Resumo: O atual Poder Familiar (antigo Pátrio Poder do Código Civil revogado), integrante do Livro do Direito de Família do Código Civil vigente, tem sido alvo de críticas da doutrina nacional, onde não se encontra unanimidade tanto quanto à aceitação do seu novo nome – que, segundo as críticas não refletiria com exatidão a função de tal instituto, especialmente depois das grandes modificações introduzidas pela Constituição Federal de 1988 e leis regulamentadoras subseqüentes no Direito de Família e, principalmente, nos aspectos referentes aos direitos de cidadania, da dignidade da pessoa humana, da personalidade e de igualdade entre gênero e filiação dentro da família -, como também quanto à sua definição, que denotaria a sua natureza jurídica. Este trabalho procura analisar o Poder Familiar tal como é disciplinado no atual Código Civil, discorrendo sobre sua estrutura e características para ao final concluir sobre a procedência ou não das críticas e perplexidades que envolvem o instituto.
Sumário: Introdução. 1. Considerações gerais sobre o Poder Familiar. 1.1. Definição (e natureza jurídica). 1.2. Conceito. 2. Titularidade conjunta do Poder Familiar e o reconhecimento voluntário ou forçado da paternidade (e da maternidade). Outras questões. 2.1. A guarda dos filhos menores nos casos de separação e divórcio dos pais casados e término da união estável dos pais companheiros. 2.2. Conseqüências derivadas da morte de um dos pais. 2.3. A questão do filho não reconhecido. 3. 0s destinatários do Poder Familiar. 4. A duração do Poder Familiar. 5. Objeto ou extensão do Poder Familiar. 5.1. Com relação à pessoa dos filhos. 5.2. Com relação aos bens dos filhos. 5.2.1. Conflito de interesses de pais e filhos. 5.2.2. Os atos inválidos (nulos e anuláveis) praticados pelos pais. 5.2.3. Reflexões sobre o usufruto e administração dos bens dos filhos. 6. Extinção, suspensão e perda do Poder Familiar. 7. Análise de características do Poder Familiar. 8. Jurisprudência específica. 9. Reflexões conclusivas finais
Introdução
A – O espírito do atual Código Civil. Com a vigência, já a alguns anos, do novo Código Civil, no Brasil, muitos trabalhos têm sido produzidos, procurando enfocar as muitas inovações que o atual estatuto apresenta em relação ao anterior, o revogado código de 1916, e este é mais um desses trabalhos, que enfocará no plano doutrinário o Poder Familiar (antigo Pátrio Poder) atualmente estruturado em bases constitucionais mais sólidas e eminentemente sociais.
Realmente, ao se analisar o Código Civil, especialmente em relação ao seu espírito, se nota, claramente, a prevalência dos elevados princípios constitucionais, a ponto de já se referir parte da doutrina à categoria de Direito Civil Constitucional, posto, como sobejamente evidenciado, que a Constituição Federal, com pouco mais de vinte anos de existência, elenca uma gama expressiva de direitos e garantias fundamentais, relativos ao pleno exercício da dignidade da pessoa humana, da cidadania, da igualdade de gênero e de filiação e da personalidade, e todos ou quase todos eles vieram a ter estreito respaldo no novo código.
Com efeito, já não se aplica mais hermeticamente, como outrora, a clássica divisão entre temas de direito público e privado; este, atualmente já contempla normas que antigamente seriam exclusivamente ligadas àquele, as normas de ordem pública.
Destarte, tem o direito privado, hoje em dia, a preocupação de contemplar preceitos de ordem geral, com profunda função social; aliás, a respeito desse tema, lembre-se que algumas das leis que vieram derrogando partes do velho Código Civil, durante os seus oitenta e seis anos de existência, surgiram em conseqüência das normas constitucionais de 1988, como o CDC – Código de Defesa do Consumidor, e na esfera do Direito de Família e do Menor, que é o tema mais ligado a este trabalho, o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990), as leis que regulamentaram o instituto da União Estável (n. 8.971/94 e 9.278/1996), a lei que permitiu o pleno exercício do direito à Investigação de Paternidade (n. 8.560/1992) etc.
Cite-se, ainda um extenso rol de leis mais antigas, como o Estatuto da Mulher Casada, Lei n. 4.121/1962 – cujo corolário foi a inclusão do cônjuge como herdeiro necessário no Livro do Direito das Sucessões do atual código -, as leis que permitiram, gradativamente e com várias restrições, o reconhecimento de filho havido fora do casamento ou mesmo sem ter havido este (Dec.-lei n. 4.737/1942, Lei n. 883/1949, Lei n. 7.250/1984), as leis que regulamentaram a adoção de menores antes do ECA (n. 3.133/1957, 4.655/1965, 6.697/1979 – o Código de Menores), a LD – Lei do Divórcio (n. 6.515/1977), etc.
O Código Civil agasalha e insere os princípios de toda essa legislação esparsa, o que o tornou mais aberto que seu antecessor, que pretendia em seu hermetismo amparar todas as questões que pudessem surgir a cada momento, tarefa praticamente impossível dada à velocidade com que as vicissitudes da vida moderna aparecem e reclamam, conseqüentemente, o respaldo do respectivo direito a proteger as novas situações surgidas!
É, pois, o atual um código moderno, com comando normativo flexível que permite ao operador do Direito várias opções de interpretação, devido à elasticidade que oferece em muitas de suas regras, daí entender-se e prever-se sua longevidade, pois permitirá constante atualização interpretativa e, conseqüentemente, alterações de sistematização.
Entretanto, também é importante lembrar que, mesmo com a vigência do novo código, muitas das leis anteriores a ele continuarão vigendo, ainda que em parte apenas, e em concorrência com aquele, daí cabendo, como vem sucedendo, à doutrina e à jurisprudência a árdua tarefa de discernir e consolidar o entendimento do que continua em vigor ou não em relação à legislação extravagante, citando-se como exemplo, apenas ilustrativamente, as leis que regulamentaram em duas épocas distintas as questões envolvendo os efeitos da união estável, especialmente no aspecto sucessório e que teriam sido (ou não, na integralidade delas) revogadas pelos art. 1.723-7 (no Livro do Direito de Família), 1.790, 1.831 etc., (no Livro do Direito das Sucessões), matéria de muita discussão acadêmica pelas inúmeras interpretações conflitantes que podem ensejar[1]. Neste trabalho, será feita referência e remissão a algumas das citadas leis, como se verá oportunamente.
B – A estrutura do código na parte relativa ao Direito de Família. Após ligeira abordagem ao espírito que impregna o atual Código Civil, importante mencionar particularidades quanto à estrutura do mesmo, na parte relativa ao Direito de Família, inserida no Livro IV da sua Parte Especial, e que tem sido ao longo do tempo, sem dúvida, o ramo do Direito Civil que sofreu maiores transformações devido a múltiplos fatores, como e principalmente as mudanças de comportamentos sociais, aproximadamente a partir da metade do século passado, que acabaram refletindo-se nos mandamentos da Constituição de 1988, daí passando para o código em referência.
Temas como: a igualdade de direitos dentro do casamento e da união estável entre homem e mulher; a livre opção da mulher exercer profissão fora do lar conjugal; a igualdade jurídica entre os filhos independentemente da origem da filiação; a abertura ampla de possibilidade de adotar-se; a possibilidade irrestrita de perquirição da paternidade (e de maternidade) independentemente do estado civil do pai ou mãe biológico; o reconhecimento como entidade familiar de pessoas de sexo diferente que preferem viver em união estável; o reconhecimento como entidade familiar da comunhão entre apenas um dos genitores e sua prole; a filiação oriunda da engenharia genética (fertilização assistida medicamente) etc., são institutos do novo Direito de Família tanto originados na Constituição de 1988, configurados como garantia dos direitos fundamentais e da personalidade e do respeito à dignidade da pessoa humana, como contemplados no Código Civil de 2002, além de outras situações objeto de projetos de emendas constitucionais ou de leis e que são regulamentadas em outras legislações, como por exemplo, casamento (termo que, todavia, entende-se – sem risco de incorrer-se em homofobia, acredita-se -, seja inaplicável ao que se propõe mais conveniente o uso da expressão união civil) de pessoas do mesmo sexo etc., situação que já vem sendo contemplada paulatinamente no direito brasileiro, seja através de leis específicas de reconhecimento de respeito à dignidade de pessoas e de seus direitos (como na seara da Previdência Social e outras), seja através de decisões judiciais até da mais alta Corte do País, em processos das mais diversas origens e principalmente relativos à sucessão em bens, adoção etc.
O Capítulo V do Subtítulo II – Das Relações de Parentesco -, do Título I – Do Direito Pessoal -, do citado Livro IV – Do Direito de Família -, da Parte Especial do Código Civil, cuida do Poder Familiar, antigo Pátrio Poder, que mais recentemente vinha sendo chamado por parte da doutrina e da jurisprudência como Pátrio Poder-dever. Este instituto será o objeto central deste trabalho.
O Poder Familiar tem sua disciplina complementada no atual estatuto civil no Título II – Do Direito Patrimonial -, Subtítulo II – Do Usufruto e da Administração dos Bens de Filhos Menores -, do mesmo Livro IV – Do Direito de Família -, da Parte Especial.
Infere-se, portanto que, estruturalmente o Código Civil de 2002 seccionou a matéria em relação ao estatuto revogado, disciplinando primeiramente o Poder Familiar em sua estrutura pessoal, em três Seções, intituladas Disposições Gerais (art. 1.630-3), Do Exercício do Poder Familiar (art. 1.634) e Da Suspensão e Extinção do Poder Familiar (art. 1.635-8) e depois em sua estrutura objetiva, ou seja, quanto aos bens dos filhos menores (art. 1.689-93). Nesta oportunidade, o estudo abrangerá os dois aspectos.
1. Considerações gerais sobre o Poder Familiar
A – Evolução do instituto. Inicialmente pode-se dizer, quanto ao seu aspecto material, que o Poder Familiar é tema também pertinente ao estudo do Direito Romano, muito embora, em face e ao tempo deste, a questão se colocasse de modo bastante diferente, comparada aos dias atuais; realmente, à época do direito romano, o então pátrio poder (patria potestas) era exercido com exclusividade pelo chefe da família, que tinha poderes muito vastos, tinha não só o poder sobre os filhos, mas também sobre a mulher e sobre todos e tudo que faziam parte de sua família, pois havia, inclusive, o instituto da escravidão. Em alguns períodos da história do direito romano, o poder do pater familias era absoluto, e incluía, até, o de vida ou morte, especialmente sobre os filhos, os alieni iuris; não obstante tal situação, ainda no apogeu daquele como nos períodos posteriores, houve respeito a bens que o menor, já com certa idade obviamente, adquirisse em atividades próprias (como no serviço militar ou nas artes), ou a bens adquiridos por outros afazeres fora dos citados, e ainda ao patrimônio composto por bens que lhe eram destinados pelo pai e retirados do acervo geral para administração do menor, daí o surgimento dos chamados pecúlios próprios do menor, como o castrense, o quase castrense, o adventício e o profectício, cujas reminiscências passaram ao direito posterior.
No direito luso-brasileiro, ao tempo das Ordenações do Reino, os poderes do chefe de família também eram bem diferentes daqueles que atualmente existem.
Verifica-se, sobretudo, como se têm abrandado os poderes do marido em relação à mulher com o decorrer do tempo, chegando-se à plena igualdade de gênero em direitos e deveres; o mesmo se deve afirmar quanto aos direitos dos pais sobre os filhos, e, especialmente após a Constituição Federal brasileira de 1988, com os art. 227, §§ 3º, 4º, 6º, art. 229, etc., de conformidade com o discorrido anteriormente.
Foram tão profundas as mudanças que foram ocorrendo paulatinamente bastando dizer-se que, há algum tempo atrás, autores criticavam o nome Pátrio Poder, utilizado no Código Civil brasileiro de 1916. Não considerando o direito anterior, mas apenas em face do recente, muitos autores afirmavam que o citado instituto não era propriamente um poder e que não se podia mais falar em direitos dos pais em relação aos filhos, mas, apenas, nos deveres ou obrigações daqueles em relação a estes, daí entenderem tais doutrinadores, mais acertado o uso da radical expressão Pátrio-dever.
Poder-se-ia aceitar esse ponto de vista, no sentido de que, aqueles direitos que se conferiam aos pais podiam ser mais aparentes do que reais, porque eram direitos que os mesmos exerciam tendo em vista o bem e o interesse dos filhos; todavia, não se podia chegar ao exagero de negar que não existiam quaisquer direitos dos pais em relação aos filhos, ou que houvesse somente obrigações, deveres daqueles. O próprio nome do instituto de então, ou, como nomeia o Código Civil português, representando a tendência moderna, Poder Parental, mostra que é assim.
Mas, não há dúvidas de que o interesse da filiação sempre prepondera, daí perecer bem a caráter a expressão Pátrio Poder-dever, que acabou por ser utilizada na prática até antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002, que, porém, substituiu-a por Poder Familiar, mais abrangente e menos ambígua, e que retira a carga preconceituosa de que só o pai é que mandava (com a colaboração da mãe), ou que os dois conjuntamente (após a Constituição de 1988) mandavam, e que os filhos sempre obedeciam, ou seja, somente tinham deveres em relação àqueles.
B – A primeira questão controvertida na doutrina. Todavia, a atual nomenclatura do velho instituto, agora com novas roupagens, vem sendo alvo de muitas controvérsias, havendo muitas opiniões doutrinárias desfavoráveis a ela, motivo pelo qual será este tema melhor discutido adiante, especialmente nas reflexões ao final do trabalho.
1.1. Definição (e natureza jurídica)
Aqui reside outra fonte para uma pesquisa mais aprofundada, a seguir delineada, bem como para reflexão específica, também apresentada no final deste trabalho, pois, realmente, há muitas controvérsias sobre a definição do Poder Familiar, que poderia em última análise, caracterizar sua natureza jurídica.
Alguns autores afirmam que o instituto representa um conjunto de direitos e deveres dos pais e que são exercidos em benefício dos filhos. Nesse sentido, JOSSERAND [2], no direito francês, apresenta uma definição clássica de Pátrio Poder, ou, agora, de Poder Familiar no direito brasileiro:
“É o conjunto dos direitos que a lei confere aos pais sobre a pessoa e bens dos seus filhos menores não emancipados, tendo em vista assegurar o cumprimento dos encargos que lhes incumbem no que se refere à manutenção e educação dos mesmos.”
Como se vê, o ilustre e ainda atual autor confirma ser o Pátrio Poder (atual Poder Familiar no direito positivo brasileiro), uma soma de direitos dos pais sobre a pessoa dos filhos menores não emancipados, porém, em seguida, acrescenta que tais direitos têm em vista assegurar o cumprimento dos encargos que lhes incumbem, referentemente ao sustento, cura, lazer e educação dos mesmos filhos. Há, portanto, nessa definição, como que uma via de mão dupla, ou seja, direitos e deveres recíprocos, e não só direito autoritário.
Indubitavelmente, há de prevalecer o benefício dos filhos; os grandes doutrinadores mais antigos, porém, sempre entenderam que se trata de direitos dos pais em relação à pessoa dos filhos: em BEVILÁQUA[3] encontra-se essa idéia; em PONTES DE MIRANDA[4] a mesma coisa, como de resto por aí seguem alguns dos autores nacionais mais festejados, contra a opinião em sentido contrário de outros.
As definições dos especialistas brasileiros na questão, especialmente dos mais, ou menos recentes e dos atuais, nem sempre convergem para o ponto de vista enunciado, qual seja: preponderância do direito dos pais.
Desses autores do direito pátrio, por último citados, pode-se extrair as mais variadas definições do Poder Familiar, outrora Pátrio Poder, como se observa em GOMES, em DINIZ, em RODRIGUES, em MONTEIRO, em RIZZARDO, etc., que dão as mais variadas naturezas ao instituto em questão, ora qualificando-o como uma função ou então como conjunto de obrigações, ou como uma delegação estatal (WALD), conforme algumas citações na nota de rodapé anterior e mais adiante (no caso do autor por último mencionado) e até como um munus (cf. DANTAS, citado abaixo e GONÇALVES, citado adiante).
Outro autor estrangeiro, BUTERA[5], ao comentar o Código Civil italiano atual embora antigo, utiliza sempre da expressão direito, seguindo o autor francês de início transcrito.
O que se presume é que os pais sempre ajam de modo bem intencionado, tanto no trato pessoal como na administração eventual de bens, visando o melhor para seus filhos, que, enquanto menores e não emancipados, deverão enquadrar-se à situação, o que leva à conclusão que o Pátrio Poder ou Poder Parental, no caso brasileiro Poder Familiar, não seja mais uma auctoritas, mas um munus, tal como entendem, p. ex., DANTAS, em sua obra clássica[6] e GONÇALVES[7], referidos.
1.2. Conceito
O art. 1.634 do Código Civil, em sete incisos, referindo-se ao Poder Familiar quanto à pessoa dos filhos, diz que incumbe aos pais: dirigir-lhes a educação e criação; tê-los em sua companhia e guarda; conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casar; nomear-lhes tutor, por testamento ou outro qualquer documento autêntico se o outro dos pais vier a falecer anteriormente, ou não mais puder exercer o Poder Familiar com exclusividade; representá-los até os dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los depois dessa idade e até os dezoito anos, nos atos de que participarem, suprindo-lhes o consentimento; reclamá-los de que ilegalmente os detenha; e, finalmente, exigir que tais filhos lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição pessoal.
Essas situações elencadas no artigo em referência são muito claras, dispensando considerações mais profundas, cabendo apenas alguns esclarecimentos específicos.
Assim, vê-se que a matéria constante desses incisos diz respeito ao interesse dos menores, ou seja, direito deles; porém, há também o direito dos pais, em contraposição aos seus deveres. Eis alguns exemplos:
a) – quanto a dirigir a educação de filhos menores, os quais já podem estar com uma idade de reflexão e de raciocínio bem avançados; podem não ter ainda completado dezoito anos, mas estarem próximos dessa idade. No entanto, deverão sujeitar-se àquilo que os seus pais determinarem, pois estes usam de seus direitos, voltados aos interesses dos filhos, seja em questões de compromissos escolares, ou sociais como viagens, passeios etc. Pode ocorrer que os menores, também se falando exemplificativamente, ainda não tenham preferências ou tendências religiosas, mas, no entanto, se os pais matricularem-nos em um colégio confessional, cuja mantenedora seja determinada entidade religiosa eles deverão aceitar esse posicionamento, porque é direito e dever dos seus pais a direção de sua reta criação e educação, sem que isso se constitua em afronta ao disposto no art. 16, inciso III do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei n. 8.069/90, que garante o direito à liberdade da criança e do adolescente quanto à crença e culto religioso;
b) também é direito dos pais terem os filhos em sua companhia e guarda como visto; todavia, pode ocorrer, devido a qualquer circunstância, que os filhos tenham sido criados por outras pessoas ou estejam em companhia destas, mas os pais poderão reclamá-los de quem os detenha, o que ocorre com certa freqüência na prática, ensejando uma série de controvérsias sobre a melhor solução para o impasse, já que se é um dever dos pais terem os filhos em sua companhia e guarda, ainda mesmo que estes tenham quase dezoito anos de idade e não queiram permanecer junto daqueles, conclui-se ser também um direito dos pais terem seus filhos em sua companhia e guarda podendo usar, até, da busca e apreensão, medida cautelar prevista no Código de Processo Civil, art. 839 e s., para esse fim;
c) ainda podem os pais exigir que os filhos lhes prestem obediência, respeito, e os serviços próprios de sua idade e condição. Podendo os pais exigir que os filhos prestem serviços, esse trabalho nem sempre será no interesse exclusivo dos menores, pois poderá sê-lo no da família, considerada aqui no aspecto nuclear, afastando-se, por óbvio, a idéia de abuso para obter rendimentos desnecessários para uso da família com a exploração dos menores em serviços além de sua capacidade física e intelectual, que é um dos motivos pelos quais parte da doutrina vem criticando o dispositivo do Código Civil em questão, por entender que poderia haver nessa situação um abuso por parte dos pais que tencionassem viver mais comodamente à custa do sacrifício dos filhos; todavia, entende-se sem razão tais críticas, porque os pais, com sua atitude, estarão cumprindo seus deveres de bem formarem o caráter e o sentimento de dignidade dos filhos, preparando-os para a realidade da vida adulta, que é um direito destes exigirem daqueles. Vê-se, nesta hipótese, que os pais exercem um direito que têm, de exigir tudo isso, obedecidos, obviamente, os preceitos da Constituição Federal, art. 227, § 3º e seus incisos, a respeito;
d) outro exemplo claro pode-se dar, em matéria de direito de família patrimonial: os pais têm direito ao usufruto dos bens dos filhos menores, que é inerente ao exercício do Poder Familiar, consoante disposto no Código Civil, art. 1.689, I, e interpreta-se que eles aplicam esse usufruto em benefício dos próprios filhos, cujos rendimentos lhes permitirão uma melhor criação e educação; mas, pode haver, até, o direito dos pais ao usufruto sem que o mesmo se converta em benefício exclusivo dos menores proprietários dos bens. Suponha-se que o pai casado venha a enviuvar, ou que faleça a mulher na união estável. Era casado no regime da separação de bens, ou, então, só a companheira falecida possuía bens adquiridos antes do estabelecimento da união, hipóteses em que toda a eventual fortuna deixada pertenceria ao filho único do casal. Talvez com a décima-parte de uma fortuna considerável o pai, no exercício do Poder Familiar e tendo o usufruto sobre tais bens, poderia criar e educar aquele filho. Imagine-se, porém, que o pai venha a casar-se novamente ou pela vez primeira, levando consigo o filho menor; nesse caso, todo o produto do usufruto seria carreado para a nova família, se necessário, e aplicado, inclusive, para a criação e educação dos novos filhos, que seriam somente meio-irmãos, por parte paterna somente, daquele menor e, dependendo da hipótese, até em benefício de filhos da madrasta e frutos de um primeiro casamento desta, desfeito, e adotados ou reconhecidos – se for o caso – ou adotados pelo pai do menor afortunado. Assim o pai poderia aplicar os nove dez avos restantes dos rendimentos do filho do primeiro leito em favor da segunda família que constituiu. Vê-se, então, que há um direito dos pais, pois a lei lhes garante o usufruto integral dos bens dos filhos, qualquer que seja o vulto, ou a renda desse usufruto, dos quais têm a administração (CC, art. 1.689, II).
Pelos exemplos acima, baseados nos incisos do art. 1.634 do atual estatuto civil, fica claro que não se pode dizer que os pais, sejam casados, ou companheiros em união estável, ou mesmo sem maiores compromissos entre si, só tenham deveres.
Pelo exposto, tanto em relação ao aspecto definidor como ao conceitual, pode se concordar com os doutrinadores que afirmam ser o Poder Familiar visto assim: tudo o que fazem os pais deve interpretar-se mais no sentido da utilidade da prole. Não deve, então, ser encarado como vantajoso para os pais. Mas, isso não é uma regra absoluta existindo também direitos destes, como demonstrado nos exemplos acima; aliás, a Constituição Federal, no art. 229, enseja esse raciocínio, ao atribuir o dever assistencial tanto aos pais em relação aos filhos como já analisado, mas também a estes, quando maiores, em reciprocidade, na velhice, carência, ou enfermidade daqueles, independentemente de sua origem, diga-se, de terem nascido do casamento daqueles, da união estável, ou mesmo de fora de ambos.
2. Titularidade conjunta do Poder Familiar e o reconhecimento voluntário ou forçado da paternidade (e da maternidade). Outras questões
A – Competência. A quem compete o exercício do Poder Familiar?
Os art.1.631 e 1.690, caput e parágrafo único, do Código Civil, dispõem sobre o assunto, determinando que o Poder Familiar é de competência dos pais, durante o casamento ou a união estável, e que na falta ou impedimento de um deles, passará a exclusividade de exercício ao outro. O parágrafo único do citado art. 1.690 acrescenta que, em caso de divergência dos genitores quanto ao exercício do Poder Familiar, a questão será resolvida judicialmente, já que é de absoluta igualdade a situação dos pais (CF, art. 226, § 5º e 5º, I), exercendo ambos, conjuntamente, o Poder Familiar, assim no casamento, na união estável, e, até, no caso de filhos gerados fora das núpcias ou da união (embora tal igualdade só tenha sido reconhecida através do Estatuto da Mulher Casada, de 1962, cit.). Nesta última hipótese, havendo reconhecimento do filho só por parte de um dos pais, geralmente a mãe, ao mesmo caberá com exclusividade o exercício do Poder Familiar; se não for conhecido ou capaz de exercê-lo, ao menor dar-se-á tutor (CC, art. 1.633).
Muitos autores julgam ser de todo inconveniente, e mesmo desaconselhável a constante intromissão do Estado, através do Poder Judiciário no seio de uma instituição como a família. Mas, com a disposição igualitária de direitos e deveres conjugais trazida pela Constituição atual, não têm razão de ser tais observações, no que toca à possibilidade de se recorrer às vias judiciais em caso de divergência entre os pais, situação desagradável, mas que não pode deixar de existir, já que se trata o recurso à Justiça, de um dos primados constitucionais do Estado Democrático, por parte de quem se sinta prejudicado em seus direitos.
O exercício do Poder Familiar é personalíssimo. Não vai além do pai e da mãe; não têm o exercício os avos, pois a lei não o atribui a eles na falta dos pais. Aqueles são as pessoas mais indicadas para a tutela, mas exercício do Poder Familiar eles não têm; apenas o pai e a mãe, conjuntamente ou com exclusividade na falta de um deles, e se um deles morrer, ou for suspenso do exercício do Poder Familiar, ou quando este se extingue por outro motivo (imoralidade, por exemplo – CC, art. 1.638, III), o outro genitor assume com exclusividade o Poder Familiar sobre a pessoa de seus filhos.
Note-se, porém, que a falta ou impedimento ocorre somente nestas hipóteses (morte, suspensão ou perda), e não quando há um impedimento ocasional do pai ou da mãe, como na hipótese, por exemplo, de viagem do pai a negócios; apesar disso, continua com ele o Poder Familiar, na parte que lhe toca. Mas, à mãe incumbiria a obrigação de criar, educar, zelar pelo filho, como está estipulado nos art. 1.631, 1.634 em seus vários incisos e 1.690 do Código Civil, o mesmo ocorrendo em relação ao pai, nos impedimentos ocasionais da mãe, seja no casamento, na união estável, ou mesmo fora deles, desde que plenamente reconhecido o filho por ambos os pais.
B – Reconhecimento de paternidade (e da maternidade). O reconhecimento voluntário poderá ser feito por uma das formas determinadas anteriormente na Lei n. 8.560/1992, art. 1º (no registro do nascimento; por escritura pública ou mediante escrito particular, a ser arquivado em cartório; por testamento, ainda que incidentemente manifestado; por manifestação expressa e direta perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém), que revogou as disposições anteriores sobre o mesmo assunto, tanto do Código Civil de 1916 como do ECA, por ser mais recente e mais abrangente (cf. Lei de Introdução ao Código Civil, art. 2º, § 1º), e, atualmente no art. 1.609 do Código Civil que determina poder ser feito o reconhecimento antes do nascimento do filho, ou mesmo posteriormente à sua morte se deixar descendentes (art. cit., parágrafo único), posto que se não houver deixará de existir interesse no reconhecimento. Estas são as formas de reconhecimento voluntário dos filhos, que é irrevogável, ainda que feito em testamento, conforme determinam citado artigo e o seguinte do código em exame[8].
Poderá tal reconhecimento originar-se, também, da competente ação de perquirição de paternidade (e de maternidade), consoante já disposto anteriormente nas citadas leis de 1992 e de 1990 (art. 27) e atualmente no Código Civil (art. 1.615-6), ainda que na vigência do casamento de qualquer dos progenitores. Estar-se-á, então, diante do reconhecimento forçado e não voluntário da paternidade (e maternidade).
C – Filiação adotiva. Tratando-se de filiação adotiva, o Poder Familiar será exercido como no casamento ou na união estável, sendo adotantes marido e mulher ou companheiros em união estável; se, porém, só houver um adotante a este caberá, com exclusividade, o exercício.
2.1. A guarda dos filhos menores, nos casos de separação e divórcio dos pais casados e término da união estável dos pais companheiros
A – Término da sociedade conjugal, do casamento ou da união estável dos pais. O art.1.632 do Código Civil cogita da situação do Poder Familiar tendo em vista a separação judicial, o divórcio ou a dissolução da união estável dos pais.
Segundo tal dispositivo, não haverá alteração nas relações entre pais e filhos, salvo quanto ao direito de companhia quanto aos segundos, que têm os primeiros citados.
O Poder Familiar implica no direito (e dever) dos pais de terem os filhos em sua companhia e guarda. O citado art. 1.632 diz que a separação não altera as relações entre pais e filhos, situação extensível ao divórcio e à união estável rompida. Por quê? Porque da separação e do divórcio, como também do rompimento da união estável, não decorre a suspensão, ou a extinção do Poder Familiar; todavia, pode suceder que o motivo do divórcio ou da separação dos pais seja tal que autorize também a extinção do Poder Familiar, imaginando-se, por exemplo, que em curso a um processo se apure que um dos cônjuges ou companheiros na união estável tem procedimento imoral em relação a filhos. Tal fato seria motivo não só para a separação ou o rompimento, mas, caso esse pai ou mãe ainda estivesse no exercício do Poder Familiar, também para a destituição ou perda do mesmo.
A perda do Poder Familiar não é uma decorrência necessária da separação, do divórcio ou do rompimento da união estável, mas sim decorrência meramente acidental, em casos específicos. O marido, exemplificando, poderá ser condenado na ação de separação e, no entanto, continuará com o Poder Familiar, mesmo sem ter a guarda dos filhos. Será condenado porque eventualmente não procedeu corretamente com sua mulher, porque agiu de forma desonrosa, ou abandonou o lar etc. (anteriormente, LD, n. 6.515/1977, art. 5º e atualmente Código Civil, art. 1.572 e respectivos parágrafos); mas, os motivos que às vezes existem, para se dizer que uma determinada pessoa não é bom cônjuge, ou companheiro, não são os mesmos que autorizam dizer que também não é bom pai ou boa mãe, ao contrário, poderá ser ótimo pai, e, freqüentemente, ouve-se essa confissão, até da ex-esposa, ou ex-companheira e vice-versa, em juízo ou fora dele.
Portanto, o divórcio, a separação, ou o rompimento da união estável, em si, como discorrido, não altera as relações entre pais e filhos. Altera, porém, repita-se, a questão da guarda porque na falta de acordo sobre tal questão (CC, art. 1.583) e, condenado um dos cônjuges na ação de separação ou na ação de divórcio direto litigioso ou, então, havendo o rompimento da união estável por culpa exclusiva de um dos componentes, ele perde a guarda dos filhos para o outro pai, conforme já dispunham os art. 10, caput e 11 da Lei do Divórcio e atualmente dispõe o art. 1.584 do Código Civil (embora este dispositivo aluda aos cônjuges somente), ou seja, a guarda será atribuída àquele dos pais que tiver melhores condições de exercê-la salvo casos excepcionais e sempre tendo em vista o interesse dos filhos, ao teor do que estabelecia o art. 13 da mesma lei divorcista e atualmente enfatiza o art.1.586 do estatuto civil.
Suposto, porém, que haja responsabilidade conjunta pela ruptura da sociedade conjugal, do casamento, ou da união estável, ainda assim os filhos menores poderão ficar, em princípio, sob a guarda da mãe (art. 10, § 1º da LD, cit.), como também poderão não ficar com qualquer um dos responsáveis (§ 2º do art. 10 da mesma lei e parágrafo único do art. 1.584 do Código Civil, que remete à lei específica e, no caso, será a citada Lei do Divórcio).
Se o término da sociedade conjugal, do casamento, ou da união estável se der em virtude de doença mental de um dos cônjuges ou companheiros, seja o homem ou a mulher, os filhos ficarão sob a guarda do componente do casal em estado de perfeita sanidade.
Quer tudo isso dizer que poderá ser alterada a situação, no que concerne ao direito dos pais terem os filhos sob sua guarda, mas não no que diz respeito ao Poder Familiar, que continuará com ambos, em perfeita igualdade, garantido, contudo, o direito de visitas e de companhia em relação ao menor que estiver sob a guarda do outro ex-cônjuge ou ex-companheiro (anteriormente, art. 15 da LD e atualmente 1.589 do Código Civil).
Lembre-se, ainda, que o pai que não tiver a guarda continuará a ter, não obstante, o dever alimentar em relação a tal filho, podendo até fiscalizar sua manutenção (sic, melhor mantença, entende-se) e educação (CC, art. 1.589, parte final).
B – Hipótese de invalidade. As mesmas disposições contidas anteriormente nos art. 9º-15 da Lei do Divórcio e atualmente nos art.1.584-6 do Código Civil serão aplicadas, em se tratando de hipótese de invalidade do casamento (CC, art. 1.587), seja pela nulidade (CC, art. 1.548-9) ou pela anulabilidade (CC., art. 1.550-60, mais especificamente, art. 1.556-8, na hipótese em comentário).
2.2. Conseqüências derivadas da morte de um dos pais
O art. 1.631 do novo estatuto civil, em sua parte final, dispõe que na falta de um dos pais, o outro exercerá o Poder Familiar com exclusividade; neste caso inclui-se a dissolução do casamento pela morte de um dos cônjuges ou companheiros na união estável, ou mesmo pela morte de um dos pais de fora do casamento ou da união.
Se, porém, aquele também vier a faltar, extingue-se o Poder Familiar. Só haverá, então, tutela, concedida judicialmente. Note-se, por oportuno, que o pai e a mãe não são tutores de seus filhos, embora, erroneamente, vez por outra, ouve-se tal afirmação.
2.3. A questão do filho não reconhecido
O filho havido pela mulher fora do casamento ou da união estável, ou mesmo de ambos, e não reconhecido pelo pai, ficará sob o poder materno; se, no entanto, a mãe não for conhecida, ou capaz de exercer o Poder Familiar, será nomeado ao menor um tutor. Tal é a afirmativa do art. 1.633 do Código Civil.
Assim, se o pai reconhecer o filho, espontaneamente, ou lhe for atribuída a paternidade forçadamente, mediante a competente ação investigatória, ele terá o exercício do Poder Familiar; em caso contrário, o exercício será da mãe, exclusivamente. Não sendo esta conhecida, ou se for incapaz de exercer o Poder Familiar (por muitos motivos, inclusive por questões morais), e o pai não houver reconhecido a paternidade, então haverá que se nomear um tutor ao menor que será, provavelmente, uma pessoa ligada ao mesmo por parentesco, geralmente a avó materna, ou ficará ele sob a custódia do Juizado da Infância e da Adolescência, até ser colocado em família substituta (ECA, art. 28-52, referentemente a menores até dezoito anos de idade).
3. Os destinatários do Poder Familiar
O Poder Familiar recai sobre os filhos somente. Os netos não estão sob o Poder Familiar dos avos, mas poderão estar sob tutela.
Assim, são sujeitos passivos ou mais precisamente sujeitos ativos, se entendido o Poder Familiar também como um dever dos pais e não só como um direito, como defendido neste trabalho, os filhos reconhecidos, havidos ou não do casamento ou da união estável e os adotivos, enquanto menores (CC, art.1.630).
Os emancipados, embora ainda não tenham completado os dezoito anos de idade (CC, art. 5º, parágrafo único) estarão desligados do Poder Familiar a partir da emancipação. Cessado o motivo válido que deu origem à emancipação, arrolados no parágrafo único e nos incisos I a V do art. 5º do estatuto civilista, o filho não mais volta a estar sob o Poder Familiar. Supondo-se o casamento de uma mulher aos dezesseis anos, limite mínimo da idade núbil, se logo depois ela vier a enviuvar, apesar disso não volta a ser relativamente incapaz (CC, art. 4º, I), e, portanto, a estar sob o Poder Familiar, muito embora não tivesse atingido a idade genérica da maioridade, dezoito anos (CC, art. 5º, caput).
4. A duração do Poder Familiar
Como visto, o art. 1.630 do Código Civil prevê a duração do Poder Familiar, ao dispor que estarão sob o seu domínio os filhos enquanto menores.
Assim, após a maioridade já não há mais Poder Familiar; se, porém, após a maioridade o filho for ou vier a se tornar incapaz para a prática dos atos civis válidos (por doença mental, por exemplo), não retornará a estar sob o Poder Familiar, mas sob curatela, após o devido processo de interdição, conforme disposto no Código Civil, art. 1.767-78, da seguinte forma:
a) – Se solteiro e não viver em união estável, o curador será um de seus pais e, em não mais havendo pais, um seu descendente, se houver e, em falta absoluta dos citados, a escolha de um curador ao incapaz será de competência judicial (CC, art. 1.775, caput e §§ 1º a 3º).
b) – Se casado ou viver em união estável, a pessoa indicada legalmente para exercer os atos civis por aquele, como seu curador, será o seu cônjuge ou o outro companheiro (CC, art. 1.775), seja o homem ou a mulher;
A maioridade, porém, não é o único caso de extinção do Poder Familiar, que pode terminar por outros motivos. Suponha-se o caso do filho menor que perde a mãe e o seu pai tem o exercício do Poder Familiar suspenso, ou retirado definitivamente, por um dos motivos que serão analisados infra.
Assim, rigorosamente, pode-se dizer que o Poder Familiar dura enquanto não sobrevier uma das causas de extinção, das quais a mais freqüente, mais ordinária, é a maioridade, havendo, porém, outras, como emancipação, os casos arrolados nos incisos I a IV do art. 1.767 do CC, decadência dos pais do exercício, morte destes etc.
5. Objeto ou extensão do Poder Familiar
O Poder Familiar é exercido pelos pais casados, companheiros ou de fora do casamento ou da união estável, em relação tanto à pessoa de seus filhos, como em relação a eventuais bens que estes possuam.
5.1. Com relação à pessoa dos filhos
Em primeiro lugar, deve-se fazer referência ao disposto no art. 1.566, IV, do Código Civil, que determina ser dever de ambos os cônjuges (e, acrescente-se, também dos companheiros na união estável, ou, até, de um dos pais somente – CF, art. 226, § 4º, que estendeu o conceito de entidade familiar à espécie de ligação de um só dos pais e seus filhos, chamada de família monoparental) manterem os filhos junto a si, ou seja, dar-lhes o sustento, a guarda e a educação.
Em segundo lugar, deve-se ater também ao constante do art. 1.634 do mesmo estatuto que, por sua vez, de modo geral, diz o que compete aos pais, com relação à pessoa dos filhos menores, devendo-se destacar o contido no inciso IV desse artigo, que é muito importante, sendo complementado pelo art. 1.729 do mesmo diploma legal.
Realmente, só o pai e a mãe, no exercício do Poder Familiar é que podem nomear tutor para seus filhos, em caso de morte ou de perda do mesmo poder por outro motivo, e através de testamento ou outro documento autêntico. Assim, na hipótese da necessidade de tutela, a vontade dos pais terá preferência na escolha, e só na falta dessa vontade estar devidamente expressada, é que será obedecida a ordem estabelecida na lei para nomeação do tutor (CC, art. 1.731-4), conforme especificado no capítulo referente à tutela (CC, art. 1.728-66), instituto protecionista substituto do Poder Familiar.
Os outros incisos do citado art. 1.634 do Código Civil já foram examinados genericamente retro, dispensando, pois, maiores considerações a respeito.
Assim, objeto ou extensão do Poder Familiar quanto à pessoa dos filhos, são os aspectos contidos tanto no art. 1.566, IV, como nos sete incisos do art.1.634, todos do Código Civil, tanto com referência aos cônjuges no casamento, como aos pais companheiros na união estável ou fora de ambos, dupla ou isoladamente.
5.2. Com relação aos bens dos filhos
A – Usufruto e administração dos bens.Os pais são os usufrutuários e os administradores conjuntos dos bens dos filhos, como se encontra estipulado no art. 1.689, I e II, do Código Civil, artigo esse que inicia o Subtítulo II do Título II do livro do Direito de Família do citado estatuto.
B – Proibições e permissões. O art. 1.691, num desdobramento da idéia contida no artigo referido anteriormente, determina, porém, não poderem os pais alienar, hipotecar, ou gravar de ônus reais os imóveis dos filhos, e tampouco contrair, em nome dos mesmos, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, a não ser por extrema necessidade ou evidente utilidade da prole, ainda assim com prévia autorização judicial.
Portanto, na prática, os pais não podem alienar gratuita ou onerosamente tais bens, e nem sequer hipotecá-los, porque a hipoteca é um começo de alienação. Nem podem os pais entregar um imóvel de seu filho em anticrese, por exemplo, além de não poderem contrair obrigações em nome daqueles, que ultrapassem os limites da simples administração, salvo a exceção mencionada, da utilidade do ato para os filhos, quando o caso será submetido ao juiz, que mandará ouvir o curador de incapazes, e deferirá, ou não, o pedido dos pais.
No entanto, no exercício da administração desses bens, os pais poderão livremente receber aluguéis, pagar impostos, fazer pequenos reparos nas propriedades dos filhos menores etc.
Tanto na hipótese das proibições, como na das possibilidades ou permissões, acima elencadas, podem-se discernir claramente quais seriam os atos de mera administração: os primeiros (alienação, hipoteca, anticrese etc.) não (pois seriam atos de disposição dos bens) e os segundos (recebimento de aluguéis, pagamento de encargos, fazer pequenos reparos indispensáveis etc.) sim; mas, em muitos outros casos têm-se dificuldades enormes para determinar se tal ou qual ato seria de simples administração, ou de disposição. Cai-se, então, no terreno da casuística, da eqüidade individualizada, do caso concreto. Exemplificando: alugar um prédio é, ou não, ato de simples administração? A resposta seria positiva, sem dúvida; mas, se o filho tem dezesseis, ou dezessete anos, e os seus pais locam o prédio do qual são simples administradores, pelo prazo de trinta meses, que vem se constituindo atualmente na praxe atual para facilitar a retomada (art. 46 da atual Lei do Inquilinato, Lei n. 8.245/1991), aí seria ato de simples administração? A maioria dos doutrinadores acredita que sim, muito embora haja opiniões divergentes, porque tal prazo ultrapassaria a idade da maioridade do filho.
Para consignar mais explicitamente as dúvidas que podem surgir em relação ao assunto em discussão, vejamos outra hipótese: Uma locação, nas mesmas condições acima, mas por prazo de dez anos, por exemplo, não mais seria ato de simples administração, já que a própria Lei do Inquilinato referida, no seu art. 3º, alude à obtenção da vênia conjugal (e, entende-se, também do companheiro na união estável, atualmente), em locações ajustadas por dez ou mais anos, mas nada dispõe sobre tal assunto no aspecto que se examina nesta oportunidade, ou seja, administração do bem do filho por seus pais.
Assim a matéria é puramente casuística, não podendo ser resolvida senão diante do caso concreto, por isso que os que lidam com o direito: juízes, advogados, tutores, curadores etc., encontram-se freqüentemente a braços com dificuldades para dizer se determinado ato é ou não de simples administração.
C – Exclusões. O art. 1.693 do mesmo código determina dever-se excluir tanto do usufruto como da administração pelos pais o disposto nos quatro incisos a seguir comentados:
Os bens adquiridos pelo filho havido fora do casamento antes do devido reconhecimento compõem o conteúdo do inciso I daquele artigo.
A razão da lei é intuitiva: os pais não devem ter nem o usufruto nem a administração dos bens do filho que foram incorporados ao patrimônio deste antes do reconhecimento porque tal ato não pode comportar egoísmo ou interesse, mas sim ser de pura liberalidade.
Pode o reconhecimento partir dos pais, espontaneamente, ou pode, mesmo, haver ação judicial forçando-os a reconhecer o filho. Mas, seja num caso, seja noutro, o usufruto e a administração dos bens pertencentes ao filho antes do reconhecimento não cabem aos pais, pois, do contrário, estes poderiam proceder ao reconhecimento porque o filho se tornara rico, entrara na posse de uma herança vultosa, por exemplo. Calculando-se, exemplificativamente, ter o filho pouco mais de um ano de idade, e se os pais ou um deles viessem a ter o usufruto dos bens do mesmo, com o exercício da administração desses bens, o benefício perduraria praticamente por dezessete anos. Então, o ato dos pais ou de um deles, isoladamente, seria suspeito quanto à intenção do reconhecimento, daí a lei privá-los completamente da administração e, conseqüentemente, do usufruto daqueles bens que já eram do filho antes do reconhecimento.
No entanto, se após o reconhecimento o filho vier a receber bens, a questão se coloca diferentemente.
Em seguida, o inciso II do artigo em referência cogita dos bens dos filhos maiores de dezesseis anos, adquiridos no exercício de atividade profissional, bem assim os valores provenientes dessa atividade.
A lei, às vezes, parece conter preceitos que poderiam ser classificados como exagerados, ou praticamente inúteis. É o que acontece com o disposto nesse inciso, que tem um alcance prático bastante exíguo, já porque a maioridade civil é atingida atualmente aos dezoito anos e ainda devido ao fato de que se a atividade profissional a que se refere o inciso se constituir na exploração de um estabelecimento comercial ou mesmo civil próprio do menor a que se destina o mandamento legal acima, ou até no exercício de um emprego através do qual aquele venha a possuir economia própria, ou mesmo se ocupar um cargo público em caráter efetivo essa pessoa estará emancipada (atual CC, art. 5º, parágrafo único, III e V), e nessas condições, não há que se cogitar da administração ou do usufruto dos bens pelos seus pais.
Também se poderia cogitar, ao ensejo e em tese, da hipótese constante do inciso IV do parágrafo único citado, que determina haver a cessação da menoridade, com a devida emancipação, pela colação de grau em curso de ensino superior, situação que não ocorre atualmente no País, devido à estrutura do sistema de ensino (fundamental, médio e superior), que praticamente impede que com a idade entre dezesseis e dezoito anos, alguém consiga colar grau e exercer atividade profissional na área, diferentemente do direito anterior, pois o código revogado considerava atingida a maioridade civil aos vinte e um anos.
Da mesma forma e pelo mesmo motivo discorrido acima, deixou o código atual de se referir aos bens adquiridos pelo filho em serviço militar, que também eram excluídos do usufruto e da administração dos seus pais, de acordo com o direito codificado anterior; porém, com a diminuição da idade mínima da maioridade para dezoito anos, tal regra tornar-se-ia obsoleta, se adotada. Igualmente, e pelo mesmo fundamento, com relação aos bens adquiridos pelo filho no exercício de magistério.
No inciso seguinte são referidos os bens deixados ou doados ao filho sob a condição de não serem usufruídos, ou administrados, pelos pais.
A deixa ou doação pode se efetivar através de escritura pública ou por testamento, documentos nos quais o doador ou o testador determinaria que os pais não tivessem a administração nem o usufruto dos bens deixados ou doados, seja porque neles não confia, ou por já serem ricos etc. devendo, então ser nomeado um curador para o exercício da administração.
Finalmente, o último inciso arrolado refere-se aos bens que ao filho couberem na herança quando os pais forem excluídos da sucessão, caso típico dos art. 1.814 e ss., Capítulo V, – Dos Excluídos da Sucessão -, do Título I, – Da Sucessão em Geral -, do Livro V, – Do Direito das Sucessões -, da Parte Especial do atual Código Civil.
No caso específico, o artigo referido deve ser combinado com o art. 1.816, parágrafo único, o qual complementa o sentido do inciso IV do art. 1.693 em análise.
Há várias hipóteses que podem ensejar a exclusão da sucessão por indignidade, mas a lei, quando pune uma pessoa com a pena referida, privando-a da herança, não estende a proibição aos seus herdeiros, já que a pena não pode incidir em outras pessoas além do autor da infração. Alguém, exemplificando, tenta matar o próprio pai; isso é motivo de indignidade para suceder. Morrendo o pai, mais tarde, o filho pode ser considerado alijado da sucessão, após trâmite regular de processo para tal, mas os seus filhos, isto é, os netos do de cujus não serão indignos de herdar. A lei exclui o filho, mas os filhos do filho herdarão diretamente do avô, pois a lei não consente a retirada do direito à herança daqueles que não têm culpa nenhuma. Os netos, portanto, não são excluídos da sucessão.
Mas, neste caso, os bens que couberem aos filhos do autor da indignidade (netos) não serão administrados, nem usufruídos pelo pai. E isso por motivos óbvios: se o filho foi excluído da sucessão, ele não tem condições legais (e morais, até) para herdar, e nem pode ter o usufruto dos bens (que, conforme o caso configuraria uma herança indireta, caso durasse muito tempo e dissesse respeito a bens valiosos), nem a administração, obviamente, dos mesmos.
C.1. Complemento. Outra hipótese de exclusão do usufruto (e da administração) dos bens dos filhos pelos pais poder-se-ia encontrar no disposto no art. 1.523, I, do Código Civil que determina que o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido não pode casar, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e não der a devida partilha dos mesmos bens aos herdeiros, determinação idêntica ao que constava do estatuto civil de 1916, no art. 225.
Ocorre, porém, que no código revogado, o citado artigo já determinava a pena para sua transgressão: a perda do usufruto dos bens dos filhos, o que não acontece com o dispositivo do estatuto civil de 2002, referido, no qual consta tal situação como causa suspensiva para o casamento, no Capítulo IV do Subtítulo I, – Do Casamento -, do Título I, – Do Direito Pessoal -, do Livro IV, – Do Direito de Família -, da Parte Especial.
Entretanto, entende-se eliminada a penalidade que constava claramente do art. 225 do Código Civil de 1916, devido ao disposto no parágrafo único do referido art. 1.523 do estatuto civil de 2002, que determina ser permitido aos nubentes solicitar judicialmente a exclusão da aplicação das causas suspensivas previstas no inciso I desse artigo, provando-se a inexistência de prejuízo para o herdeiro, já que a penalidade que o Código Civil impõe á desobediência da causa suspensiva em comentário é a obrigatoriedade da adoção do regime da separação de bens no casamento, de conformidade com o disposto no seu art. 1.641, I e não a perda do usufruto (e da administração) dos bens dos filhos, como explicitava o antigo estatuto civil, no local indicado.
D – Duração. Poder-se-ia indagar, porém, qual seria a interpretação exata do art. 1.689, I, que complementa o caput desse artigo do Código Civil que diz que os pais são usufrutuários dos bens dos filhos, enquanto no exercício do Poder Familiar. Poder-se-ia explicá-lo desta forma – obviamente além das hipóteses de morte dos pais, maioridade dos filhos, ou então da sua emancipação: a) seria um artigo que contém referência indireta às exceções previstas no art. 1.693, I a IV, e mais a todos os casos em que se dá perda do poder familiar, como pena (por maus tratos em relação à pessoa do filho, pela prática de atos imorais etc.), contidos nos incisos I a IV do art. 1.638 do mesmo estatuto civil e que serão analisados infra; b) igualmente, poder-se-ia interpretar da mesma forma quanto à possibilidade de suspensão temporária do exercício do Poder Familiar, quando o usufruto e a administração dos bens dos filhos também ficariam momentaneamente suspensos (CC, art. 1.637 e parágrafo único). Nestes casos, o pai ou a mãe, ou ambos, serão privados do Poder Familiar, definitiva ou temporariamente[9].
Assim, pode-se interpretar o inciso I do referido art. 1.689 no sentido de que, perdendo os pais o Poder Familiar, perdem também o usufruto sobre os bens dos filhos, como uma pena a eles imposta. Ressalte-se que, em se tratando de uma penalidade, a lei deve ser clara, precisa, pois do contrário não seria possível aplicação da pena e no caso presente somente apenas encontra-se a clareza desejada fazendo-se a interpretação dos artigos mencionados, combinados.
5.2.1. Conflito de interesses de pais e filhos
O art. 1.692 do Código Civil cogita da hipótese de ocorrer um conflito de interesses entre os pais, no exercício do Poder Familiar, e os filhos, quando, então, haverá necessidade de se resolver o problema.
Sabido que quando os filhos já são maiores, poderão ultimar os negócios que quiserem com seus pais, como se fossem estranhos, com a exceção particular da venda de ascendentes para descendentes, que depende do consentimento dos demais filhos e do cônjuge do alienante, se for o caso (art. 496 e parágrafo único, do estatuto civil); mas, em regra, nada impede que os pais tenham negócios com seus filhos.
O curador. Porém, quando o filho é menor, e os pais necessitam tratar de negócios com ele, ou quando, em juízo, há que se resolver um conflito entre eles (p. ex.: a causa suspensiva do casamento, constante do art. 1.523, I, do mesmo código, quando o pai ou mãe viúvo pretende casar-se sem ter feito inventário e correspondente partilha dos bens deixados pelo primeiro cônjuge (ou companheiro em união estável, conforme se entende), como se resolveria o problema? Existe no caso um conflito de interesses, e, por isso, o citado art. 1.692 determina que sempre que colidirem interesses dos pais no exercício do Poder Familiar, com os dos filhos, o juiz indicará a estes um curador especial, a requerimento dos menores ou do representante do Ministério Público. Esse curador, então, é quem representará ou assistirá o menor, apreciando o caso para dizer se deve ou não concordar com o negócio pleiteado, dependendo da conveniência do mesmo, embora os pais não percam o exercício do Poder Familiar.
O mesmo ocorrerá em outras várias hipóteses, como no caso da já referida venda de um bem imóvel pelos pais a um filho maior, havendo, dentre os demais filhos, um menor, que também será representado ou assistido, conforme sua idade, pelo curador especial, já que há conflito de interesses com seus pais.
A matéria versada nesse artigo do Código Civil, e em outros da legislação extravagante (como, por exemplo, art. 142, parágrafo único do ECA) encontra correspondência subsidiária no Direito Processual. Assim, por exemplo, quando há conflito de interesses entre pais e filhos menores, como no caso referido da venda de bem imóvel a um filho maior havendo outro filho menor, ou ocorrendo outra hipótese semelhante, o Código de Processo Civil determina a nomeação de um curador ao menor (art. 9º, I), assunto complementado no art. 82, I e II do mesmo estatuto processual.
5.2.2. Os atos inválidos (nulos e anuláveis) praticados pelos pais
Certos atos praticados pelos pais no exercício do Poder Familiar poderão ser eivados de invalidade, porque feitos de modo proibido pela lei. Serão, eventualmente, nulos ou anuláveis.
A – Competência. A tal respeito, o art. 1.691, parágrafo único, do Código Civil dispõe que têm legitimidade para pleitear a declaração de nulidade dos atos praticados com infração apontada em vários outros artigos do estatuto civil (Exemplificando: art. 1.689, II, que refere como visto, à administração dos bens dos filhos; art. 1.691, caput, que impede a alienação, a hipoteca etc.; art. 1.692, que determina que sem curador especial indicado ao menor não podem os pais praticar certos atos quando houver colisão de interesses entre eles e o filho menor; etc.): 1º – o filho; 2º- os herdeiros do filho prejudicado pelos negócios dos pais, que poderia ter falecido sem propor a ação acima referida; 3º- o representante legal (tutor) do filho, se durante a menoridade cessar o Poder Familiar por uma das causas que serão estudadas infra, n. 6.
B – Prazo.Observe-se que, referindo-se o art. 1.691, parágrafo único, à declaração de nulidade e não à anulação dos atos praticados indevidamente pelos pais em detrimento do patrimônio dos seus filhos sob o exercício do Poder Familiar, não haveria, em princípio, prazo prescricional ou decadencial para a propositura da ação correspondente, pelas pessoas legitimadas ativamente, acima referidas; entretanto, tratando-se de ação pessoal entende-se aplicável o prazo máximo prescricional constante do Código Civil no art. 205, de dez anos, a partir da maioridade do filho no primeiro caso, da morte do mesmo no segundo e da indicação do tutor na terceira hipótese, acima elencadas.
5.2.3. Reflexões sobre o usufruto e administração dos bens dos filhos
Ante o discorrido até este ponto, cabem as primeiras reflexões sobre o tema em análise.
O usufruto dos bens dos filhos, atribuído aos pais (CC, art. 1.689, I), mostra que estes também têm direitos em relação aos filhos, sendo então aquele instituto uma decorrência disso. Está-se aqui no plano patrimonial do Direito de Família. Os pais têm não apenas deveres, obrigações, mas também direitos, como já realçado, porque, se no grande número dos casos, o usufruto dos bens dos filhos se destina à própria educação e sustento destes, pode ocorrer, vez ou outra, que tão avultada seja a renda desses bens, tão grandes sejam os frutos que esses bens produzam que os pais não necessitem de todo o rendimento para criar e educar aqueles, tendo direito ao uso do restante, porém, para aplicação em fins honestos e em proveito geral da família, ainda que oriunda de um segundo casamento, ou de união estável posterior à assunção dos bens pelos filhos.
Em certos casos, essa aplicação pode produzir um desequilíbrio matemático na repartição dos bens. Exemplificando: os frutos são de bens pertencentes a um determinado filho de leito anterior; no entanto, o pai ou mãe traz esse usufruto para o segundo casamento ou para uma união estável (onde entra um marido ou esposa ou mesmo um companheiro, que não o pai ou mãe do menor, mas padrasto ou madrasta (no caso de casamento), de onde advêm novos filhos, que serão irmãos unilaterais daquele. E, apesar disso o pai ou mãe aplica esse restante com a nova família; indaga-se então se estaria certo, isso; sem dúvida que sim, porque no Direito de Família não se defende, com todo rigor e exatidão, com base apenas nos cálculos matemáticos, aquilo que pertence a este ou àquele integrante da família. Tem-se em vista também, a instituição desta em seu aspecto nuclear, seja constituída pelo casamento ou pela união estável.
De modo que os bens são do filho, mas, como o usufruto dos mesmos está nas mãos do pai ou da mãe, muitas vezes, é aplicado o excedente em benefício da nova família que eventualmente constituírem.
Em sentido contrário, ainda exemplificativamente, temos a mesma situação, pois ainda que não haja usufruto algum, por inexistência de bens dos filhos, os pais são obrigados a sustentar os filhos menores. E, então, constata-se que em certos casos a repartição dos gastos dos pais em relação aos filhos pode não ser igual, porque se um deles ficar doente por muito tempo, por exemplo, necessitando de longo e custoso tratamento, nem por isso dele será descontada qualquer parte no quinhão que lhe tocar, da herança deixada pelos pais, por morte destes, pois não se trata aí, simplesmente, do direito do indivíduo. A lei olha para a família oriunda do casamento ou da união estável (e até da entidade familiar constituída por um só dos pais e seus filhos – CF, art. 227, § 4º, a chamada família monoparental), como uma instituição soberana e que merece defesa, pondo-se de parte certos egoísmos, certos pensamentos, que poderiam conduzir a uma distribuição rigorosamente exata dos bens, o que é incompatível com a abnegação, com o desprendimento que deve haver por parte de pais e filhos, confiando-se sempre nos chefes da família, que são juizes no caso, e que são presumidos insuspeitos.
A esse respeito, o referido art. 1.689, I, do Código Civil deixa claro e de modo implícito ser inerente ao exercício do Poder Familiar o usufruto dos bens dos filhos, com exceção das hipóteses contidas no art. 1.693, I a IV, do mesmo código, que cogitam dos casos em que o Poder Familiar, o usufruto e a administração dos bens estão separados, conforme referido, n. 5.2.
Assim, como entendimento geral, pode-se ponderar o seguinte: onde há Poder Familiar, há usufruto; mas, tal não acontece exatamente assim sempre, pois pode ocorrer que os pais percam o usufruto e a administração dos bens do filho, independentemente de manterem o Poder Familiar. Mesmo num segundo casamento ou união estável tal situação continua, conforme o disposto no art. 1.636 do estatuto civil que determina não perder o Poder Familiar (e, por extensão, o usufruto e conseqüente administração dos bens) o pai ou mãe em relação aos filhos do leito anterior, direitos que ele ou ela exercerá, sem qualquer interferência do novo consorte ou companheiro. Tal situação poderá ocorrer tanto em relação ao ex-cônjuge viúvo ou divorciado que contrai novas núpcias, como ao homem ou mulher que vivia em união estável dissolvida pela morte de um dos companheiros ou pela resilição bilateral ou unilateral, já que o art. 1.632, já analisado anteriormente, vem complementar o art. 1.636, ambos do Código Civil, nesse sentido.
6. Extinção, suspensão e perda do Poder Familiar
Da extinção e suspensão do Poder Familiar, cuidam os art. 1.635-7, do Código Civil, enquanto o art. 1.638 cuida da perda do mesmo, pelos pais.
A – Extinção. Assim, extingue-se aquele (CC, art. 1.635, I a V): a) pela morte, tanto de ambos os pais como do filho, já que o Poder Familiar é exclusivo daqueles, cuja morte acarretará a falta do sujeito ativo (ou passivo, para quem conceitua o Poder Familiar como um dever e não como um direito) e se faltar o filho, não haverá mais sujeito passivo (ou ativo, conforme ressaltado acima), sobre o qual recaia o Poder Familiar, ou seja, faltará o objeto do mesmo; b) pela emancipação do filho consoante hipóteses constantes do art. 5º, parágrafo único, Parte Geral do código em referência, pelo fato de produzir a emancipação os efeitos da maioridade, dentre os quais a extinção do Poder Familiar; c) pela maioridade do filho, em completando dezoito anos de idade (CC, art. 5º, caput), situação que dispensa maiores comentários; d) pela adoção, tanto a disposta no Código Civil, art. 1.618-29 (anteriormente constante dos art. 39-52 do ECA, exclusiva para menores até dezoito anos de idade), com exclusão, obviamente, da adoção de maiores de dezoito anos (CC, art. 1.623, parágrafo único) e que obedecerá no que disser respeito, aos mesmos requisitos para a adoção de menores dessa idade (assistência efetiva do Poder Público e sentença constitutiva). Com a adoção extingue-se o poder familiar dos pais naturais ou consangüíneos, se por acaso estivessem no exercício do mesmo (o que nem sempre acontece nos casos que antecedem a adoção), mas o menor fica sob um novo poder familiar, agora dos adotantes ou do adotante individual, e, e) por decisão judicial, de conformidade com o disposto no art. 1.638 do estatuto civil e que será analisado infra, pois se refere à perda do Poder Familiar.
B – Suspensão. A suspensão do exercício do Poder Familiar vem disposta no art. 1.637 do mesmo estatuto, ocorrendo nos casos em que o pai, ou a mãe, abusar do seu poder (e, em sentido contrário descuidar dos direitos da prole), faltando aos seus deveres paternos ou maternos, ou arruinando pela má administração ou fraude os bens dos filhos. Caberá, então, ao juiz, mediante requerimento de algum parente dos pais (e, logicamente, do menor), ou do Ministério Público na falta daquele requerimento, adotar as providências necessárias à segurança da pessoa e dos bens dos menores, determinando, se for o caso, a suspensão do Poder Familiar por tempo que considerar conveniente.
Poderá haver, igualmente, ação de indenização pelos prejuízos decorrentes ao patrimônio dos filhos pela ação ruinosa dos pais, conforme possibilita o Código de Processo Civil, art. 292, § 1º e incisos. Outra particularidade digna de nota é que continuará o pai ou mãe suspenso, ou ambos, com o dever alimentar em relação aos filhos durante o período da suspensão do Poder Familiar.
Como se vê, a disposição do art. 1.637 do Código Civil encerra um ponto interessante: possibilita a qualquer parente requerer ao juiz a medida em questão. De fato, é difícil encontrar-se dispositivo na lei civil, que dê qualquer direito aos parentes do quarto grau em diante, especialmente os colaterais, pois até o quarto grau eles têm vários direitos, inclusive sucessórios (CC, art. 1.829, IV e 1.839, combinados); mas, no citado artigo 1.637 dá-se direito ao parente de qualquer grau de requerer medidas ao juiz. Esse é o único caso em que a lei atribui qualquer efeito ao parentesco de quinto, sexto grau etc., na linha colateral ou transversal. Na linha reta, dificilmente haveria convivência à mesma época entre o menor, vítima de seus pais, e seus parentes de quinto ou sexto grau, por estarem muito distantes as gerações.
Ainda haverá a suspensão do Poder Familiar, ao teor do disposto no parágrafo único do art. 1.637, em comentário, quando o pai ou a mãe forem condenados por decisão transitada em julgado, pela prática de crime cuja pena exceda de dois anos de prisão. Portanto, nesta hipótese de suspensão do Poder Familiar devem coincidir os seguintes requisitos: a) trânsito em julgado da sentença final condenatória; b) pena imposta, superior a dois anos de prisão. Ao término do cumprimento da pena, total ou parcialmente, restabelece-se o exercício do Poder Familiar, o qual, durante o período de suspensão, ficará com a mãe ou o pai em liberdade, com exclusividade, como de resto ocorrerá no caso de morte do outro.
C – A perda. As causas de perda ou destituição do Poder Familiar vêm enunciadas nos quatro incisos do art. 1.638 do Código Civil, o qual determina perder por ato judicial o Poder Familiar o pai, ou mãe, que: a) – castigar de modo imoderado o filho, dispositivo esse que permitiria concluir a contrario sensu, que os pais teriam direito de castigar o filho, mas sem exageros, ressaltando-se, logicamente, a impossibilidade de agressões físicas, passíveis de punição do agressor pelas leis de proteção aos menores. No excesso poderia incidir nas penas do art. 136 do Código Penal e nas disposições do ECA (p. ex., art. 13 e outros mencionados na nota a seguir), conforme preceitua a Constituição Federal no art., 227, § 4º[10]; b) – deixar o filho em abandono, motivo também de incidência nas penas dos art. 244-6 do mesmo código penalista, além das regras do estatuto do menor, aludidas; c) – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes, havendo que dizer respeito tais atos à participação do menor, e não simplesmente em relação à pessoa do outro cônjuge ou companheiro na união estável, eis que certos atos praticados por um cônjuge ou companheiro em relação ao outro, podem dar motivo à separação judicial ou ao rompimento da união estável, mas não autorizam a perda ou destituição do Poder Familiar, e, d) – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no art. 1.637, já analisadas acima.
A perda ou destituição do Poder Familiar virá como conseqüência, geralmente, de uma ou várias aplicações anteriores de suspensão (CC, art. 1.637), como medida preventiva, porém que não redundaram nos efeitos almejados.
No caso de ruína dos bens dos menores pela ação dos pais cabe também, repita-se, além da perda do Poder Familiar, concomitantemente a ação de ressarcimento dos prejuízos, como consignado na análise dos casos de suspensão do instituto.
Também importante frisar-se que a perda do Poder Familiar não desobriga o pai ou mãe, ou ambos, ao cumprimento da obrigação de prestação de alimentos aos filhos, a exemplo do que acontece em casos de suspensão.
O ECA já completava os dispositivos acima, especialmente art. 28-52 (além dos mencionados na nota n. 10, cit.), os quais cuidam: a) da colocação do menor em família substituta, b) da guarda, c) da tutela e d) da adoção, nos casos de destituição do Poder Familiar; entretanto, como esses assuntos fogem parcialmente ao tema tratado neste trabalho, remete-se o leitor àquela legislação, e, especialmente, ao estudo da Filiação, de modo geral em capítulo (V) específico de obra do autor[11] – onde é analisada a adoção, tanto da já anteriormente cuidada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 39-52), naquilo que não foi revogado pelo atual Código Civil e a constante deste estatuto civil, art. 1.618-29 -, bem como ao Capítulo VIII, também específico, na mesma obra, no qual cuida-se da tutela e da curatela.
O procedimento de suspensão ou perda do Poder Familiar (do Pátrio Poder na letra do ECA) é regulado pelos art. 155 e ss. do mesmo estatuto. A sentença punitiva deve ser devidamente averbada no registro de nascimento do menor (ECA, art. 163).
Tratando-se de medida de proteção aos filhos menores, tanto a suspensão como a perda ou destituição do Poder Familiar aplicadas aos pais podem ser revertidas, reinvestindo-se estes nas prerrogativas que tinham antes de serem penalizados, provando judicialmente que os motivos determinantes da rigorosa medida, uma ou outra não importa, cessaram de vez, ficando a decisão ao prudente julgamento do Juiz da Infância e da Adolescência, sempre atento às necessidades e ao bem estar dos filhos.
7. Análise de algumas características do Poder Familiar
Já se disse anteriormente que o exercício do Poder Familiar é personalíssimo, somente podendo exercê-lo os pais (supra, n. 2, Titularidade conjunta…), cabendo acrescentar neste ensejo que: a) – ele não é irrenunciável, entende-se. A renúncia ao Poder Familiar fica evidente na hipótese da concordância dos pais com a adoção (art. 1.621 e parágrafos do Código Civil, pressuposto já constante anteriormente no art. 45, caput do ECA), embora doutas opiniões em contrário, como a de CAIO MARIO[12] e outros, que entendem tratar-se, no caso, de transferência (causa translatícia antes que extintiva, diz) e não de renúncia do Poder Familiar.
Talvez se pudesse concordar com tais autores antes da vigência do Código Civil de 2002, com relação à adoção então disciplinada no Código Civil de 1916, art. 368-78, destinada a pessoas maiores de dezoito e menores de vinte e um anos, que eram, então, relativamente incapazes. Ali era determinado que: 1) – os direitos e deveres que resultavam do parentesco natural não se extinguiam pela adoção, exceto o Pátrio Poder (da época) que somente se extinguiria com o advento da maioridade aos vinte e um anos e que era, então, transferido do pai natural para o pai adotivo; 2) – em caso de morte do adotado e de sobrevivência dos pais de sangue, estes herdariam os bens deixados por aquele, e somente no caso de falta desses pais naturais é que os pais adotivos herdariam.
Porém, tais situações não foram contempladas no atual Código Civil, já que este determina, no art. 1.626, o completo desligamento do adotado (inclusive daquele com idade acima de dezoito anos, portanto já na maioridade civil, por força do disposto no art. 1.623, parágrafo único do mesmo estatuto civil), com seus pais e parentes consangüíneos, exceto quanto aos impedimentos matrimoniais, o mesmo ocorrendo no caso da adoção já constante anteriormente nos art. 39-52 do ECA, que também determina romperem-se definitivamente os laços entre o menor e seus pais de sangue, tenham ou não estes jamais sido conhecidos, suspensos ou destituídos do Pátrio Poder (da época) ou, então, naquilo que mais interessa ao que vimos desenvolvendo, tendo havido o expresso consentimento dos mesmos na adoção (art. 45, 48 e 49, combinados).
Então, diante das duas situações referidas, e sabendo-se ser muito maior o número de crianças (até doze anos de idade) e adolescentes (até dezoito anos) adotados pelas regras do ECA e agora também pelas do Código Civil, que o de pessoas com idade superior a dezoito anos adotadas de conformidade com este estatuto, entende-se ser o Poder Familiar renunciável e não simplesmente transferível como ensinam aqueles autores referidos e exemplificados através do reverenciado CAIO MÁRIO; b) – o Poder Familiar não se confunde com a tutela; e c) – ele pode ser delegado após a sua suspensão ou destituição judicial (CC, art. 1.637 e 1.638, respectivamente), sob a forma de guarda, naturalmente para prevenir a ocorrência de situação irregular do menor (como disciplinava a revogada Lei n. 6.697/1979, o Código de Menores, cit.), ou seja, em benefício da criança ou do adolescente.
8. Jurisprudência específica
Ao término das considerações genéricas e das características próprias do instituto em referência, e antes das reflexões conclusivas finais, resta verificar-se sua transcendência nos pretórios.
Com efeito, a jurisprudência enfoca com particularidade vários aspectos analisados retro, especialmente a questão da perda ou destituição do Pátrio Poder, atualmente Poder Familiar consoante designação do Código Civil de 2002. Por isso, transcrevem-se abaixo algumas ementas, para complementação dos assuntos tratados neste trabalho.
Embora ainda referentes ao código revogado, refletem questões sempre atuais e constantes de nossos tribunais, geralmente envolvendo rivalidades familiares, que acabam redundando em pedidos judiciais no sentido de retirada ou inversão da guarda ou até a supressão do Poder Familiar por variadas razões, nem sempre devidamente configuradas, como: agressões físicas aos filhos, insuficiência de recursos para mantença de filhos, conduta acoimada de imoral da mãe, falta de prestação de contas devido ao usufruto e a administração de bens de filhos, abandono material de menores, condenação por crime de estupro contra terceiro etc.
São temas recorrentes e qualquer pesquisa jurisprudencial que se faça, a qualquer tempo, retratará tal assertiva.[13]
9. Reflexões conclusivas finais
Após as considerações gerais e a perfunctória análise doutrinária sobre o Poder Familiar, na forma em que está tal instituto disposto no Código Civil vigente, que difere de forma considerável da que constava do código revogado, não somente no aspecto estrutural, mas, também devido ao atendimento às alterações constitucionais referidas ao longo do trabalho – como a igualdade de gênero no casamento ou na união estável ou mesmo de fora de ambos (CF, art. 5º, I e art. 226, $ 5º), ou a criação da família monoparental (CF, art. 236, § 4º) ou como a igualdade de filiação, oriunda ou não do casamento ou da união estável ou de fora de ambos, inclusive a adotiva, ou seja, independentemente de sua origem (CF, art. 227, § 6º), etc. -, muitas das quais já constavam de leis especiais editadas anteriormente ao novo estatuto civil para regular os artigos constitucionais (p. ex.: o ECA, as leis que permitiram livre investigação de paternidade (aqui incluída a maternidade) independentemente do estado civil do pai ou mãe investigado, etc.) – como de resto já consignado anteriormente, na Introdução -, além da mudança de denominação e da estrutura do instituto do antigo Pátrio Poder, com a cisão dos aspectos referentes ao Poder Familiar propriamente dito e as questões patrimoniais relativas ao usufruto e à administração dos bens dos filhos pelos pais que detêm o Poder Familiar, insta debruçar-se sobre algumas reflexões conclusivas finais – inobstante já terem sido expressadas algumas outras ao longo do trabalho -, embora sem a pretensão de esgotar-se o tema e dirimir-se definitivamente as dúvidas existentes, ou até pelo contrário, para, talvez, provocar-se maiores e doutas discussões esclarecedoras a respeito, sobre a aceitação favorável ou não que o instituto em referência tem recebido dos autores mais especializados e respeitados pelo seu notável saber jurídico e mais precisamente quanto aos dois aspectos fundamentais já destacados supra: a nova nomenclatura do antigo Pátrio Poder (Poder Familiar) e a definição do mesmo, visando compreender-se sua verdadeira natureza jurídica.
Realmente, nesses dois temas é que se encontram divergências bem acentuadas na doutrina.
1. Poder Familiar. Comecemos pela questão da citada nomenclatura adotada pelo novel estatuto civil, já que, segundo grande parte da doutrina, preferível o uso da expressão já referida no trabalho, Poder Parental, porque a mesma
“revela com intensidade esta nova ordem de valores que passa a invadir o ambiente familiar. Poder parental dos pais, e não mais pátrio poder que, inevitavelmente, sugeria o conjunto de prerrogativas confiadas ao pai (pater), na qualidade de chefe da sociedade conjugal.”[14]
de conformidade com o entendimento que se faz dos mencionados mandamentos sociais e humanísticos da Carta Magna de 1988, especialmente aqueles constantes dos art. 227, 6º, 226, § 4º e § 5º.
Por essa razão, segundo o autor por último citado, perdeu o legislador do novo código a grande oportunidade de alterar a velha estrutura patriarcal, de antanho, pela qual todos os membros da família, especialmente os filhos, gravitam em torno da figura paterna,[15] pois continuou o estatuto a enumerar a enunciação antiga de deveres, obrigações, sanções, respeito e obediência, na mão contrária ao processo evolucionista em direção a uma sociedade igual, com a substituição da hierarquia pelo companheirismo, verificando-se ainda o predomínio organizado e estruturado em torno dos interesses dos adultos[16].
Todavia, com o devido respeito entende-se não ser totalmente fundada tal assertiva, porque no estágio atual de consolidação democrática do Direito brasileiro, a todo interesse (direito) corresponde um dever, no caso e a contrario sensu, um direito dos filhos menores, o que fica bem evidenciado pela considerável quantidade de leis protetoras aos mesmos, arroladas no texto acima.
Aliás, mesmo a expressão Poder Parental preconizada por LEITE como a mais apropriada, tem sido combatida por outros doutrinadores, por entenderem incorreta a alusão a poder, que deveria ser substituído por autoridade, passando então o instituto a ser denominado: Autoridade Parental seguindo o disposto na legislação francesa e na norte-americana, por exemplo, e na qual, segundo os mesmos, estaria ínsito o princípio de proteção integral à criança e ao adolescente (CF, art. 227), que condicionaria o interesse dos pais ao do filho e que legitimaria e fundamentaria a autoridade, consoante se lê da obra da autora a seguir mencionada, e atribuída a fonte a LÔBO[17].
Outra expressão sugerida é a da Responsabilidade Parental, conforme utilizada em outras legislações conforme relata HIRONAKA[18]; contudo, a citada autora conclui que
“Diversamente de outros possíveis pontos de vista, pensa-se que a noção de Poder Familiar é mais abrangente e melhor atende ao funcionamento e à dinâmica das relações familiares”.
A autoridade do ínclito BITTENCOURT[19], embora anterior ao código vigente, mas perfeitamente adaptada à realidade atual, sempre há de ser respeitada, seguindo ela no mesmo sentido acima referido, já que
“Por ser, em sua quantidade e expressão, o conjunto de deveres bem superior ao conjunto de direitos, não se há de substituir, como se faz muita vez, o conceito de pátrio poder pelo de pátrio dever. A idéia, sem dúvida, é de pátrio poder, no complexo de direitos e deveres. As acepções jurídicas, que tem o vocábulo poder, admitem perfeitamente que nele se abrigue o exato alcance do instituto”.
Obviamente, altera-se a denominação referida no comentário acima, para a atual Poder Familiar.
Concorda-se neste trabalho com tais posicionamentos, entendendo-se perfeitamente apropriada à índole do instituto a expressão atual adotada pelo Código Civil, tendo em vista sua exata correspondência aos ditames constitucionais constantes do Capítulo VII – Da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso -, do Título VII – Da Ordem Social -, da Constituição Federal, especialmente aos artigos específicos ao tema tratado, e já referidos no trabalho, especialmente os de n. 226, §§ 3º a 8º, 227 caput e §§ 4º, 5º e 6º, 229, 1ª parte, etc. e às regras, também aludidas, do ECA, no pertinente às questões do que tal estatuto protecionista denominou, ao seu tempo, de Do Pátrio Poder, Da Guarda, Da Tutela, Da Adoção etc., e constantes do seu Título II (Dos Direitos Fundamentais) e outras constantes de seus vários capítulos como, p. ex., o II, que trata do direito à liberdade, ao respeito e à dignidade; o III, que dispõe sobre o direito à convivência familiar e comunitária e cujas seções e subseções tratam dos institutos acima referidos, o capítulo IV que se refere ao direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, etc.
2. Definição (e natureza jurídica) do Poder Familiar. A segunda reflexão baseia-se na questão que define ser o Poder Familiar: um direito (e, no caso, um poder), ou um dever – ambos considerados em seus aspectos absolutos -, ou, então, um conjunto de direitos (poderes) e deveres, recíprocos, entre pais e filhos. Dessa definição conclui-se pela natureza jurídica do instituto.
Na última hipótese (conjunto de direitos e deveres), tratar-se-ia de Poder-dever Familiar, que é a posição defendida neste trabalho, por refletir a atual situação de respeito às instituições e pessoas com plena igualdade de direitos insculpida na Lei Maior e espraiada nos demais ordenamentos complementares, como soe acontecer com o Código Civil; assim, ao poder (direito) dos pais de terem em sua companhia e guarda os filhos menores (CC, art. 1.634, II), contrapõe-se o dever, consubstanciado no direito dos filhos em estarem na companhia e sob a guarda daqueles, da mesma forma quanto à direção da criação e educação dos filhos (art. cit., I), que além de um direito (poder) dos pais, converte-se igualmente num dever, ou seja, direito (poder) dos filhos em serem bem e fielmente criados e educados por aqueles, consagrando-se, então, o princípio da Paternidade Responsável, insculpido na CF/88, cujo desatendimento tem sido severamente punido.
Contudo, ressalte-se que, conforme enfatiza HIRONAKA ao defender a nomenclatura atual do instituto como preferível, disposto acima n. 1, não se pode confundir o poder com o abuso que pode ensejar aos pais como ocorria nos períodos do absolutismo do Pátrio Poder já referidos, e até inversamente, com abuso e mau uso que possa ocorrer inclusive por parte da prole[20].
Há que haver, indubitavelmente, uma perfeita equalização para a harmonia e equilíbrio das situações, porque como bem pondera WALD
“O direito do pai sobre os filhos, outrora considerado como verdadeiro direito subjetivo, é definido pelo direito contemporâneo, como um poder jurídico, ou seja, como pátrio poder-dever, exercido pelo pai e pela mãe, por delegação do Estado, no interesse da família[21]– [22]”.
Conclusão. Na última referência do trecho acima transcrito, de WALD é que reside a essência do Poder Familiar, segundo entende-se; destarte pode-se assim defini-lo: o conjunto de direitos (poderes) e deveres de pais e filhos considerados reciprocamente, formando um todo harmonioso voltado ao bem estar da família nuclear; pais e filhos irmanados em respeito, consideração e atenção mútuos para colimação dos objetivos morais e destacados constitucionalmente na acepção genérica do caput do art. 226 da Carta (a família é a base da sociedade).
A natureza jurídica do instituto é, pois, de complexo de prerrogativas e obrigações de genitores e filiação, reciprocamente consideradas.
Notas:
Informações Sobre o Autor
Hélio Borghi
Advogado e Consultor. Professor Titular (aposentado) de Direito Civil da UNESP (Universidade Estadual Paulista). Mestre e Doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP