Resumo: Com a nova reforma no Código das Sociedades Comerciais de Portugal, este recepcionou princípios de matriz anglo-saxônica, nomeadamente àqueles referentes às condutas dos administradores das sociedades empresariais, cuja vinculação tem o propósito de gerar responsabilidade civil quando tais preceitos forem desrespeitados.
Palavras-Chaves: Direito Empresarial Português, dever de lealdade, concorrência, não apropriação de oportunidades de negócios.
Abstract: With the new reform of the Companies Code of Portugal, this array of principles welcomed Anglo-Saxon, in particular those relating to the conduct of directors of business corporations, whose link is intended to create civil liability when these principles are violated.
Keywords: Business Law Portuguese, duty of loyalty, competition, not ownership of business opportunities.
Sumário: 1. Introdução. 2. Deveres fundamentais dos administradores. 2.1. Dever de Lealdade. 2.2. Dever de não concorrência. 2.3. Dever de não apropriação das oportunidades de negócios. 3. Consequências da violação do dever de lealdade. 4. Conclusão. 5. Bibliografia.
1. Introdução
A relevância dos deveres dos administradores, notadamente no que concerne ao dever de lealdade, teve sua origem, contemporaneamente, no direito anglo-saxônico, designadamente com o movimento do Corporate Governance que surgiu nos Estados Unidos da América a partir da década de 70 decorrente da depravação do sistema societário da época, designadamente de escândalos financeiros empresariais que defraudavam a ética empresarial. Esta depravação nos moldes da governança corporativa das grandes sociedades norte-americanas fez com que as sociedades elaborassem verdadeiros códigos de condutas que por seu turno delimitavam a atuação dos administradores, sendo consequentemente, normas que passavam a fazer parte da corporação e tinham caráter de vinculação na prática cotidiana das condutas dos administradores. Decorre com isso a característica da obrigatoriedade de respeito às normas “privadas” que o common law recepciona, neste caso, o dever de lealdade incorporado nos Principles of Corporate Governance restringe e/ou guia a atuação dos administradores, servindo como critério de aferição de responsabilidade a ser julgado pelo tribunal.
Em apreço, compara-se o princípio do dever de lealdade dos administradores sob a perspectiva do direito português, nomeadamente sob o paradigma da reforma do Código das Sociedades Comerciais de Portugal de 2006.
2. Deveres fundamentais dos administradores
Para entrar no estudo dos deveres dos administradores temos que compreender que objetivamente o administrador é a figura jurídica que tem a função de administrar a sociedade, isto é, atingir a finalidade pelo qual foi constituída a sociedade. A ele circunscrevem-se, por isso, dois poderes: poder de gestão e poder de representação. O que se quer referir é que aos administradores, para além de suas atribuições técnicas (v.g. prestar contas, relatórios, comparecer em assembleia geral, etc.), estão os mesmos instituídos para gerir a sociedade, e ademais, representá-la, ou seja, ser a própria extensão da sociedade. Advém com isso todo uma complexa relação entre o administrador e a sociedade. Teoricamente, a administração é entendida como um direito potestativo, que traduz a permissão normativa que os administradores têm de decidir e agir, em termos materiais e jurídicos, no âmbito dos direitos e deveres da sociedade. Embora, se trate de um direito, é um direito funcional ou fiduciário, os administradores devem observar regras e agir com base na lealdade. A par do poder de administrar, o administrador tem como segundo pilar da sua posição, o de representar a sociedade (poder de representação), traduz um vínculo jurídico, de base legal, que permite imputar à pessoa colectiva os atos dos seus órgãos e para o caso, à sociedade a atuação dos administradores [é o caso do art. 192, n.º1 do CSC e art. 252, n.º1 do CSC atribuída aos gerentes, art. 405 n.º 2, do CSC, atribuída ao conselho de administração, e art. 431, n.º 2, do CSC, atribuída ao conselho administração executivo]. Porém, salienta-se que tais poderes não devem ser exercidos arbitrariamente e por isso, no cerne desta questão surge-nos o problema dos deveres fundamentais dos administradores e as consequências legais decorrentes da sua violação.
2.1. Dever de lealdade
No ordenamento comercial português, como de costume dos sistemas do civil law o dever de lealdade está positivado, sendo consagrado no art. 64º, n.º 1, b) do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
Desde já antes de proceder ao estudo da sua esfera de atuação, convêm termos uma noção do seu significado. A doutrina salienta que “lealdade” se assenta numa relação de confiança baseada na previsibilidade da conduta e na correção desta própria conduta pelo administrador (Cordeiro, 2007). O dever de lealdade é também definido pela doutrina como um dever acessório de conduta integrado no princípio da boa fé, consagrado no art. 762º n.º 2 do Código Civil Português. Deste modo, entende-se que a relação estabelecida entre administrador e sociedade, é uma relação fiduciária, daí que a confiança seja um elemento inerente à própria relação jurídica.
Posto isto, a lealdade enquanto dever pode ser definida como o dever dos administradores terem em vista os interesses da sociedade e em contrapartida absterem-se da prossecução de interesses próprios ou alheios. Nesse sentido, a melhor doutrina indica duas concretizações do dever de lealdade que adotamos: o dever de não concorrência e o dever de não apropriações de oportunidades de negócios da sociedade.
2.2. Dever de não concorrência
O dever de não concorrência está consagrado no art. 254º, n.º1, do CSC português, para as Sociedades por quotas, e no art. 398º, n.º 3 do CSC para as Sociedades Anônimas.. Da noção legal podemos de concluir que o dever de não concorrência é definido como o “o dever dos administradores não exercerem, por conta própria ou alheia, uma atividade concorrente com a sociedade, salvo a existência de consentimento”. Isto quer dizer que para analisarmos se uma atividade é concorrente ou não concorrente temos que ter em conta o objeto contratual da sociedade (art. 11, n.º 2 e 3 do CSC português). Deriva desta afirmação que se a atividade externa que o gerente se propõe exercer ou exerce estiver abrangida no objeto da sociedade, então, estamos perante uma atividade concorrente (art.254º, n.º 2 ex vi art. 398º, n.º5 do CSC). Esta atividade concorrente pode ser exercida por conta própria (o gerente atua em nome próprio ou por representante, e no próprio interesse); ou por conta alheia (o gerente exerce atividade concorrente, mas no interesse de outra pessoa) (art. 254º/3 CSC ).
No entanto, existe uma discussão doutrinária acerca da definição da proteção do objeto contratual no que concerne à prática do ato concorrente. O comercialista português Raúl Ventura (2006), entende que não há concorrência quando a atividade pode ser exercida pela sociedade mas de fato esta ainda não o exerce, ou os sócios ainda não o deliberaram. Didaticamente, para melhor ilustrar, exemplificaríamos, v.g.: uma pizzaria tem como objeto a venda de pizza, mas como se trata de massas também poderia vender lasanhas, mas não o insere no objeto contratual esta previsibilidade, outrossim, o administrador decide constituir uma outra sociedade com o fim de comercializar lasanhas – neste caso, para este autor não se trata de uma atividade concorrente, visto não haver uma previsibilidade por parte da primeira sociedade.
O pesquisador do tema do corporate governance, o jurista Caetano Nunes (2010), entende que se o administrador tem conhecimento que a sociedade pretende inserir determinada atividade no objeto da sociedade, e mesmo assim, pratica essa atividade desejada, ele incorre, para este autor, na violação do dever de lealdade, na modalidade do dever de não concorrência.
2.3. Dever de não apropriação das oportunidades de negócios
O dever de não apropriação de oportunidades de negócio da sociedade também é uma concretização do dever de lealdade. Tendo em conta que a função do administrador é zelar pelo interesse da sociedade, a regra básica é de que todas as oportunidades de negócios devem ser concretizadas em benefício da sociedade, e não em seu próprio benefício, salvo o consentimento da sociedade. Trata-se de uma decorrência lógica do princípio da boa fé, que está inserido no art. 762, n.º 2, do Código Civil Português.
Desta noção concluímos a ideia de que é necessário distinguir a prática de um ato não concorrente com a prática de um ato de apropriação de negócio da sociedade.. A diferença reside especificamente na atividade concorrente, ou seja, o gerente ou administrador que pretende numa outra sociedade desenvolver uma atividade compreendida com o mesmo objeto social da primeira estará em posição de concorrência, conseguintemente, inobservando o dever de lealdade. Por outro lado, a oportunidade de negócio está relacionada com o desvio do exercício da função a que ele estava adstrito, aproveitando-se de informações privilegiadas que dispõe em virtude do cargo que ocupa.
As situações práticas em que se pode verificar a apropriação de oportunidades de negócio da sociedade, são: a) Celebração de um negócio vantajoso de que o administrador teve conhecimento por exercício da função – no sentido de que a proposta contratual é dirigida à sociedade ou ao administrador no exercício da sua função. b) Prática de um ato isolado de concorrência – neste caso, não estamos perante um caso em que se viola o dever de não concorrência porque consideramos que não está em causa a prática habitual e reiterada, de uma atividade, mas sim, a prática de um ato isolado que apesar de não ser concorrente no sentido habitual, o administrador tem uma conduta em que apropria-se dessa oportunidade de negócio gerada pela sociedade – violando este dever de lealdade.
3. Consequências da violação do dever de lealdade
Uma vez expostos os atos limitativos do dever de lealdade, procede-se ao estudo do instituto da responsabilidade civil, pelo menos de modo objetivo, decorrente da infração destes atos.
Nos termos do art. 72º, n.º 1 do CSC português, a violação do dever lealdade, nomeadamente, do dever de não concorrência e da não apropriação de oportunidades de negócios gera duas consequências para o gerente ou administrador: a) obrigação de indenizar a sociedade pelos prejuízos sofridos decorrente do ato praticado – nos termos da responsabilidade contratual (art. 799º CC português); b) destituição do gerente ou administrador por justa causa (art. 254º, n.º 5 do CSC ex vi art. 398º, n.º 5 do CSC).
4. Conclusão
Até aqui podemos considerar que os deveres de lealdade possuem uma vinculação mais estrita com a apreciação de julgamento , porque nestes casos, conforme opinião de Caetano Nunes (2010) é possível sindicar o mérito da decisão de modo exaustivo, isto é, de uma forma mais objetiva e menos técnica, ao contrário da aplicação do dever de cuidado (duty of care) onde a sindicância é baseada em requisitos mais subjetivos. Neste âmbito, encontra-se também guarida no terreno da business judgment rule que se aplica a determinadas situações em que a prática de um ato gerador de dano à sociedade pelo administrador não pressupõe a aplicação imediata da responsabilidade civil, por se referir a ato congruente com a natureza do risco da atividade econômica societária. Entretanto, esta análise trataremos em trabalho específico.
Informações Sobre os Autores
Fábio da Silva Veiga
Mestrando em Direito dos Contratos e da Empresa, pela Universidade do Minho (Braga, Portugal); Pós-graduado em Iniciação para a Formação à Docência Universitária, pela Universidade de Vigo (Espanha); Bacharel em Direito e Professor de Direito Empresarial, em iniciação, pelas Faculdades Unificadas de Foz do Iguaçu – UNIFOZ.
Amanda Lúcia Araújo Laranjeira
Mestranda em Direito dos Contratos e das Empresas pela Universidade do Minho (Braga, Portugal); Advogada-Estagiária; Licenciada em Direito pela Universidade do Minho (Braga, Portugal).