Resumo: Por muito tempo, o direito à informação, verídica e integral, foi deixado à margem do ordenamento jurídico e esquecido pelos estudiosos do Direito, principalmente no que tange as relações consumeristas. Felizmente, com o passar dos anos, o tema recebeu especial atenção, não somente por parte do Código de Defesa do Consumidor, mas pelo ordenamento jurídico atual como um todo. O direito em voga tomou proporções outrora impensadas: alberga hoje toda e qualquer relação jurídica estabelecida, especialmente aquelas que tenham o consumidor como parte, vez que considerado vulnerável frente às atuações, freqüentemente abusivas, dos fornecedores. Nessa conjuntura, ganha destaque a publicidade, utilizada de forma indiscriminada para a exposição de produtos e serviços colocados a disposição no mercado, com a finalidade exclusiva de fomento ao consumo. Assim, o principio da boa-fé objetiva surgiu como balizador de condutas das partes contratuais, antes, durante e após a vigência do acordo celebrado, enquanto persistirem os seus efeitos.
Palavras-chave: Direito de informação; Publicidade; Consumidor; Responsabilidade contratual.
Abstract: For a long time, the right to information, true and full, was left outside the law and overlook by scholars of law, especially regarding consumerism relations. Fortunately, the subject has received special attention, not only by the Consumer Protection Code, but the current legal system as a whole. The law took proportions in vogue once unthinkable: today accommodates any legal relationship established, especially those that have as part the consumer, considered vulnerable in face of performances, often abusive, of the suppliers. At this context, the publicity gets emphasis, once used indiscriminately for the display of products and services made available to the market, white the sole purpose of promoting consumption. Thus, the principle of objective good-faith has emerged to control the conducts of the contractual parties, before, during and after the term of the agreement, while the effects persist.
Keywords: Right to information; Publicity; Consumer; Contractual liability
Sumário: 1. Introdução. 2. A Responsabilidade Pré-contratual. 3. Contrato Celebrado e suas Respectivas Implicações. 3.1. Do Princípio da Boa-Fé Objetiva. 3.2. Função Social do Contrato. 3.3. Aspectos inerentes à responsabilidade. 4. Responsabilidade pós-contratual. 5.Conclusão.Referências Bibliográficas
1. INTRODUÇÃO
A relação contratual não consiste somente na celebração de um contrato e no seu respectivo cumprimento. Ela envolve diversas fases, diferentemente caracterizadas, e de igual importância para a conservação da sadia relação jurídica entre as partes contratantes e cumprimento das expectativas geradas.
Tal premissa toma ainda mais relevo quando, na relação contratual, estão envolvidos consumidor e fornecedor. Aquele, conforme preceitua o próprio Código de Defesa do Consumidor, é parte vulnerável, e carece de especial proteção. Para garantir esse amparo, necessário se faz, antes de qualquer outra providência, assegurar o direito de informação, viga mestra no sustento dos demais direitos inerentes à relação de consumo.
Nesse contexto, primeiramente, é possível observar a existência de uma responsabilidade pré-contratual. Antes mesmo da celebração do contrato propriamente dito, as partes já possuem direitos e deveres recíprocos, em função das expectativas geradas. Estas surgem com a proposta lançada, a qual é comumente veiculada através da publicidade.
A publicidade representa o meio de maior alcance e eficácia para a divulgação de produtos e serviços. Atinge o público de maneira indistinta, principalmente quando divulgada através dos meios de comunicação de massa. Através dela, os fornecedores lançam no mercado de consumo inúmeras propostas e, conseqüentemente, obrigam-se a cumpri-las nos moldes estritamente anunciados.
Não se questione a sua grande importância: a própria história da publicidade está diretamente ligada ao crescimento econômico do país. Cumpriu ela papel ímpar para o desenvolvimento industrial, e sob o ponto de vista da estratégia dos negócios, permitiu a transferência de poder dos vendedores para os fabricantes. Os industriais puderam se libertar, em conseqüência, da influência dos comerciantes, que agiam como filtros daquilo que seria oferecido ao consumidor final, e passaram a influenciar, de forma direta, a preferência das pessoas.
Entretanto, não há que se negar que seu uso indiscriminado e isento de parcimônia leva à realização e execução de contratos fadados à frustração do aderente. Abre-se espaço, então, para a incidência de responsabilidade para quem quer que tenha descumprido os preceitos do anúncio propagado.
O instituto contratual, por sua vez, independentemente do modo como tenha sido celebrado e de sua procedência, apresenta regramentos basilares mínimos, os quais devem ser atentamente observados pelas partes. Dentre eles, destaca-se a boa-fé objetiva, princípio norteador dos negócios jurídicos e das obrigações em geral. Esta prevê os deveres acessórios de esclarecimento, lealdade e informação.
Tal ocorre tendo em vista que os ramos obrigacional e contratual abandonaram a visão puramente materialista, desvincula do indivíduo, típica do Estado liberal. Essa releitura trouxe à tona uma perspectiva personalista, albergada pelo manto do princípio da dignidade da pessoa humana, corolário da Constituição Brasileira de 1988.
Na formulação dos referidos contratos, considerando a publicidade como uma proposta efetivamente realizada, vez que lançada no mercado e tendo chegado ao conhecimento público, há que se avaliar a necessária vinculação àquilo que foi exposto. Especial atenção deve ser voltada para a responsabilidade nesse momento já existente – a qual persiste mesmo que o acordo não seja celebrado.
Ainda que baseado na autonomia das partes e em sua liberdade de negociação, o contrato não mais é visto como uma relação estabelecida unicamente entre os contratantes. Tem ele uma função social, deve responder a anseios socialmente considerados, dentro de uma ótica solidarista.
Essa nova órbita contratual impõe a observância dos princípios da boa-fé objetiva e do solidarismo não somente durante as tratativas e efetiva execução do acordo, mas também no período pós-contratual, no qual os benefícios buscados e alcançados com a celebração do contrato devem ser mantidos.
Em outras palavras, o fornecedor deve se atentar para os objetivos do consumidor quando da prestação de um produto ou serviço, vez que este se configura como parte vulnerável da relação jurídica estabelecida. As legítimas expectativas devem ser cumpridas.
2. A RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
Reconhecer à publicidade natureza de oferta é o mesmo que atribuir-lhe uma feição tipicamente contratualista. Uma vez lançada no mercado, a publicidade apresenta as características da proposta feita, ou seja, vincula aquele que a fez surgir[1].
Na concepção do Código Civil, pode-se falar em proposta. Deixa de ser uma declaração unilateral ou, mais amplamente, um negócio jurídico unilateral, uma vez que o contrato se configura como um negócio jurídico bilateral[2].
Nesse sentido se consolida o posicionamento jurisprudencial, que vem, cada vez mais, acatando o princípio da vinculação contratual, vez que toda publicidade suficientemente precisa vincula o fornecedor e passa a fazer parte do contrato que virá a ser conseqüentemente celebrado[3].
O instituto do contrato envolve, em virtude da proteção que se visa conferir às partes envolvidas, responsabilidades pré-contratuais, a realização do objeto do contrato em si, bem como aspectos pós-contratuais. Deve a boa-fé ditar os rumos da negociação, da execução e as conseqüências daquilo que foi contratado.
Dentro desse contexto contratual existe a exigência, na fase preliminar, de três deveres precípuos, quais sejam: dever de proteção, dever de esclarecimento e por fim, dever de lealdade, a cargo de todas as partes envolvidas – não somente os contratantes em si. Basta, para isso, que elas atinjam uma proximidade negocial considerável, capaz de gerar expectativas[4].
O dever de proteção encontra-se em contínua extensão. Funciona antes mesmo do início das negociações formais, bastando que as partes, ou mesmo uma delas – aquela responsável pela veiculação da publicidade – a tal se disponha, atingindo, em conseqüência, a possibilidade de efetuar o negócio[5].
Entende-se como dever de proteção o fato de que as partes, durante a fase pré-contratual, bem como durante todo o lapso temporal de execução do contrato, são obrigadas a evitar que ocorram danos àqueles que se encontram no outro pólo da obrigação assumida. Tais danos se referem, principalmente, ao patrimônio que a pessoa possui ou venha a possuir durante a vigência do contrato. A palavra patrimônio abarca não somente os bens materiais, mas também aqueles impassíveis de dedução pecuniária, como o nome, a imagem e a honra.
Se uma das partes fere o que foi previamente estipulado, mesmo que a execução do acordo propriamente dito não tenha se iniciado, e através dessa conduta, causa danos à outra parte (ou ao patrimônio da mesma), fere o dever de proteção, e como conseqüência, dá ensejo à repercussão da responsabilidade civil. A reparação deverá ocorrer nos moldes ditados pelo Código Civil, e pode-se averiguar a desobediência ao princípio da boa-fé.
Destaca a doutrina[6] que, enquanto nas relações regulamentadas pelo Código Civil a solução está na norma geral de responsabilidade civil, nas relações de consumo, que envolvem atos de publicidade, informação e divulgação, forma-se um liame negocial entre fornecedor e consumidor, podendo este exigir o cumprimento da oferta, nos moldes do artigo 35 do CDC.
Nesse sentido, se determinada situação não ocorre em conformidade com o que foi divulgado massivamente por determinado meio de comunicação, e se tal situação acontece em decorrência da conduta daquele que fez divulgar a mensagem publicitária, o qual agiu em desconformidade com o outrora anunciado, não existem meios para negar a sua responsabilidade.
O dever de esclarecimento prevê que determinado contrato não pode ser celebrado com base em informações que não sejam um espelho fiel da realidade contratual que se impõe. Menezes Cordeiro[7] assevera que a conclusão de um contrato com base em indicações falsas, informações deficientes, ou até mesmo ameaças ilícitas, independentemente da aplicabilidade do regime que trata propriamente dos vícios na formação da vontade, recai no dever de indenizar por culpa na formação dos contratos. Esclarece ainda o autor que, o dever de esclarecimento tem particular relevância quando um dos contratantes surja, perante o outro, com especial carência de proteção.
Não há dúvidas de que esta é a situação do expectador de um programa de rádio ou de televisão, cuja tendência é acreditar em tudo aquilo que é divulgado. Deposita sua confiança nos fornecedores dos produtos e serviços colocados a disposição no mercado, bem como também nos meios de comunicação que realizam a propagação das informações em tela.
Por fim, existe ainda, durante a relação pré-contratual estabelecida entre as partes do futuro contrato, o dever de lealdade. Este consiste, basicamente, no comportamento assumido por aqueles que desejam estabelecer a relação negocial.
A deslealdade, nessa fase, pode ser observada quando um dos indivíduos, de maneira injustificada, abandona as negociações, após ter gerado a expectativa de celebração do contrato, ou ainda, com total consciência de suas atitudes, faz nascer um contrato nulo ou passível de nulidade.
Há que se destacar que, mesmo que o contrato não seja celebrado, conforme todo o acima exposto, incide a responsabilidade pré-contratual, também chamada de culpa in contrahendo. Os deveres expostos impõem às partes a obrigação de absterem-se de condutas que, de alguma forma, possam falsear o objetivo do contrato ou mesmo desequilibrar as prestações.
Isso ocorre em conseqüência do alargamento dos chamados deveres acessórios, impostos pela boa-fé objetiva. Não se pode permitir que as partes venham a ocasionar danos mútuos, ainda que o contrato não seja efetivado[8].
Caso contrário, a conseqüência imediata é a reparação que, em verdade, está traduzida na indenização.[9] O dever de proteção pré-contratual está açodado, principalmente, no dever de esclarecimento. Falsas indicações, informações deficientes ou até ameaças ilícitas implicam vícios na formação da vontade, através da atribuição de natureza legal aos deveres preliminares. Aqui se verifica a já citada culpa in contrahendo, de acordo com o papel desempenhado pela eficácia jurídica das negociações que antecedem o contrato em si[10].
A reparação/indenização pode pautar-se, além da necessidade de sanar os prejuízos causados à pessoa, considerada de forma individualizada, nos danos morais coletivos, devida em virtude da publicidade não condizente com o produto ou serviço ofertado. Assim ocorre porque o dever de esclarecimento é um imperativo originário da convivência humana, que deve estar presente em toda conduta comunicativa que se preste ao entendimento e à cooperação. A reparação se justifica, ainda, na função precípua do Direito, que deve tutelar a confiança originada nas relações comunicativas de inteiração social, responsáveis por gerar expectativas legítimas[11].
3. CONTRATO CELEBRADO E SUAS RESPECTIVAS IMPLICAÇÕES
Os contratos têm como base o princípio da autonomia privada [12], na medida em que, somente podem ser legitimamente celebrados quando da convergência de dois ou mais anseios congruentes.
Reza o citado princípio que, cada indivíduo, dentro da sua individualidade e subjetividade declarada, tem a liberdade de querer ou não algo, e conseqüentemente, celebrar ou não contrato com determinado teor – é claro que, respeitando-se a função social do contrato, oportunamente analisada. A comunicação dentre tais indivíduos é imprescindível, de modo que, sem ela, seria impossível verificar a conformidade de desejos e possibilidade de realização destes através da negociação que se pretende estipular.
A subjetividade, uma vez que declarada, torna-se objetiva. Assim ocorre em virtude de que a exposição da vontade, quando lançada no mundo jurídico, depreende uma consignação afirmativa vinculadora, deflagrando a objetividade da questão exposta.
Com o advento do Estado Social, o princípio da autonomia da vontade sofreu uma necessária releitura, abandonado a idéia de incidência de um direito puramente subjetivo. Buscou-se um sentido de maior utilidade, que passa da abstração das partes, representada pelas vontades, e adquire contornos específicos na situação concreta de celebração do contrato[13]. Houve, portanto, a paulatina evolução do citado princípio, que hoje deu lugar à autonomia privada.
Certo é que, com o contrato de adesão, no qual a parte signatária não tem a oportunidade de discutir as cláusulas ali dispostas, cujo conteúdo fora previamente elaborado pelo fornecedor do produto ou serviço, a autonomia privada foi consideravelmente relativizada. Não cabe aqui, todavia, a análise desse aspecto.
Na fase de execução do contrato propriamente dito, quando as negociações não mais estão em pauta, persiste o dever de informação entre as partes, vez que a confiança não pode se desassociar da necessidade de segurança jurídica.
Nas palavras de João Baptista Machado[14], a proteção da confiança impõe obrigações de informação àqueles que concluem certos contratos. Dentro desse contexto se inserem as situações em que, na fase de estipulação de um contrato, que vem a ser efetivamente concluído, a palavra ou o silêncio em face daquilo que se conhece acerca do fim a dar à prestação pela sua contraparte, ou ainda a auto-apresentação de uma das partes no viger das negociações, pode valer como uma promessa no que diz respeito à qualidade da prestação, ou mesmo à adequação desta ao fim proposto.
A publicidade, ao gerar o interesse do possível consumidor, geralmente culminará na celebração do contrato. O papel do Direito, nesse caso, sofre potencial majoração, tendo em vista que o Estado – enquanto Estado Democrático de Direito – não mais se coloca como mero expectador das relações privadas. Ao contrário, opera para que seja atingido e mantido o equilíbrio contratual entre as partes.
Com a assunção de novos papéis pelo Estado, conseqüência da decadência do puro liberalismo, o contrato, assim como outros institutos, adquiriu uma função social, que não pode ser desprezada quando da realização do apelo publicitário.
3.1. Do Princípio da Boa-fé Objetiva
Na nova órbita contratual, não se pode deixar de abordar, especificamente, o princípio da boa-fé objetiva, visto ser este um verdadeiro corolário contratual. A boa-fé, exigível tanto na formação quanto na execução do contrato, constitui regra de conduta nas relações obrigacionais.
Prescreve o artigo 422 do Código Civil de 2002 que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. Do mesmo modo, não foi o Código de Defesa do Consumidor omisso no que diz respeito ao princípio em análise. Pode-se afirmar, até mesmo, que ele é um parâmetro teleológico para a interpretação de todas as normas que tenham como escopo a defesa do consumidor.
Nas palavras de Fernando Rodrigues Martins[15], “a boa-fé desenvolve um contributo à justiça consoante um controle formal, nesse passo regrando a conduta dos contratantes”.
Na comunicação de massa, mais que em qualquer outro tipo de relação jurídica – porque em sua essência, a comunicação de massa se configura como verdadeira relação jurídica, uma vez que promove vinculação entre pessoas – o respeito à boa-fé objetiva se faz imprescindível.
Segundo Menezes Cordeiro[16], por mais que se atenue a necessária diligência, existe sempre um mínimo de cuidado que dignifica a confiança e recomenda a aparência.
A boa-fé subjetiva se assenta no não conhecimento desculpável de certos fatos, visando concretizar um dever de informação ou de indagação, face à realidade que rodeia o sujeito atuante no espaço jurídico. Seu objetivo é a aparição da confiança. Já a boa-fé objetiva, por sua vez, não leva em conta os prováveis conhecimentos do indivíduo, mas sim suas atuações concretas perante a outra parte. Existe aqui o dever de esclarecimento, e ainda o dever de lealdade, evitando-se, assim, a ocorrência de danos mútuos.
Parte da doutrina subdivide a boa-fé em dois deveres: o de esclarecimento e o de lealdade. Os deveres de esclarecimento obrigam as partes a informarem-se mutuamente acerca dos aspectos atinentes ao vínculo formado e dos conseqüentes efeitos. Os deveres de lealdade, por sua vez, obrigam os pactuantes a se absterem de comportamentos que possam falsear o objetivo do negócio contratado ou desequilibrar as prestações[17].
Há doutrinadores [18], contudo, que adotam a noção tripartida do princípio da boa-fé objetiva, que além dos deveres de esclarecimento e lealdade, abarca também o dever de proteção. Segundo esse mandamento, o citado dever se refere aos bens e à integridade da contraparte, na constância da relação complexa.
Os deveres de conduta, impostos pela boa-fé, exercitam uma finalidade negativa, visando evitar a adoção de comportamentos desonestos e interesses injustificados que possam atingir o modo acertado de se processar a relação obrigacional. Essa função negativa dos deveres de conduta acaba por atingir seu papel positivo, qual seja, o adequado adimplemento daquilo que foi convencionado[19].
Assim como os fornecedores de produtos e serviços, que fazem veicular na mídia anúncios das mais diversas estirpes, também os meios de comunicação de massa têm o dever de proteção em relação à coletividade, tendo em vista o exercício de uma função tipicamente estatal, qual seja, a radiodifusão de sons e imagens, essencial para o convívio social.
Negar tal dever constitui verdadeiro venire contra factum proprium [20], na medida em que representa uma contradição ao papel assumido, qual seja, o de informar – tomando o termo informação como sinônimo de mensagem verídica – e entreter.
O venire contra factum proprium, na acepção civilística da expressão, representa a vedação em assumir dois ou mais comportamentos contraditórios entre si, ainda que todos sejam lícitos, em decorrência das legítimas expectativas geradas. Ao transportar o instituto para o tema ora em questão, percebe-se que quem toma para si o papel de divulgar informações, através dos meios de comunicação de massa, outro comportamento não pode adotar que não aquele baseado nos princípios da boa-fé objetiva e da transparência, principalmente quando as mensagens divulgadas têm por objetivo fomentar o consumo.
Em outras palavras, aquele que, de qualquer forma, se propõe a divulgar informações de maneira massiva, assume a responsabilidade de somente difundir mensagens verídicas, claras e integrais. Agir fora desses ditames representa assumir um comportamento antagônico àquele esperado; posição jurídica contrária ao dever assumido, e por isso, pode-se falar em venire contra factum proprium.
Não pode o Estado permitir que aqueles que divulgam informações não coincidentes com a veracidade dos fatos, assim como aqueles que exercem a atividade de divulgação massiva de informações, não se atentem para o princípio da boa-fé objetiva, sem que lhes sejam infligidas as respectivas conseqüências.
3.2. Função Social do Contrato
O instrumento contratual, uma vez inserido em um ordenamento democrático, voltado para a consecução dos anseios sociais, deve respeitar uma função socialmente considerada. Tal conclusão se origina da leitura dos artigos 1°, III e IV, e 3° da CF. Daí se infere que a dignidade da pessoa humana e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária devem nortear a celebração de todo e qualquer contrato.
Este é, inclusive, o entendimento da jurisprudência acerca do tema em questão[21]. Assim têm se posicionado os Tribunais de diferentes Estados da federação[22].
Princípio inerente à execução dos contratos é o princípio da confiança. Em consonância com os ensinamentos de Luhman (2005, p. 6), a confiança é uma característica do mundo, parte integral dos limites dentro dos quais se vive cotidianamente. A necessidade de confiança é o ponto de partida do qual derivam as regras de conduta apropriadas. Tal assertiva se encaixa perfeitamente na realidade contratual.
O contrato não mais se configura como simples instrumento jurídico destinado única e especificamente a movimentar as riquezas no mercado. Destina-se, sobretudo, à realização dos legítimos interesses das partes contratantes. Exige, portanto, um regramento legal rigoroso e imperativo de seus efeitos. Nesse sentido as palavras de Cláudia Lima Marques[23]:
“A manifestação de vontade do consumidor é dada almejando alcançar determinados fins, determinados interesses legítimos. A ação dos fornecedores, a publicidade, a oferta, o contrato firmado criam no consumidor expectativas, também, legitimas, de poder alcançar esses efeitos contratuais”.
A função social do contrato envolve tanto aspectos inter partes quanto ultra partes. O contrato figura hoje como um dos principais instrumentos da ordem econômica. Deve, portanto, conforme preceitua o artigo 170 da Carta Magna Brasileira, respeitar os princípios da pessoa humana e da justiça social, em ambos os referidos aspectos.
A função em análise refere-se a uma garantia que, de maneira íntegra, possa garantir o desenvolvimento pessoal dos indivíduos. Segundo Cláudio Luiz Bueno de Godoy[24], a análise funcional do Direito deve abarcar as perspectivas individuais e sociais em um mesmo espectro, de forma que o Estado tenha plenas condições de controlar os comportamentos humanos, dirigindo-os para determinados objetivos queridos. Aí está definido o primeiro contorno da função social do contrato, qual seja, a promoção dos valores básicos do ordenamento.
Outro princípio que deve nortear as relações contratuais é o princípio do solidarismo. Isso porque o contrato é um legítimo instrumento de cooperação, tendo-se em vista que no Estado Democrático de Direito não há espaço para a exclusão e nem para a resignação submissa. Sob o foco, mais uma vez, da dignidade da pessoa humana, deve imperar a solidariedade social como corolário dos contratos. O fato de se limitar a liberdade contratual à função social do contrato busca ancorar, em definitivo, a sociabilidade nas relações jurídicas que envolvam o ato contratual[25].
Percebe-se, então, que a visão do contrato enquanto instrumento de satisfação exclusivamente individual, cedeu lugar para uma concepção solidarista. O princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado pela Constituição Federal, representa um interesse da sociedade como um todo. Nesse norte, o contrato deve atender aos anseios de toda a coletividade, e não de pessoas individualizadas por si só. Assim deve ser moldado o instrumento jurídico em foco, ou seja, celebrado de modo socialmente útil.
Cumpre destacar, com literalidade, as palavras do supracitado autor Cláudio Luiz Bueno Godoy[26]:
“Atentando-se, pois, para a apreciação até aqui efetivada, é forçoso observar que a função social do contrato acaba consubstanciando, em rigor, tanto um princípio expresso, já não fosse, agora, a explícita redação do novo Código Civil, dimanado do texto inequívoco da Constituição Federal, nos dispositivos citados como, quando menos, um princípio implícito, deles haurido, inferido mesmo no sentido solidarista que marca a Carta maior, sempre com a potencialidade de concreção”.
O contrato, inserido na seara da função social, deve beneficiar a toda a sociedade, considerados não somente os seus efeitos principais, mas também – e na mesma proporção – os colaterais. A função social, a priori, se configura como parte da própria relação entre os contratantes, de maneira que possa estabelecer e manter o equilíbrio entre eles.
Em um segundo momento, destarte, ela abarca efeitos decorrentes da relação contratual sobre a coletividade. Ou seja, possui um conteúdo genérico ultra partes, de eficácia eminentemente social.
Essa face externa da função exercida pelo contrato, ou em outras palavras, a sua eficácia social – corolário de sua inserção no tecido social – significa um corte flagrante no elastério clássico de um dos princípios considerados tradicionais na órbita contratualista, qual seja, o da sua relatividade. Este dita que, em rigor, o contrato não prejudica nem beneficia terceiros alheios a ele. Entretanto, em virtude da sociabilidade sobre a qual se assenta o contrato, o princípio em foco sofre uma releitura, conforme já exposto, e por isso pode vir a ensejar vantagens ou deveres para terceiros[27].
Nesse contexto da sociabilidade do instrumento contratual, fato é que a celebração de um contrato não pode vir a causar prejuízos para terceiros. Cite-se o exemplo, de acordo com o tema abordado, de um contrato de veiculação de publicidade em um meio de comunicação de massa, em que a mensagem repassada induza o consumidor a erro quanto às reais características do produto ou serviço disponibilizado.
A responsabilidade do fornecedor que veiculou a publicidade abusiva não está adstrita aos consumidores efetivamente lesados em seu patrimônio. Responde ele por ferir um direito pertencente à coletividade, qual seja o acesso às informações verídicas e integrais.
Ainda levando em consideração o exemplo supracitado, embora de acordo com o contrato celebrado entre o meio de comunicação e o respectivo fornecedor do produto ou serviço, a emissora tenha o dever, apenas, de propagar a mensagem nos dias e horários convencionados, ao considerar o interesse social, os deveres desta são muito mais complexos. Deve ela garantir que sua atividade não venha a frustrar as legítimas expectativas geradas nos potenciais consumidores. Para tanto, tem de se resguardar sob a certeza de que aquilo que veicula condiz com a realidade dos fatos, cumprindo-lhe, dessa forma, o dever de diligência.
Quando da celebração contratual de um instrumento com teor publicitário, o acometimento de terceiros em sua execução é flagrante. Nesses termos, os meios de comunicação, conquanto a confiabilidade e o poder de manipulação com que contam, não podem se furtar ao exercício efetivo da função social, ínsita da nova teoria dos contratos.
Assim, um campo que especialmente se verificou, nos últimos anos, o fenômeno da erosão do princípio da relatividade dos efeitos dos contratos, foi o das relações de massa ou, com especificidade, o das relações consumeristas. Neste, não raramente, as conseqüências de uma convenção entre as partes acabam afetando terceiros não consumidores diretos do produto ou serviço, de modo similar com que afetam também quem não é fornecedor, ao menos direto[28].
O respeito à função social do contrato permite avaliar, dessa forma, a existência de uma efetiva justiça contratual, que transcende ao interesse das partes. É necessário proteger toda a coletividade dos efeitos injustos advindos de eventual acordo celebrado .
Não restam dúvidas de que, conquanto o contrato encerra uma função social entre as partes, tão ou mais importante é a sua projeção perante terceiros. Constitui a boa-fé objetiva um dever anexo em ambas as perspectivas.
3.3. Aspectos inerentes à responsabilidade contratual.
A efetiva celebração do contrato encerra determinadas responsabilidades, das quais as partes não podem esquivar-se. Quando o fornecedor realiza a oferta de determinado produto ou serviço, em tese, colocando-o a disposição no mercado consumerista, há que atentar para as disposições do Código de Defesa do Consumidor, artigos 30 a 35:
“Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.”
O fornecedor fica vinculado à publicidade que fizer propagar, de maneira que os ditames respectivos deverão integrar o contrato que vier a ser celebrado. Da mesma forma como a proposta obriga o proponente, o contrato de que dela surgir deverá ser lavrado tendo em consideração os seus termos[29].
A publicidade, quando dotada de certa precisão, ou seja, aquela que tenha um mínimo de concisão, é considerada oferta. Não pode o fornecedor, nesses termos, recusar-se a contratar, vez que lançou a proposta no mercado, e fez com que dela se tomasse conhecimento.
Reza o artigo 31 do CDC:
“Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.”
Correto é que os processos publicitários, em virtude de seu poder e alcance, têm suma importância no escoamento da produção por um consumo em massa[30]. Dessa forma, toda a oferta e a apresentação daquilo que se pretende ver consumido, devem ser claras, corretas, precisas, ostensivas e perfeitamente inteligíveis. Todas as características do produto ou serviço, quais sejam, preço, quantidade, qualidade, composição, dentre outras, devem estar devidamente evidenciadas.
As especificações enumeradas no supracitado artigo devem obedecer à natureza do produto/serviço. Em outras palavras, os esclarecimentos serão prestados tendo em vista que, sobre determinados produtos, a título de exemplo, uma geladeira, não se faz necessário informar acerca da quantidade contida na embalagem, embora outros exijam a discriminação de maiores particularidades.
Os responsáveis pela real divulgação de um produto ou serviço devem, sem sombras de dúvidas, verificar se as características propagadas fazem jus ao que se divulga, para que não sejam concluídos contratos com base em informações inverídicas.
O artigo 32 do Diploma em análise, por sua vez, reza que os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição, enquanto perdurar a fabricação e importação dos produtos em pauta. Destaca o parágrafo único que, mesmo cessadas a importação e a produção, a oferta dos referidos componentes deverá perdurar por um período razoável de tempo.
Desse artigo se presume que, o fabricante ou importador que deixa de fornecer os itens necessários de reposição do produto, frustra o consumidor, que se vê impedido de dar ao objeto que veio a adquirir a continuidade em sua finalidade precípua de utilização. Deve-se entender como “tempo razoável”, não havendo lei que o defina, o tempo médio de duração útil do produto, em si mesmo considerado, em função da expectativa do consumidor ao adquiri-lo[31].
Em consonância com o artigo 33 do CDC, “em caso de oferta ou venda por telefone ou reembolso postal, deve constar o nome do fabricante, e endereço na embalagem, publicidade e em todos os impressos utilizados na transação comercial”.
Assim prevê o Código consumerista, para que o consumidor, em caso de dúvidas ou de insatisfação, reúna os meios necessários para entrar em contato com aquele que lhe forneceu o produto ou serviço. Insta salientar que o artigo em foco não cuida da aceitação da oferta em si, mas da própria oferta ou venda por telefone ou reembolso postal.
Passa-se da oferta ao contrato no instante em que o consumidor esboça a sua aceitação. Desse momento em diante, responderá o fornecedor perante o consumidor. Todavia, a reparação por dano causado ao consumidor pode vir a ser cabível somente pelo fato de estar este exposto a pratica comercial da oferta, de acordo com o artigo 29 do mesmo diploma[32].
Já o artigo 34 prevê que “o fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos”. Aqui se pretende que o fornecedor não tente se eximir de eventual culpa, sob a alegação de que a atividade nociva se deu única e exclusivamente por culpa de seus prepostos ou representantes.
De acordo com o atual Código Civil, em seu artigo 896, a solidariedade existe em uma obrigação, dentre outras hipóteses, quando concorrem mais de um devedor, cada qual obrigado à dívida em sua totalidade.
A solidariedade em destaque pode resultar tanto de atos lícitos quanto ilícitos. Se o preposto ou representante vier a disponibilizar qualquer tipo de informação que, por suas características, configure oferta, o fornecedor estará obrigado como se ele mesmo o tivesse feito. No que tange aos atos ilícitos, prevê o Código Civil, artigo 1.521, III, que os patrões, inclusive as pessoas jurídicas, serão responsáveis pelos atos de seus empregados, serviçais e prepostos[33].
Os meios de comunicação de massa devem efetuar diligências, antes de divulgarem qualquer tipo de publicidade, no sentido de verificar se aqueles que fazem divulgar mensagem publicitária em nome de determinada empresa, realmente possuem vínculo com a mesma. Esse é o esforço mínimo exigido de tais comunicadores, no sentido de evitar golpes contra os consumidores e contra as próprias empresas.
Por fim, dita o artigo 35 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:
“Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:
I – exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;
II – aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;
III – rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.”
O citado artigo configura-se como o de maior importância quando da tutela da responsabilidade contratual assumida por todo aquele que, em virtude de publicidade veiculada, principalmente através os meios de comunicação de massa, deu azo à celebração de um contrato.
De acordo com as palavras de Arruda Alvim[34], ante a recusa do fornecedor – que se frise, encontra-se obrigado em virtude da oferta feita por ele próprio, por seu preposto ou representante autônomo – pode o consumidor optar pelo cumprimento forçado da obrigação ou aceitar a entrega de um produto ou serviço equivalente. Pode, ainda, almejar pela rescisão do contrato feito, com a respectiva restituição do que houver sido pago, corrigido monetariamente. Tal não prejudicará a cabível ação de perdas e danos, podendo o consumidor formular pedidos sucessivos.
Mesmo o consumidor que possui ao seu alcance apenas a oferta realizada, através da mensagem publicitária, poderá pugnar pela efetiva celebração do contrato, solicitando, para isso, o cumprimento da obrigação. Esta poderá converter-se em perdas e danos em caso de recusa do fornecedor.
Não se pode admitir que o fornecedor, que faz propagar publicidade com determinado conteúdo, se valha da mesma para frustrar as legítimas expectativas dos consumidores, negando-se à consecução do que foi ofertado. Para tanto, cumpre apurar se, com efetividade, aquele que oferta algo reúne as devidas condições de implementação do prometido, e não o faz unicamente com o intuito de ludibriar a população e auferir lucro de maneira indevida.
4. RESPONSABILIDADE PÓS-CONTRATUAL
Mesmo após a execução do contrato e findo o seu objeto, ainda persistem vínculos entre os contratantes, no interfim de não agirem de maneira a colocar a perder tudo o que foi realizado. Toda a atuação das partes envolvidas, de forma direta ou indireta, deve manter-se na esteira da boa-fé.
Persistem mesmo nesse momento, os deveres de proteção, informação e lealdade. As partes não desfazem o vínculo existente com o simples término da execução contratual, e estão obrigadas a não causar danos mútuos nas pessoas e nos patrimônios uma da outra. Dessa forma, não devem adotar comportamentos que possam, de qualquer modo, frustrar o objetivo pelo qual se veio a contratar, ou ainda diminuir as vantagens anteriormente auferidas. É a chamada culpa post factum finitu[35].
Há que se destacar, todavia, que a culpa post factum finitum não se baseia apenas na boa-fé objetiva. O fundamento foi devidamente ampliado por outros preceitos constitucionais, norteadores das relações jurídicas e, conseqüentemente, de seus efeitos[36]. Também nesse momento deve ser respeitada a função social do contrato, bem como a dignidade da pessoa humana, a solidarismo e a justiça social.
As relações contratuais, mesmo depois de findas, não podem gerar lesões para terceiros ou desproporções entre aqueles que foram contratantes. De acordo com o artigo 421 do Diploma Civil de 2002, “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
Mesmo após a extinção do contrato, uma cláusula abusiva que continua gerando efeitos, com o cumprimento daquilo que outrora fora acordado, fere a função social do contrato, fato este passível de responsabilização civil. Ainda que extinta, uma avença poderá ser revista se comprovada à violação de deveres anexos ou acessórios ao contrato[37].
A dignidade da pessoa humana, a solidariedade e a justiça contratual dão significado ao Direito. Executado o acordo, as partes devem adotar condutas éticas para com o outro, através de um comportamento proporcional e equânime.
A confiança outrora despertada requer proteção mesmo no período subseqüente à extinção contratual. As expectativas provocadas pela celebração e pelo cumprimento do contrato, em virtude do comportamento dos intervenientes, não podem se tornar meras operações formais.
Em outras palavras, o real objetivo do contrato não pode ser frustrado sob o pretexto de que a obrigação foi extinta[38].
CONCLUSÃO
Após a análise de todo o exposto, e tendo em consideração, ainda, as regras básicas impostas pelo Código de Defesa do Consumidor e pelo ordenamento jurídico pátrio como um todo, dentro do contexto histórico hoje vivenciado, algumas considerações finais se fazem cogentes.
A publicidade evidencia-se como uma declaração unilateral de vontade emanada pelo fornecedor, tendo, dessa forma, o condão de constituí-lo em obrigação. Desperta para o consumidor o direito de exigir o produto ou serviço nos moldes daquilo que fora previamente proposto.
Uma vez lançada no mercado, sendo suficientemente precisa e tendo chegado ao conhecimento público, adquire a publicidade as características da proposta feita, vinculando, conseqüentemente, aquele que a fez surgir. Essa necessária vinculação determina que os termos constantes do anúncio realizado devam constituir o futuro contrato.
Toda e qualquer mensagem publicitária tem como objetivo principal fomentar o consumo, alcançando o público-alvo de modo antecipadamente planejado. Nada mais justo, então, que corresponda às legitimas e normais expectativas despertadas nos efetivos e potenciais consumidores, em consonância com o princípio da boa-fé objetiva.
Percebe-se que os atuais contratos são, de modo geral, despersonificados e desmaterializados, na medida em que se apresentam para a parte consumidora sem instrumento. Em outras palavras, o contratante não vê o seu parceiro contratual.
Tem lugar, dessa forma, a chamada hipercomplexibilidade: surgem novos atores legislativos – vez que têm o poder de instituir, no caso concreto, as regras que melhor atendam aos seus interesses, através do instrumento contratual – e com eles, novos meios de contratar, instrumentalizados pela publicidade.
Esse poder deve ser limitado por institutos que possam manter o equilíbrio contratual entre as partes, evitando, dessa forma, prejuízos não só para a parte considerada vulnerável, mas para toda a coletividade. Nesse contexto surge o já citado princípio da boa-fé objetiva, o qual impõe os deveres acessórios de informação, proteção e lealdade.
Tais deveres acessórios incidem não somente durante a execução do acordo propriamente dito. O comportamento probo deve ter início quando das tratativas negociais; nesse caso, desde a veiculação do anúncio publicitário. A conduta em desacordo com o papel que deve desempenhar as negociações preliminares acarreta a chamada culpa in contrahendo, conseqüência da responsabilidade pré-contratual.
Um contrato celebrado dentro dos ditames legais, mas que desrespeita a boa-fé em suas tratativas está fadado ao fracasso. Isso porque viola deveres instrumentais, os quais constituem a sua válida formação e conseqüente execução, estabelecendo, portanto, um vínculo negocial eivado de vício.
Uma vez celebrado o contrato, observadas as proposições legais e a lealdade nas negociações preliminares, este deve ainda corresponder a uma função socialmente considerada, seja no âmbito inter partes ou no âmbito ultra partes. Isso quer dizer que o acordo formalizado deve, além de corresponder às expectativas das partes, dentro do objetivo por elas almejado, abarcar os anseios sociais.
São os efeitos externos do contrato, tendo em vista que, em uma visão atual e solidarista, este não se coloca mais como simples instrumento para movimentar as riquezas do mercado e atender aos propósitos das partes individualmente consideradas. Toda a coletividade deve ser posta a salvo dos efeitos negativos provenientes das combinações ajustadas entre as partes.
A justiça contratual, que abrange em seu conceito a noção do equilíbrio entre as partes, dentro da conjuntura do Estado Social, deve ser efetivada através da observância do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual incide de modo incisivo nas relações contratuais.
Impõe a boa-fé objetiva que, durante a execução do contrato, não podem existir comportamentos desonestos e fatos encobertos. Deve-se atentar para a confiança despertada quanto à tutela de interesses recíprocos. O dever de cooperação está em patamar mais alto que os objetivos econômicos.
No que tange à extinção do contrato, mistér se faz destacar que os vínculos que uniram os contratantes para formação e execução do instrumento não são desfeitos. Não podem eles adotar condutas contrárias aos interesses um do outro, de modo a colocar em risco os benefícios alcançados através do acordo realizado.
Persistem os deveres acessórios impostos pelo princípio da boa-fé objetiva, obrigando as partes a manterem a eticidade e o comportamento equânime. O objetivo é preservar a confiança outrora despertada.
Informações Sobre o Autor
Amanda Cruz Vargas
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia. Especialização em curso, em Direito Público, pela Universidade Gama Filho-RJ