expressamente imponha aos sujeitos ligados por vínculo de emprego a obrigação de “obrar de buena fe, ajustando su conducta a lo que es propio de un buen empleador y de un buen trabajador, tanto al celebrar, ejecutar o extinguir el contrato o la relación de trabajo”, não exclui, antes permite, a utilização de “sistemas de controles personales del trabajador destinados a la protección de los bienes del empleador”. A mesma conclusão estende- se ao exame de bolsas, sacolas ou armários.
Seria mesmo contraditório admitir-se a revista de pessoas e não a de seus pertences. Em qualquer caso, porém, há diversos limites a observar. Em primeiro lugar, a providência há de ser necessária ou, como oportunamente ressaltado pela doutrina italiana, “seriamente consigliabili per la tutela del patrimonio aziendale”. Não basta sua simples conveniência.
Exige-se, outrossim, equilíbrio entre a medida aplicada e o fim a atingir-se. Se o mesmo resultado puder ser obtido sem a revista, fica ela vedada. Mera decorrência do princípio geral da proporcionalidade seguidamente invocado no âmbito do controle de constitucionalidade das leis, mas já empregado em matéria de direito de personalidade, para preservação da dignidade da pessoa.
Deve o empregado, de outro lado, ser previamente avisado da possibilidade da revista, tal como se impõe, segundo sublinhado acima, para o uso de equipamentos eletrônicos de fiscalização.
(…)
Por fim, nenhum procedimento de revista poderá ter caráter discriminatório ou persecutório.
(…)
Impostergável é, isso sim, assegurar a observância de parâmetros imparciais e objetivos de seleção dos que serão revistados, conforme explicitado no Código de Trabajo da República Dominicana.”(grifei) (Direitos De Personalidade E Direito Do Trabalho in Revista LTr. 68-11, fls. 1309/1319)
No tocante ao quantum indenizatório, tenho que a forma ideal de arbitramento do valor da indenização devida ao trabalhador que sofreu acidente dano moral é o arbitramento critério baseado em precedentes jurisprudenciais de casos semelhantes. No RO 00891-2005-001-04-00-1 de relatoria do Des. Ricardo Carvalho Fraga, julgado em 16/07/2008 , foi arbitrado em R$ 10.000,00; no RO 01140-2007-002-04-00-0 (RO), da lavra do Des. José Felipe Ledur, julgado em 02/04/2009, valor arbitrado: R$ 10.000,00.
Como se vê, o valor arbitrado pela juíza, R$ 2.000,00, se encontra bem abaixo do parâmetro arbitrado em semelhantes casos, sendo impossível sua redução. Mantém-se, portanto, o montante fixado.
Provimento negado.
1. Devolução de descontos. Vale refeição.
A sentença deferiu a devolução dos valores descontados sob a rubrica “550 VALE REFEIÇÃO”, visto que a reclamada não comprovou sua inscrição no PAT, nem havia previsão nas normas coletivas para tanto, ou sequer autorização do autor para a realização de tais descontos.
A reclamada investe contra esta decisão alegando que os descontos a título de vale-refeição foram realizados na forma da legislação que regula o PAT, devendo ser excluída da condenação a devolução dos valores referentes ao vale-alimentação.
Não prospera.
Contudo, como bem identificado pela sentença, não há nada nos autos que leve a esta conclusão, já que a reclamada não produz qualquer tipo de prova acerca da sua inscrição no PAT, ou sequer do fornecimento de vale-alimentação aos trabalhadores. Neste contexto, os vale-refeições fornecidos ao reclamante durante a contratualidade tratam-se de salário em sentido estrito, contraprestação pelo trabalho, nos termos do art. 458 da CLT e da Súmula nº 241 do TST.
O salário, enquanto instituto de singular importância na relação de emprego, fim último visado pelo prestador, é regido por regras próprias, submetendo-se a determinados princípios.
Segundo Carmen Camino, em seu Direito Individual do Trabalho, 3.ed., Porto Alegre, Síntese, 2003, seriam quatro os vetores que o orientam, a saber: intangibilidade, irredutibilidade, isonomia e inalterabilidade.
O princípio da intangibilidade assegura ao trabalhador o direito de não ter sua remuneração, em face do caráter alimentar de que se reveste, reduzida pelo empregador, por meio de descontos, ressalvadas hipóteses legais de exceção, e que devem ser interpretadas de forma restritiva. Não se tratando os descontos efetuados nos vencimentos do empregado de adiantamento de salário, nos casos previstos em lei (por exemplo, o §1º do art. 462 da CLT) ou quando assim restar autorizado por acordo ou convenção coletiva.
Portanto, demonstrados os descontos mensais a título de “vale refeição” (fls. 115/134), sem que houvesse qualquer prova de que os valores subtraídos se enquadrassem nas hipóteses legais de exceção à intangibilidade salarial, correta a sentença que reputou-os ilegais e condenou a reclamada à devolução de todos os valores que foram descontados a tais títulos dos vencimentos do autor.
Nego provimento.
1. FGTS.
A reclamada investe contra a condenação ao pagamento de diferenças de FGTS, alegando que o pedido do autor foi genérico (por não apontar de maneira específica as lesões a seus direitos) e que de seu ônus probatório não se desincumbiu o autor, o que poderia ser facilmente feito através de extrato de sua conta vinculada.
Sem razão.
A julgadora, por amostragem, identificou nos documentos trazidos pela reclamada a ocorrência de recolhimentos a menor do FGTS referente ao autor. Por isso, deferiu o pagamento das diferenças postuladas, porém, determinou que o reclamante juntasse aos autos “imediatamente após o trânsito em julgado da presente decisão, extrato analítico de sua conta-vinculada de FGTS a fim de viabilizar a apuração das diferenças deferidas” (fl. 335-verso). Esta determinação, por si só, já deixa sem objeto as razões recursais da reclamada.
Por demasia, saliento ser descabida a alegação de generalidade do pedido, visto que as razões expostas no item 9, à fl. 5 da inicial são totalmente inteligíveis, tanto é que houve contestação específica da pretensão, às fls. 77 e 78 da defesa.
Além disso, ao contrário do que defende a recorrente, é do empregador o ônus de demonstrar a correta realização do FGTS, considerando a aptidão para a prova e o dever de documentação a que está obrigada.
Provimento negado.
2. Verbas rescisórias.
A sentença condenou a reclamada ao pagamento de diferenças de férias e gratificações natalinas, tendo em vista que o cálculo destas verbas, quando da rescisão contratual, não observou o valor da maior remuneração percebida pelo autor.
Inconformada, a reclamada alega que não houve demonstrativo de diferenças de parcelas rescisórias favoráveis ao autor, sem o qual não poderia ter sido deferido o pedido. Acrescenta que o TRCT foi homologado pelo sindicato, havendo quitação das verbas rescisórias, nos termos da Súmula nº 330 do TST.
Não prospera.
Judiciosa a análise realizada na origem, merecendo transcrição, já que suficiente ao esclarecimento da matéria objeto do recurso da reclamada:
“Do TRCT da fl. 91 verifica esta magistrada, todavia, que não obstante a reclamada tenha observado a importância de R$ 716,55 como maior remuneração para o pagamento do aviso-prévio indenizado, não a utilizou como base de cálculo para o pagamento do 13º salário e das férias proporcionais, utilizando para o cálculo de tais vantagens o valor referente ao salário-base do reclamante.
Assim, efetivamente as verbas resilitórias não foram corretamente adimplidas, porquanto a reclamada não apurou, corretamente, a remuneração do autor para tal cálculo”.
Como bem apreendido pela sentença, segundo jurisprudência pacificada na Súmula nº 330 do TST, o termo de rescisão contratual homologado somente tem eficácia liberatória em relação àqueles valores ali especificados, não se referindo a diferenças porventura existentes em relação às parcelas ali discriminadas, e nem quanto a outras verbas. Aliás, esse entendimento não poderia ultrapassar esses limites, pois implicaria ofensa à regra do art. 5º, inciso XXXV, da CRB.
Ademais, porque no verso do TRCT da fl. 91 verifico ter constado expressa ressalva ao direito do ex-empregado “de pleitear eventuais diferenças das parcelas referentes: salários, comissões, aviso prévio, 13º salário, férias, (…)” – grifei.
Como se vê, não há como prover o recurso, no tópico.
Ante o exposto,
ACORDAM os Magistrados integrantes da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso.
Intimem-se.
Porto Alegre, 9 de junho de 2010 (quarta-feira).
Ricardo Martins Costa
Relator
Anexo julgado 06 nº 00673-2008-026-04-00-6
“EMENTA: ASSÉDIO SEXUAL. PROVA. OCORRÊNCIA. Prova oral que ratifica a conduta intimidatória do gerente da reclamada na prática de assédio sexual contra a autora, mantendo-se a condenação pecuniária imposta.”
VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da 26ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo recorrente MA PR INFORMÁTICA LTDA. e recorrido LISANE OLIVEIRA RODRIGUES.
Inconformada com a sentença das fls. 62/69, da lavra da juíza Mary Hiwatashi, a reclamada interpõe recurso ordinário nas fls. 72/102, pugnando pela absolvição da indenização por danos morais ao qual foi condenada.
A reclamante apresenta contrarrazões nas fls. 120/141.
É o relatório.
ISTO POSTO:
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
A reclamada insurge-se contra a condenação ao pagamento de indenização por dano moral decorrente de assédio sexual. Argumenta que não restou demonstrada a ocorrência de assédio sexual a ensejar o ressarcimento deferido. Aduz que a prova oral produzida comprova a tese da recorrente, de que não houve cometimento de assédio da reclamante pelo gerente Marcelo. Aduna que no mesmo estabelecimento laborava a namorada do gerente acusado pela autora, não sendo crível que nessa situação tenha cometido as faltas narradas pela recorrida. Diz ainda que a testemunha Karen afirmou que a testemunha Edeni era amiga da reclamante, o que tira a credibilidade do depoimento da depoente convidada pela autora. Argumenta que a referida testemunha se intitulou chefe da reclamante, enquanto as demais testemunhas afirmaram que não havia chefe no setor da autora. Refere que as testemunhas convidadas pela autora estavam orientadas quanto ao que iriam dizer, utilizando-se de expressões incomuns constantes da petição inicial, referindo como exemplo ”costas quentes”. Aduz que a petição inicial narra que a autora e o suposto agressor sempre estariam a sós, enquanto as afirmações contidas nos depoimentos das testemunhas convidadas pela recorrida assim o foram por ouvir dizer e por queixas da própria reclamante ou de comentários. Argumenta que a reclamante não comprovou o dano moral. Narra que a sala na qual trabalhava o gerente Marcelo era envidraçada da metade da parede para cima, sendo visível externamente toda a atitude do gerente em relação a quem estivesse na sala, mesmo de portas fechadas. Narra que a mudança de horário narrada pela autora ocorreu a seu próprio pedido. Diz que não há prova de que houve “promessa de vantagem” ou “ameaça de desvantagem” vinculadas a proposta sexual, requisito necessário à caracterização do suposto assédio. Aduz que a reclamante jamais reportou qualquer queixa do suposto assédio aos sócios proprietários da reclamada, que habitualmente estavam na sede. Argumenta que eventuais brincadeiras rotineiras e saudáveis, ainda que tenham sido mal interpretadas pela obreira, não geram direito à indenização deferida. Aduna que restou provado que a autora participava de eventos com colegas de trabalho fora da Reclamada, o que denota intensa atividade social, independentemente de se fazer acompanhar do marido. Pugna pela absolvição da condenação imposta. Sucessivamente, pretende a redução do valor deferido à autora para o limite de R$ 500,00, correspondente a um salário da recorrida, ao argumento de que a reclamada é microempresa e a reclamante laborou por apenas dois meses junto ao suposto agressor.
Analisa-se.
O assédio sexual está previsto no artigo 216-A do Código Penal, verbis: “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. (Artigo incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de maio de 2001)”.
Segundo magistério de Alice Monteiro de Barros no artigo “Assédio sexual no direito do trabalho comparado”, publicado na revista Síntese Trabalhista, nº 118, Abril/99, há dois conceitos de assédio sexual, in verbis:
“Esses conceitos destacam o “assédio sexual por intimidação”, que é mais genérico, e o “assédio sexual por chantagem”.
O “assédio sexual por intimidação” caracteriza-se por incitações sexuais importunas, de uma solicitação sexual ou de outras manifestações da mesma índole, verbais ou físicas, com o efeito de prejudicar a atuação laboral de uma pessoa e criar uma situação ofensiva, hostil, de intimidação ou abuso no trabalho.
(…)
Já o “assédio sexual por chantagem” traduz exigência formulada por superior hierárquico a um subordinado, para que se preste à atividade sexual, sob pena de perder o emprego ou benefícios advindos da relação de trabalho. É o chamado assédio quid pro quo, ou seja, “isto por quilo”; é a chantagem sexual relacionada com o emprego. Esse tipo de assédio pressupõe abuso de autoridade; é estudado dentro do contexto das assimetrias de poder, pois a vítima tem dificuldade de devolver a ofensa no mesmo nível, temendo que o revide lhe acarrete conseqüências irreparáveis, logo, tende a permanecer em posição assimétrica, procurando evitar o assediador da melhor forma possível. O estado de tensão daí advindo prejudica, sem dúvida, o desenvolvimento da atividade produtiva.”
No mesmo sentido, conceitua Reginald Felker, em sua obra “O Dano Moral, o Assédio Moral e o Assédio Sexual nas Relações de Trabalho”, editora LTR, publicado em 2006, páginas 222 e 223, in verbis:
“A Doutrina tem apontado duas espécies distintas de assédio sexual:
1º – O Assédio sexual por chantagem. É o assédio quid pro quo, ou seja, “isto por aquilo”.
Significa a retribuição do favor sexual por uma vantagem, por exemplo, a permanência no emprego, ou um aumento de salário, ou uma licença especial, ou a promoção na carreira. Desenvolve-se, normalmente, entre o superior e o subordinado, na linha vertical descendente. Evidencia um, abuso de poder que vem caracterizado pela pressão, pela intimidação, não precisando haver, necessariamente, ato de violência física.
2º – O assédio sexual ambiental ou por intimidação. Este pode desenvolver-se tanto em sentido vertical como horizontal. Neste caso, trata-se de um processo intimidatório, de hostilização, procurando desestabilizar o subordinado, para que peça demissão, ou o colega, para limitar sua produtividade e ceder-se o posto cobiçado. Algumas vezes será sutil a distinção entre o assédio sexual e o assédio moral. Esta espécie de assédio pode ser caracterizado pela exibição de material pornográfico, reiteradas referências a dotes físicos de uma servidora, gracejos de natureza sexual, indesejáveis liberdades físicas através de abraços e beijos, criando situações ofensivas de abuso, podendo objetivar conduta com objetivos de natureza sexual”.
Em face dos termos da contestação, à reclamante incumbia o ônus da prova do fato constitutivo de seu direito, a teor do disposto nos artigos 818 da CLT e 333, inciso I, do CPC. Deve-se levar em conta, entretanto, a dificuldade de produção de prova nos casos de assédio sexual, normalmente praticado às escondidas, em situação de isolamento, sem testemunhas. Assim, cabe ao julgador o exame das provas de forma mais ampla, atendo-se aos indícios e presunções para formar sua convicção. Neste sentido, observa Mário Gonçalves Júnior, em sua obra “Prova Indiciária de Assédio Sexual”, Jornal Trabalhista, 26.05.2003, p. 8, in verbis:
“Há uma natural dificuldade de produzir prova, em juízo, da ocorrência de assédio sexual. Isto é inegável. O suposto assediador, em geral, age sorrateiramente, sem deixar rastros ou pistas, para que a vítima não tenha como desmascará-lo. Suas investidas são praticadas preferencialmente sem testemunhas, a sós com o objeto do seu desejo carnal”.
Atendo-se a tais considerações, no caso dos autos o exame da prova produzida corrobora a tese da autora. A contradita da reclamada às testemunhas indicadas pela autora, sob alegação de amizade íntima, não encontra respaldo na prova dos autos. Sequer foram comprovadas as alegadas reuniões entre colegas, fora do local de trabalho. Ainda que o fossem, não configurariam, por si próprias, hipótese de impedimento das testemunhas. Tampouco o teor do depoimento indica que as testemunhas estivessem instruídas pela autora, nem se verifica o uso de expressões que pudessem denotar tal vício. Registre-se que a expressão “costas quentes”, além de ser usual na fala cotidiana, foi referida como usada pelo gerente da demandada, no depoimento da testemunha Elisandro Pedroso da Silva, fl. 41, quando narra que o gerente Marcelo “dizia para o depoente que não teria problemas porque possuía ‘as costas quentes’ [..]”. Nota-se, outrossim, que as testemunhas, embora refiram alguns fatos em comum, os narram de perspectivas diferentes em seus depoimentos. A alegação de que a namorada do gerente Marcelo trabalhava na empresa também não auxilia a recorrente, porquanto esta laborava como supervisora de telemarketing, ao que declara a testemunha Elisandro Pedroso da Silva na fl. 41 e, conforme depoimento do preposto da reclamada, fl. 38, a sala de telemarketing é toda fechada, ou seja, não haveria usualmente sequer contato visual entre o gerente e sua namorada. Refuta-se, igualmente, o argumento de que o assédio não ocorreria face às divisórias com vidro na sala do gerente, porquanto tal não impede a agressão verbal, evidenciada, nas circunstâncias trazidas pelos depoimentos, pelo fato de a autora chorar enquanto estava em frente ao gerente, na sala deste, consoante narra a testemunha Evani (fl. 39). Também não se socorre a demandada pela ausência de reclamação da autora aos proprietários da recorrente, haja vista que, conforme o depoimento do preposto, “tem conhecimento que Marcelo é conhecido dos sócios da reclamada de longo tempo [..]” e que “acredita que há amizade entre Marcelo e os sócios da reclamada”. Nota-se, nesse contexto, a intimidação que o gerente exercia sobre a autora, corroborada pela prova oral. Depreende-se inconsistência, por outro lado, no depoimento da segunda testemunha convidada pela reclamada, Laerte Luís da Silva, quando afirma, na fl. 43, que “o depoente raramente encontrava o gerente Marcelo na Secretaria”, que “nunca viu Marcelo Chamar os funcionários da Secretaria para irem à sala dele” e “nunca encontrou a reclamante na sala do gerente”. Tal testemunha declarou laborar internamente na demandada, no horário das 9h às 19h30min, bem como disse que vai ao local aonde trabalhava a autora constantemente, assim como na sala da gerência. Entretanto, a testemunha Karen, fl. 41, igualmente convidada pela ré, disse que “o gerente ia com frequência à secretaria”, “o gerente convidava todos os funcionários para irem à sala dele para conversar” e “já aconteceu de a depoente ficar junto com a reclamante na sala do gerente”. Tais depoimentos apresentam, pois, flagrante contradição.
No que tange à caracterização do assédio, é bastante esclarecedor o depoimento da testemunha Evani, ao declarar que “no dia-a-dia Marcelo entrava na Secretaria e incisivamente demonstrava interesse pela reclamante, falando ao ouvido desta; Marcelo costumava falar à reclamante para ir à sala dele, onde permanecia por cerca de 20 a 30 min; [..]da sala da depoente não dava para ouvir o que estavam falando, mas a depoente via a reclamante sentada na frente da mesa do sr. Marcelo e algumas vezes via a reclamante chorar; no retorno à Secretaria, a reclamante falava à depoente que estava sendo assediada, que Marcelo fez ameaças e propostas; a depoente não recorda a data, porém um dia a reclamante saiu chorando da sala e ao invés de voltar para a Secretaria a reclamante foi em direção à cozinha; que nesse oportunidade o sr. Marcelo foi atrás da reclamante e a depoente liberou um aluno em atendimento e também foi atrás da reclamante; que nesse oportunidade, no corredor, Marcelo agarrou a reclamante por trás; em seguida a depoente chegou e perguntou o que estava acontecendo; nesse instante Marcelo soltou a reclamante e voltou para sua sala e a reclamante seguiu para a cozinha, transtornada; a depoente foi atrás da reclamante na cozinha; a reclamante só confirmou o que a depoente sabia, pois frequentemente via Marcelo ir na Secretaria e se “esfregar” na reclamante; Marcelo agia como se isso fosse normal; Marcelo se comportava de uma forma abusada em relação às outras empregadas, visto que costumava jogar charme, lançar olhares e ser debochado com elas; depois do ocorrido, a depoente falou com Marcelo que a reclamante era uma mulher casada, com filhos e Marcelo respondeu que isso era problema dele e repetiu o que sempre dizia que os empregos da depoente e da reclamante estavam nas mãos dele e que já tinha a carta de demissão pronta; depois de cerca de 20 dias do ocorrido a depoente foi dispensada por Marcelo, acreditando que em razão de a depoente ter tomado partido da reclamante; depois do ocorrido a reclamante continuou trabalhando como sempre fazia, sendo que Marcelo permaneceu se comportando como antes, assediando a reclamante; Marcelo chamava, em média, 03 a 04 vezes por dia a reclamante para se dirigir a sua sala; a depoente ia na sala de Marcelo para levar o fechamento do caixa 01 vez por dia; quando Marcelo pedia para a reclamante se dirigir a sua sala, nunca era em razão de trabalho; caso fosse por motivo de trabalho, a depoente interferia e se colocava à disposição para levar[..]”. Fica evidente o constrangimento provocado pelo superior hierárquico, que não ameaçava as subordinadas com a despedida, bem como o abuso psicológico a que submetia a reclamante. Ante a notória falta de intimidade entre o gerente e a reclamante, cochichar a pé de ouvido, chamar a reclamante à sua sala, sem motivo atinente ao serviço, estabelecer contato físico desnecessário e constrangedor, seja por “esfregar-se”, seja por agarrá-la, bem como o desrespeito quanto à condição de casada da autora são evidências inconfundíveis de assédio sexual. A segunda testemunha convidada pela autora, Elisandro Pedroso da Silva, fl. 41, declara que “entre meados de janeiro e início de fevereiro de 2008 houve troca de gerente, assumindo Marcelo no lugar de Gilberto; o depoente ia na Secretaria para pegar as passagens; quando houve a troca de gerente o depoente notou que a reclamante estava mal praticamente todos os dias, descontente; com o tempo a reclamante foi contando ao depoente os motivos, relatando que estava sendo assediada, molestada pelo gerente; no início o depoente não acreditou, porém como passar do tempo passou a observar e ver com seus próprios olhos o que estava acontecendo; quando o depoente retornava da rua para prestar contas ao gerente, diariamente a reclamante estava na sala do gerente, sentada na frente deste; o depoente aguardava eles terminarem o assunto e nessa ocasião o depoente ouvia eles conversarem; o depoente ouvia convite para sair, cantadas elogiando a forma física da reclamante; acredita que a reclamante já estava na sala por um longo tempo, acreditando também que isso atrapalhava o serviço dela; o depoente ficava aguardando por cerca de 20 a 40 min eles terminarem a conversa; durante esse período a reclamante dizia que não e tentava fugir do assunto; o depoente ouviu assunto de trabalho somente pela parte da reclamante; o depoente, em outras ocasiões, viu outras pessoas conversando com o gerente em sua sala; o depoente obteve informações de suas colegas sobre o comportamento de Marcelo com elas, pois essas se queixavam de que ele fazia convites para elas; o depoente dizia que ele ia tentar fazer alguma coisa por elas, porém não sabia se teria êxito, pois também era empregado; o depoente conversou com Marcelo várias vezes sobre este assunto, dizendo que isso podia complicá-lo futuramente; Marcelo dizia para o depoente que não teria problemas porque possuía “as costas quentes”; fora desses horários de prestação de contas o depoente, quando estava na reclamada, viu diversas vezes Marcelo passar a mão nos cabelos da reclamante , tanto em sua sala quanto na Secretaria; o depoente chegou a comentar com Marcelo que no dia em que ele ficasse desempregado podia ser cabeleireiro; a reclamante, ao que o depoente via, ficava revoltada, porém não tinha reação; o depoente acredita que a reclamante não reagia porque possuía filho pequeno e tinha medo de perder o emprego; várias vezes Marcelo fez comentários a respeito da reclamante para o depoente, do tipo: ‘ai que vontade de ir ali e de pegar ela’[..]”.
Tais depoimentos evidenciam a conduta reprovável e inadmissível cometida pelo superior hierárquico da autora. Corroboram, ainda, a ocorrência do dano moral, manifestada na mudança de comportamento da autora, após o início do trabalho com o gerente Marcelo. Mantém-se, pois, a condenação imposta.
No que tange ao montante da indenização, entende-se razoável o valor de R$ 20.000,00 deferido, correspondente a quarenta salários da autora, considerando o porte da demandada, empresa com ao menos duas filiais, consoante documento da fl. 16, possuindo mais de trinta empregados apenas na filial de Porto Alegre, na época do contrato de trabalho havido com a reclamante.
Nega-se provimento
Ante o exposto,
ACORDAM os Magistrados integrantes da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário da reclamada.
Intimem-se.
Porto Alegre, 17 de março de 2010 (quarta-feira).
DES.ª ANA LUIZA HEINECK KRUSE
Relatora
Anexo julgado 07 nº 00724-2007-008-04-00-7
EMENTA:
REPARAÇÃO POR DANO MORAL. ASSÉDIO SEXUAL. Havendo constrangimento capaz de causar humilhação e mácula à imagem da empregada por culpa do empregador, existe lesão a ser reparada, nos termos do art. 186 do CC e do art. 5º, V e X, da Constituição Federal.
VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da 8ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo recorrentes ALINE GOVEIA E BUFFET & REGINATO LTDA. e recorridos OS MESMOS.
Recorrem as partes da sentença proferida pelo Juiz do Trabalho Maurício de Moura Peçanha, que julga procedente em parte a ação. A reclamante pretende a alteração do julgado em relação às horas extras e honorários advocatícios. A reclamada, por sua vez, postula a alteração do julgado em relação à reparação por dano moral decorrente de assédio sexual. Há contra-razões. É o relatório.
ISTO POSTO:
RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE
1. HORAS EXTRAS
Rebela-se a reclamante contra a improcedência do pedido de pagamento de horas extras. Alega que a prova testemunhal lhe favorece. O pleito é indeferido na origem, por ausência de provas.
Na inicial a autora informa que trabalhava das 19h30min às 03h, durante a semana e que, aos finais de semana, esse horário se estendia até às 7h. Aduz que, em média, quatro vezes por semana prorrogava sua jornada até às 5h e sempre trabalhou sem intervalo. Em depoimento pessoal, declara que não anotava o horário de trabalho.
A reclamada contesta o pedido, alegando que a reclamante trabalhava cinco dias por semana, de quarta-feira a domingo, no horário das 20h às 2h, com intervalo de 1h30min para descanso. Esclarece que, na sexta-feira e no sábado, a reclamante trabalhava até às 7h, com pagamento de todas as horas trabalhadas. Invoca a existência de regime de compensação, com banco de horas autorizado pelas Convenções Coletivas de Trabalho e justifica que, por não ter mais de dez empregados, não mantinha controle de horário.
Registra-se competia à reclamada a pré-constituição da prova da jornada desempenhada pela reclamante, nos termos do § 2º do art. 74 da CLT. No entanto, resta comprovado pela prova testemunhal produzida nos autos que a empresa possuía menos de dez empregados, o que a libera dessa obrigação, sendo da reclamante o ônus de demonstrar o horário de trabalho declinado na inicial, do qual não se desvencilha. Veja-se que os depoimentos das testemunhas convidadas pela reclamada confirmam a jornada da reclamante noticiada na contestação. A testemunha Carlos Alberto Ferrari diz:
“(…) que a reclamante trabalhava de quartas-feiras a domingos; que a Reclamante trabalhava das 20h ou 20h30min até 02h, em quartas e quintas-feiras e domingos, e em sextas-feiras e sábados, até às 4h;” (…)
Renato Camargo, por sua vez, relata:
“(…) que o depoente trabalhava das 20h até o fechamento, que ocorria a 1h, em dias de pouco movimento, e 2h e 3h, sendo que em sextas-feiras e sábados, até 4h30min ou 05h; que a Reclamante iniciava às 20h, atuando até o fechamento, conforme horários já declinados; que a Reclamante trabalhava de terças-feiras a domingos, exceto aquelas terças-feiras em que não havia trabalho; que por mais de 18 meses, entre 2005 e 2006, não havia expediente em terças-feiras;” (…)
Assim, a prova testemunhal produzida pela reclamada vem ao encontro da defesa e as cláusulas 22ª e 23ª da Convenção Coletiva de Trabalho da categoria profissional da reclamante (fls. 25-41) autorizam a compensação da jornada. Assim, nega-se provimento ao recurso.
2. HONORÁRIOS ASSISTENCIAIS
Insurge-se a reclamante contra o indeferimento de honorários assistenciais. Afirma, em suma, que os sindicatos não detêm o monopólio da Justiça do Trabalho, na melhor interpretação do art. 14 da Lei nº 5.584/70.
Alterando entendimento antes adotado, passa-se a decidir da forma que melhor atende à legislação vigente, consoante análise mais acurada da matéria. Na Justiça do Trabalho os honorários advocatícios são devidos quando preenchidos, concomitantemente, dois requisitos, quais sejam: a juntada aos autos de declaração de hipossuficiência econômica e de credencial sindical, nos termos do art. 14 da Lei nº 5.584/70, c/c a Súmula nº 219 do TST. Contudo, no caso sub judice, a reclamante não apresenta credencial sindical, o que impede o deferimento de honorários assistenciais postulados. Recurso não-provido.
RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA
REPARAÇÃO POR DANO MORAL. ASSÉDIO SEXUAL
Insurge-se a reclamada contra a condenação ao pagamento de reparação por dano moral decorrente de assédio sexual. Alega que a condenação é contrária à prova testemunhal, porquanto o Julgador se baseia no depoimento da testemunha Michele, que nunca esteve na sede da reclamada, sendo desconhecida de todas as outras depoentes. Aduz que a prova não demonstra a ocorrência de assédio por parte do sócio da reclamada e requer, sucessivamente, a redução do valor arbitrado à condenação para R$ 2.000,00 (dois mil reais), por considerar que o valor originariamente arbitrado (R$ 10.000,00) é excessivo. O Julgador a quo, com suporte na prova testemunhal, entende configurada a existência de assédio sexual, condenando a reclamada a pagar à reclamante reparação por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
A Lei nº 10.224, de 15 de maio de 2001, introduziu no Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848, de 1940), no Capítulo dos Crimes contra a Liberdade Sexual, o delito de Assédio Sexual, com o seguinte teor:
Art. 216-A. Constranger alguém, com intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função: pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.
Desvinculada da figura penal, a doutrina trabalhista tem apontado duas espécies distintas de assédio sexual:
“1º – O assédio sexual por chantagem. É o assédio ‘quid pro quod’, ou seja, ‘isto por aquilo’. Significa a retribuição do favor sexual por uma vantagem, por exemplo, a permanência no emprego, ou um aumento de salário, ou uma licença especial, ou a promoção na carreira. Desenvolve-se normalmente entre o superior e o subordinado, na linha vertical descendente. Evidencia um abuso de poder, que vem caracterizado pela pressão, pela intimidação, não precisando haver, necessariamente, ato de violência física. 2º – O assédio sexual ambiental ou por intimidação. Este pode desenvolver-se tanto em sentido vertical como horizontal. Neste caso, trata-se de um processo intimidatório, de hostilização, procurando desestabilizar o subordinado, para que peça demissão, ou o colega, para limitar sua produtividade e ceder-se o posto cobiçado. Algumas vezes será sutil a distinção entre o assédio sexual e o assédio moral. Esta espécie de assédio pode ser caracterizado pela exibição de material pornográfico, reiteradas referências a dotes físicos de uma servidora, gracejos de natureza sexual, indesejáveis liberdades físicas através de abraços e beijos, criando situações ofensivas de abuso, podendo objetivar conduta com objetivos de natureza sexual”. (FELKER, Reginald Delmar Hintz, O dano moral, o assédio moral e o assédio sexual nas relações de trabalho – São Paulo: LTr, 2006, pp. 222 e 223).
O mesmo autor conceitua o assédio ou a chantagem sexual como “a perseguição, a importunação, visando a um fim de natureza sexual” (apud, p. 221). No caso sub judice, a decisão que julga procedente o pedido de reparação por danos morais decorrente de assédio sexual se fundamenta no depoimento da testemunha Michele Coelho, que é consentâneo com as declarações da autora em depoimento pessoal. Diz a reclamante:
“(…) que Leandro presenciou quando a depoente, grávida de 6 para 7 meses, em uma quarta-feira, ao passar da copa para o salão do bar, em um espaço de cerca de 1 a 1,5mt até a parede, contado do caixa onde permanecia Airton, levou “um tapa na altura da coxa esquerda, próximo da nádega”; (…); que a depoente indagou de Airton “que que é isso gringo”, ao que ele respondeu que era “para ver se estava durinha”; (…) que a então namorada de Leandro, Michele, também presenciou o ocorrido; (…) que Airton já fizera propostas anteriores para a depoente, queixando-se que Ana era “ruim de cama”, e que queria uma mulher para companhá-lo e ir para São Paulo trabalhar na churrascaria de um irmão dele, e que ele cuidaria dos filhos da deponte como se fossem dele;” (…)
Por seu turno, a testemunha Michele, convidada pela autora, esclarece:
Que conheceu a Reclamante por haver freqüentado o Bar do Gringo, como era chamado o bar onde trabalhavam o ex-namorado da depoente, Leandro, e a Autora; (…) que por volta de março/2006, a depoente estava aguardando a saída de Leandro, sentada em uma cadeira próxima do local do caixa, por volta das 02h, quando ouviu voz alta feminina, dizendo “tu me respeita porque eu vou contar para tua mulher e para meu marido e ele vai vir aqui”, o que chamou a atenção da depoente, que olhou para o local do som e viu a Reclamante saindo da copa, junto ao caixa, em direção ao bar, com uma vassoura na mão; que havia 2 pessoas morenas, de pé, no balcão, bebendo alguma bebida; que Airton estava no caixa, em pé; que a Reclamante passou por um espaço entre o balcão e a parede, cerca de 1mt; (…) que ato contínuo, a Reclamante, na ocasião dirigiu-se ao banheiro, tendo a depoente adentrado no banheiro, encontrando a Reclamante “meio chorando”, tendo depois chorado; que indagando da Reclamante o que havia ocorrido, ela referiu que “ele mexeu na minha bunda para ver se estava dura”; (…); que as duas pessoas antes referidas pela depoente, viraram-se quando a Reclamante passou e “deram uma risadinha irônica”; (…)
Assim, considera-se demonstrado o assédio sexual descrito na inicial, cujos fatos caracterizadores são de difícil comprovação, pois os elementos constantes dos autos correspondem às alegações da parte autora, razão pela qual se mantém a sentença que condena a reclamada ao pagamento de reparação pelos danos morais decorrentes, nos termos do art. 186 do Código Civil e do art. 5º, V e X, da Constituição Federal. Portanto, nega-se provimento ao recurso.
Ante o exposto,
ACORDAM os Magistrados integrantes da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade, negar provimento ao recurso da reclamante. Por unanimidade, negar provimento ao recurso da reclamada.
Intimem-se.
Porto Alegre, 8 de julho de 2010 (quinta-feira).
DES.ª CLEUSA REGINA HALFEN
RELATORA
Anexo julgado 08 nº 0121400-43.2009.5.04.0029
EMENTA: INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. ASSÉDIO. O reiterado tratamento desrespeitoso emprestado pelos superiores hierárquicos ao trabalhador caracteriza assédio moral.
VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da 29ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo recorrente UNIÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO E ASSISTÊNCIA – UBEA e recorrido FABIANO CARDOZO SILVEIRA.
A reclamada recorre da sentença prolatada pela Juíza Rita Volpato Bischoff que julga a ação parcialmente procedente. Pretende modificá-la no que tange à indenização por dano moral.
O reclamante apresenta contrarrazões.
É o relatório.
ISTO POSTO:
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ASSÉDIO MORAL
O Juízo de origem condenou a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais equivalente a R$ 3.000,00, em razão de assédio moral praticado ao reclamante pelo preposto da reclamada.
A recorrente sustenta, em síntese, ser ônus do reclamante a comprovação do dano, alegando ausência de prova quanto ao assédio. Menciona jurisprudência em benefício da sua tese.
A Constituição Federal, no art. 5º, V e X, assegura indenização por dano moral, quando violadas a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. O dano moral pode ser conceituado como uma ofensa a direitos inerentes à personalidade, dentre os quais, o dano sofrido nos sentimentos de uma pessoa, na sua honra, na sua consideração social ou no ambiente trabalho.
Contudo, para que se caracterize o dano moral é necessário que haja a ação culposa ou dolosa do agente, a intenção de prejudicar, sendo que a responsabilidade civil será imputada apenas quando restar configurada a hipótese do art. 927 do novo Código Civil: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187) causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Da interpretação da norma citada, conclui-se que a obrigação de indenizar nasce a partir do momento em que fica demonstrado o nexo de causalidade entre o dano ao bem jurídico protegido e o comportamento do agente.
Nos termos dos arts. 818 da CLT e 333 do CPC tem-se que a prova incumbe à parte que alega o fato. E, do exame dos elementos de convicção, entende-se que o julgado deve ser mantido, pelos seus próprios fundamentos.
Nos termos da sentença (fl. 102), a prova oral claramente comprova as alegações do reclamante no sentido de que […] em reunião com todos os empregados da equipe chefiada pelo Sr. Rogério, prefeito da Universidade, para deliberação sobre as férias, este preposto empregou expressões inadequadas para tratar seus subordinados. Efetivamente, o reiterado tratamento desrespeitoso dado pelos superiores hierárquicos da reclamada aos seus empregados merece ser entendido como verdadeiro assédio moral.
Os depoimentos comprovam que o Sr. Rogério utilizava termos ofensivos para chamar a atenção dos seus subordinados, extrapolando os limites minimamente aceitáveis.
Neste sentido o depoimento da testemunha convidada pelo reclamante, Sandro de Souza Vilaverde, ao afirmar que:
“[…] que durante todo o período contratual o prefeito era Rogério; que ele dispensava tratamento muito ríspido aos funcionários, referindo que os comandos por ele espendidos deveriam ser atendidos pelos funcionários sem qualquer discussão; que o depoente se reportava a sua chefia imediata e esta se reportava a Rogério, mas este fazia reunião com todos os funcionários; que em uma dessas reuniões, […]; que Rogério os chamou de ‘vagabundos’ e que o salário que pagava a eles era muito; que nas demais reuniões sempre houve tratamento ríspido por parte de Rogério; que perguntado pelo procurador do reclamante se em alguma reunião o depoente se sentiu humilhado, a testemunha responde que sim” (fls. 93-94, grifamos).
Mesmo entendendo-se que a prova do assédio moral deve ser robusta, cujo conceito juridicamente aberto exige comprovação inequívoca do abalo, a prova oral confirma o evento danoso. Restando confirmado o assédio moral a que esteve submetido o reclamante, merece ser mantida a sentença no tópico. Nega-se provimento.
Ante o exposto,
ACORDAM os Magistrados integrantes da 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso ordinário da reclamada.
Intimem-se.
Porto Alegre, 21 de outubro de 2010 (quinta-feira).
DES. CLÁUDIO ANTÔNIO CASSOU BARBOSA
Relator
Anexo julgado 09 nº 0022700-14.2008.5.04.0402
“EMENTA: Assédio moral. Quantificação do valor da indenização por danos morais. O montante indenizável deve atender ao aspecto compensação do ofendido e educação/punição do ofensor, tendo presente que, embora o resultado não deva ser insignificante, a estimular o descaso do empregador, não pode ser motivo de enriquecimento do empregado.”
VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da 2ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul, sendo recorrentes ELITANIA MEZZALIRA e WHITE MARTINS GASES INDUSTRIAIS LTDA. e recorridos OS MESMOS.
Inconformadas com a sentença proferida pelo juiz Adair João Magnaguagno (fls. 484/495-carmim, complementada pela decisão de embargos de declaração à fl. 518-carmim), dela recorrem ambas as partes.
A reclamada, em seu recurso das fls. 503/514-carmim, busca a reforma do julgado de origem no tocante à rescisão indireta do contrato de trabalho em razão de assédio moral, bem como em relação à indenização pelos danos morais decorrentes. Sucessivamente, pleiteia a redução do quantum indenizatório fixado na sentença.
A reclamante, em seu apelo das fls. 523/526-carmim, pretende a condenação da reclamada em honorários de assistência judiciária.
Oferecidas contrarrazões por ambas as partes, sobem os autos ao Tribunal.
É o relatório.
ISTO POSTO:
I- Recurso da reclamada
Assédio moral. Rescisão indireta do contrato de trabalho. Indenização por danos morais. O juízo de origem considerou comprovado o assédio moral alegado na inicial, verificando “situação propiciada pela empresa em fazer com que houvesse a desestabilização da autora frente seu posto de trabalho, o qual se prolongou enquanto não houve o afastamento definitivo da autora, em razão do benefício previdenciário” (fl. 491-carmim). Por conseguinte, condenou a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais, fixada em R$ 30.000,00. Acolheu, ainda, o pleito de rescisão indireta do contrato de trabalho com base no artigo 483, ‘d’, da CLT (não cumprir o empregador as obrigações do contrato), pela prática de assédio moral, fixando a ruptura contratual em 30.09.2008, data em que encerrado o gozo do benefício previdenciário, conforme informado em audiência (ata da fl. 476-carmim). Condenou a reclamada ao pagamento das verbas rescisórias decorrentes do reconhecimento da justa causa do empregador para a ruptura do contrato e determinou a baixa na CTPS da reclamante com data de 30.10.2008, pela projeção do aviso-prévio indenizado.
Inconformada, insurge-se a reclamada contra a decisão. Alega a inexistência de provas da ocorrência do alegado assédio moral. Diz que, após o retorno das férias, era imperioso que a autora se adaptasse às diversas alterações administrativas ocorridas na empresa naquele período, o que acarretou, inclusive, a necessidade de que outro empregado passasse a executar as atividades até então por ela desenvolvidas, como restou provado pela prova oral. Diz que restou provado nos autos que houve, efetivamente, uma reestruturação geral da parte administrativa da empresa, que não teve a finalidade de pressionar, constranger ou desestabilizar emocionalmente a demandante. Argumenta que toda a conduta empresarial ocorreu dentro da legalidade e do poder discricionário do empregador e que não restou demonstrado qualquer prejuízo efetivo à autora. Sustenta que provavelmente a desestabilidade emocional da reclamante era preexistente a todos os fatos alegados na inicial. Diz que o afastamento de suas atividades decorreu da concessão de benefício previdenciário e que ela já vinha faltando, injustificadamente ou com atestados médicos, antes mesmo das férias. Transcreve trechos da sentença recorrida, destacando a inexistência de prova robusta quanto aos alegados fatos a dar ensejo à rescisão indireta do contrato de trabalho e do assédio moral. Afirma que a condenação decorreu de presunção do julgador de origem. Destaca que a reclamante não assumiu as novas funções – que não eram humilhantes – por sua vontade exclusiva. Reitera que a sentença concluiu pela inexistência de situação que possa dar ensejo à indenização por danos morais quanto aos fatos relacionados à denúncia formulada pela autora à direção da empresa, através do hotline. Diz que a denúncia restou resolvida com uma simples justificativa de investimentos realizados em segurança. Afirma que a empresa demonstrou interesse nas inconformidades demonstradas pela reclamante, também pelo sistema hotline da empresa, encaminhando o Supervisor de Recursos Humanos para manter contato com ela, a fim de obter informações a respeito da situação. Por fim, alega a inobservância da imediatidade ou atualidade para o reconhecimento da rescisão indireta, que deve seguir os mesmos princípios da justa causa aplicável ao empregado. Expõe que os fatos em que se funda a pretensão da inicial ocorreram no retorno das férias da autora, em 08.06.2006; no entanto, o ajuizamento da ação ocorreu apenas em 15.02.2008, quase dois anos após os fatos alegados, quando ainda estava afastada, em gozo de benefício previdenciário, encontrando-se suspenso o contrato de trabalho. Pretende ver-se absolvida da condenação que lhe foi imposta. Sucessivamente, pleiteia a redução do quantum indenizatório fixado na sentença.
Razão não assiste à recorrente.
Na petição inicial (fls. 02/08, com aditamento na fl. 224-carmim), a autora disse que foi contratada pela reclamada para exercer a função de Auxiliar Administrativo, sendo posteriormente promovida a Assistente Administrativo. A cópia da CTPS acostada com a inicial noticia que a admissão ocorreu em 09.04.2001 (fl. 13). Narra a reclamante, em suma, que em janeiro de 2006 houve uma preparação na filial da reclamada em Caxias do Sul para uma auditoria de segurança, que se realizou no período de 13 a 16.02.2006. Por existir na demandada, White Martins Gases Industriais Ltda., pertencente ao grupo PRAXAIR, um canal direto com a matriz da multinacional para denúncias de irregularidades, localizada nos Estados Unidos, a reclamante utilizou-se do Integrity Hotline para comunicar medidas adotadas na filial que entendeu serem irregulares. Diz que após a denúncia pelo hotline, que lhe garantiria o anonimato, passou a sofrer grande desconforto no ambiente de trabalho, pois tornou-se público o ato por ela praticado. Alega que houve mudança de comportamento das chefias e passou por uma tortura psicológica. Solicitou, então, a fruição de um período de férias de 40 dias e 10 dias de compensação pelo ‘banco de horas’ adotado, o que lhe foi concedido, após algumas negociações. No retorno ao trabalho, diz que encontrou um ambiente hostil, sofrendo novamente assédio moral, pois teve a sua função alterada para realizar atividades de almoxarifado e vendas, sendo determinada a sua retirada da sala que ocupava anteriormente, de forma autoritária. Sustenta que por ter sido eleita representante titular da CIPA da empresa-ré em dezembro de 2005, esta não poderia dispensá-la, motivo pelo qual passou a ser humilhada para pedir demissão. Diante desses fatos, diz que utilizou novamente o Integrity Hotline da Praxair, sendo enviado o gerente regional de Recursos Humanos, o que tornou o ambiente ainda mais desagradável. Aduz que, em seguida, a tortura psicológica foi agravada, pois ficou sobrecarregada de tarefas, tornando-se impossível, física e psicologicamente, de serem exercidas com eficiência. Por todos esses fatos, alega que desenvolveu a síndrome do pânico, encontrando-se em tratamento psiquiátrico e afastada do trabalho desde 25.08.2006, percebendo benefício previdenciário auxílio-doença desde 27.09.2006, devido à sua incapacidade laborativa. Por conseguinte, postula nesta ação a rescisão indireta do contrato de trabalho, com os consectários legais, e a condenação da reclamada ao pagamento de indenização por danos morais, em decorrência de assédio moral, estimada em R$ 600.000,00.
O conjunto fático-probatório dos autos ampara a tese da petição inicial. A prova testemunhal, constituída pelos depoimentos de duas testemunhas trazidas pela reclamante e de uma testemunha trazida pela reclamada, demonstram a ocorrência do assédio moral. Porque de grande relevância para o deslinde da controvérsia, destaco os seguintes trechos da prova oral:
“depoimento da reclamante: “que a reclamada possui certificado de integridade comercial, que todos os empregados são obrigados a assinar; que caso haja irregularidade são obrigados a denunciar para a dona da reclamada, a Praxair; que iria ocorrer uma auditoria de segurança e passaram a ser tomadas medidas assim como a instalação de alarme de incêndio e outras normas de segurança; que haveria possibilidade de gastar até R$ 300,00 para fazer gastos com a filial, sem precisar pedir a autorização; que em razão das medidas de segurança foram gastos setecentos mil reais em um mês, sem que tenha sido pedida autorização para a Praxair; que as medidas de segurança deveriam ter sido tomadas há cinco anos; que os gastos foram feitos para pôr a segurança em dia; que a depoente fez a denúncia do fato ocorrido, via e-mail da hotline; que uma ou duas semanas depois da denúncia o gerente entrou na sala e disse que o gerente nacional de segurança Carlos Macedo tinha comparecido para averiguar uma denúncia e queria falar especificamente com a depoente; que foi averiguada a denúncia e comprovados os fatos alegados; que Carlos Macedo agradeceu a depoente por ter feito a denúncia; que lhe foi dito que iria ser protegida; que a denuncia se deu em fevereiro de 2006; que a denúncia do hotline deveria ficar no anonimato, mas com a vinda de Carlos todos ficaram sabendo; que Carlos expôs a situação para todo mundo; (…) que no retorno das férias havia sido trocado o gerente e lhe foi dito que seria passada para exercer a função de estoque; que nesta função deveria ter habilidade para vendas; questionando sobre sua impossibilidade de movimentação de pesos, inclusive pallets de uma tonelada, lhe informaram que o porteiro o faria; que também comentou que não teria habilidades para proceder vendas; que lhe foi dito que esta seria a função que deveria fazer; que permaneceu de uma a duas semanas “zanzando” pela empresa, sem fazer atividades específicas; que entrou novamente em contato com o hotline, denunciando a situação; que chegou a pedir para que a demitissem; que chegou também a fazer entrevista para outro emprego, lhe sendo dito que não seria contratada pois “estava mal”; que alguns colegas não chegavam a falar com a depoente, o que acredita tenha sido porque teria “ferrado a empresa”; que após o segundo contato com o hotline compareceu o gerente regional de RH, Paulo Miranda, que conversou com a depoente e disse que iria resolver o problema da depoente e lhe disse que se não estivesse bem se ausentasse, e que não apresentasse atestados; que após duas semanas, nos quais chegou a faltar alguns dias ou sair mais cedo, recebeu advertência dos seus chefes em razão das ausências, com ameaça de demissão por justa causa; que em contato com Paulo Miranda este lhe disse que não poderia fazer nada se os seus chefes tinham decidido demiti-la por justa causa; que neste dia, apareceu em casa sozinha, caminhando, sendo encaminhada para uma clínica médica, não mais retornando para a empresa a partir de então” (fls. 476/478-carmim – grifei);
depoimento do preposto da reclamada: “que a reclamante desempenhava atividades administrativas; que a reclamante emitia notas, conferia notas, fazia lançamentos de estoques; que conferência de notas era feito internamente, via sistema; que também trabalhava com contas a pagar, contas a receber e rotinas de comercialização; que a reclamante não tinha a atividade de ir até a plataforma; que em 2004, a reclamante foi conferente de estoques; que a conferencia é de seis em seis meses e por eventualidade ela foi até a plataforma; que o operador da plataforma é que faz a conferência; que em caso de divergência entre os dois operadores da plataforma, poderia a autora comparecer para fazer outra conferência, o que talvez poderia ocorrer uma vez por mês; (…) que a ré passou por uma auditoria de segurança internacional; que a ré realmente precisou de um esforço extra do pessoal para por a unidade em dia; que foi estressante; que foram dois meses de trabalhos intensos; que alguém mais estressado teve algum problema mais sério, nada de estranho ao fato; que estavam na presença de um americano para fazer a auditoria, o que “gera algum”; que a história da denúncia o depoente ficou conhecendo nos autos; que é normal a vinda de Carlos; que é normal que após a vinda do americano compareça na sede da ré alguém da segurança; que não houve nenhuma alteração na avaliação da empresa com a vinda do americano; que a ré teve M, a nota máxima; (…) que depois das férias, houve uma reestruturação interna da empresa, alterando a função da reclamante; que lhe foi oferecido o trabalho em almoxarifado; que a função anterior da reclamante foi assumida por outra colega da reclamante; perguntado por que trocaram a reclamante de setor, do administrativo para o estoque, disse que a com a nova estrutura da empresa o almoxarifado passou a ser exercido pelo setor administrativo; (…) que não lhe foi oferecida outra função além do almoxarifado, porque na reestruturação havia sobrado somente aquela função; (…) que gastaram na época R$ 600.000,00 que tinham que ser gastos, tinham que investir; que fizeram as reformas que tinham que ser feitas; que o depoente deu explicações dos gastos “mas não teve denúncia”; que a empresa tem uma provisão de verbas, se fazem as obras e depois se justifica por que fizeram as obras; que o depoente deu explicação para a parte contábil, a controladoria da empresa, e não para o Carlos; que normalmente se justificam os gastos antes, nesse caso foram justificados após a conclusão da auditoria; que denuncias ficam no anonimato, o que é uma norma da empresa; que as denuncias do hotline vão diretamente para os Estados Unidos” (fls. 478/479-carmim – grifei);
depoimento da primeira testemunha da reclamante: “que a reclamante trabalhou no administrativo, na parte da logística, ou seja, na distribuição, que era parte administrativa; que também trabalhou no caixa; (…) que a reclamante fazia a parte da distribuição de gases, desse setor; que as notas da depoente, a reclamante digitava, ela fazia a segunda parte; (…) que houve um período de auditoria na empresa, “até grande”; que a filial estava muito irregular; que foi uma correria para colocar a filial em conformidade; que houve um pessoal que trabalhou até uma, duas da manhã; que a reclamante participou dessa auditoria; que todo ano havia o canal hotline, que é um canal direto, que informa, ao que acredita, os acionistas da reclamada; que o empregado poderia acionar esse canal para avisar o pessoal de lá sobre o que estava acontecendo; que soube de um ba fa fá de que a reclamante tinha acionado o hot line, que a reclamante tinha ido no sindicado pedir férias vencidas; que depois viu a reclamante participando de auditorias, e a reclamante trabalhava até mais tarde, e “dele ficar, ficar” e depois a reclamante desapareceu; que já tinha passado a auditoria e a reclamante parou de trabalhar, saiu de férias; que foi aí que a depoente ouviu que a reclamante teria feito denúncia no hot line; que soube disso pela Rádio Peão, mas não sabe quem começou a divulgação exatamente; que não viu o gerente da filial ou outro gerente comentando essa situação; que a reclamante teria denunciado irregularidades, como assinatura de papeis; que a reclamante ficou de férias por uns dois meses, quando ela voltou já estava outra menina no lugar a reclamante, ela ficou sem mesa; que ela ficou perambulando; que a depoente presenciou o gerente de Rh de Sapucaia Paulo Miranda, que veio e fez entrevista com cada empregado, chamou todo mundo, inclusive a depoente, para pedir quem é a Tânia; que “era meio para dizer que a reclamante era uma louca”; que a depoente disse ela não é louca, ela veste a camiseta da empresa; que aí esse cara fez essas entrevistas, queria saber da vida da reclamante, queria saber qual o envolvimento que a gente tinha com a Tânia, o que ocorreu durante as férias da reclamante; que quando a reclamante voltou de férias, ela perambulou de setor em setor, sem computador, deixaram ela “a ver navios”; que a reclamante não agüentou a pressão psicológica; que acha que a reclamante ficou perambulando por cerca de três quatro meses, mas não sabe certo; que a reclamante acessava e-mail em computador emprestado; que aí arrumaram uma sala para ela lá em cima, podendo chegar e sair quando quisesse; que a reclamante se sentiu um pouco excluída e ficava esse “zum zum zum” nos setores” (fls. 479/480-carmim – grifei);
depoimento da segunda testemunha da reclamante: “que teve uma auditoria do pessoal da White Martins que vieram supervisionar a unidade; que nessa auditoria aconteceram coisas que não estavam de acordo e a reclamante fez uma denúncia; que não estavam de acordo por exemplo documentos, notas fiscais, que não tinham sido assinadas; que o depoente e outro motorista assinaram notas antigas, entre outras; que ficou sabendo por comentário que a reclamante tinha feito denúncia no hotline; que primeiro disseram que tinha sido uma denúncia, depois comentaram “lá dentro” que tinha sido a rte; que a reclamante gozou férias, quando ela voltou tinha outra pessoa fazendo o serviço de caixa dela; que a reclamante foi colocada no arquivo, no almoxarifado um tempo, um tempo sem mesa e ter o que fazer lá dentro; que nessa época só a reclamante foi deslocada, o restante do pessoal ficou praticamente na mesma função; que colocaram a reclamante de escanteio; que não sabe quem é que identificou a reclamante como denunciante, porque isso foi um assunto entre os empregados da reclamada, e não tinham acesso ao hotline” (fls. 480/481-carmim – grifei);
depoimento da testemunha da reclamada: “que a reclamante sempre trabalhou em funções administrativas, como distribuição, na parte burocrática, e também na parte de contas a pagar, a receber, esse tipo de função; que a reclamante não tinha que comparecer na plataforma; (…) que a reclamante fazia lançamento da contagem feita pelos operadores, ela não tinha a função de ir até a plataforma; que muito raro a reclamante ia até a plataforma, inclusive por não ser seu objetivo; (…) que depois da auditoria a reclamante saiu de férias; que ao voltar das férias, houve algumas alterações nas funções dela; (…) perguntado se na época que a reclamante mudou de função, foi para o almoxarifado, outras pessoas mudaram de função, disse que não lembra, teria que pensar” (fls. 481/482 – grifei).
Vale destacar, ainda, a grave contradição entre os termos da defesa e o depoimento do preposto da reclamada, no que se refere à alteração das funções da reclamante. Em sua contestação, a ré afirmou que “quando do retorno das últimas férias gozadas pela reclamante, concedidas no período compreendido entre 10/04/2006 e 09/05/2006, a reclamada sofreu reestruturação. Assim, a maior parte das atividades administrativas que anteriormente eram executadas nas unidades, como, por exemplo, cobrança, contas a pagar, contas a receber, análise de contas, etc., assim como atividades de Recursos Humanos, Vendas, etc. foram transferidas e centralizadas na matriz, localizada na cidade do Rio de Janeiro/RJ, sendo criada a USC – Unidade de Serviços Compartilhados. Restaram nas unidades, portanto, somente aquelas atividades que, por impossibilidade, não poderiam ser centralizadas integralmente” (fl. 246). O preposto da ré, por sua vez, declarou “que a função anterior da reclamante foi assumida por outra colega da reclamante” (fl. 478-carmim), o que vai de encontro, portanto, à tese defensiva, e deixa evidenciado que a alteração não foi motivada pela centralização das atividades na matriz. Ficou demonstrado nos autos que a alteração de funções trouxe grande desconforto à autora, pois ela foi retirada da sala que ocupava, ficando sem mesa e sem computador.
Como se vê, efetivamente existiram as irregularidades na área de segurança da empresa-ré – gastos de grande monta com medidas de segurança que já deveriam ter sido adotadas anteriormente, para preparar a filial de Caxias do Sul para auditoria a ser realizada, sem a devida autorização orçamentária prévia da matriz. Também restou comprovado que era garantido um sistema de denúncias com total sigilo (hotline), o qual foi utilizado pela autora, notadamente por ter sido eleita membro integrante da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) e ter o dever de zelar pelas condições de segurança e prevenção de acidentes. Todavia, o anonimato da denúncia não foi mantido e o fato caiu na “Rádio Peão”, como declarou a primeira testemunha da autora, referindo-se aos boatos internos na empresa-ré, acarretando a perseguição e pressão psicológica bem demonstrada pela prova testemunhal, que redundou na desestabilização emocional da trabalhadora, com o desenvolvimento da síndrome do pânico e outros transtornos psiquiátricos, levando a internações psiquiátricas, conforme noticiam os documentos das fls. 103/191, e à concessão de benefício previdenciário de auxílio-doença comum, em 27.09.2006.
Por todo o exposto, verifico que o assédio moral restou comprovado no caso em exame, pois a prova produzida é robusta quanto à perseguição e terrorismo psicológico decorrentes das denúncias da reclamante ao sistema hotline da empresa, demonstrando o sofrimento por ela sofrido e o abalo em seus direitos de personalidade, cabendo à empregadora reparar os danos morais daí decorrentes.
O ato ilícito praticado pela empregadora igualmente resulta na rescisão indireta do contrato de trabalho, reconhecida pelo julgador de origem, pelo descumprimento de obrigação contratual, com base no artigo 483, ‘d’, da CLT, pois devem as partes, na relação jurídica de emprego, tratarem-se com urbanidade e lealdade. O empregador é responsável, ainda, por propiciar ao empregado boas condições de trabalho, em ambiente saudável e seguro. Não há falar em ausência de imediatidade ou atualidade na justa causa alegada, uma vez que o contrato de trabalho da autora encontrava-se suspenso desde 27.09.2006 (fl. 188), tendo obtido alta do benefício previdenciário em 30.09.2008, conforme por ela noticiado na petição da fl. 537-carmim. Considerando ser inviável a ruptura do contrato de trabalho na hipótese de sua suspensão ou interrupção, não verifico a intempestividade do pedido de rescisão indireta veiculado nesta ação, ajuizada que foi em 15.02.2008.
No tocante à pretensão recursal referente à redução do valor arbitrado a título de indenização por danos morais, considerando a reprovabilidade da conduta da empregadora e o abalo moral que se presume sofrido pela empregada, diante das circunstâncias, tenho que o valor de R$ 30.000,00, fixado na sentença, mostra-se adequado para reparar o dano, sendo perfeitamente suportável pela reclamada. O montante indenizável deve atender ao aspecto compensação do ofendido e educação/punição do ofensor, tendo presente que, embora o resultado não deva ser insignificante, a estimular o descaso do empregador, não pode ser motivo de enriquecimento do empregado. O valor arbitrado na origem é mantido diante da extensão do dano, notadamente pela impropriedade do tratamento da empregadora para com sua subordinada, de quem deveria partir o exemplo de conduta no ambiente laboral, sobretudo na observância do sigilo absoluto asseguro aos empregados que fizessem denúncias de irregularidades pelo sistema hotline.
Portanto, impõe-se a manutenção do julgado de origem, que rescindiu indiretamente o contrato de trabalho, com os consectários legais, e condenou a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais, fixada em R$ 30.000,00.
Nego provimento ao recurso.
II- Recurso da reclamante
Honorários de assistência judiciária. Sustenta a reclamante que os honorários advocatícios devem ser deferidos com fundamento no artigo 2o da Lei 1.060/50, constando dos autos a necessária declaração de pobreza (fl. 10).
Razão não lhe assiste.
Para o deferimento dos honorários assistenciais no processo do trabalho, em causas que envolvam obrigações decorrentes do vínculo de emprego, é indispensável, além de declaração da miserabilidade jurídica, a credencial sindical, nos termos da Lei nº 5.584/70 e da Súmula 219 do TST.
Assim, ausente a credencial de que trata o referido dispositivo legal, não prospera o recurso da autora.
Ante o exposto,
ACORDAM os Magistrados integrantes da 10ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DA RECLAMADA e, por maioria, vencido o Presidente, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DA RECLAMANTE. Intimem-se.
Porto Alegre, 2 de setembro de 2010 (quinta-feira).
Desembargadora DENISE PACHECO
Relatora
Anexo julgado 10 nº 0183300-63.2005.5.04.0030
EMENTA:
DOENÇA OCUPACIONAL EQUIPARÁVEL A ACIDENTE DO TRABALHO. PERDA AUDITIVA. Comprovada a existência do nexo causal entre a “PAIR” (perda auditiva induzida pelo ruído), doença sofrida pelo trabalhador, de caráter irreversível, equiparável a acidente de trabalho, e o trabalho por ele executado para a empresa, faz jus ao pagamento de indenização por danos materiais e morais.
VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da 30ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo recorrentes ARMINDO FERREIRA DO COUTO E GKN DO BRASIL LTDA. e recorridos OS MESMOS.
Inconformados com a sentença proferida nas fls. 1036/1039 e 1073, o autor e a ré interpõem recursos ordinários consoante as razões juntadas nas fls. 1078/1090 e 10/91/1105.
Em síntese, o autor pede o deferimento da assistência judiciária, pois há declaração de pobreza inserta na procuração. Assevera que a indenização por danos materiais deve corresponder a todo o percentual de perda da audição (12%) e não ao percentual arbitrado na origem (3%), porque isso ocorreu no trabalho e por força dele. Diz que o valor da indenização por dano moral é ínfimo e deve ser majorado. Por fim, pede o pagamento de honorários advocatícios na medida em que há declaração de pobreza, é dispensável a credencial sindical e, ainda, porque a lide não decorre da relação de emprego, aplicando-se o art. 5º da IN 27 do TST.
A ré, de sua vez, por diversos fatos e fundamentos, insurge-se contra a declaração de responsabilidade pela perda auditiva do autor e indenizações por danos materiais e morais.
Com contrarrazões às fls. 1111/1120 (pela ré), sobem os autos a este Tribunal.
É o relatório.
ISTO POSTO:
Inverte-se a ordem de julgamento dos recursos, dada a natureza de suas respectivas postulações.
RECURSO ORDINÁRIO DA RÉ
PERDA AUDITIVA INDUZIDA POR RUÍDO. NEXO CAUSAL. RESPONSABILIDADE.
Com base nos laudos médicos realizados nos autos (feitos pelo Departamento Médico Judiciário do Tribunal de Justiça, pelo assistente técnico da ré e pelo perito médico nomeado pelo juízo a quo) e a prova documental (ficha de entrega de EPIs), a juíza entendeu caracterizado o nexo causalidade entre o trabalho e a perda auditiva do autor, na medida em que:
“Diante deste conjunto probatório, notadamente do exame médico pericial há demonstração clara de que o reclamante possuía limiares auditivos normais quando foi admitido na reclamada, excetuada apenas a específica perda do ouvido esquerdo na frequência de 8KHz. Assim, a exposição a ruído ocupacional nos empregos anteriores à admissão na reclamada, assim como a queda de moto, uso de medicamentos e serviço militar, ainda que em tese poderiam ensejar perda auditiva, o certo é que não acarretaram, no caso concreto, qualquer perda auditiva ao reclamante. Da mesma forma, há prova de fornecimento de equipamentos de proteção individual auditivos somente a partir de 1992. Todavia, ainda que fosse considerado o fornecimento em período anterior, estes teriam se demonstrados ineficazes, haja vista o surgimento de perda auditiva induzida por ruído ocupacional em data posterior à admissão do reclamante na reclamada.
Assim, concluo pela existência de nexo de causa e efeito entre o ruído a que o reclamante foi exposto durante o contrato de emprego com a reclamada e a lesão auditiva que o acomete. Ainda, devem ser consideradas como concausas a hipercolesterolemia, o tabagismo pregresso e a presbiacusia.
Pertinente ao momento do surgimento da lesão auditiva, anoto que o perito médico declara não poder precisá-la, já que a audiometria mais antiga remota ao ano de 1995. Neste particular, reporto-me ao exame audiométrico realizado em 20/10/1995 (fl. 67) e à constatação que houve a estabilização da perda auditiva nos exames posteriores. Assim, tenho como marco da consolidação da lesão auditiva 20/10/1995.” (fl. 1037v – sublinhou-se).
A ré sustenta que ao contestar o feito juntou diversos documentos dentre os quais listagem de EPIs fornecidos, verbis, “oportunidade em que chamou a atenção para o fato de que tão escassos documentos não esgotavam a prova.” (fl. 1092 – sublinhou-se). Ressalta sua preocupação desde a década de 50, contatos com empresas no exterior, intercâmbio de informações e treinamento de empregados, criação da CIPA, contratação de técnicos de segurança e que a prova disso tudo se vê “em decisões proferidas pela Justiça do Trabalho em ações envolvendo também ex-empregados, seja em documentos que apresentou comprovando que apresentou comprovando a entrega de EPI’s a outros de seus colaboradores.” (grifos no original – fl. 1093). Aduz não ser crível que outros empregados recebessem EPIs mas não o autor, e que a tese defensiva, “aliada a documentos que dão indícios de serem inverídicas as afirmações do autor, autorizariam, isto sim, e com muito mais propriedade, a dar-se crédito à mais consistente versão, ou seja, a por ela defendida” (fl. 1093) Tece comentários acerca dos empregos e da vida pregressa do autor (relativamente ao exército e ao uso de motocicleta), no sentido de que já teria laborado em diversos empregos com níveis excessivos de ruído sem proteção auricular (segundo confessa ao prestar informações ao perito médico do DMJ-TJRS). Assevera que a legislação aplicável ao caso é a que vigia na época dos fatos (arts. 159, 1059, 1539 e 1553 do CC de 1916 – e não do atual CC), observando-se, ainda, que segundo o disposto no art. 7º, XXVIII, da CF, a indenização porventura cabível em casos dessa natureza depende de culpa ou dolo, o que ainda deve ser observado, em que pese a alteração da competência para a Justiça do Trabalho. Nesse sentido, diz que “foi o Juízo extremamente econômico em argumentos para caracterizar a culpa da reclamada” (fl. 1096 – grifo no original) e que “Não existe um ambiente de trabalho totalmente seguro!” (fl. 1097 – grifo no original). Diz que não foi omisso com a segurança dos empregados pois demonstrou “ter buscado cumprir a legislação aplicável” (fl. 1097) e que também cabe ao empregado a sua parcela de culpa ao não usar corretamente os EPIs segundo orientação patronal. Alega que os documentos que acompanharam a defesa não foram prontamente juntados aos autos principais (no juízo cível), mas sim autuados em volume separado de documentos, que permaneceu em secretaria até sua efetiva juntada aos autos em junho de 2009. Logo, assevera que o perito jamais os retirou em carga quando realizou os laudos. Do mesmo modo, sequer a juíza teria se manifestado sobre essa prova. Argumenta que a perda auditiva constatada em janeiro de 1985 poderia, por diversos fatores, não corresponder à realidade e ser maior que a constatada.
A sentença é concisa e bem detalha os elementos chaves de cada um dos três laudos periciais realizados no feito (pelo DMJ, pelo assistente técnico da ré e pelo perito nomeado após a alteração de competência), aproveitando-se o bem realizado relato da sentença:
“A perícia médica realizada junto ao DMJ (laudo às fls. 105-109) indica que, por ocasião da admissão do reclamante, foi constatada perda auditiva somente à esquerda na frequência de 8000Hz, porem sem terem sido testadas as frequências 3000Hz e 6000Hz. Ainda, menciona que, para a frequência isolada de 4000Hz, houve perda significativa no período de 1984 a 1995, sugerindo PAIR. Refere que há audiometrias completas somente entre 1995 e 1998, as quais mostram não ter havido piora significativa dos limiares auditivos, embora tenha havido um agravamento por ocasião do exame demissional, o que não foi confirmado no momento da perícia judicial, a indicar a reversibilidade de tal agravamento. Apresenta conclusão que há traçados audiométricos sugestivos de PAIR, na dependência de comprovada exposição ao ruído, indicando que as sequelas são irreversíveis e estão estabilizadas, representando perda auditiva bilateral em grau médio para frequências agudas.
O laudo do assistente médico da reclamada (fls. 112-115) traz menção à exposição por ruído ocupacional durante 25 anos, dos quais 13 anos foram na reclamada, a indicar que esta é responsável por 52% deste tempo. Ainda, refere que somente ¼ do total da perda auditiva refere-se à exposição em ruído ocupacional, pela presença de concausas. Ainda, entende que o total da lesão representa 12%, por ser o grau médio (30%) aplicado sobre a perda bilateral (40%). Às fls. e fls. 478-480, o perito assistente da reclamada apresenta novo parecer, onde inclui mais uma concausa e conclui que 2,4% da perda auditiva que acomete o reclamante são atribuíveis ao labor junto à reclamada.
Em razão da complementação da prova pericial determinada em audiência (ata das fls. 445-446) e considerando que o laudo anterior foi elaborado pelo DMJ, foi designado novo perito, o qual apresenta seu laudo às fls. 482-486. Este perito médico indica que o reclamante apresenta perda auditiva do tipo neurossensorial em ambos os ouvidos, de caráter irreversível, classificada como de grau leve a moderado em 1995. Menciona que, na admissão na reclamada, possuía audição normal para ambos os ouvidos, exceto para a frequência de 8KHz no ouvido esquerdo, sem terem sido testadas as frequências 3KHz e 6KHz. Traz conclusão que o reclamante, em 1995, era portador de perda auditiva de causa híbrida de grau leve a moderado correspondendo a 12% da Tabela DPVAT. Ressalta ter considerado a audiometria realizada em 1995, já que o reclamante admite ter utilizado protetores auriculares a partir de 1992. Ainda, destaca que a perda auditiva decorre de exposição ao ruído ocupacional na reclamada, tabagismo pregresso, hipercolesterolemia e presbiacusia. Em resposta ao quesito 4 (fl. 484) demonstra que a perda auditiva é irreversível.”
Como se vê no Atestado de Saúde Ocupacional Admissional da fl. 893, realizado dias antes da efetiva admissão (exame em 10.12.1984 – admissão em 17.12.1984), o autor foi considerado apto para a função de mecânico de manutenção mediante o uso de protetores Auriculares. A sua aptidão, por certo, levou em conta, os resultados dos exames da fl. 895, no qual constatada perda de audição (prévia ao contrato, obviamente) de 3,7% (OD), 3,0 (OE) e 3,0 (ambos ouvidos). Ocorre que, como consta no próprio documento, “são consideradas normais perdas de até 7,9% para os ouvidos direito ou esquerdo e de até 8,9% para ambos os ouvidos” (fl. 895).
Ou seja, na admissão, tinha audição normal.
Logo, se no curso do contrato de trabalho, no exercício de atividades às quais fora recomendado o uso de protetores auriculares (o que denuncia a evidente presença de risco ocupacional por ruído excessivo), a perda auditiva do autor progrediu, é certo que se trata, como sugere o perito médico do DMJ, de perda auditiva induzida por ruído (PAIR). Observa-se, como já referido na parte transcrita da sentença, que a conclusão da perícia médica realizada quando o feito ainda tramitava na Justiça Comum é no sentido de que o autor apresenta audição normal dentro dos limiares entre 500Hz e 3000Hz (mais usadas para a percepção da fala) e redução bilateral da audição em grau médio para frequências agudas por lesão neurossensorial, com traçados audiométricos sugestivos de PAIR, se comprovada a exposição do trabalhador ao ruído (fls. 105/109). Ora, a exposição do mesmo ao ruído é, praticamente, admitida, desde o ASO admissional no qual indicado o uso de EPIs para o ruído.
Vê-se que os graus da perda auditiva (em geral) foram progredindo no curso do contrato. A prova é documental e juntada pela própria ré, em especial às fls. 893, 895, 933, 935, 943 e 949, em cujos exames se vê que na admissão a perda era de 3,7 (OD), 3,0 (OE) e 3,0 (AO – ambos ouvidos); em 12.11.1991 os graus de perda eram de 2,4 (OD), 6,1 (OE) e 2,86 (AO); em 24.02.1994 os graus eram de 12,1 (OD), 7,6 (OE) e 8,16 (AO). Evidente que entre 1984 e 1994 a perda de audição progrediu no OD de 3,7 para 12,1; a do OE de 3,0 para 7,6. Em 18.03.1996 foi diagnosticada “Perda Moderada” e “Hipoacusia por ruído de 1º. Grau” (fl. 943 – sublinhou-se) em ambos os ouvidos. Em dezembro do mesmo ano (06.12.1996) a perda foi caracterizada como “Perda Severa” e “Déficit p/ruído + outra causa de 6º. Grau” (fl. 949 – sublinhou-se) em ambos os ouvidos.
Como esclarece o perito nomeado quando o feito já tramitava na Justiça do Trabalho, a escala de graus de perda tem os seguintes níveis: mínimo, leve, moderado, grave e profundo. Conclui, o perito, que em 1995 o autor possuía perda auditiva híbrida de grau leve a moderado.
É certo, portanto, que na admissão sua audição era normal, não tendo sido suficientemente demonstradas as alegações feitas pela recorrente de que os exames feitos no início do contrato, na verdade, eram falhos por não considerar a efetiva (e maior) redução de audição do autor. Alegadas, porém não demonstradas habilmente, desconsidera-se tal linha de argumentação a qual, frisa-se, também deve ser rejeitada porque a prova que a ré impugna (ao argumento de não medir corretamente a audição do autor) foi por ela própria produzida, lembrando-se, inclusive, que parte do recurso reside na sua (da prova) não observância pelos peritos e juíza.
De outro lado, são absolutamente irrelevantes os fatos anteriores à admissão do autor na ré (empregos, hobbies, atividades militares, etc.), porque o perito é claro, com base na referida prova documental, que o autor possuía audição estava dentro dos limiares normais ao ser admitido. A perda da audição por excessiva pressão sonora (ruído) tem relação de causa e efeito imediata, ou seja, o ruído excessivo causa o dano no momento em que a pessoa é submetida ao trauma acústico (ruído excessivo). Os sintomas aparecem concomitantemente com o ruído excessivo e não anos após. Assim, se foi considerado apto para a admissão na ré e se nessa ocasião sua audição era perfeita (ou dentro dos parâmetros de normalidade auditiva), é certo, como bem referem o perito médico e a juíza, que a vida pregressa do trabalhador foi irrelevante à perda de audição constatada anos após a admissão na ré.
Outro aspecto sustentado no recurso consiste na demonstração de fornecimento dos EPIs, segundo informações e fatos “notórios” e evidenciados em outros processos, de outros empregados em outras realidades. Afirma-se, categoricamente, que são também absolutamente irrelevantes todas e quaisquer considerações, presunções ou elementos que digam respeito a terceiros (que não o autor) ou a distintos feitos que não os presentes autos. À ré incumbe demonstrar nestes autos (e não noutros) que o autor (e não outros) tenha recebido todos os protetores auriculares e demais EPIs capazes de elidir o admitido risco ocupacional de suas atividades. Compete-lhe, além disso, fazer prova convincente de que o autor teve efetiva e eficaz instrução de uso dos equipamentos, além de reposição e, principalmente, fiscalização de seu permanente e regular uso, segundo necessidades de cada caso. Sim, o empregado que não usa os EPIs conforme determinação patronal, pratica falta passível de sanção disciplinar que pode culminar, em tese, até na despedida por justa causa. Mais grave ainda, no entanto, é a falta patronal de não fiscalizar e de não impor o efetivo uso dos EPIS, dentro de seu inequívoco poder diretivo e exercício da subordinação que tem sobre o empregado. Se o empregado não usa EPI porque não tem, é do empregador a culpa pelo não fornecimento. Se o empregado não usa o EPI porque não quer, é do empregador a culpa porque não fiscaliza e não impõe seu uso. Se o empregado não usa o EPI porque não quer, ciente da exigência patronal e a despeito da fiscalização, é do empregador a culpa por não impor o uso através de sanções disciplinares (passíveis, até mesmo, de despedida com justa causa), como lhe faculta a lei, pois o empregado não tem o direito de se recusar ao uso de EPIs.
Observe-se, sobre isso, que a ré admite (por meio de seu assistente técnico) que o ruído no ambiente de trabalho do autor é uma das causas para a perda de audição do autor. É o que se infere no item 03 do laudo em questão (fl. 113), quando enumera a PAIR como “fatores causais determinantes da doença auditiva do autor” (sublinhou-se) e, mais expressamente, ao afirmar que “Logo apenas uma destas quatro causas, … são de responsabilidade da ALBARUS – ATH” e que “dos 25 (vinte e cinco) anos exposto ao ruído, , somente 13 (treze) anos ou seja 52% são de responsabilidade da Albarus – ATH” (fl. 114 – sublinhou-se).
Considerando-se, assim, que o ruído no ambiente de trabalho foi uma das causas para a perda de audição do autor, a ré deveria ter demonstrado o fornecimento e o uso correto dos EPIs no curso de todo o contrato. Sobre isso, cabe a referência à outra linha de argumentação recursal, quando a ré afirma que “Não existe um ambiente de trabalho totalmente seguro!” (fl. 1097 – grifo no original).
Diversamente, dessa linha argumentativa, é dever do empregador fornecer o ambiente de trabalho totalmente seguro. Excluem-se, por óbvio, atividades notoriamente perigosas, nas quais, efetivamente, é impossível providenciar um ambiente seguro de trabalho, por exemplo, o mergulho comercial (geralmente realizado em profundidades e condições extremas, em ambiente alheio ao controle do homem, muito além da fiscalização patronal ou dos limites do mergulho recreativo). No caso dos autos, todavia, se a atividade é realizada dentro do estabelecimento da ré, sob seus cuidados e fiscalização, e se a atividade é admitidamente ensejadora de risco ocupacional por ruído, é, sim, dever do empregador proporcionar ambiente de trabalho 100% (cem por cento) seguro contra esse riscos (e quaisquer outros, diga-se). Deve fornecer EPIs, tantos quantos necessários, para que o trabalho seja realizado dentro dos limites de segurança de modo a não causar danos à saúde do empregado. Deve providenciar rodízios de empregados para que nenhum deles se exponha a ruído acima dos limites legais, prevenindo danos subsequentes. Deve priorizar a saúde dos empregados antes das necessidades de sua linha de produção, pois esta é menos importante que aquela. Ainda, a alegação recursal de que teria “buscado cumprir a legislação aplicável” (fl. 1097) é irrelevante, porque a ré compete efetivamente cumprir (e não buscar cumprir) exata e estritamente o que a lei manda. Frisa-se, ainda, que a superveniência do dano prejudica a qualificação de “adequada” aos equipamentos porventura fornecidos, porque evidentemente incapazes de prevenir o dano.
Por todo o exposto, entende-se caracterizada a culpa patronal no caso dos autos, na medida em que o trabalhador foi submetido, sem proteção e fiscalização adequada, a ambiente de trabalho caracterizado por ruído excessivo.
Plenamente caracterizado o dano, o nexo de causalidade com o trabalho e o dever patronal de indenizar. As concausas a que se refere a prova pericial e a sentença não eliminam o nexo causal e serão melhor examinadas e enfrentadas no exame da matéria comum aos recursos das partes.
Nega-se provimento ao recurso ordinário da ré.
Examina-se conjuntamente os recursos na matéria conexa.
1. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS.
A ré foi condenada ao pagamento de pensão mensal vitalícia (incluindo parcela a título de 13º salário) de 3% sobre a remuneração paga em 20.10.1995, a ser vinculada ao salário mínimo para fins de atualização, nos termos da Súmula 490 do STF e do art. 475-Q, § 4º, do CPC. Em síntese, e com amparo nos arts. 950 do CC e 1539 do CC de 1916, a sentença está fundamentada nos seguintes aspectos:
“Neste passo, consoante parecer pericial, houve redução quantificada em 12% de acordo com a tabela de seguros (DPVAT) para casos de indenização. Ressalto, neste passo, que o perito médico faz a indicação do percentual total de redução da capacidade auditiva, impondo-se seja considerada as concausas da presbiacusia, tabagismo pregresso e hipercolesterolemia para fins de definição da extensão do dano indenizável atribuível à reclamada. Assim, no caso em análise, a extensão da perda auditiva do reclamante é classificada em 3% (três por cento), já consideradas as concausas referidas.
De registrar que o fato de o reclamante não ter tido incapacidade laborativa total não tem o condão de demonstrar a inexistência de dano material, na medida em que este dano decorre da própria lesão à integridade física do trabalhador. Ademais, cumpre ressaltar que o trabalho e as demais atividades passam a ser desenvolvidos com o dispêndio de maior força e sacrifício, o que justifica a indenização pela perda parcial da capacidade laborativa, inclusive no período em que permaneceu trabalhando.” (fl. 1038 – sublinhou-se).
Segundo relatado, o autor diz que a indenização por danos materiais deve corresponder a todo o percentual de perda da audição (12%) e não ao percentual arbitrado na origem (3%), porque a perda parcial da audição ocorreu no trabalho e por força dele.
A ré sustenta (fls. 1099/1101) que não há prova da redução do valor de seu trabalho ou de impossibilidade de exercê-lo e que se a pensão deve corresponder ao trabalho ao qual se inabilitou, no caso, não há o que deferir a esse título. Sustenta que o autor não teve nenhum prejuízo financeiro a partir do marco inicial da pensão (outubro de 1995) até a data da rescisão do contrato, quando se aposentou. Assevera, ainda, que além da aposentadoria, o autor admite perceber auxílio-acidente de R$800,00, o que aumenta a sua remuneração atual para o patamar de R$2.500,00. Alega, assim, que já percebe, da seguradora oficial (referindo-se ao INSS), remuneração condigna relacionada a doença ocupacional em causa, impondo-se absolver a recorrente da condenação ao pagamento de pensão mensal. A ré também se insurge (fls. 1102/1105) quanto aos critérios de fixação da condenação. Afirma que o juiz poderia ter apontado qual o valor da remuneração de outubro de 1995, com base nos documentos das fls. 867/876, “para, sobre ela, fazer incidir o percentual arbitrado, de forma a dar transparência ao ato sentencial. Não o fez” (fl. 1103). Diz que ao não registrar os valores reais, verbis, “Mostrou o Julgador, com isso, desconhecer o montante inicial do pensionamento vitalício que instituiu, valor sobre o qual determinou passasse a incidir atualização por vinculação ao salário mínimo, o que é expressamente vedado pela Constituição Federal, Art. 7º, inciso IV.” (sic – fl. 1103). A recorrente também afirma que não há fundamento ou motivação para o entendimento de que o autor, após a perda auditiva, passaria a ter mais dificuldades para suas atividades, pois nunca afirmou isso perante o médico perito nos autos. Corolário da absolvição, diz prejudicada a constituição de capital.
Rejeita-se, de pronto, as alegações de que a condenação não é transparente porque o juiz não a quantificou na sentença. Isso será objeto de competente liquidação da sentença. A indenização se mede pelo dano, independente de qual seja o valor a ser apurado. No caso presente, a afirmação de que o juiz desconhece a condenação ditada significa ignorar por completo os bem lançados fundamentos, de fato e de direito, constantes da sentença, ainda que com eles não concorde a recorrente (direito seu, plenamente exercido pela via recursal própria). Mantém-se a sentença, do mesmo modo, por seus exatos e precisos fundamentos, no que alude ao fato (notório) que toda e qualquer atividade profissional do autor passou a ser realizada com maior dificuldade a partir do momento em que passou a perder, gradativamente, a audição.
A questão encontra-se suficientemente esclarecida no que diz respeito aos danos e o nexo de causalidade com o trabalho.
Assim, forte no previsto no art. 950 do CC, o autor faz jus ao pagamento de indenização por dano material, fixada na forma de pensão mensal, enquanto perdurar a doença profissional reconhecida (no caso, a lesão é vitalícia porque irreversível a perda auditiva). A indenização, tal qual o lucro cessante, visa compensar redução de renda decorrente de inabilitação para o trabalho.
Sinala-se que eventual benefício pago pela Previdência Social ou aposentadoria complementar percebida pelo empregado não deve ser deduzido da base de cálculo da indenização por dano material fixada, tendo em vista a natureza jurídica diversa de tais parcelas. O pensionamento deferido decorre de obrigação advinda de atos ilícitos e visa à reparação de prejuízos, não possuindo natureza de prestação alimentícia em sentido próprio, como o montante pago pelo INSS.
Dito isso, ao contrário da decisão de origem, entende-se que uma vez reconhecida a responsabilidade civil da reclamada pelo evento em questão, deve ela responder pela totalidade da indenização, pela correta exegese do art. 950 do Código Civil.
Especificamente no que alude às concausas, o perito referiu que a presbiacusia, o tabagismo pregresso e a hipercolesterolemia também contribuíram para a perda auditiva.
A presbiacusia é conhecida comumente como a deficiência de audição dos idosos e pode ser definida da seguinte maneira:
“De acordo com a Academia Brasileira de Otologia, presbiacusia é o envelhecimento natural do ouvido humano, resultante da somatória de alterações degenerativas de todo o aparelho auditivo. Consiste em uma perda bilateral da audição para sons de alta freqüência, acompanhada, geralmente, por uma perda desproporcional do reconhecimento da fala, sem história prévia de doença sistêmica ou auditiva severa, com início gradual e curso progressivo (Willott, 1991 em Neves, 2002).” (definição obtida em “http://www.medicinageriatrica.com.br/2007/06/19/saude-geriatria/deficiencia-da-audicao-nos-idosos-presbiacusia-ou-surdez/#”).
A hipercolesterolemia, de outro lado (como o próprio nome sugere, aliás) é o alto (hiper) nível de colesterol no sangue. No caso, o reclamante apresentava 210 mg/dL, acima dos valores de referência que são de 200 (Desejável) a 240 mg/dL (Aumentado), como demonstra o exame da fl. 487, realizado em 18.04.2002 (a inspeção ocorreu em 24.09.2008).
Sobre essas concausas, aplica-se o seguinte entendimento, como ensina Sérgio Cavalieri Filho, em sua obra Programa de Responsabilidade Civil, 7ª ed. ATLAS, 2007, p. 58: “Em outras palavras, concausas são circunstâncias que concorrem para o agravamento do dano, mas que não têm a virtude de excluir o nexo causal desencadeado pela conduta principal, nem de, por si sós, produzir o dano. (…). Como tudo na vida, o dano surge da coincidência de várias circunstâncias e decorre, portanto, de causas diversas. Basta que o autor seja responsável por uma delas, sempre que desta provenha o dano, estabelecida a sua relação com as demais. Exemplo: a lesão pode ser leve, mas acarretar graves conseqüências, mercê da constituição anômala da vítima. Por tais conseqüências responde o autor da lesão (Martinho Garcez Neto, ob. Cit. P.50).” (sublinhou-se).
O tabagismo pregresso dispensa maiores comentários, impondo-se considerar, no caso, que o autor afirmou ao perito o consumo diário de 1 maço de cigarros por dia, ao longo de 10 anos (fl. 434).
No caso, não se sabe ao certo qual o grau, se existente, de participação na redução auditiva do reclamante das concausas referidas no laudo pericial. Entende-se, data venia (e diversamente da conclusão pericial) que elas podem ter contribuído para o dano e não que efetivamente tenham contribuído. A despeito da condição natural da presbiacusia e do alto índice de tabagismo admitido pelo autor, não existem elementos precisos para quantificar e vincular essas possíveis concausas ao dano constatado. Idêntico raciocínio quanto ao nível de colesterol do autor (210mg/dL), que na época do exame mais se aproximada do nível desejado (200mg/dL) que do nível aumentado (240mg/dL).
Nessa linha de raciocínio, acolhe-se a postulação do autor no sentido de que a indenização por danos materiais deve corresponder a todo o percentual de perda da audição (12%) e não ao percentual arbitrado na origem (3%).
Por fim, o beneficio corresponde a um percentual incidente sobre a remuneração do trabalhador ao tempo do acidente (cujo critério se entende correto), a juíza determinou a sua vinculação ao salário mínimo “a fim de garantir sua atualização periódica” (fl. 1038), nos termos da Súmula 490 do STF (“A pensão correspondente à indenização oriunda de responsabilidade civil deve ser calculada com base no salário mínimo vigente ao tempo da sentença e ajustar-se-á às variações ulteriores.”) e do art. 475-Q, § 4º, do CPC (“Art. 475-Q. Quando a indenização por ato ilícito incluir prestação de alimentos, o juiz, quanto a esta parte, poderá ordenar ao devedor constituição de capital, cuja renda assegure o pagamento do valor mensal da pensão. (…); §4º Os alimentos podem ser fixados tomando por base o salário-mínimo;”).
Correto o entendimento de que a pensão deve observar a última remuneração percebida pelo empregado, pois a perda de sua capacidade laborativa é proporcional ao valor do seu trabalho.
Data venia, diverge-se do critério de adoção do salário mínimo para efeito de correção da parcela, porquanto ele não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de empregado. Nesse sentido, o entendimento que ampara a Súmula Vinculante nº 04 do STF (ainda que, obviamente, a matéria ora em discussão não seja a da invocada súmula).
Todavia, é imperioso observar que a despeito de não ser possível a adoção do salário mínimo como critério de atualização monetária, tampouco é possível, simplesmente, prover o recurso e excluir esse critério de atualização. Isso porque o valor fixado (corretamente) na época do acidente deve sofrer alterações periódicas de modo a preservar seu real e efetivo valor.
Tampouco é possível substituir o critério da sentença (conversão e atualização em salários mínimos) por aquele que se entende correto (reajustes salariais da categoria), na medida em que não há recurso do autor nesse sentido. A ré pretende excluir critério que aduz indevido (apenas) e não substituí-lo por outro, assim, além de extra petita, a decisão que desse provimento ao recurso para substituir o critério pelos índices de reajuste da categoria teria o potencial condão de caracterizar prejuízo à própria ré, o que é inadmissível em face do princípio da non reformatio in pejus.
O provimento judicial não pode ser condicional ou mesmo temerário. Deve, o órgão julgador, ter plena ciência e compreensão da condenação que dita à parte. Não se pode determinar a aplicação dos reajustes da categoria porque não se sabe se são mais ou menos benéficos à ré no atual momento. Ainda que o sejam, em se tratando de pensão mensal vitalícia é imperioso garantir que sempre o sejam, pois a partir do momento em que for mais viável economicamente à ré atualizar o valor pelo salário mínimo (que em relação aos índices da categoria), a presente condenação ferirá o princípio da non reformatio in pejus (além de permanecer sendo extra petita).
Assim, considerando-se ser inviável dar provimento ao recurso por meio de decisão extra petita, condicional e com o potencial condão de caracterizar reformatio in pejus, mantém-se o critério de atualização já fixado na origem, a despeito de seu efetivo descabimento, porque com isso ao menos se preserva a própria essência e finalidade do provimento judicial, consubstanciada no pagamento continuado de parcela com valor real e devidamente atualizado.
Dá-se parcial provimento ao recurso ordinário do autor para majorar o percentual da pensão por danos materiais para 12%, mantidos os demais critérios fixados na origem.
Nega-se provimento ao recurso ordinário da ré.
2. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
A juíza condenou a ré ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 2.000,00, com juros e atualização monetária (1% ao mês e FACDT) desde o ajuizamento da ação, considerando-se que valor arbitrado está atualizado na época do ajuizamento.
“Na hipótese em apreço, o ato ilícito da reclamada resta demonstrado na medida em que atuou de forma culposa, por não ter propiciado um ambiente de trabalho totalmente seguro a fim de evitar a perda auditiva que acomete o reclamante. O nexo de causalidade também restou demonstrado, haja vista que a conduta da reclamada foi uma das causadoras dos danos físicos adquiridos pelo reclamante.
No caso concreto, faz jus o reclamante à indenização por dano moral decorrente da doença ocupacional equiparada a acidente do trabalho da qual resultou redução da capacidade auditiva irreversível, bem como lhe macula os direitos da personalidade, lesando a dignidade da pessoa humana e afrontando o princípio do valor social do trabalho, determinando sofrimento psíquico, além do físico, merecedor de reparo que, em síntese, visa ao bem-estar do imaterial.
Vale destacar que o dano moral, no presente caso, independe de qualquer prova, pois é in re ipsa. É decorrência da doença ocupacional a afronta aos direitos da personalidade do reclamante, consoante acima já mencionado, demonstrando a ofensa a direitos que compõem a esfera extrapatrimonial do trabalhador, de onde decorre a conclusão pela existência do dano moral.” (fl. 1038 e verso – sublinhou-se)
O autor assevera que o valor da indenização é ínfimo e deve ser majorado.
A ré diz que a decisão seria mais transparente se arbitrasse o valor devido e atualizado na prolação da sentença, a partir de quando incidiriam juros e atualização monetária, sendo inadmissível o critério da sentença. Diz que a condenação é injusta porque deve ser considerada culpa ou dolo patronal, não provados no caso; que a opção de se aposentar prejudica a tese de ter sido impedido de trabalhar; e que não se cogita de responsabilidade objetiva.
O recurso da ré, se provido, prejudica a análise do recurso do autor, impondo-se apreciá-lo por primeiro.
Conquanto não se cogite de falta de transparência da sentença, é certo que o pretendido pela ré está cristalizado na Súmula 50 deste Tribunal, ao dispor que: “RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. Fixada a indenização por dano moral em valor determinado, a correção monetária flui a partir da data em que prolatada a decisão, sob o pressuposto de que o quantum se encontrava atualizado naquele momento.”.
De resto, a matéria alusiva à culpa patronal, à incapacidade laborativa decorrente da perda da audição, a desvinculação (absoluta) com os benefícios percebidos pela Previdência Social, constituem matérias ultrapassadas, segundo fundamentação já expendida na presente decisão.
Resta apenas referir que, como bem decidido, são inequívocos os danos morais na hipótese dos autos, na medida em que decorrentes do próprio fato: perda da audição induzida por ruído excessivo decorrente de culpa patronal ao não cumprir regras de segurança.
Já no que alude ao recurso do autor, observa-se, data venia, que o valor é de fato ínfimo e absolutamente incompatível com a conduta patronal, o dano e a estrutura da empresa ré.
Na petição inicial o autor postula o pagamento de indenização por danos morais no valor correspondente ao dobro da indenização por danos materiais se houvessem de ser pagos de uma só vez. Obviamente, o pedido foi formulado considerando o deferimento de pensão integral, ou seja, correspondente a última e efetiva remuneração (e não ao percentual efetivamente deferido 12%).
Considerando-se que em outubro de 1995 (marco inicial da pensão) o autor tinha, aproximadamente, 53 anos e meio (data de nascimento em 03.04.1941 – fl. 08); que até o restante de sua vida, fixada, em média (e apenas exemplificativamente), aos 75 anos, transcorreriam ainda aproximadamente 21 anos e meio; e considerando-se ainda 13 pensões anuais, cada uma na média de R$1,500,00 (fl. 931), atinge-se o valor de R$419.250,00 a titulo de danos materiais postulados. O dobro disso seria R$838.500,00, quantia absolutamente excessiva e exagerada, sobre a qual são desnecessários maiores comentários.
Ainda que se aplique o mesmo critério sobre os 12% deferidos (ao invés da pensão integral), obter-se ia o resultado (aproximado) de R$50.310,00, cujo dobro seria R$100.620,00, também excessivo em relação aos danos. Com base no valor estimado (que não vincula o feito) dos danos materiais, todavia, e considerando-se o porte da ré e os danos no caso, entende esta Relatora ser razoável majorar a condenação dos R$2.000,00 deferidos para R$40.000,00, mais condizentes com a hipótese dos autos. A indenização como posta na origem, efetivamente, é de pouquíssima significância para uma empresa do porte da ré.
Não obstante, vencida em parte a Relatora, prevalece na Turma o entendimento de que a indenização em comento deve ser majorada para o valor de R$ 15.000,00, valor mais consentâneo com o dano ocorrido.
Vencida em parte a Relatora, dá-se parcial provimento ao recurso ordinário do autor para majorar a indenização por danos morais para R$ 15.000,00.
Nega-se provimento ao recurso ordinário da ré.
RECURSO ORDINÁRIO DO AUTOR.
(matérias remanescentes)
ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
Em sentença, a juíza indeferiu os honorários advocatícios pelos seguintes fundamentos:
“Em se tratando a presente demanda de lide decorrente de relação de emprego, nos termos do art. 5º da Instrução Normativa n. 27 do TST e da Súmula 219 do TST, não são cabíveis honorários advocatícios de sucumbência. Assim, no caso dos autos, somente há falar em honorários advocatícios na forma da Lei 5.584/70, o que não é a hipótese, haja vista não estar o reclamante assistido pelo sindicato de sua categoria profissional” (fl. 355 – sublinhou-se).
Em síntese, o recorrente sustenta que há declaração de pobreza, sendo dispensável a credencial sindical na forma da Lei 1.060/50 e art. 133 da CF e, ainda, que a lide não é decorrente da relação de emprego, aplicando-se o art. 5º da IN 27 do TST.
A Instrução Normativa de nº 27 do TST, editada pela Resolução 126/05 e alterada pela Resolução 133/05, de 16/06/05, dispõe sobre normas procedimentais aplicáveis ao processo do trabalho em decorrência da ampliação da competência da Justiça do Trabalho pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Em seu art. 5º, estabelece que: “Exceto nas lides decorrentes da relação de emprego, os honorários advocatícios são devidos pela mera sucumbência”.
No presente caso, contudo, entende-se que não é aplicável a mencionada Instrução porque a presente lide decorre da relação de emprego, ainda que à época dos fatos e do próprio ajuizamento da ação não estivesse inserida na competência material da Justiça do Trabalho.
Todavia, na forma prevista no art. 2° da Lei 1.060/50, a assistência judiciária não pode sofrer as restrições que lhe fazem aqueles que aplicam ao processo trabalhista somente as disposições da Lei 5.584/70. Principalmente após a revogação da Súmula 20 deste Tribunal que respaldava decisões neste sentido.
O princípio tutelar que informa o Direito do Trabalho não admite a interpretação restritiva que deixa ao desamparo empregados sem sindicato e que lhes nega o direito, reconhecido ao necessitado do processo comum, de escolher o profissional que os representa em juízo.
No presente caso, há declaração de pobreza inserida na procuração conferida ao advogado, em cujo instrumento confere poderes específicos ao advogado para requerer o benefício e, ainda, se declara pobre. Considerando-se que a procuração é, evidentemente, firmada pelo próprio autor, considera-se que o teor final dos poderes lá consignados correspondem, em efeitos e validade, à declaração de pobreza, ratificados pela concessão do beneficio feito na alínea “e” da fl. 04. Preenchido, assim, o requisito necessário à concessão, nos moldes da Lei 1.060/50.
Dá-se provimento ao recurso do autor para deferir a assistência judiciária e condenar a ré ao pagamento dos honorários assistenciais no percentual de 15%, sobre o valor bruto, da condenação.
Ante o exposto,
ACORDAM os Magistrados integrantes da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por maioria de votos, vencida parcialmente a Exma. Desembargadora Relatora, dar parcial provimento ao recurso do autor para majorar o percentual da pensão por danos materiais para 12%, mantidos os demais critérios fixados na origem; majorar a indenização por danos morais para R$15.000,00; deferir a assistência judiciária e condenar a ré ao pagamento dos honorários assistenciais no percentual de 15%, sobre o valor bruto, da condenação. Por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso da ré. Valor da condenação que se acresce em R$25.000,00 (vinte e cinco mil reais), com custas adicionais de R$500,00 (quinhentos reais), pela ré.
Intimem-se.
Porto Alegre, 18 de agosto de 2010.
DES.ª MARIA CRISTINA SCHAAN FERREIRA
Relatora
Anexo julgado 11 nº 0037900-03.2006.5.04.0541
“EMENTA: ACIDENTE DO TRABALHO. VIÚVA E FILHO DE TRABALHADOR MORTO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VALOR DA INDENIZAÇÃO. O valor da indenização por danos morais deve ser arbitrado pelo julgador com base em vários elementos, assim como o critério pretoriano de casos semelhantes.”
VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pela MM. Juíza da Vara do Trabalho de Palmeira das Missões, sendo recorrentes PAULO MODESTO PEREIRA (SUCESSÃO DE), CIEN – COMPANHIA INTERCONEXÃO ENERGÉTICA, ABB LTDA. E INEPAR S.A. – INDÚSTRIA E CONSTRUÇÕES, e recorridos OS MESMOS.
Sucessão de Paulo Modesto Pereira, CIEN – Companhia Interconexão Energética, ABB Ltda. e Inepar S.A. – Indústria e Construções interpõem recursos ordinários contra a sentença das fls. 764-779 (complementada pela decisão de embargos das fls. 848-849), prolatada pela juíza Rosane Cavalheiro Gusmão, que afastou as prefaciais e a prejudicial de mérito arguidas pelas rés (ilegitimidade ativa e passiva, e prescrição), e julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, condenando as demandadas a pagarem solidariamente à parte autora, com juros e correção monetária na forma do art. 883 da CLT e Súm. 362 do STJ, indenização por danos morais de R$ 415mil, além de honorários assistenciais aos respectivos procuradores, no importe equivalente a 15% do valor bruto da condenação.
A parte autora busca a reforma da sentença na parte em que julgou improcedente o pedido inicial de condenação das rés ao pagamento de pensão mensal.
As rés, por seu turno, buscam ser integralmente absolvidas da condenação que lhes foi imposta, requerendo, as 1ª e 2ª demandadas (CIEN e ABB), sucessivamente, que se lhes atribua responsabilidade apenas subsidiária pelo pagamento da indenização reconhecida à parte autora.
As partes ofereceram contrarrazões, requerendo, em síntese, o não provimento dos recursos. A 2ª ré (ABB), ainda, preconizou o não conhecimento do recurso da parte autora.
É o relatório.
ISTO POSTO:
1. Admissibilidade.
As partes são legítimas para recorrer (art. 499 do CPC), estão regularmente representadas por procuradores habilitados nos autos (sucessão, fl. 325; ré CIEN, fl. 541; ré ABB, fl. 845; e ré Inepar, fl. 201), os recursos são tempestivos e há comprovação de depósito recursal e recolhimento de custas pelas rés (fls. 867-869, 889-891 e 903v.-904), de quem são exigíveis.
2. Matéria preliminar: não conhecimento do recurso da parte autora.
A ré ABB argui, em suas contrarrazões recursais, prefacial de não conhecimento do recurso da parte autora, por ausência de ataque aos fundamentos da sentença (Súm. 422 do TST).
Argumenta, em síntese, que a tese veiculada no recurso (possibilidade de cumulação da pensão por morte paga pelo INSS com pensão deferida judicialmente) não foi examinada pela sentença, de maneira que a matéria não foi devolvida ao Tribunal, não podendo por este ser analisada, por inovatória.
A prefacial não merece acolhida.
A tese aventada acerca da impossibilidade de cumulação de pensão por morte, paga pelo INSS, com pensão decorrente de condenação judicial, foi examinada (e afastada) pela sentença (fl. 773), e, mesmo que não tivesse sido, a matéria seria de igual maneira devolvida ao exame do Tribunal, por força do efeito ordinário do recurso (artigo 515, §1º, do CPC), não havendo falar em tese inovatória.
Afasto a prefacial.
2. Mérito.
Trata-se de ação de reparação de danos decorrentes de acidente do trabalho, ajuizada, perante a Justiça Estadual, por viúva e filho de trabalhador morto em serviço, por meio da qual os autores buscam a condenação solidária das rés ao pagamento de pensão mensal até a data em que o trabalhador completaria 71 anos, bem como indenização por danos materiais (gastos com tratamentos médicos) e morais, estes, no valor equivalente a um mil salários mínimos (400 para a viúva e 600 para o filho menor).
A sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, condenando solidariamente as rés a pagarem aos autores indenização por danos morais, no valor de R$ 415mil.
Da decisão, todas as partes recorrem.
Os autores, buscando a condenação das rés ao pagamento da pensão mensal vindicada na petição inicial.
A ré Inepar, reiterando arguição de ilegitimidade ativa da parte autora, bem como buscando o reconhecimento de que o acidente do trabalho ocorreu por culpa exclusiva, ou, no mínimo, concorrente, da vítima, alegando também inexistência de prova a amparar a procedência dos pedidos iniciais, e requerendo, sucessivamente, a minoração do valor da indenização arbitrada pela sentença.
A ré CIEN, a seu turno, busca rediscutir a sua responsabilidade pelo pagamento da indenização arbitrada aos autores, suscitando aplicação da OJ n.º 191 da 1ª SDI do TST, e requerendo que, no máximo, seja responsabilizada subsidiariamente pela condenação.
A ré ABB, por fim, renova a arguição das prefaciais de ilegitimidade ativa e passiva, bem como a prejudicial de mérito de prescrição bienal do direito de ação dos demandantes. No mérito, traz à discussão a questão afeta à sua responsabilidade pelo pagamento da indenização deferida aos autores, buscando, quando muito, ser responsabilizada subsidiariamente pelo cumprimento da obrigação. Afirma, também, inexistir prova dos danos morais alegados e de culpa sua pela ocorrência do acidente, requerendo, sucessivamente, a minoração do valor da indenização arbitrada na sentença e a absolvição ao pagamento dos honorários assistenciais objeto da condenação.
Diante da variedade de tópicos atacados nos recursos, mas em razão de que, em alguns pontos, são comuns nos apelos, passo a examiná-los de forma fragmentada, de acordo com a matéria.
2.1. Prescrição (recurso da ré ABB).
A sentença afastou a prejudicial de mérito arguida pela ré ABB (prescrição bienal do direito de ação dos autores), ao fundamento de que, tendo a ação sido ajuizada originariamente na Justiça Estadual, antes da promulgação da EC n.º 45/2004, e, por força desta, posteriormente migrado para a Justiça do Trabalho, os dois anos de que cogita o artigo 7º, inc. XXIX, da CRB/88, devem ser contados da data de entrada em vigor da emenda (31-12-2004).
Nesse passo, por ter a ação sido recebida pela Justiça do Trabalho em 28-06-2006, a decisão entendeu não ter a parte autora decaído do direito de buscar em juízo reparação pelos danos sofridos em face do acidente noticiado na petição inicial.
A sentença, por outro lado, afastou a aplicação da prescrição trabalhista ao caso, em face da natureza puramente indenizatória da ação, entendendo que a regra aplicável à hipótese é a do Código Civil (art. 206, §3º, inc. V), que fixa em três anos a prescrição da pretensão à reparação civil.
Nesse diapasão, a sentença, tomando por marco a data de entrada em vigor da EC n.º 45/04, e sobre ela projetando o prazo acima aludido, entendeu não haver prescrição, em face do recebimento dos autos pela Justiça do Trabalho em 28-06-2006.
A ré ABB reitera a arguição de prescrição do direito de ação dos autores, afirmando que os créditos vindicados na presente demanda são decorrentes de relação de trabalho, portanto, sujeitos aos prazos prescricionais do artigo 7º, inc. XXIX, da CRB/88.
Alega, nesse passo, que, tendo o acidente que vitimou o trabalhador ocorrido em 26-06-2001, na data em que distribuída a ação (05-01-2004), já havia transcorrido o prazo prescricional.
O recurso não merece provimento.
É dado incontroverso que o acidente que vitimou o trabalhador Paulo Modesto Pereira ocorreu em 26-06-2001.
Essa, pois, a data em que nasceu, para os demandantes, a pretensão resistida, hábil a justificar o ajuizamento de ação para reparação dos danos decorrentes do evento noticiado.
Na época, ainda vigia o Código Civil de 1916, que, em seu artigo 177, estabelecia prazo de vinte anos para vindicar a reparação de danos da espécie daqueles buscados na presente demanda.
Com o advento do Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 11-01-2003, os prazos prescricionais relativos à reparação civil foram modificados, tendo a nova lei estabelecido que “serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada” (art. 2.028).
Ou seja, havendo redução de prazo prescricional pelo novo Código, e tendo, em 11-01-2003 (quando entrou em vigor), transcorrido mais da metade do tempo previsto na lei anterior, a prescrição da reparação de danos se rege em conformidade com os prazos do Código antigo; do contrário, são aplicáveis os prazos da lei nova, contados a partir da sua entrada em vigor.
Como a pretensão à reparação civil teve seu prazo prescricional reduzido de vinte para três anos, no presente caso, para fins de fixação do prazo prescricional, basta aferir se, em 11-01-2003, quando entrou em vigor o novo Código Civil, já havia transcorrido mais da metade do prazo estabelecido no código anterior, ou seja, dez anos e um dia.
E, na hipótese, a resposta é negativa, pois o acidente ocorreu em 26-06-2001, aproximadamente um ano e meio antes da entrada em vigor do novo código.
Desse modo, a prescrição que rege a hipótese, na trilha de como decidiu a sentença, é a de três anos, prevista no artigo 206, §3º, do Código Civil de 2002, que deve ser contada a partir da data em que esse diploma legal entrou em vigor (11-01-2003).
Nesse contexto, tem-se que os autores dispunham até 11-01-2006 para buscar em juízo a reparação pelos danos materiais e morais sofridos em razão do acidente de trabalho que vitimou o trabalhador Paulo Modesto Pereira.
Como os demandantes o fizeram em 05-01-2004 (fl. 02), não há falar em pronúncia de prescrição.
Por oportuno (e porque objeto de arguição no recurso), cabe referir que não se aplica, à hipótese, a prescrição prevista no artigo 7º, inc. XXIX, da Constituição da República, porque esta somente passou a reger os casos que versam sobre reparação de danos decorrentes de acidentes do trabalho a partir da publicação da decisão do Supremo Tribunal Federal que definiu a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar feitos com esse objeto (CC n.º 7204-1/MG, pub. DJ em 09-12-2005), ou seja, a regra de prescrição contida no art. 7º, inc. XXIX da CRB/88 somente se aplica aos acidentes do trabalho ocorridos dessa data em diante, o que não é o caso dos autos.
Relevante, ainda, referir, que a matéria afeta à prescrição somente foi arguida pela ré quando do deslocamento do feito para a Justiça do Trabalho (petição das fls. 720-726), não tendo havido qualquer referência a esse respeito na contestação apresentada quando o processo ainda tramitava perante a Justiça Estadual (fls. 148-173).
O fato de ter havido modificação da competência para julgamento do feito não é circunstância hábil a fazer, agora, incidir à hipótese a regra do artigo 7º, inc. XXIX, da Constituição da República.
Como bem referiu o Des. José Felipe Ledur no RO 00925-2006-451-04-00-8, em situação semelhante, “trata-se de proteger a confiança do cidadão no ordenamento jurídico e suas regras”.
Em suma, a prescrição aplicável à hipótese é a de três anos, prevista no artigo 206, § 3º, inc. V, do Código Civil, que se conta da sua entrada em vigor (11-01-2003), de modo que, à data do ajuizamento da ação (05-01-2004), os direitos pleiteados não estavam prescritos.
Nego provimento.
2.2. Carência de ação: ilegitimidade ativa (recurso das rés Inepar e ABB).
A sentença afastou a prefacial de ilegitimidade ativa arguida pelas rés Inepar e ABB, ao fundamento de que, nada obstante a ação tenha sido movida pela sucessão do trabalhador falecido, a petição inicial define e qualifica exatamente quem compõe a sucessão (viúva e filho), delineando também os direitos postulados em relação a cada uma dessas pessoas.
A ré Inepar renova a alegação de ilegitimidade ativa, sustentando ser intransmissível o direito de reparação do dano moral sofrido pelo trabalhador em decorrência de acidente do trabalho, de maneira que a sucessão não poderia pleiteá-lo em juízo.
Alega que os familiares podem buscar reparação pelos danos que sofreram pessoalmente em razão da perda do familiar, o que não é o caso dos autos.
A ré ABB, por seu turno, alega, em síntese, que os direitos vindicados na presente demanda são personalíssimos da viúva e do filho do trabalhador morto, e que, por tal motivo, o espólio não poderia pleiteá-los em juízo.
Os recursos não merecem provimento.
Antes do mais, importante referir que o que se debate na presente demanda não são direitos do empregado morto, buscados em juízo pelo seu espólio, mas sim a reparação dos danos sofridos pessoalmente pela esposa e filho do trabalhador falecido em razão de acidente do trabalho.
Desse modo, ainda que, em termos processuais, o mais correto fosse efetivamente o ajuizamento da ação em nome de Roseli Aparecida Alves Pereira e Paulo Eduardo Alves Pereira (este, representado por aquela), e não pela Sucessão de Paulo Modesto Pereira, como constou na petição inicial (fl. 02), tanto Roseli quanto Paulo Eduardo estão individualmente nominados e qualificados nos autos, sendo o defeito alegado meramente formal, sem qualquer repercussão de relevância para o deslinde da controvérsia.
Como bem decidiu a sentença (fl. 765):
“Trata-se, a questão, de mero aspecto formal, relacionado à autuação do presente feito. Estando as partes individualizadas e qualificadas nos autos, não se pode olvidar estarem elas vindicando direitos em nome próprio, afigurando-se irrelevante se auto-intitularem “sucessão de…”, no corpo da vestibular”.
Nego provimento.
2.3. Carência de ação: ilegitimidade passiva (recurso da ré ABB).
A sentença afastou a prefacial de carência de ação, por ilegitimidade passiva, arguida pela ré ABB, ao fundamento de que os argumentos em que assentada a preliminar dizem respeito ao mérito do pedido de condenação solidária das rés, devendo com ele ser examinados.
A recorrente ABB renova o argumento de que é parte ilegítima para figurar no pólo passivo do presente feito, na medida em que é incontroverso que o autor era empregado da ré Inepar, empresa a quem terceirizou serviços, de modo que ela (ABB) não “pode responder por direitos trabalhistas daqueles que não foram seus empregados, mas, reconhecidamente, de outros” (sic, fl. 895v.).
O recurso não merece provimento.
Como já relatado, a ação não versa sobre direitos trabalhistas do empregado morto, mas de direitos pessoais de sua esposa e filho.
A responsabilidade civil em discussão no presente feito é extracontratual aquiliana, sendo irrelevante se houve ou não vinculação das partes por meio de contrato.
Desse modo, na trilha de como bem decidiu a sentença, a matéria é própria para exame no mérito do pedido de responsabilização solidária das rés, de modo que a recorrente ABB tem legitimidade para figurar no pólo passivo da demanda.
Nego provimento.
2.4. Acidente do trabalho.
O acidente do trabalho que vitimou Paulo Modesto Pereira é incontroverso.
Infere-se do inquérito policial juntado às fls. 63-129 que, no dia 26-06-2001, na localidade de São Jacó, interior do município de Santo Augusto, RS, o referido trabalhador, juntamente com outros empregados da ré Inepar, realizava obra de montagem de uma torre de transmissão de energia elétrica, quando, em determinado momento, houve a queda dessa torre, o que ocasionou a sua morte, por poli-traumatismo e hemorragia interna, conforme atesta o auto de necropsia da fl. 70.
Paulo Modesto Pereira era casado com Roseli Aparecida Alves (certidão da fl. 16) e pai de Paulo Eduardo Alves Pereira (certidão da fl. 17).
2.4.1. Dano indenizável.
Os pedidos iniciais compreendem indenização, na forma de pensionamento, até a data em que o trabalhador completaria 71 anos de idade, e indenização por danos morais.
A sentença julgou improcedente o pedido inicial de condenação das rés ao pagamento de pensão, ao fundamento de que, com o falecimento de Paulo, sua esposa e filho (autores da presente demanda) passaram a receber do INSS pensão por morte em valor superior à remuneração recebida em vida pelo trabalhador.
Por outro lado, a decisão reconheceu a existência de dano moral indenizável aos familiares do empregado falecido, condenando as rés ao pagamento de indenização no valor de R$ 415mil, na proporção de 40% para a viúva e 60% para o filho.
Os autores reafirmam a existência de lesão hábil a ensejar o pagamento da pensão vindicada, ao passo que as rés negam a existência dos danos extrapatrimoniais a que restaram condenadas a reparar.
2.4.1.1. Pensão mensal (recurso dos autores).
A pretensão recursal dos demandantes está assentada no fato de que a prestação paga pela previdência social não se confunde com a indenização buscada do causador do dano na forma de pensão mensal, nem é com esta compensável, de maneira que o respectivo pedido inicial deve ser julgado procedente.
Nada há que modificar no julgado.
Quando a reparação de dano suscetível de valoração econômica é buscada na forma de indenização stricto sensu – como ocorre no caso – ela deve sempre se dar em conformidade com o critério da equivalência pecuniária.
Em outras palavras, a reparação deve ser proporcional à extensão da lesão (CC, art. 944).
Na hipótese, como bem salientado à fl. 773, “o fato de estarem os demandantes usufruindo de pensão por morte, conforme comprovante da fl. 18, não obstaculiza a procedência do pedido de pensionamento definitivo em relação às demandadas, já que esta indenização constitui direito independente da concessão do referido benefício, conforme […] art. 7°, XXVIII, da Constituição Federal de 1988”.
Contudo, na trilha de como decidiu a sentença, tanto a pensão por morte paga pelo INSS aos sucessores do trabalhador falecido, como a pensão mensal referida no artigo 948, inc. II, do Código Civil, visam à subsistência da entidade familiar em conformidade com os padrões mantidos antes da morte daquele que provia o sustento da família.
Dessa forma, se, como no caso, a prestação previdenciária recebida mensalmente pelos demandantes inclusive supera os ganhos que o trabalhador morto auferia em vida (conforme cotejo dos documentos das fls. 18 e 33-60, foi deferida, em 2001, em quase R$ 400,00 a mais do que a média remuneratória do trabalhador falecido: R$ 1.151,37 em face de R$ 755,46), não há falar em diminuição material hábil a justificar a reparação pretendida.
O acolhimento do pedido inicial em questão implicaria reparação desproporcional à extensão da lesão patrimonial sofrida.
Nego provimento ao recurso dos autores.
2.4.1.2. Danos morais (recurso da ré ABB).
A pretensão recursal da ré ABB é de declaração da inexistência de dano moral indenizável, por ausência de prova da lesão extrapatromonial sofrida pelos autores.
O recurso não merece provimento.
Como se sabe, o dano moral é in re ipsa, ou seja, dispensa comprovação, sendo presumível em razão do fato danoso, desde que se trate de fato com potencial suficiente a causar lesão a valores íntimos da esfera da personalidade.
No caso, o fato constitutivo do direito é a morte de ente querido, que, por si só, é hábil a causar lesão a valores íntimos da subjetividade dos autores.
Nessa senda, a única prova que lhes era exigível produzir dizia respeito à existência do fato alegado (morte do trabalhador), que é inclusive incontroverso.
Presumível, pois, a existência de dano moral a ser reparado, estando correta a sentença, no ponto.
A responsabilidade pela reparação do dano e a sua quantificação serão revisadas a seguir.
2.5. Responsabilidade das rés (recurso das rés Inepar, ABB e CIEN).
A sentença atribuiu às rés responsabilidade solidária pelo pagamento da indenização por danos morais objeto da condenação.
Para tanto, a decisão, a par de declarar a existência de dano indenizável, entendeu que houve culpa da empregadora (Inepar) pela ocorrência do acidente do trabalho noticiado na petição inicial (omissão no dever de prestar e fiscalizar a segurança de seus empregados), circunstância que foi causa determinante para o resultado que do evento decorreu (morte do trabalhador).
A decisão, de outro lado, entendeu que as rés ABB e CIEN são solidariamente responsáveis à empregadora Inepar pela reparação dos danos apurados no presente feito, porque houve entre elas uma relação de terceirização ilegal de serviços afetos à atividade-fim da empresa contratante (a ré CIEN contratou a ré ABB para a construção das redes de transmissão de energia elétrica, que, por seu turno, terceirizou a execução da obra à ré Inepar, para quem trabalhava o trabalhador falecido).
Nesse passo, a sentença atribuiu a reparação do dano a todas as rés, aplicando ao caso a regra do artigo 1.518 do Código Civil de 1916, vigente à época do acidente (atual art. 942 do CC/2002).
A ré CIEN busca isentar-se da condenação, ao argumento de que não se caracterizou, na hipótese, intermediação ilegal de mão de obra, como entendeu a sentença, mas sim contratação de empresa prestadora de serviços para a execução de empreitada de seu interesse.
Por esse fundamento, diz que figurou como dona da obra, de maneira que, por força da OJ n.º 191 da 1ª SDI do TST, não responde pelos danos causados a terceiros pela empresa que contratou.
Refere, de outro lado, que a solidariedade decorre da lei ou do contrato (CC, art. 265), e que, no caso, não há regra legal ou contratual que lhe atribua responsabilidade pela reparação de danos decorrentes da conduta da empresa que contratou.
Sucessivamente, pede que lhe seja atribuída responsabilidade subsidiária pelo pagamento da indenização objeto da condenação.
A ré ABB, a sua vez, arrazoa no sentido de que não há pedido inicial expresso de condenação solidária das rés, de modo que a sentença é inclusive ultra petita, no ponto.
Assevera que a única hipótese de solidariedade no direito do trabalho é aquela que decorre do art. 2º da CLT, o que não é o caso dos autos, de modo que não há base jurídica para a manutenção da sentença.
De resto, nega qualquer tipo de relação jurídica com o trabalhador acidentado, buscando, sucessivamente, que a sua responsabilização seja meramente subsidiária à da empregadora.
A ré Inepar, por seu turno, imputa ao trabalhador culpa exclusiva pelo acidente que o vitimou, dizendo que, além de agir com negligência e imprudência, faltou-lhe sorte no momento do evento.
Sucessivamente, diz que houve, ao menos, culpa concorrente do empregado, de modo que a responsabilidade deve observar essa proporcionalidade.
Refere que a única prova existente acerca dos fatos alegados é o inquérito policial instaurado pela Polícia Civil de Santo Augusto, e que, nesse expediente, restou expressamente consignada a ausência de culpa de qualquer das rés acerca do acidente ocorrido, na medida em que sempre forneceu EPIs aos seus empregados.
Os recursos não merecem provimento.
Antes do mais, importante salientar que não é possível imputar às rés responsabilidade civil objetiva pela reparação dos danos sofridos pelos autores, na forma do artigo 927, § único, do CC/2002, em face da data em que ocorreu o acidente noticiado na petição inicial (26-06-2001).
Assim, o caso tem necessariamente de ser examinado sob a ótica da responsabilidade civil subjetiva, mediante aferição dos elementos dano (lesão a algo que se considera digno de tutela jurídica), culpa (descumprimento de dever legal ou contratual de agir ou se omitir a uma determinada conduta) e nexo causal (relação de causa e efeito entre a ação ou omissão e o resultado), na forma do artigo 159 do Código Civil de 1916, vigente à data do acidente.
O elemento dano, como visto, restou comprovado, na forma extrapatrimonial, a ambos os autores (a sua extensão será examinada em momento oportuno).
A culpa da empregadora, por seu turno, restou comprovada, na medida em que, como irrepreensivelmente ponderou a sentença (fl. 776v.):
“[…] os únicos elementos probatórios constam no inquérito policial carreado às fls. 63-129 dos autos, o qual tenho com ressalvas por se tratar de procedimento em que é dispensado o contraditório e a ampla defesa. De qualquer sorte, à míngua de qualquer outro meio de prova constante nos autos, vale observar os termos deste inquérito, a fim de verificar nele algum indício que denote a ausência de culpa patronal, já que, repiso, este ônus incumbe às reclamadas.
Neste documento, a autoridade policial relatou não ser possível apurar as causas da queda da torre, tampouco a culpa de prepostos da empregadora. Dos depoimentos colhidos no inquérito se dessume que o ambiente de trabalho e a atividade desenvolvida pelo de cujus e seu colega eram altamente comprometedoras à vida dos empregados. As condições nas quais subiram as vítimas na torre eram apropriadas a realizar os trabalhos em segurança, já que o risco de queda estava presente na ocasião, devido ao procedimento adotado. E os relatos confirmam a tese do obreiro, de que o Sr. GENÉSIO foi quem ordenou que as vítimas ficassem em cima da torre enquanto outros empregados procediam às manobras, ficando, desta forma, suspensas no alto dela.
Portanto, não há provas que evidencie ter o preposto agido em conformidade com as medidas de segurança apropriadas ao caso. Ao revés, dos relatos no inquérito policial verifico que houve, sim, negligência e imprudência por parte do representante da empregadora na obra.
E o fato de estar, o empregado, usando EPI’s, não assume relevância, pois disponibilizar mecanismos de segurança aos empregados somente tem eficácia a resguardá-los caso estejam acompanhados de medidas ponderadas à execução das tarefas realizadas. Não basta que se forneçam equipamentos de proteção, é necessário que a empresa fiscalize o uso, diligenciando na segurança do empregado, entendimento, aliás, cristalizado na Súmula 289 do TST.
Se preservar a incolumidade física e moral dos empregados constitui um dever do patrão, intrínseco a qualquer contrato de emprego, a sua não-observância implica, necessariamente, omissão culposa” – grifei.
Ao contrário do que assevera a recorrente Inepar, o ônus da prova, no particular, não era dos autores, na medida em que, se o dever de cumprir e fazer cumprir as regras de segurança do trabalho é da empregadora, por força do que determina o artigo 157 da CLT, então, em razão dessa mesma regra, cabe também a ela comprovar que agiu em estrita conformidade com a lei, o que, no caso, não logrou fazer a contento.
Com efeito, ainda que, por força do cumprimento da NR-14 do MTE, não lhe fosse exigível manter presentes no local da obra engenheiro ou técnico de segurança do trabalho, os depoimentos colhidos na instrução do inquérito policial (fls. 88-121) revelam que havia chovido no local do acidente momentos antes de ter acontecido (fl. 90), e que partiu do responsável pela operação, empregado Genésio, a ordem para que o trabalhador Paulo permanecesse em cima da torre, enquanto outros procedimentos eram tomados.
Se, por um lado, o inquérito policial não aponta falha específica no proceder do empregado responsável, por outro, há indícios de que ele foi, no mínimo, incauto em seu procedimento.
Desse modo, na trilha de como decidiu a sentença (fl. 776), é presumida a culpa da empregadora pela ocorrência do acidente (Súm. 341 do STF), cabendo a ela o ônus da prova em sentido contrário, encargo do qual não se desincumbiu.
Assim, na hipótese, está também comprovada a existência do elemento culpa.
Quanto ao nexo causal, a sua presença é flagrante no caso e dispensa maiores comentários, na medida em que o acidente que vitimou o trabalhador Paulo (resultado) decorreu diretamente da conduta omissa da empregadora (culpa).
Vale dizer: a omissão da ré Inepar foi causa determinante para a morte do trabalhador.
Não verifico presentes as excludentes de nexo causal suscitadas pela ré Inepar (culpa exclusiva ou concorrente da vítima), na medida em que, havendo presunção de culpa da empregadora pela ocorrência do acidente, as excludentes de nexo causal alegadas se consubstanciam em fatos impeditivos do direito da parte autora, a cujo respeito a lei atribui ao réu o ônus probatório (CLT, art. 818 c/c CPC, art. 333, inc. II), encargo do qual não se desincumbiu a demandada.
Diante desse quadro, está correta a sentença ao declarar a ré Inepar responsável direta pela reparação dos danos decorrentes do acidente do trabalho noticiado na petição inicial.
Quanto à responsabilidade das demais rés (CIEN e ABB), é igualmente judiciosa a sentença.
Com efeito, é dado incontroverso que a ré CIEN contratou a ré ABB para construir torres de transmissão de energia elétrica, dentro do chamado “Projeto Argentina-Brasil II”, e que esta última subcontratou a ré Inepar para a execução da obra.
Num primeiro momento, até poderia parecer que a ré CIEN efetivamente figurou como dona da obra, pois os contratos firmados com a ré ABB (fls. 597-713) consignam a comunhão de interesses para empreitada de obra certa (segunda parte do Projeto Argentina-Brasil), de maneira que, por força do entendimento jurisprudencial consagrado na OJ n.º 191 da 1ª SDI do TST, a ré CIEN seria isenta de responsabilidade pelas obrigações assumidas pelo empreiteiro (ré ABB) com relação ao subempreiteiro (ré Inepar).
No entanto, na trilha de como decidiu a sentença, um exame mais aprofundado da causa afasta a incidência da isenção de que cogita a orientação jurisprudencial em referência.
Com efeito, a própria OJ suscitada pela ré CIEN faz uma ressalva, estabelecendo que não há responsabilidade do dono da obra pelas obrigações do empreiteiro salvo na hipótese de se tratar de empresa construtora ou incorporadora.
Em outras palavras, não há responsabilidade do dono da obra quando o seu objeto social não tem afinidade com aquele da empresa contratada para executar o serviço.
Não é o que ocorre na hipótese.
Com efeito, o estatuto social da ré CIEN (fls. 521-539) estabelece que ela tem como objeto social (art. 4º, fl. 526):
“I – atuar na área de produção, industrialização, distribuição e comercialização de energia elétrica, inclusive nas atividades de importação e exportação, implementando os serviços necessários à realização deste objeto social;
II – em vista da realização do objeto previsto no inciso I, a Companhia promoverá o estudo, planejamento e construção das instalações relativas aos sistemas de produção, transmissão, conversão e distribuição de energia elétrica, realizando e captando os investimentos necessários para o desenvolvimento das obras que venha a realizar e prestando serviços;
III – afora os fins referidos, poderá a Companhia promover a implementação de projetos associados, bem como a realização de atividades inerentes, acessórias ou complementares aos serviços e trabalhos que vier a prestar” – grifei.
Observa-se que, dentro da atividade econômica a que se presta a explorar a ré CIEN, está justamente o planejamento e a construção dos meios necessários à transmissão de energia elétrica (torres).
De outro lado, a ré ABB tem, dentre os vários itens que compõem o seu objeto social (fl. 822), o de “elaboração de projetos, comercialização e montagem de instalações e sistemas, inclusive eletrônicos e de equipamentos destinados à geração, transmissão, distribuição, instrumentação, medição, controle de processos industriais e de energia, transformação e aplicação de energia elétrica e de outras formas de energia, abrangendo, ainda, sistemas de infraestrutura, produtos para perfuração e produção de petróleo, a construção civil em suas várias modalidades”.
Por seu turno, na forma do artigo 3º, alínea “c”, de seu estatuto (fl. 204), a ré Inepar tem como finalidade “projeto e construção de linhas, redes e subestações de energia elétrica” (grifei).
Como se vê, é evidente a identidade entre as atividades-fim das empresas rés, de modo que a terceirização de serviços operada no caso não se enquadra nas hipóteses autorizadas por lei.
Diante desse quadro, tem-se que o trabalhador Paulo prestou serviços como empregado da ré Inepar, para concretizar o objeto social da ré CIEN, por intermédio da ré ABB, mediante contratos civis de prestação de serviços havidos entre essas sociedades empresariais.
Assim, a conclusão a que chegou a sentença é irreparável (fl. 767v.):
“Tendo a primeira reclamada mantido contrato de prestação de serviços com a segunda ré, e esta contratando a execução dos serviços da terceira, por óbvio que ambas beneficiaram-se dos serviços prestados pelo autor, sendo a atividade deste essencial ao empreendimento econômico das tomadoras. Em face disto, de nada vale a empresa CIEN – COMPANHIA INTERCONEXÃO ENERGÉTICA opor a sucessiva terceirização para se esquivar das obrigações perante o obreiro, já que seu status na relação equipara-se ao assumido pela segunda ré.
Oportuno salientar que as atividades desempenhadas pelo obreiro revestem-se de caráter essencial à atividade a que se dedica a primeira tomadora de serviços, contrariamente ao que ela alega na defesa. Muito embora o objeto social da primeira seja distinto daquele da empregadora do autor, qual seja, construção civil, inegável é que a instalação das torres está abrangida pela atividade-fim da empresa CIEN – COMPANHIA INTERCONEXÃO ENERGÉTICA, que é o fornecimento de energia.
Configura-se, na espécie, a hipótese de intermediação de mão-de-obra, vedada pelo direito laboral pátrio, como traduz o Enunciado nº 331 da Súmula do TST, em seu item I, in verbis:
[…]
É certo que o autor não postula o reconhecimento do vínculo direto com essas empresas tomadoras de serviço, o que lhe seria lícito. Tal circunstância, porém, não exclui da lide a primeira e segunda ré, que são tidas por solidariamente responsáveis pelos efeitos da relação de emprego havida com a terceira reclamada, forte no artigo 942 do Código Civil de 2002, abaixo transcrito, aplicável subsidiariamente, restando, assim, atendida a disposição do artigo 265 do mesmo diploma legal:
[…]
No mesmo sentido o artigo 1.518, caput, do CCB de 1916, vigente na época do infortúnio” – grifei.
A terceirização ilegal de mão de obra configura ato ilícito, nulo de pleno direito (CLT, art. 9º).
A responsabilidade pela reparação dos danos decorrentes desse ato ilícito é solidária a todos aqueles que contribuíram para a sua realização, na forma do artigo 1.518 do CC/1916, vigente à época do fato.
Com efeito, ao delegar serviços a terceiro contratado, o contratante, se o fizer a prestador inidôneo, incorrerá em culpa in eligendo; se descuidar da fiscalização no cumprimento das obrigações assumidas pelo terceiro contratado (ou por aqueles a quem este subcontratar), incorrerá em culpa in vigilando.
Em qualquer caso, haverá a incidência das regras previstas nos artigos 159 e 1.518 do Código Civil de 1916, diploma que regulava as relações civis ao tempo em que ocorrido o acidente noticiado na petição inicial.
Não se sustenta a alegação da ré ABB de que, no âmbito do direito do trabalho, a responsabilidade solidária somente tem amparo legal na regra do artigo 2º da CLT, na medida em que a própria Consolidação, em seu artigo 8º, abre a possibilidade de busca de subsídio em outras fontes normativas.
Relevante, aqui, salientar, que os direitos buscados na presente demanda têm como titulares a esposa e o filho do trabalhador falecido, tendo sido deduzidos com amparo legal no Código Civil e não na CLT.
Ainda que assim não se entendesse, a responsabilidade civil solidária das rés decorreria da função social do contrato e com a sua relatividade, estendendo seus efeitos a todos os terceiros que tenham obtido ganhos do negócio entabulado.
Com efeito, na forma como estruturada a relação comercial havida entre as rés, a hipótese contemplaria a formação de parceria empresarial com características análogas às de um grupo econômico, fazendo incidir ao caso a regra do artigo 2º, §2º, da CLT.
Precedentes deste Tribunal: RO 01283-2005-023-04-00-1, 2ª Turma, de minha relatoria, julgado em 02-09-2009; e ROPS 00161-2007-025-04-00-2, 1ª Turma, rel. Desª Ione Salin Gonçalves, publicado em 12-03-2008.
De outro lado, apenas porque requerido pela recorrente CIEN, esclareço que se afigura irrelevante para o deslinde do presente feito, se, em outra demanda, com substrato fático similar, ela restou absolvida da condenação.
Desse modo, mantenho a sentença que atribuiu às rés responsabilidade solidária pela reparação dos danos sofridos pelos autores.
2.6. Valor da indenização.
A sentença arbitrou a indenização devida aos autores em R$ 415mil, equivalentes a um mil salários mínimos vigentes à data da sua prolação, estabelecendo que, desse valor, 60% cabem ao autor Paulo Eduardo, e 40% à autora Roseli.
Para assim decidir, o julgado ponderou que a quantificação do dano moral deve levar em conta os critérios estabelecidos na lei de imprensa (intensidade do sofrimento do ofendido, gravidade, natureza e repercussão da ofensa, posição social e política do ofendido, intensidade do dolo ou grau da culpa do responsável e sua situação econômica), e que, sempre que possível, deve ser norteada pelo valor do salário mínimo.
Além disso, a decisão registrou que o valor arbitrado é razoável em face da dor experimentada pelos autores em razão da perda do ente querido, bem como serve para coibir ocorrências de eventos do jaez do noticiado neste feito, e não representa enriquecimento sem causa dos demandantes, na medida em que a vida humana perdida não tem preço.
A sentença ainda entendeu não se tratar de valor excessivo, em razão do porte econômico das rés (a ré ABB tinha, em 2004, capital social de mais de meio bilhão de reais).
As rés ABB e Inepar buscam a redução do valor, aduzindo que excessivo em face do dano experimentado.
O recurso merece parcial provimento.
Com efeito, venia ao entendimento da douta sentença quanto ao critério utilizado para a fixação do valor da indenização por danos morais, entendo que este deve ser estabelecido em conformidade com o interesse extrapatrimonial lesado e identidade em torno de casos análogos (critério pretoriano), em uma adequação da norma ao caso concreto.
Nesse passo, ao exame de precedentes deste Tribunal, observo que, em casos que versam sobre danos morais de sucessores de trabalhador morto em serviço, a jurisprudência vem estabelecendo o valor da indenização em patamar inferior àquele arbitrado pela sentença.
Com efeito, no RO 0110100-34.2008.5.04.0251, de minha relatoria (julgado em 12-05-2010), esta Turma Recursal estabeleceu a indenização em R$ 120mil, na proporção de R$ 60mil para cada sucessor.
No RO 0181500-96.2007.5.04.0331, a 6ª turma, em acórdão de relatoria da Des.ª Maria Cristina Schaan Ferreira (julgado em 21-10-2009), fixou o valor da indenização em R$ 170mil, na proporção de R$ 100mil para o filho e R$ 70mil para a viúva do trabalhador falecido.
No RO 0046600-26.2008.5.04.0111, a 2ª turma, em acórdão de relatoria da Des.ª Denise Pacheco (julgado em 15-12-2009), arbitrou a indenização aos sucessores do empregado morto no valor de R$ 232,5mil, proporcionalmente divididos em R$ 139,mil para a filha e R$ 93mil para a viúva.
Nesse contexto, tendo por base a média aritmética desses valores, entendo que, na hipótese, o valor da indenização devida aos autores melhor se amolda aos padrões adotados pela jurisprudência se fixado de forma global em R$ 175mil.
Fica mantida a divisão proporcional realizada pela sentença (60% para o filho e 40% para a viúva), porque não foi objeto de recurso pelos interessados.
Torno, pois, definitivo o valor das indenizações devidas no presente feito em R$ 105mil para o autor Paulo Eduardo, e em R$ 70 mil para a autora Roseli Aparecida.
Dou parcial provimento ao recurso das rés ABB e Inepar, para reduzir o valor da indenização por danos morais devida aos autores para R$ 175mil, divididos proporcionalmente em R$ 105mil para o autor Paulo Eduardo, e em R$ 70mil para a autora Roseli.
2.7. Honorários de advogado.
A sentença condenou as rés a pagarem aos advogados dos autores honorários assistenciais de 15% do valor bruto da condenação, com fundamento no art. 5º, inc. LXXIV, da CRB/88, e na lei 1.060/50 (arts. 4º e 11, §1º).
A ré ABB pede a reforma da sentença, aduzindo, em síntese, que, na hipótese, não restaram atendidos os requisitos da lei 5.584/70.
O recurso não merece provimento.
Com efeito, é entendimento da Turma que, por força do artigo 5º, inc. LXXIV, da CRB/88, o direito dos advogados de receber honorários nos processos em que seus constituintes forem vencedores decorre pura e simplesmente da aplicação da lei 1.060/50, sendo necessário, para esse fim, apenas e tão-somente que a parte por eles representada apresente declaração em que ateste a sua miserabilidade jurídica, requisito que, no caso, restou atendido, por meio da declaração feita à fl. 14.
Ademais, versa a presente demanda de ação trabalhista lato sensu, de maneira que a condenação da ré ao pagamento de honorários aos advogados do autor decorre também do entendimento contido na Instrução Normativa n.º 27 do Tribunal Superior do Trabalho.
Nego provimento.
3. Prequestionamento.
A decisão adota tese explícita sobre toda a matéria em discussão na lide, não violando as súmulas de Tribunais Superiores, nem tampouco os dispositivos constitucionais e legais invocados pelas partes, os quais, para todos os efeitos, declaro prequestionados.
Ante o exposto,
ACORDAM os Magistrados integrantes da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: preliminarmente, por unanimidade de votos, afastar a prefacial de não conhecimento do recurso da parte autora, preconizada pela ré ABB em suas contrarrazões recursais. No mérito, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso dos autores. Por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso da ré CIEN. Por unanimidade de votos, dar parcial provimento aos recursos das rés Inepar e ABB, para reduzir o valor da indenização por danos morais devidas aos autores para R$ 175mil, divididos proporcionalmente em R$ 105mil para o autor Paulo Eduardo, e em R$ 70mil para a autora Roseli. Valor da condenação reduzido para R$ 175mil, para os fins legais.
Intimem-se.
Porto Alegre, 16 de junho de 2010 (quarta-feira).
Ricardo Martins Costa
Relator
Anexo julgado 12 nº 0047500-14.2009.5.04.0001
“EMENTA: Justa Causa. A prova da justa causa deve ser robusta e indubitável no que respeita aos fatos ensejadores da motivação da despedida, não se prestando para tal documentos confeccionados de forma unilateral pelo empregador.”
VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pela Exma. juíza titular da 1ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo recorrente CARREFOUR COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA. e recorrido PABLO GEOVANI DOS SANTOS.
Irresignada com a sentença das fls. 61-6, que julgou a ação procedente em parte, proferida pela juíza Lais Helena Jaeger Nicotti, a reclamada interpõe recurso ordinário às fls. 79-85, buscando a reforma da decisão quanto à justa causa, indenização por dano moral e honorários advocatícios.
Com contrarrazões às fls. 92-3, sobem os autos a este Tribunal para julgamento e são distribuídos na forma regimental.
É o relatório.
ISTO POSTO:
1. Justa causa
Na sentença, a nobre magistrada de origem afasta a justa causa aplicada ao autor para a despedida, sob o fundamento de inexistir prova efetiva da prática de algum ato enquadrável nas hipóteses do art. 482 da CLT.
A reclamada recorre, sustentando que o autor não trouxe aos autos quaisquer elementos capazes de infirmar os documentos juntados com a defesa que demonstram a justa causa da despedida. Argumenta que a prova testemunhal, especialmente, a testemunha arrolada pelo autor que presenciou o fato originário da justa causa, descreve de forma detalhada as ofensas noticiadas. Destaca que a única prova existente nos autos sobre a motivação da despedida são os documentos que acostou, os quais não foram impugnados ou infirmados por outra prova qualquer. Entende que provou a justa causa para a despedida do autor.Sinala que a ausência de assinatura do autor no aviso de dispensa não o invalida, porquanto esse documento serve para dar ciência ao autor da despedida, estando, inclusive, assinado por duas testemunhas. Requer que seja mantida a justa causa aplicada.
Analiso.
É incontroverso que o autor foi admitido como frentista pela reclamada, em 23/07/2007, sofrendo acidente de trabalho em 12/01/2009, tendo usufruído de auxílio doença acidentário até 15/03/2009, retornando ao trabalho e sendo detentor de garantia provisória no emprego conforme dispõe o art. 118 da Lei nº 8.213/91.
A reclamada junta declarações de próprio punho de dois de seus empregados que afirmam ter presenciado o autor agredir o gerente com palavras de baixo calão, desacatando ordem dada por esse (fls. 38-9), bem como aviso de advertência datado de 07/04/2009, no qual o autor é advertido de que “desacatou ordem direta do gerente e dispensa” (fl. 40), o qual não está firmado pelo autor, apenas por duas testemunhas, cujas assinaturas são semelhantes às assinaturas das declarações antes mencionadas.
Na fl. 41, a reclamada apresenta um termo de apuração de quebra de procedimento disciplinar/administrativo, no qual descreve a alegada conduta do autor.
E, na fl. 42, consta o aviso de despedida por justa causa, datado de 13-04-2009, também firmado pelas mesmas duas testemunhas já referidas, “de acordo com o Artigo 482 da CLT, “pelos motivos que já lhe foram informados”. Referidos motivos não estão especificados na comunicação de despedida. Apenas a defesa refere que a despedida teria ocorrido por ato de insubordinação do autor, consistente em afronta ao gerente do posto em que laborava, o que teria acontecido em 07/04/2009.
Desde logo, constata-se que, se verazes os fatos relatados pela demandada quanto a ter desacatado cliente e, posteriormente, seu gerente no dia 07 de abril, o autor teria sofrido dupla punição pelo mesmo fato – foi advertido pelo pretenso mal comportamento no dia 07 de abril e, posteriormente, em 13-04-2009, despedido por justa causa em razão daquele mesmo comportamento.
A prova oral, todavia, sequer confirma tenha efetivamente o autor incorrido em alguma falta passível de punição.
Na audiência de instrução (fl. 58), o depoimento do preposto não esclarece os fatos alegados pela demandada para aplicar a penalidade de justa causa ao autor, mostrando-se, inclusive, contraditório quanto à data dos alegados fatos:
“(…) que no dia da despedida o reclamante se desentendeu com um cliente e quando foi advertido pelo gerente Charles, o reclamante se desentendeu com o mesmo, inclusive, proferindo palavras de baixo calão; que isso ocorreu no dia 13 de abril; que ao que sabe a depoente, esse foi o único incidente envolvendo o reclamante no local de trabalho, já que vinha trabalhando normalmente; que o reclamante foi despedido nesse mesmo dia”.
Por sua vez, o autor afirma, em depoimento (fl. 58), corroborando o que narrou na petição inicial, o desconhecimento dos motivos pelos quais foi despedido, ou qual ato cometeu para receber como punição uma justa causa para a despedida:
“(…) que quando chegou esse dia 07 de abril, quando apareceu para trabalhar no antigo local de trabalho, o chefe Charles lhe disse que não era mais para trabalhar lá e iria verificar sua situação, já que contava com estabilidade de um ano, sendo que o depoente ficou aguardando, mas nenhuma explicação lhe foi dada; que ficou sem trabalhar durante 8 dias, quando recebeu um telefonema pedindo que fosse na empresa, quando lhe entregaram um aviso comunicando que estava sendo despedido por justa causa; que isso ocorreu no dia 13.04.09; (…) que o depoente, inclusive, fez ocorrência policial por estar sendo impedido de trabalhar; que não houve qualquer discussão ou briga entre o depoente e o chefe Charles, em que pese no dia em que o referido gerente lhe impediu de trabalhar, no dia 07 de abril, foi um tanto ríspido, mandando tirar a roupa de trabalho, inclusive, chamando a polícia (…)”.
A justa causa para a despedida do empregado encontra amparo no art. 482 da CLT, o qual enumera hipóteses taxativas e exaustiva, as quais devem ser objeto de prova robusta que não deixe dúvidas sobre a ocorrência de alguma delas, cujo ônus incumbe à empregadora.
Os mencionados documentos que a reclamada junta como prova da ocorrência da justa causa, não se prestam para justificar a justa causa, porquanto confeccionados unilateralmente, sem qualquer força probatória com relação aos fatos neles descritos. Assim, a prova da justa causa inexiste nos autos da forma como a lei a exige, ou seja, uma prova robusta que não crie dúvidas quanto à prática por parte do empregado de atos que autorizem a denúncia cheia do contrato de trabalho por parte do empregador.
E como bem referido na sentença, a própria reclamada, na audiência de instrução, afirma através do depoimento do preposto, que o fato mencionado como motivação para a despedida, foi o único praticado pelo autor no curso do contrato de trabalho, do que se infere também a ausência de gradação das punições ao empregado, considerando-se que houvesse a prova das ofensas alegadas ao gerente, as quais não restaram sequer comprovadas nos autos.
Ademais, a única testemunha ouvida, arrolada pelo autor, cliente do posto, afirma não ter visto qualquer grosseria por parte do empregado com os clientes, colegas ou gerente.
Logo, inarredável a conclusão de que a reclamada não logrou demonstrar que o autor agiu de forma a ser enquadrado numa das hipóteses do art. 482 da CLT, não havendo elementos nos autos a autorizarem a reforma da sentença que é mantida por seus judiciosos fundamentos.
2. Indenização por dano moral
O juízo a quo defere ao autor a indenização por dano moral pleiteada, no valor de R$ 10.000,00, fundamentando que a conduta da reclamada, ao tentar caracterizar uma justa causa que não aconteceu, agiu com abuso de direito, desrespeitando os direitos da personalidade e dignidade do empregado.
A reclamada busca a reforma, argumentando inexistir prova nos autos de que tenha se conduzido de forma ilícita, bem como do dano alegado pelo autor. Sustenta que não estão presentes os requisitos para a ocorrência do dano moral, aduzindo que agiu dentro dos limites constitucionais, especialmente o inc. LIV do art. 5º da Constituição da República. Requer, caso mantida a condenação, a redução do valor arbitrado sob pena de haver enriquecimento sem causa do autor.
Analiso.
O fato alegado pelo autor, na petição inicial, como ensejador de dano moral diz respeito a ter sido injustamente advertido, recebido tratamento autoritário e arbitrário do gerente, na frente de colegas e clientes, sendo impedido de trabalhar. Afirma que esses atos tiveram como finalidade forjar uma situação para que pudesse ser caracterizada uma justa causa para a despedida, porque se encontrava em período de garantia provisória acidentária de emprego. Sustenta que as graves ofensas sofridas no local de trabalho, na frente de colegas e clientes, com a presença da polícia que foi chamada, a despedida por uma justa causa que inexistiu, bem como a ausência de baixa na CTPS, pagamento das parcelas rescisórias e fornecimento das guias do seguro desemprego causaram-lhe sofrimento moral e psicológico.
Em depoimento, o autor afirma que, no dia 07 de abril, ao chegar para trabalhar, o gerente do posto o dispensou do trabalho, dizendo que não ele não iria mais trabalhar lá, ficando na expectativa de ser chamado para trabalhar até dia 13 de abril, quando foi despedido por justa causa. Esclarece o seguinte (fl. 58):
“(…) que nesse meio tempo, entre o dia 7 e 13 de abril, o depoente ligava todos os dias para a empresa para saber se podia trabalhar ou não; que o depoente, inclusive, fez ocorrência policial por estar sendo impedido de trabalhar; que não houve qualquer discussão ou briga entre o depoente e o chefe Charles, em que pese no dia em que o referido gerente lhe impediu de trabalhar, no dia 07 de abril, foi um tanto ríspido, mandando tirar a roupa de trabalho, inclusive chamando a polícia; que nesse dia o depoente ficou do lado de fora do estabelecimento reclamado com a roupa de trabalho na mão, aguardando se iria poder trabalhar ou não”.
A reparação pelo dano moral encontra respaldo no art. 5º, inciso X, da Constituição Federal, segundo o qual “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Portanto, a indenização por dano moral se justifica sempre que comprovado que o empregado foi atingido em sua esfera de valores não patrimoniais. Tem-se que o pressuposto básico do cabimento da reparação do dano moral é a ofensa ou violação a um direito de personalidade.
Na lição de Orlando Gomes, dano moral “é o constrangimento que alguém experimenta em conseqüência de lesão a direito personalíssimo, ilicitamente produzida por outrem”.
Como ensina Valdir Florindo, dano moral é “aquele decorrente de lesão à honra, à dor-sentimento, ou física, aquele que afeta a paz interior do ser humano, enfim, ofensa que cause um mal, com fortes abalos na personalidade do indivíduo. Pode-se dizer com segurança que seu caráter é extrapatrimonial, contudo é inegável seu reflexo sobre o patrimônio. A verdade é que podemos ser lesados no que somos e não tão somente no que temos.” (in Dano Moral e o Direito do Trabalho, São Paulo, LTr, 1995, p. 34).
Assim, a lesão ensejadora de reparação deve ser de caráter especial e não somente aquela genérica, que nasce de qualquer contrariedade aos interesses pessoais da parte, mas efetivamente deve abalar o conceito que o empregado tenha de si, vindo a contaminar, inclusive, o seu círculo de relações.
No caso, o autor não demonstra a conduta abusiva da reclamada no que se refere às ofensas mencionadas na petição inicial. Ao contrário, no depoimento prestado, afirma que no dia em que foi impedido de trabalhar não houve qualquer discussão ou briga, referindo apenas que o gerente foi “um tanto ríspido” e chamou a polícia.
A ocorrência policial juntada à fl. 12, na qual ele relata que o gerente o impediu de trabalhar de forma “agressiva”, foi registrada em 09/04/09, ou seja, dois dias após o fato ocorrido.
Ora, se por um lado a reclamada não logrou demonstrar os motivos alegados para a despedida, por outro, o autor, tampouco, fez prova das ofensas alegadas, afirmando em juízo a inexistência de agressões e discussão quando ocorreu o fato.
Desse modo, o fato em si, ter sido impedido de trabalhar, não se mostra suficiente para ensejar o reconhecimento ou a presunção da existência de um abalo moral suficiente a demandar uma reparação. Ainda que a conduta da reclamada tenha se mostrado censurável, porquanto forjou uma justa causa para a despedida tendo em vista que o autor gozava de garantia provisória no emprego, a reparação do prejuízo sofrido já possui guarida na própria legislação trabalhista, com a reintegração do empregado ao emprego, providência essa já determinada na sentença. E com a reintegração ao emprego, os demais prejuízos alegados, de ordem trabalhista, restam reparados em face da condenação havida na sentença.
Ademais, se a conduta da reclamada causou o alegado dano moral, mostra-se contraditória a pretensão do autor em retornar ao trabalho, correndo riscos de se submeter a mais sofrimento psicológico por conta da empregadora que já manifestou não ter mais interesse na manutenção do contrato de trabalho, mas que, por força da lei, é obrigada a manter.
Neste contexto, tem-se que os relatos do autor acerca dos fatos não são hábeis a caracterizar ilícito civil, não ensejando o reconhecimento de dano moral a atrair a responsabilidade civil do empregador ou o dever de indenizar, devendo haver a reforma da sentença para excluir a condenação ao pagamento da indenização arbitrada a esse título.
3. Honorários assistenciais
A reclamada busca afastar a condenação ao pagamento da verba honorária, sustentando que a Constituição da República não revogou ou alterou a Lei nº 5.584/70, cujos requisitos não estão atendidos pelo autor.
Analiso.
Adota-se o entendimento de que, declarada pelo reclamante sua insuficiência econômica (fl. 06), são devidos os honorários assistenciais, na base de 15% do montante da condenação (considerado o valor bruto devido), pela aplicação dos dispositivos da Lei nº 1.060/50, ainda que não tenha sido juntada credencial sindical. Isso porque a partir da Emenda Constitucional nº 45/2004, com o aumento da competência material da Justiça do Trabalho, a jurisprudência até então dominante – no sentido de que os honorários somente eram devidos quando preenchidos os requisitos da Lei nº 5.584/70 – começa a ceder espaço ao entendimento de que a assistência judiciária aos necessitados, incumbência expressamente conferida ao Estado por disposição constitucional (art. 5º, LXXIV), não pode permanecer adstrita ao monopólio sindical, sob pena de configurar-se afronta ao princípio de isonomia inscrito na Constituição Federal.
Ante o exposto,
ACORDAM os Magistrados integrantes da 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: Por unanimidade de votos, dar provimento parcial ao recurso da reclamada para excluir da condenação o pagamento da indenização por dano moral. Valor da condenação reduzido em R$ 10.000,00 e das custas em R$ 200,00 para os efeitos legais.
Intimem-se.
Porto Alegre, 7 de outubro de 2010 (quinta-feira).
Carmen Gonzalez
Relatora
Anexo julgado 13 nº 10492-2008-761-04-00-2
“EMENTA:
DANO MORAL. LISTA NEGRA. RESTRIÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO AO EMPREGADO. ATO ILÍCITO. DANO MORAL CONFIGURADO. REPARAÇÃO INDENIZATÓRIA DEVIDA. Configura ato ilícito do empregador, balizador de indenização por dano moral, a confecção de lista negra e sua divulgação a outras empresas do mesmo ramo de atividade, com o intuito de impedir e/ou dificultar a contratação de ex-empregados que ajuizaram ação trabalhista, em flagrante violação à intimidade, à vida privada, à honra e/ou à imagem da pessoa, a teor do preceituado no art. 5º, X, da CF, configurador de dano moral. Indenização devida à luz dos arts. 186 e 927 do CC.
VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pela MM.ª Juíza Graciela Maffei, da Vara do Trabalho de Triunfo, sendo recorrentes NAVEGAÇÃO ALIANÇA LTDA. E EMERSON RICARDO DOS SANTOS CAPELA e recorridos OS MESMOS.
Inconformados com a sentença de parcial procedência proferida no feito, a ré interpõe recurso ordinário e o autor recurso adesivo, consoante as razões juntadas, respectivamente, às fls. 315/353 e 380/387.
A ré objetiva a reforma da decisão nos seguintes aspectos e pelos seguintes fundamentos: inépcia da petição inicial (sustenta ser inepta a petição inicial, por apresentar defeitos que inviabilizam a ampla defesa e o contraditório, acarretando graves prejuízos. Aduz que não há especificação acerca do dano alegadamente sofrido pelo autor, sobre quando e como ocorreu a inclusão do nome na suposta lista negra ou de quem teria praticado tal ato, o que, segundo defende, traduz-se em causa de pedir indeterminada, em afronta ao disposto nos arts. 282 e 286 do CPC); prescrição (sustenta deva ser aplicada a prescrição trabalhista ao caso dos autos, e não a prescrição trienal civil, uma vez que declarada a competência desta Justiça do Trabalho para o feito e também porque se trata de demanda com origem na relação de emprego. Assevera estar prescrito o direito de ação, porquanto o marco inicial da prescrição é a extinção do contrato de trabalho, tendo a presente demanda sido ajuizada mais de dois anos após referido evento); litigância de má-fé – CTPS (assevera que o demandante somente apresentou sua CTPS porque forçado a tanto, via determinação judicial. Afirma estar demonstrado pelo citado documento que o autor jamais foi banido do mercado de trabalho no ramo de navegação, requerendo “seja reconhecida não ter sido o autor banido do mercado de trabalho, bem como, que o mesmo litiga de má-fé [sic]”); nulidade do processo – cerceamento de defesa (aduz ter sido cerceada sua defesa, uma vez que as testemunhas convidadas a depor pelo autor não possuem isenção de ânimo, por ser evidente a troca de favores em razão do ajuizamento de ações idênticas e representados pelo mesmo procurador, circunstância que, embora não elencada no art. 829 da CLT, gera presunção nesse sentido e torna inaplicável a súmula 357 do TST. Requer, em razão disso, sejam desconsiderados os depoimentos das testemunhas arroladas pelo demandante, ou, no mínimo, considerados com a devida cautela); indenização por dano moral – lista negra – quantum indenizatório (sustenta que a condenação ditada na origem fundamenta-se exclusivamente nos depoimentos das testemunhas arroladas pelo autor, as quais, segundo reitera, não possuem isenção de ânimo para depor, uma vez que ajuizaram ações idênticas à do autor e são representadas pelo mesmo advogado. Afirma, por outro lado, que as testemunhas que convidou a depor corroboram a sua tese – da defesa –, não havendo nos autos nenhum elemento que permita verificar a diminuição ou destruição do patrimônio jurídico do autor. Aduz que a prova testemunhal é inapta a demonstrar o dano alegado pelo demandante, comprovando, ao contrário, a tese defensiva de que jamais houve restrição no seu mercado de trabalho, inclusive no ramo da navegação. Pondera que o dano moral não se caracteriza somente pelo mero desconforto ou pelo sentimento de quem supõe ter sofrido algum prejuízo dessa ordem, sendo necessário prova cabal quanto ao aspecto, o que, no caso dos autos, entende inexistente, especialmente pela ausência de prova acerca da existência material da lista negra. Sustenta ser necessário, para caracterização da responsabilidade civil, a presença de uma ação culposa ou dolosa do agente, do prejuízo e do nexo de causalidade, nos termos dos arts. 186, 187 e 927 do CC, cujo ônus pertencia ao demandante e do qual, conforme defende, não se desincumbiu. Aduz que há um grande rodízio entre os trabalhadores do ramo da navegação, os quais muitas vezes acabam por retornar aos seus antigos empregos, o que não seria viável se efetivamente ocorresse discriminação e perseguição por parte dos empregadores. Pondera que o fato de um número expressivo de trabalhadores ter constituído o mesmo procurador e formulado denúncias de igual teor, genéricas, evidencia a intenção de enriquecimento ilícito por parte dos ex-empregados. No que tange ao quantum da indenização, assevera não haver prova idônea acerca da divulgação da suposta lista negra e afirma que, no geral, as empresas não contratam ex-empregados, atitude que se insere na sua esfera privada e não constitui ato ilícito. Aduz que não está provada ofensa ao princípio da busca pelo pleno emprego e, em razão disso, entende exagerado o quantum indenizatório fixado na origem, no valor de R$ 10.000,00, requerendo a redução para no máximo 05 salários-mínimos, equivalente a R$ 2.325,00, considerando, além do seu potencial econômico e o caráter punitivo-pedagógico, os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, a condição pessoal do ofendido e a extensão do dano).
O autor objetiva a reforma da decisão nos seguintes aspectos e pelos seguintes fundamentos: quantum indenizatório (sustenta ser ínfimo o valor fixado na origem a título de indenização por dano moral, considerando a gravidade do ato praticado pela demandada, tal como comprovado pela prova oral. Argumenta que a repercussão da lista negra produziu uma devastação generalizada e causou-lhe um prejuízo moral e material, em relação ao qual o valor arbitrado nada representa, no sentido de minimizar a degradação da sua dignidade. Alega que a demandada é uma das maiores empresas do ramo da exploração dos serviços de estaleiros e navegação no Rio Grande do Sul, razão pela qual o valor fixado nada tem de punitivo, representando na verdade um estímulo para que a demandada continue praticando os mesmos atos. Assevera, por fim, que a majoração do quantum indenizatório pretendido na petição inicial não representa enriquecimento sem causa, porquanto é trabalhador inserido no mercado de trabalho, com profissão especializada e de grande relevância no referido ramo de atividade, razão pela qual a lesão sofrida assume proporções maiores do que em relação a outros empregados); honorários de assistência judiciária (sustenta fazer jus aos honorários de assistência judiciária, porquanto a Constituição da República assegura a todos a assistência judiciária sem vincular a forma de representação, defendendo ser inconstitucional o monopólio sindical quanto a esse aspecto. Aduz que a Lei 5.584/70 não estabelece exclusividade de representação relativamente à assistência judiciária, bem assim que tal verba é devida por força da Lei 1.060/50. Afirma, ainda, que a edição da súmula 329 do TST é anterior à vigência do Estatuto da OAB, o qual assegura que os honorários pertencem ao advogado).
Com contrarrazões (fls. 360/375 e 391/400), sobem os autos ao Tribunal para julgamento dos recursos.
É o relatório.
ISTO POSTO:
RECURSO DA RÉ – ORDINÁRIO.
1. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL.
Rejeito o recurso quanto à inépcia da petição inicial, na medida em que preenchidos os requisitos mínimos estatuídos no § 1º do art. 840 da CLT, o qual exige apenas “… uma breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, …”, requisito satisfatoriamente atendido pelo autor, sendo de inequívoca inteligibilidade o todo da petição inicial e de absoluta congruência a sua fundamentação com os pedidos deduzidos. Ademais disso, a recorrente não teve dificuldade em contestar quaisquer dos pedidos do autor (fls. 15/18), não se cogitando, pois, nem por isso, de inépcia da petição inicial.
2. PRESCRIÇÃO TOTAL.
A MM.ª Juíza, entendendo aplicável ao caso – ação de indenização por danos moral e material – a prescrição disciplinada no art. 206, § 3º, V, do CC, rejeitou a arguição de prescrição total do direito de ação deduzida em contestação. Contra isso se insurge a recorrente, nos termos em que relatado.
A ação foi ajuizada em 28.10.2008, visando à condenação da recorrente ao pagamento de indenizações por danos moral e material decorrentes de alegado ato ilícito da ex-empregadora, consistente, nos termos da petição inicial, na inclusão do autor em uma lista denominada “lista negra”, na qual consta os nomes de empregados que ajuizaram ações trabalhistas e que não deveriam ser mais contratados pelas empresas do mesmo ramo de atividade da recorrente (transportes marítimos/fluviais e reparos navais), no qual a recorrente detém forte influência. Alega o demandante que lhe foram negados empregos em diversas tentativas, razão pela qual entende ter sofrido abalos material e moral cujas indenizações postula.
É incontroverso que o alegado ato ilícito ocorreu após a extinção do contrato de trabalho havido entre o demandante e a recorrente. Por outro lado, não resta dúvida de que o demandante somente tomou conhecimento da alegada “lista negra” após ter movido ação trabalhista (processo 1006200-74.2007.5.04.0761), a qual foi ajuizada em 22.03.2007 (fl. 33), uma vez que é o próprio ajuizamento da ação a circunstância que dá origem à inclusão no nome do trabalhador na lista, não podendo o fato, portanto, ter se dado em momento anterior.
Na hipótese dos autos, entretanto, isso considerado, não há cogitar de prescrição, seja a prescrição civil regulamentada no art. 206 do CC (trienal), seja a prescrição trabalhista disciplinada no art. 7, XXIX, da CF (bienal), porquanto decorrido pouco mais de um ano desde o fato configurador do ato alegado ilícito e cuja autoria é atribuída à recorrente.
Nego provimento.
3. NULIDADE DO PROCESSO. CERCEAMENTO DE DEFESA.
A recorrente pretende sejam desconsiderados os depoimentos das testemunhas arroladas pelo autor, sob o fundamento de que não possuem isenção de ânimo, por terem ajuizado ação com idênticos pedidos aos do demandante, conforme relatado.
Rejeito a nulidade arguida pela recorrente. Primeiramente, porque as testemunhas Nivaldo Martins e Vinícius Dória, como se observa do termo de audiência juntado às fls. 274/279 (prova adotada por empréstimo), sequer foram contraditadas no momento oportuno, não podendo ser enfrentada a questão por vez primeira neste grau de jurisdição. Em segundo lugar, porque, ainda que a testemunha Odemar Oliveira tenha sido contraditada (e rejeitada a contradita), tal prova, como dito, foi adotada por empréstimo, mediante convenção das partes – como não poderia deixar de ser – em relação ao depoimento de todas as testemunhas convidadas a depor pelo demandante, tal como consignado no termo de audiência juntado à fl. 272, in verbis: “Pela ordem, as partes ajustam a utilização em parte da prova oral produzida no processo 10495-2008-761-04-00-6 para fins de instrução no presente feito, aproveitando-se o depoimento do preposto da reclamada, das testemunhas convidadas pelo reclamante Nivaldo Martins, Odemar Oliveira e Vinícius Dória (…)” (sublinhei). Não pode a recorrente, após convencionar livremente a adoção, por empréstimo, dos depoimentos das indigitadas testemunhas, sem opor ressalva de qualquer espécie, pretender que sejam desconsiderados tais depoimentos sob o argumento de ausência de isenção de ânimo.
Ademais, ainda que se pudesse, neste caso, considerar impedida a testemunha, a solução, para o caso concreto destes autos, não aponta para a pretendida desconsideração do depoimento prestado. A questão encerra mera avaliação da prova em seu conjunto, que dará ou não respaldo às pretensões da petição inicial e/ou recursais, importando mantença ou reforma do sentenciado, exclusivamente.
Nego provimento.
4. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO.
A MM.ª Juíza condenou a recorrente ao pagamento de R$ 10.000,00 a título de indenização por dano moral, sob o fundamento de que, com base na prova oral adotada por empréstimo, a recorrente incluiu o nome do autor em uma “lista negra”, impedindo que fosse contratado por empresas do mesmo ramo de atividade, além de vedar o acesso do autor em suas embarcações quando estas estavam em poder das prestadoras de serviço. Com isso não se conforma a recorrente, nos termos já relatados.
A sentença, proferida com profundo, cuidadoso e minudente exame e adequada valoração da prova e dos fatos, de ilustre lavra, não comporta reforma.
Pelo seu apreciável conteúdo jurídico – mercê da bagagem jurídica e da acurada sensibilidade social da sua zelosa prolatora – que bem explicita e define a ilicitude do ato praticado pela recorrente, inquestionavelmente agressivo do mais elementar senso de dignidade da pessoa humana, da cidadania, bem assim do valor social do trabalho (cunhados na constituição como fundamentos pilares da República Federativa do Brasil), adoto a bem lançada decisão como razões de decidir, também por justa homenagem à sua ilustre prolatora:
“O reclamante alega ter movido ação trabalhista em face da reclamada em razão de não ter recebido as parcelas rescisórias e outras decorrentes do contrato de emprego mantido com esta, a qual foi julgada parcialmente procedente. Afirma ter a reclamada elaborado uma “lista negra”, na qual constam os nomes dos empregados que ajuizaram reclamatórias trabalhistas, a qual esta vem repassando para as empresas do mesmo ramo de atividade que lhe prestam serviços. Assevera que a reclamada exige dessas empresas o despedimento desses empregados, caso tenham sido estes admitidos. Aduz ter sido despedido após admissão em outra empresa, devido à pressão exercida pela reclamada. Sustenta não conseguir emprego em outras empresas, em que pese a existência de vagas, também em função da influência da reclamada. Refere que, pela influência da reclamada e pela especialidade da mão-de-obra do ramo de atividade, esta acaba por restringir o seu acesso ao mercado de trabalho. Entende que, nessa situação, a possibilidade de emprego fica condicionada à inexistência de ações judiciais movidas pelos candidatos às vagas existentes no mercado de trabalho, o que afronta o direito de ação constitucionalmente previsto e constitui prática discriminatória. Refere estar caracterizado o ato ilícito pela reclamada pela inclusão do seu nome nessa lista, a qual é formulada para expor e fragilizar o trabalhador, pois impede o acesso e a manutenção da relação de emprego e impinge falso caráter desabonador ao empregado que se socorreu da Justiça. Alega que a inclusão do seu nome na lista expõe a sua honra e a sua moral. Afirma não conseguir novo emprego desde que foi despedido pela reclamada. Por conta disso, postula a condenação da reclamada ao pagamento de indenização por danos morais, correspondentes a 200 vezes a remuneração média atualmente paga à sua função, e de indenização por danos materiais, correspondente ao seu salário médio mensal, enquanto sofreu essa discriminação e esteve impedido de obter novo emprego.
A reclamada, em sua contestação, nega a existência da alegada “lista negra” por ela criada ou divulgada. Afirma que a dificuldade do reclamante em ser admitido em novo emprego advém de situações que não lhe podem ser imputadas, como o despreparo profissional, o perfil buscado pelos empregadores ou a falta de vagas. Ressalta que o reclamante não foi seu empregado, razão pela qual a empresa contratante não poderia tomar ciência da existência de qualquer ação trabalhista. Entende que o ato ilícito que tenha provocado o dano deve ser inequivocamente provado. Opõe-se ao pedido de indenização por danos morais, por ausentes os seus requisitos, assim como impugna o valor pretendido a este título, por ser este abusivo e causador de enriquecimento ilícito do reclamante. Quanto aos danos materiais, sustenta que o reclamante não comprovou os alegados danos, razão pela qual reputa indevido o pedido.
Trata-se o presente feito de ação promovida pelo reclamante com pedido de indenização por dano material e moral decorrente de ato ilícito, embasado em suposta responsabilidade civil da reclamada por dano alegadamente sofrido pelo reclamante.
Inicialmente, verifico que o ato ilícito supostamente praticado pela reclamada, conforme alegações da inicial, resume-se à inclusão do nome do reclamante em uma suposta “lista negra” de conhecimento dos empregadores do ramo de atividade da reclamada, o que impede a admissão do reclamante ou, quando superada essa dificuldade, provoca o seu despedimento imotivado.
Observo que o objeto da demanda constitui uma situação extremamente grave, pois versa sobre ato discriminatório alegadamente praticado pela reclamada, o que fere o direito ao pleno emprego, previsto no art. 170 da Constituição Federal. Considerando a gravidade do caso e a repercussão social, deve-se analisar cuidadosamente os seus elementos.
Nesse passo, considerando a possibilidade de existência do ato discriminatório, verifico que a primeira dificuldade diz respeito à prova do ato ilícito, no caso, a existência da mencionada lista e a inclusão do nome do reclamante nesta, o que é extremamente difícil, como destaca Sérgio Pinto Martins (in Direito do Trabalho, 23. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 487). A dificuldade repousa na própria natureza da lista que, se existente, evidentemente ficaria acessível somente à reclamada e aos demais empregadores, e não aos trabalhadores, de modo que não é exigível ao reclamante a apresentação da lista na forma de documento escrito.
Ademais, entendo que a “lista negra” pode não se manifestar em forma concreta, física, em um documento específico, podendo ser entendida como a mera troca de informações sobre os empregados entre as empresas, cada uma registrando os dados a seu modo. Aliás, caso verídica a ocorrência da lista, é presumível que sua existência se deu de forma dissimulada, porquanto se trata de ato ilícito.
Por todos esses motivos, entendo não ser exigível do reclamante a apresentação material da lista, a qual pode existir, como explanado, em meio não-material, o que não pode ser impeditivo para a análise do problema, sob pena de se prejudicar a proteção do trabalhador. Assim, deve-se investigar sobre a ocorrência das consequências da lista (no caso, a discriminação), cuja existência levaria, pela construção do raciocínio inverso, à conclusão de que realmente houve a elaboração desta – aliás, a nocividade não reside na lista em si, mas na discriminação dela decorrente.
Nesse passo, observo que a prova testemunhal produzida nos autos do processo n. 10495-2008-761-04-00-6, tomada como prova emprestada, demonstra a ocorrência de ato discriminatório. Assim é que a testemunha Nivaldo Martins, em seu depoimento (fls. 275-276), afirma que os empregados que ajuizaram reclamatórias trabalhistas contra a reclamada são proibidos de entrar no seu estaleiro ou em outro que esteja prestando serviços a esta, o que configura, por si só, ato discriminatório.
Afora isso, a testemunha afirma que recorda de ter observado o engenheiro da reclamada, sr. Flávio Balestrin, nas prestadoras de serviços contratadas pela reclamada, sendo que, poucos dias após a vistoria realizada por este, os empregados que haviam movido ação judicial em face da reclamada foram despedidos.
Evidentemente, não há qualquer proibição da realização da vistoria pelo engenheiro da reclamada, o que é até necessário, considerando a complexidade das tarefas, de modo que a simples realização desse procedimento não pode ensejar sequer a presunção da discriminação. Entretanto, pelos termos do depoimento da testemunha Nivaldo, claro está que, além de realizar os procedimentos técnicos necessários, o representante da reclamada tomava conhecimento dos empregados nas empresas terceirizadas, informação utilizada para, mais uma vez, promover a discriminação dos empregados, como de fato ocorreu, segundo o relato da testemunha, com o despedimento daqueles que haviam ajuizado ação trabalhista contra a reclamada.
Esse fato, aliás, é confirmado pela testemunha Odemar Oliveira, que, em seu depoimento (fls. 276-277), afirma que o engenheiro da reclamada toma ciência dos empregados das terceirizadas que trabalham nas suas embarcações, sendo que, caso tenham movido alguma reclamatória, acabam sendo despedidos. Importante destacar que esta testemunha relata que, caso o empregado estivesse laborando em embarcação de outra empresa, não havia qualquer consequência, o que demonstra que a discriminação era perpetrada especificamente pela reclamada.
Além disso, a testemunha Odemar afirma que a última vez e que trabalhou para uma prestadora de serviços para a reclamada foi em 2006, na cidade de Triunfo, mas fora obrigado a laborar no horário noturno para que a reclamada não tomasse conhecimento (fl. 276). Destaco que, atualmente, a testemunha trabalha no ramo da navegação para uma empresa de Lajeado que não presta serviços à reclamada, o que reforça o entendimento de que a reclamada exerce influência nas empresas de sua região e de seu ramo de atividade a fim de restringir o acesso de seus ex-empregados que lhe moveram reclamatória trabalhista, restringindo o acesso destes ao mercado de trabalho, ao menos referente às suas embarcações, a tal ponto que a testemunha somente conseguiu emprego em cidade distante.
De forma absolutamente convergente com os depoimentos anteriores, a testemunha Vinícius Dória, em seu depoimento (fls. 277-278), afirma que foi despedido dos estaleiros em que trabalhava quando estes receberam embarcações da reclamada, nas quais está impedido de adentrar por ter movido ação trabalhista contra a reclamada, conforme explicação recebida pelo seu supervisor em um destes estaleiros. Afora isso, assim como ocorrido com a testemunha Odemar, a testemunha Vinícius também teve de trabalhar no horário noturno quando, no momento em que foi empregado de outra empresa prestadora de serviços à reclamada, teve de trabalhar em uma embarcação desta.
O depoimento da testemunha Wilson Vieira da Cruz (fl. 278), embora indique em sentido contrário, não é capaz de infirmar os depoimentos testemunhais anteriores, os quais foram unívocos em demonstrar a postura discriminatória adotada pela reclamada.
Primeiramente, o fato de a testemunha Wilson, prestador de serviços à reclamada, ignorar o ajuizamento de reclamatória trabalhista contra esta no momento da contratação dos seus empregados não é capaz de contradizer os depoimentos já analisados. Isso porque, segundo os depoimentos das testemunhas Nivaldo, Odemar e Vinícius, de fato não havia esse controle prévio, mas a reclamada, ao tomar conhecimento da contratação, impedia que tais empregados trabalhassem em seus barcos e estimulava o despedimento. Aliás, frise-se que, ainda que não estimulasse diretamente o despedimento destes empregados, a simples restrição de trabalho em suas embarcações já estimularia a não-contratação ou o despedimento destes, pois os custos destas prestadoras de serviço, necessitando a contratação de novos empregados para compensar a mão-de-obra suprimida, seriam majorados.
Ademais, observo que a empresa da testemunha Wilson presta serviços para a reclamada (na atualidade, inclusive), e, caso admitisse os atos discriminatórios articulados pela reclamada, estaria admitindo, consequentemente, a participação em ato ilícito.
Afora isso, ainda que fosse acolhido o depoimento da testemunha Wilson e Valdir, este somente se refere às circunstâncias envolvendo a sua empresa, nada esclarecendo sobre a influência da reclamada sobre as demais empresas prestadoras de serviços, no sentido de efetivar a conduta discriminatória.
Por estas mesmas razões, os depoimentos das testemunhas Juarez Rodrigues da Silva (fls. 280-281) e Flávio Rogério Pinheiro Dias (fls. 281-282), funcionários pertencentes ao nível de chefia de outras duas prestadoras de serviços à reclamada, não são suficientes para afastar a conclusão da existência da “lista negra” elaborada pela reclamada. Destaco, ainda, que a testemunha Flávio relata ter observado alguns trabalhadores reclamantes de ações judiciais contra a reclamada, os quais não trabalhavam nas embarcações da reclamada, o que converge com os depoimentos das testemunhas Odemar e Vinícius.
Assim, a partir do conteúdo da prova testemunhal, concluo que a reclamada praticou ato discriminatório ao estimular a não-contratação e o despedimento dos trabalhadores que lhe moveram reclamatória trabalhista, o que constitui ato ilícito que fere o direito à liberdade de exercício profissional destes. Em face das circunstâncias em que tais atos ocorreram, concluo que a reclamada efetivamente elaborou uma verdadeira “lista negra”, composta pelos nomes destes trabalhadores, embora o controle se desse por ela própria, de forma indireta, e não pelas empresas contratadas (o que se conclui pelo fato de que as prestadoras de serviço despediam estes trabalhadores assim que a reclamada tomava conhecimento). Aliás, essa postura reforça o caráter sigiloso da lista, o que justifica, uma vez mais, a inexigibilidade de apresentação do documento pelo reclamante – sigilo que não impediu, ressalte-se, a condenável discriminação perpetrada.
No caso do reclamante, uma vez comprovada a conduta ilícita da reclamada, acolho a alegação da inicial de que sofreu o ato discriminatório, tendo o seu despedimento sido estimulado quando laborava para uma empresa prestadora de serviços à reclamada. Especificamente, verifico que o reclamante trabalhou, conforme registros das fls. 100-101, após o período contratual apontado na inicial, por dois períodos para empresas de outro ramo de atuação e que não mantiveram contrato de prestação de serviços com a reclamada, segundo documentos das fls. 102-270, reforçando a presunção de que o reclamante sofreu o ato discriminatório da reclamada, uma vez que em face desta o reclamante promoveu ação trabalhista (fls. 34-37). Verifico, ainda, que o reclamante está atualmente trabalhando para outra empresa que não atua no mesmo segmento econômico da reclamada, exercendo, inclusive, função diversa da realizada quando laborou para esta.
Afora o ato ilícito consistente na discriminação observada, verifico que a reclamada, ao vedar o acesso dos trabalhadores em suas embarcações, quando estas estavam em poder das prestadoras de serviços, cometeu outra ilicitude. É que, ao determinar esta vedação, acabou por restar caracterizada a pessoalidade da prestação de serviços, o que desnatura o contrato de terceirização, nos termos da Súmula n. 331, I, do TST. Assim, a conduta da reclamada é agravada, já que incorre em duas ilicitudes.
Por tais razões, concluo que o reclamante teve o seu nome incluído em uma lista elaborada pela reclamada com o objetivo de dificultar o seu acesso ao mercado de trabalho como forma de retaliação pelo ajuizamento de ação judicial em face desta, constituindo ato discriminatório do qual advém prejuízos àquele.
Passo, assim, à análise dos pleitos indenizatórios.
a) Dos danos materiais:
O reclamante formula o pedido de indenização por danos materiais, sob a alegação de que não mais consegui emprego após a sua saída da reclamada, buscando a indenização correspondente ao seu salário médio mensal, enquanto sofreu a discriminação e esteve impedido de obter novo emprego.
Em que pese tenha o reclamante integrado a “lista negra” da reclamada, conforme já analisado, este não logrou êxito em demonstrar o efetivo dano material alegado, o que lhe cabia por ser fato constitutivo de seu direito, nos termos do art. 818 da CLT.
Isso porque não houve, de forma absoluta, a vedação do acesso ao mercado de trabalho pela reclamada, mas a imposição de restrições, como analisado anteriormente (principalmente com a restrição de acesso às embarcações da reclamada, caracterizando, como explicado, a terceirização ilícita). É evidente que estas restrições são igualmente condenáveis, mas não são suficientes para demonstrar o prejuízo material. Ademais, o reclamante não demonstrou perceber, atualmente, valor inferior ao recebido quando empregado da reclamada, o que impede o acolhimento do alegado prejuízo material.
A partir dessas considerações, concluo que o reclamante não se desincumbiu do seu ônus de demonstrar o prejuízo materialmente indenizável alegado na inicial, de modo que indefiro o pedido de indenização por danos materiais.
b) Dos danos morais
O reclamante formula o pedido de indenização por danos morais, em razão da inclusão de seu nome na “lista negra” elaborada pela reclamada, postulando a indenização correspondente a 200 vezes a sua remuneração média.
Observo que a reparabilidade do dano moral está constitucionalmente assegurada no artigo 5º, V e X, da Constituição Federal. Para que seja devida a indenização, é imprescindível a presença do fato, do nexo causal, do dano e do ato ilícito, nos termos dos arts. 186 e 927 do Código Civil, subsidiariamente aplicáveis ao Direito do Trabalho, por força do art. 8º da CLT.
No caso em apreço, a inclusão do nome do reclamante em “lista negra” ofende sua imagem profissional. A atitude da reclamada visava a impedir que os trabalhadores que ajuizaram ação contra a reclamada possam trabalhar em suas embarcações, ainda que na condição de empregados das empresas prestadoras de serviços a ela. Desse modo, fica configura a violação ao direito ao pleno emprego, assegurado no art. 170 da Constituição Federal, na medida em impede ou reduz sobremodo as oportunidades de reinserção do obreiro no mercado de trabalho.
Ademais, a prática adotada pela reclamada demonstra atitude de retaliação ao fato de os trabalhadores terem exercido o direito de ação contra ela, o que demonstra ato discriminatório que atenta contra o direito constitucional de acesso à Justiça previsto no art. 5°, inciso XXXV, da Constituição Federal. Ao tomar a condenável postura de discriminar os trabalhadores que lhe moveram reclamatória trabalhista com a restrição ao acesso ao emprego, sendo este comportamento de conhecimento dos demais empregados (caso contrário, a retaliação não surtiria efeito), acaba exercendo intimidação sobre os trabalhadores, no sentido de não buscar fazer valer os direitos a que entendem fazer jus mediante o acesso ao Poder Judiciário.
Assim, o ato ilícito da reclamada resta demonstrado, na medida em que incluiu o nome do reclamante em sua “lista negra”, a fim de lhe restringir o acesso ao emprego, conforme analisado acima. Além disso, a reclamada acabou por cometer um segundo ato ilícito, ao evitar a prestação de trabalho dos trabalhadores em suas embarcações quando estas estavam nos estaleiros de suas prestadoras terceirizadas, revelando a pessoalidade nessa relação, característica incompatível com a terceirização.
Resta indubitável, assim, que o ato da reclamada causou prejuízo aos direitos da personalidade do reclamante, afetando seu direito constitucionalmente sagrado da integridade moral. Destaco, aqui, que a indenização por dano moral puro tem respaldo no artigo 1º, inciso III, e artigo 5º, inciso X, ambos da Constituição Federal, os quais asseguram a proteção à dignidade humana, garantindo a reparação por dano moral. Friso, ainda, que o procedimento discriminatório da empregadora procurar privar o reclamante do acesso ao mercado de trabalho, única fonte de seu sustento, é abominável, afigurando evidente caso de mácula aos direitos da personalidade deste, lesando a dignidade da pessoa humana e afrontando o princípio do valor social do trabalho, determinando sofrimento psíquico merecedor de reparo que, em síntese, visa ao bem-estar do imaterial. Faz jus, assim, o reclamante à indenização pelo dano moral irretorquivelmente amargado.
Nesse mesmo sentido, transcrevo jurisprudência:
No caso específico do reclamante, repiso que a razão que levou a reclamada a discriminá-lo foi o ajuizamento de reclamatória trabalhista, atitude que ofende o direito garantido constitucionalmente de livre acesso ao Poder Judiciário, assegurado no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. Da análise do conjunto probatório, é forçoso concluir que o procedimento adotado pela demandada ofende o princípio da busca pelo pleno emprego, restando configurado o suporte fático do artigo 187 do Código Civil, expresso ao determinar que: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.” Provada, portanto, a prática pela empresa-ré de ato que repercutiu negativamente na esfera social e profissional do autor, causando-lhe constrangimentos e violando a sua honra e imagem, autorizado está o deferimento de indenização a título de dano moral, consoante estabelece o artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” No que tange à necessidade de prova de que o reclamante tenha sofrido algum abalo passível de indenização, entendo que estes são in re ipsa, ou seja, são evidenciados pela simples verificação da ofensa ao bem jurídico, no caso, à honra e à imagem do trabalhador. (Acórdão no processo n. 00669-2007-111-04-00-6 (RO), Juíza-Relatora Denise Pacheco, publicada em 12/11/2008) [grifo do original].
De ressaltar, ainda, que, para fins de indenização do dano moral, basta a ofensa aos direitos da personalidade, independendo da existência de prejuízo material.
Neste sentido, transcrevo jurisprudência:
RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. -LISTAS NEGRAS-. OFENSA AO PRINCÍPIO QUE PROTEGE A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (ARTIGO 1º, INCISO III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). PROVIMENTO. A inclusão dos nomes de Empregados nas chamadas -listas negras-, por si só enseja o pagamento de indenização por dano moral, tendo em vista que a prática constitui ofensa ao princípio constitucional que protege a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal), ainda que não haja comprovação no sentido de ter o Autor sofrido prejuízo concreto, no que se refere à conquista de nova colocação no mercado de trabalho. Recurso conhecido e provido para que sejam restabelecidos os comandos da sentença quanto ao deferimento da indenização por dano moral requerida. (TST, RR – 325/2004-091-09-00.7, Relatora Ministra Maria de Assis Calsing, 4ª Turma, publicado no DJ em 18/04/2008).
Considerando que o dano moral não é economicamente mensurável, adoto, como critérios para fixá-lo, as condições financeiras do ofendido e do ofensor, assim como o caráter punitivo e pedagógico que lhe deve ser inerente, além de levar em consideração o tempo de vigência do contrato de emprego. Atenta a estas circunstâncias, entendo que o valor pleiteado no equivalente a 200 vezes a remuneração média atualmente paga para a função do reclamante é demasiadamente elevado. Entendo, frente aos parâmetros acima, que o valor de R$10.000,00 revela-se suficiente para causar, no ofendido, a sensação justa da retribuição pacificadora, e ao ofensor, o peso pecuniário da punição pedagógica.
Defiro, pois, ao reclamante, a indenização por dano moral no valor de R$10.000,00 (dez mil reais). Ressalto que os valores ora arbitrados já estão corrigidos até a data do ajuizamento da presente demanda. Assim, haverá incidência de correção monetária pelo FACDT e juros moratórios de 1% ao mês a contar do ajuizamento da presente demanda.” (fls. 268v/291v).
A realidade trazida à apreciação judicial, bem apreciada e decidida, como dito, não é nova no Tribunal, como se infere, em circunstância análoga a destes autos, da seguinte decisão proferida pela C. 6ª Turma, em acórdão da lavra da Exma. Des.ª Rosane Serafini Casa Nova, processo 01498-2005-111-04-00-0, assim ementado:
“DANO MORAL. Comprovada a conduta imprópria da empregadora ao elaborar lista de ex-empregados com a intenção de restringir direito fundamental do trabalhador, qual seja, o próprio trabalho, com anotação pejorativa ao lado dos nomes arrolados, tem-se por existente o dano moral sofrido pelos trabalhadores. Apelo não-provido.” (publ. em 16.01.2007).
Ainda, nesse mesmo sentido, em processos envolvendo a mesma empresa aqui demandada e os mesmos fatos – inclusão de empregados em “lista negra” –, outros precedentes deste Tribunal: processo 1049400-97.2008.5.04.0761, da C. 4ª Turma, em julgamento proferido em 04.02.2010, em acórdão da lavra do Exmo. Des. Hugo Carlos Scheuermann; processo 1048600-69.2008.5.04.0761, da C. 8ª Turma, em julgamento proferido em 04.03.2010, em acórdão da lavra do Exmo. Juiz Convocado Francisco Rossal de Araújo; processo 1049500-52.2008.5.04.0761, da C. 3ª Turma, em julgamento proferido em 24.03.2010, em acórdão da lavra do Exmo. Juiz Convocado Ricardo Martins Costa.
Nego provimento.
Por conexos, julgo conjuntamente os recursos quanto ao valor fixado à indenização por dano moral.
1. MONTANTE DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.
A MM.ª Juíza fixou a indenização a título de dano moral à razão de R$ 10.000,00, adotando como critérios para tal arbitramento as condições financeiras do ofendido e do ofensor, assim como o caráter punitivo-pedagógico da condenação. Com isso não se conformam as partes, nos termos já relatados.
Por todos os fundamentos já deduzidos, consideradas as condições das partes envolvidas no litígio (a ré, empresa de navegação de grande porte, conforme prova oral, o autor auxiliar de serviços gerais), a natureza do ato ilícito (limitada ao universo das empresas prestadoras de serviço à demandada, e, ainda assim, somente quando estivessem operando com embarcações desta), bem assim o caráter punitivo-pedagógico da condenação, que se impõe para que não volte ou prossiga a ré a praticar em face de outros tantos trabalhadores a mesma ilicitude, mostra-se ponderadamente arbitrada a reparação, no montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), equivalente a 21,5 salários-mínimos, sinalando-se que o valor pretendido pelo autor, de 200 vezes a remuneração média paga à sua função (considerando a remuneração anotada na CTPS, resulta no valor de R$ 74.880,00), extrapola os limites da razoabilidade, enquanto o quantum pretendido pela demandada, de R$ 2.325,00, é insuficiente a atender a todos os propósitos que fundamentam a reparação civil como sanção ao ato ilícito.
Nego provimento a ambos os recursos.
RECURSO DO AUTOR – ADESIVO.
(matéria remanescente)
1. HONORÁRIOS DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA.
A MM.ª Julgadora indeferiu os postulados honorários de assistência judiciária, ao fundamento de que não estão preenchidos os requisitos previstos na Lei 5.584/70 e súmula 219 do TST, na medida em que o recorrente não se encontra assistido por advogado credenciado pelo sindicato da categoria profissional a que pertence. Com isso não se conforma o recorrente, nos termos já relatados.
A sentença comporta reforma.
O recorrente, efetivamente, tal como afirmado na origem, não se encontra assistido por seu sindicato de classe, não estando, pois, legitimado à assistência judiciária segundo os ditames da Lei 5.584/70. Contudo, a assistência judiciária, no processo do trabalho, em tempo algum, antes ou após o advento constitucional, constituiu monopólio sindical, pelo que não é e nem nunca foi restrita aos ditames da Lei 5.584/70, sendo neste plenamente aplicáveis os preceitos rezados na Lei 1.060/50, além de assegurado ao trabalhador pobre a assistência judiciária por dever estatal (CF, arts. 5º, LXXIV, e 134). Este é o entendimento que sempre tive sobre a matéria, conforme artigo publicado na Revista nº 24 deste Tribunal, ao título “Assistência Judiciária”, o qual resgatei desde que cancelada a súmula 20 do Tribunal que no âmbito regional definia inaplicável ao processo do trabalho, para fins de honorários advocatícios, a Lei 1.060/50.
A declaração inserta na petição inicial é bastante a comprovar a insuficiência financeira do recorrente, estando, pois, legitimado ao postulado benefício, na consonância do quanto rezado no art. 5º, LXXIV, da CF, e na Lei 1.060/50, de plena aplicação no processo do trabalho, sendo devidos, por consequência indissociável, os honorários de assistência judiciária.
Dou provimento ao recurso para acrescer à condenação o pagamento dos honorários de assistência judiciária no percentual de 15% sobre o valor total bruto da condenação a final apurado.
Ante o exposto,
ACORDAM os Magistrados integrantes da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ORDINÁRIO. Por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO para acrescer à condenação o pagamento dos honorários de assistência judiciária no percentual de 15% sobre o valor total bruto da condenação a final apurado.
Valor da condenação inalterado.
Intimem-se.
Porto Alegre, 9 de junho de 2010 (quarta-feira).
Des. MILTON VARELA DUTRA
Relator
Relator: Desembargador Milton Varela Dutra: Participam: Des. José Felipe Ledur, Ana Luiza Heineck Kruse. Data: 09/06/2010. Origem: Vara do Trabalho de Triunfo. 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Disponível em: http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/home. Acesso em outubro de 2010.
Informações Sobre o Autor
Leandro Campos Machado