Resumo: Partindo-se da dignidade da pessoa humana, fundamento máximo e essência de qualquer Estado Democrático de Direito a presente monografia objetiva o estudo e pesquisa de sua efetivação no âmbito das relações laborais, considerando a teoria geral dos direitos fundamentais, conjunto de direitos consagrados aos trabalhadores na Constituição Federal Brasileira e na legislação infraconstitucional, sob a ótica do princípio do não retrocesso social e a conseqüente vedação de alterações restritivas ou supressivas dos direitos que constituem o patrimônio jurídico dos trabalhadores.
Palavras-chaves: direitos fundamentais. Dignidade da pessoa humana. Principio do não retrocesso social
Abstract: Based on the principle that the human dignity is the foundation and essence of any democratic state, the aim of this paper is to carry out a study and a research of its fulfillment in the scope of the labour relations. Taking into account the general theory of fundamental rights and the acknowledged set of rights conferred on workers by the Brazilian Constitution and the infra-constitutional legislation, in accordance with the non-social retrocession and its consequent barrier to restrictive and suppressive changes in the rights that constitute the workers’ juridical patrimony
Keywords: Fundamental rights. Human dignity. Non-social. Retrocession.
INTRODUÇÃO
A Constituição da República Federativa promulgada em 1988 elevou os valores sociais do trabalho a fundamento e inseriu o trabalho no rol dos Direitos Sociais, explicitando de forma exemplificativa, diversos direitos básicos no artigo 7°, que mesmo inseridos na Carta Magna, necessitam para sua efetivação da inconteste atuação do Estado.
A temática é de extrema relevância, mormente quando se observa uma tendência de supressão destes direitos e minimização de sua aplicabilidade afinal os direitos sociais, por sua própria natureza, invocam do poder político uma demanda de recursos para sua aplicabilidade plena, o que gera fortes pressões e escolhas políticas determinantes para conseguir alcançar o ideal de uma sociedade livre, justa e solidária
As relações de trabalho encontram-se mescladas em todas as dimensões dos Direitos Fundamentais, especialmente partindo-se das características de irrenunciabilidade, inalienabilidade, inviolabilidade, universalidade, efetividade, complementaridade e interdependência.
O presente trabalho partiu do estudo de algumas estruturas da teoria geral dos direitos fundamentais, no que se refere à denominação, definição, abordagem história, filosófica , características , definição da norma de direito fundamental e sua posição sistêmica, objetivando analisar o princípio da dignidade da pessoa humana em seu caráter absoluto de verdadeiro vetor do Estado Social Democrático de Direito.
Para a caracterização dos direitos dos trabalhadores com matiz de jusfundamentalidade, verificou-se, a titularidade, se existe ou não relevância no que se refere posição topológica desses direitos, bem como, a eficácia da norma de direito fundamental dos trabalhadores, frente ao Estado e aos particulares, para ancoramento na existência do princípio do não retrocesso social ou aplicação progressiva dos direitos sociais que determina pela impossibilidade de redução dos direitos sociais amparados na Constituição, ou que tenham sido positivados em normas infraconstitucionais, que garantem ao cidadão o acúmulo, proteção e perenidade de seu patrimônio jurídico e o avanço na concretude fática do conceito de cidadania.
1. DIREITOS FUNDAMENTAIS.
Algumas considerações primordiais são necessárias para delimitação do objeto do presente trabalho acerca da teoria dos direitos fundamentais.
1.1. DENOMINAÇÃO E DEFINIÇÃO
Considerando-se como ponto de partida a terminologia utilizada pela Constituição Federal Brasileira, que em vários dispositivos utiliza como expressões sinônimas, direitos humanos, direitos e liberdades fundamentais, direitos fundamentais da pessoa humana, entre outras[1], elege-se para os fins do presente trabalho, que analisará os direitos fundamentais dos trabalhadores e o denominado princípio do não retrocesso social como imperativa, a distinção entre os termos Direitos Humanos e Direitos Fundamentais.
Canotilho ao distinguir os dois termos, sustenta que os direitos humanos, têm validade para todos os povos possuindo dimensão intertemporal e universal, já com relação aos direitos fundamentais, aponta que são os direitos institucionalmente garantidos em uma ordem jurídica concreta, logo, limitados pelo espaço e pelo tempo[2].
Para Ingo Wolfgang Sarlet na diferenciação pretendida deve- se primeiramente observar o critério espacial de aplicabilidade dessas espécies de direitos, e a seguir o seu grau de efetividade:
“Em que pese sejam ambos os termos (‘direitos humanos’ e ‘direitos fundamentais’) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo ‘direitos fundamentais’ se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional). […]
Além disso, importa considerar a relevante distinção quanto ao grau de efetiva aplicação e proteção das normas consagradoras dos direitos fundamentais (direito interno) e dos direitos humanos (direito internacional), sendo desnecessário aprofundar, aqui, a idéia de que os primeiros que – ao menos em regra – atingem (ou, pelo menos, estão em melhores condições para isto) o maior grau de efetivação, particularmente em face da existência de instâncias (especialmente as judiciárias) dotadas do poder de fazer respeitar e realizar estes direitos.”[3]
Paulo Bonavides no início do seu estudo acerca da Teoria dos Direitos Fundamentais aponta o uso das expressões sob análise de forma promíscua na literatura jurídica, diferenciado- os no sentido que o emprego da locução direitos do homem ou direitos humanos decorre da tradição histórica do direito anglo saxão e latino, respectivamente sendo a expressão direitos fundamentais a utilizada pela maioria dos autores alemães. [4]
Sem maiores digressões sobre a terminologia, mas com a finalidade de se evitar ambigüidades, a despeito das posições doutrinárias sobre a terminologia, será adotada no presente trabalho a expressão Direitos Fundamentais, cuja definição a seguir em apertada síntese será apresentada.
Maurício Delgado Godinho estabelece que Direitos Fundamentais sejam as prerrogativas ou vantagens jurídicas estruturantes da existência, afirmação e projeção da pessoa humana e de sua vida em sociedade. [5]
Para a busca de uma definição que contemple a magnitude dessa categoria de direitos é imprescindível que se considere a dignidade da pessoa humana como vetor fundamental de um Estado Democrático de Direito, organização estatal essa, concebida para Marcus Orione Gonçalves Correia, no contexto de uma sociedade livre, justa e solidária [6].
No contexto do Estado Democrático de Direito[7] a definição de direitos fundamentais é imprescindível para que se evite a pequenez de restringir essa categoria de direitos exclusivamente às disposições literais incorporadas nos textos constitucionais, o que por certo, desencadeia patente injustiça social.
Ingo Wolfgang Sarlet buscando uma definição da categoria de direito em estudo, apresenta a distinção entre direitos fundamentais formais e materiais da seguinte forma:
“…., ou seja, aqueles que por seu conteúdo e importância (fundamentalidade material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como, as que pelo seu objeto e significado possam lhes ser equiparadas, tendo, ou não, assento na constituição forma”l[8].
Assim os Direitos Fundamentais devem ser considerados, não somente sob a dimensão objetiva, mas também a partir de uma dimensão subjetiva, como direitos de determinação do verdadeiro e justo conceito de cidadania, a ponto de regularem as relações do cidadão com o Estado, bem como, as relações entre particulares, como forma de manutenção de aspectos elementares de uma vida livre e digna, em uma sociedade livre, justa e solidária.
1.2. BREVE ABORDAGEM HISTÓRICA E FILOSÓFICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIMENSÕES
Para Canotilho, os direitos fundamentais são dotados das seguintes funções: função defesa ou liberdade, função de prestação social, função de prestação perante terceiros e função de não discriminação. [9]
Na função de defesa ou liberdade, constata-se a proibição de ingerências do Estado na espera jurídica dos particulares.
Na função de prestação social, o Estado tem como finalidade principal a promoção do bem estar social, através da instituição e efetivação de políticas públicas.
Na função perante terceiros, o Estado tem a função de proteção dos cidadãos em relação a práticas ofensivas aos direitos fundamentais praticados nas relações entre os particulares.
Na função de não-discriminação, que para Canotilho abrange todos os direitos, de forma a garantir o tratamento isonômico aos indivíduos na sociedade.
Para a compreensão das funções dos direitos fundamentais reconhecidas pela quase unanimidade da doutrina é necessário através de uma breve, e que já se denota incompleta, abordagem histórica dessa categoria de direitos que acompanha a dinâmica da História permeada sempre por transformações políticas, econômicas e sociais, perpassando-se superficialmente também por alguns aspectos da filosofia do direito.
O reconhecimento dos direitos fundamentais[10] é fenômeno recente na história, embora na Antiguidade, especialmente na Grécia e em Roma se verificou o estabelecimento das diretrizes fundamentais da vida e da existência humana, dadas as especificidades daquelas sociedades.
A Magna Charta Libertatum do século XIII, a Declaração de Direitos (Bill of Rights) de 1668, na Inglaterra, a Declaração dos Direitos (Bill of Rights) do Estado da Virgínia de 1776 obviamente considerando-se a restrita aplicabilidade dessas cartas em razão da sociedade da época e os seus destinatários específicos , é marco para a evolução dos direitos fundamentais.
Mas a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa, aprovada pela Assembléia Nacional Francesa em 1789, certamente foi o ponto crucial histórico para o reconhecimento dos direitos civis e políticos individuais, com a vertente vinculativa ao Estado de Direito da época, de matiz liberal em razão das aspirações da burguesia.
Acerca do fundamental papel da Declaração Francesa, especialmente em razão da sua universalidade,Paulo Bonavides:
“A vinculação essencial dos direitos fundamentais à liberdade e à dignidade humana, enquanto valores históricos e filosóficos nos conduzirão sem óbices ao significado de universalidade inerente a esses direitos como ideal da pessoa humana. A universalidade se manifestou pela primeira vez, qual descoberta do racionalismo francês da Revolução, por ensejo da célebre Declaração dos Direitos do Homem de 1789.” [11]
Em 1791 foram promulgadas as Constituições Francesas e a Constituição dos Estados Unidos da América, que restaram por reconhecer diversos direitos, tais como a liberdade de ir e vir, a liberdade de reunião o direito de petição entre outros.
Em 1793 a França promulgou uma nova constituição, que definiu de forma mais clara e completa os direitos fundamentais dos indivíduos, aprofundando o conceito de liberdade como um poder que pertence ao homem, o direito à vida, à igualdade, à intimidade e etc.
Com as revoluções burguesas na Inglaterra, América e França, que colocaram a pá de cal nos governos absolutistas surge o Estado Liberal que tem como fundamento a propriedade privada dos meios de produção. Esse período histórico trás o conceito de Estado de Direito submetido a uma Constituição que resguardava os direitos individuais e políticos, no entanto, garantia essa reservada à classe economicamente hegemônica.
A construção da idéia de liberdade do homem perante o Estado, com base na concepção burguesa da ordem política eram os ideais da liberdade burguesa contra os ideais do absolutismo, o indivíduo contra o Estado (privado versus público), os denominados direitos de primeira dimensão.
A Revolução Industrial considerada como um processo de transformação da ordem econômica e social tem como marco a segunda metade do Século XVIII, com a mecanização do setor têxtil e sucessivos avanços tecnológicos que passaram da máquinas de fiar, ao tear hidráulico ou mecânico que ganharam maior capacidade com a descoberta do vapor força motriz e posteriormente a descoberta da eletricidade.
Além dos avanços técnicos até então desconhecidos esse novo período da História contou com um grande contingente de mão de obra disponível e barata, em decorrência da expulsão do homem do campo, que foi fundamental para a Revolução Industrial e para a lógica do capitalismo, premissa do Estado Liberal, qual seja, a busca de maiores lucros em relação aos investimentos integralizados na tecnologia da época em detrimento do trabalho.
No contexto da liberdade individual a miséria se alastrou colocando em risco a hegemonia do próprio Estado Liberal, que é posto em xeque com o surgimento de idéias socialistas, comunistas e anarquistas, nesse diapasão, observa-se no fim do século XIX e início do século XX, a preocupação de vários textos constitucionais com a questão social, marco do constitucionalismo social, baseados nos fins solidários e de justiça social, onde o Estado evoluiu de uma posição absenteísta, para uma postura ativa de ator fundamental para o bem estar social, através de atuação prestacional.
Como exemplos paradigmáticos desse momento histórico cite-se a Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos de 1917[12], a declaração Soviética dos Direitos do Povo e Explorado de 1918, a Constituição de Weimar de 1919[13] e a Carta do Trabalho da Itália de 1927.
Paulo Bonavides no estudo dessa segunda dimensão dos direitos fundamentais, que se solidificou sob a égide do Estado de Direito com o predomínio dos direitos sociais, culturais e econômicos informa que esses direitos passaram inicialmente por um ciclo de baixa normatividade ou eficácia duvidosa na medida em que exigiam do Estado determinadas prestações materiais[14], pois, que somente no pós segunda guerra mundial ocorre a consagração dos direitos fundamentais de segunda geração em larga escala em constituições e pactos internacionais.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, datada de 10 de dezembro de 1948, é certamente o grande de internacionalização dos direitos sociais.
Nessa linha evolutiva da própria sociedade como um todo com a consolidação do Estado Democrático de Direito a partir da segunda metade do Século XX, Bonavides refere-se aos direitos fundamentais de terceira, quarta e quinta dimensão, os primeiros imbricados na solidariedade de uma coletividade indeterminada (direitos difusos), exemplificados no direito ao meio ambiente e no direito do consumidor, os direitos de quarta geração uma dimensão máxima de universalização referentes à democratização, a informação e ao pluralismo e por fim os direitos de quinta dimensão relacionando o direito à paz com um direito fundamental.
A sintética abordagem filosófica tem como ponto de partida as teses jusnaturalistas que reconheceram a existência de direitos pertencentes à essência do homem, o que para os seus opositores transformaram a positivação dos direitos fundamentais em mera declaração, de outro lado às teses juspositivistas, partindo da premissa que onde não há lei não há direitos, e assim os direitos fundamentais somente existiriam a partir da efetiva positivação, desta forma anteriormente a esse marco o que se observa é a mera expectativa de direito.
As teses realistas surgem como crítica ao jusnaturalismo e ao juspositivismo onde o problema de fundo não é o reconhecimento dos direitos fundamentais, mas sim a implementação e efetivação pragmática desses direitos.
O papel da filosofia do direito não pode ser desprezado na análise mesmo que panorâmica da teoria geral dos direitos fundamentais, as três principais teorias, quais sejam: o jusnaturalismo, o juspositivismo e o realismo, longe de se excluírem certamente contribuíram e contribuem para o reconhecimento dos direitos fundamentais.
Antonio Henrique Perez Luño[15] prega a harmonização das três vertentes teóricas, a partir do entendimento que o jusnaturalismo trata da positivação dos direitos humanos no plano filosófico, o positivismo, no plano jurídico e o realismo no plano político.
1.3. CARACTERISTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Os direitos fundamentais são dotados das seguintes características:
1) Historicidade. São históricos como qualquer direito. Nascem, modificam-se e desaparecem. Eles apareceram com a revolução burguesa-liberal e evoluem, ampliam-se, com o correr dos tempos;
2) Inalienabilidade. São direitos intransferíveis, inegociáveis, porque não são de conteúdo econômico-patrimonial. Se a ordem constitucional os confere a todos (erga omnes), deles não se podem desfazer, pois são indisponíveis;
3) Imprescritibilidade. O exercício de boa parte dos direitos fundamentais
Ocorre só no fato de existirem reconhecidos na ordem jurídica. Em relação a eles não se verificam requisitos que importem em sua prescrição. Vale dizer assim, que nunca deixam de ser exigíveis. Pois prescrição é um instituto jurídico que somente atinge, a exigibilidade dos direitos patrimoniais, não a exigibilidade de direitos personalíssimos, ainda que não individualistas, como é o caso. Sendo sempre exercíveis e exercidos, não há intercorrência temporal de não exercício que fundamente a perda da exigibilidade pela prescrição;
4) Irrenunciabilidade. Não se renunciam direitos fundamentais. Alguns deles podem até não ser exercidos, pode-se deixar de exercê-los, mas não se admite que sejam renunciados.
1.4. A NORMA DE DIREITO FUNDAMENTAL E SUA POSIÇÃO NUCLEAR.
Feitas as considerações sobre a terminologia, o conceito, a evolução e perspectivas filosóficas e apresentadas as características dos direitos fundamentais impõem-se o estudo da norma de direito fundamental.
Robert Alexy estudando as teorias que norteiam a definição das normas de direitos fundamental menciona a estreiteza de se considerar tão somente as normas diretamente expressas por enunciados da Constituição, o que denomina de disposições de direitos fundamentais, mas ainda, pela legislação infraconstitucional (normas adstritas), mas a necessária distinção entre regras e princípios, considerando que as duas categorias constituem-se em dois tipos de normas. [16]
Para Alexy a distinção acima referida é à base da teoria da fundamentação dos direitos fundamentais e constitui elemento fundamental para os direitos fundamentais de todas as dimensões. [17]
Nesse contexto o doutrinador alemão conclui que:
“Os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida do possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes, desenvolvendo o conceito de mandamento de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas, estas últimas determinadas pelos princípios e regras colidentes, ao contrário das regras que contém, portanto determinação no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível.”
Para doutrinador alemão na hipótese de conflito entre regras, a questão se resolve no âmbito da subsunção[18], já na colisão entre princípios que somente pode se estabelecer entre princípios válidos, o que se aplica é a ponderação através da máxima efetividade.
A definição do significado do termo princípio e as suas diferenças em relação às regras não é simples e muito menos pacífica, como pondera Maria Hemília Fonseca ao apresentar os diversos critérios de distinção, especialmente àqueles propostos por Canotilho, com relação ao grau de abstração, a determinabilidade na aplicação ao caso concreto, o caráter de fundamentalidade no sistema de fontes do direito, os princípios como Standards e por fim a natureza normogenéticas, que se diferenciam da proposta de Alexy que uma norma é um princípio em razão da sua estrutura como um mandamento de otimização.[19]
Alexy ao sustentar o seu teorema da colisão de princípios rechaça a idéia de princípios absolutos, apresentando como fundamentação de sua tese ao analisar um ordenamento jurídico que inclua direitos fundamentais, argumentando que existem interesses individuais e coletivos e na existência de um princípio coletivo absoluto, logo o mesmo não poderá sofrer limitação e vice e versa.
Na seqüência explanando sobre a dignidade da pessoa humana na constituição alemã, parte do pressuposto que existe: uma regra da dignidade humana e um princípio da dignidade humana:
“Por isso é necessário que se pressuponha a existência de duas normas da dignidade humana: uma regra da dignidade humana e um princípio da dignidade humana. A relação de preferência do princípio da dignidade humana em face de outros princípios determina o conteúdo da regra da dignidade humana. Não é o princípio que é absoluto, mas a regra, a qual, em razão de sua abertura semântica, não necessita de limitação em face de alguma possível relação de preferência. […] ele prevalecerá com maior grau de certeza sobre outros princípios […] há razões jurídico-constitucionais praticamente inafastáveis para uma relação de precedência em favor da dignidade humana.”[20]
Em síntese as normas de direito fundamental possuem caráter duplo, ou seja, ao mesmo tempo podem se exteriorizar como regras ou como princípios, mas tal situação não interfere na nota de jusfundamentalidade.
Marcus Orione Gonçalves Correia no estudo norma de direito fundamental destaca as posições de Alexy e a inconteste dificuldade para a definição de norma de direito fundamental, apresentando as seguintes conclusões do doutrinador alemão:
“1) os direitos fundamentais seriam os topologicamente considerados como tais, os que não estão na topologia, mas são fundamentais a partir da estrutura anterior e os que são materialmente fundamentais,
2) as normas de direito fundamental, apesar de originariamente serem concebidas a partir da idéia de princípios, podem possuir caráter duplo (princípios/regras).
3) os direitos fundamentais geram direitos subjetivos (a ações negativas do Estado, ao não impedimento de ações do cidadão, a afetação de situações jurídicas inclusive de terceiros e à não eliminação de posições jurídicas de seu titular – e mesmo a ações positivas do Estado e de terceiros).”[21]
Marcus Orione Gonçalves Correia analisa a norma de direito fundamental não de forma isolada, mas no seu conjunto dos interesses que são indispensáveis, esposando a seguinte tese:.
“Assim, defendemos a tese da jurisprudência espanhola, segundo a qual a essencialidade do direito estaria ligada à parte do direito que é simplesmente indispensável para que os interesses juridicamente protegidos sejam efetivamente protegidos, resultando reais, concretos. Sem este núcleo o direito tutelar seria simplesmente uma ficção, nunca concretizável. Assim, não bastaria a observância do disposto no art. 5º da Constituição, mas de todo e qualquer direito materialmente fundamental, que passe a oferecer garantia da substância dos direitos humanos.
Destarte vamos além: para a defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana, não basta que esta se faça apenas no âmbito dos arts. 5º a 11 da Constituição Federal. É indispensável que se compreenda que existem direitos fundamentais, como extensão destes, que se encontram “esparramados” por toda a Constituição. Como exemplo, teríamos vários dos direitos previdenciários, previstos como direitos fundamentais no art. 6º, se encontram elencados nos arts. 194 e seguintes da Constituição Federal. Sem a preservação destes últimos, não há como se pretender a construção deste direito fundamental da pessoa humana. Como se garantir o direito à previdência social, v. g., sem a observância da preservação do valor real dos benefícios previdenciários. Sem os segundos, o primeiro seria apenas uma ficção. A efetividade, portanto, dos direitos fundamentais se encontram, muitas das vezes, além do disposto no art. 5º da Constituição Federal. E indo mais além ainda (e na forma permitida pelo art. 5º, § 2º, da Constituição Federal), há que se buscar a defesa também dos direitos fundamentais da pessoa humana previstos em acordos dos quais o Brasil seja parte”[22]
A norma de direito fundamental deve ser analisada à luz do dirigismo constitucional, que se caracteriza pela conformação do elemento político a partir da Constituição, que se traduz no efeito explícito para a atuação do Estado.
A teoria da constituição dirigente estabelece a vinculação do legislador como conseqüência do caráter de projeção para o futuro e que põe a realidade como tarefa a partir da sistemática adotada pela da Constituição Portuguesa de 1976, com enfoque as formas de direção, ao desvio do poder legislativo, a natureza da função legislativa e a amplitude da liberdade de conformação( que não se traduz em discricionariedade).
Necessário que se ressalte que o constitucionalista lusitano reformulou em parte sua teoria para admitir uma maior abertura da constituição às deliberações democrática, a partir do paradigma português inserido em tempos de direito comunitário[23].
A posição primitiva do doutrinador lusitano se coaduna de forma perfeita com os mandamentos constitucionais brasileiros.O bloco constitucional dirigente cria para o Estado a obrigação de concretização das normas da constituição dirigente, que esta vinculada a um processo de modernidade, na busca da justiça social, afinal não há como se negar que a constituição brasileira de 1988 reconheceu a jusfundamentalidade dos direitos sociais, ai incluído os direitos fundamentais dos trabalhadores.
1.5. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
No que se refere à posição nuclear dos direitos fundamentais em dado ordenamento jurídico sob a égide de um Estado Social Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana deve ser considerada como o verdadeiro e único fundamento de todo o sistema e vetor de interpretação, com patente superioridade axiológica.
Jorge Miranda pressupõe a autonomia vital da pessoa, a sua autodeterminação relativamente ao Estado, às demais entidades públicas e às outras pessoas[24].
Na mesma esteira Canotilho, pontua que a afirmação da integridade física e espiritual do homem como dimensão irrenunciável da sua individualidade autonomamente responsável; a garantia da identidade e integridade da pessoa através do livre desenvolvimento da personalidade; a libertação da “angústia da existência” da pessoa mediante mecanismos de sociabilidade, dentre os quais se incluem a possibilidade de trabalho e a garantia de condições existenciais mínimas. [25]
Flávia Piovesan entende que a dignidade da pessoa humana trata-se de verdadeiro princípio matriz:
“… A dignidade da pessoa humana, (…) está erigida como princípio matriz da Constituição, imprimindo-lhe unidade de sentido, condicionando a interpretação das suas normas e revelando-se, ao lado dos Direitos e Garantias Fundamentais, como cânone constitucional que incorpora “as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro”. (…)
É no valor da dignidade da pessoa humana que a ordem jurídica encontra seu próprio sentido, sendo seu ponto de partida e seu ponto de chegada, na tarefa de interpretação normativa. Consagra-se, assim, dignidade da pessoa humana como verdadeiro superprincípio a orientar o Direito Internacional e o Interno”.
A significação da dignidade da pessoa humana está vinculada à idéia que o homem não é mero objeto do Estado e de terceiros., para Sarlet Elevá-la como direito significa considerar o homem como o centro do universo jurídico[26].
A dignidade da pessoa humana como mega princípio, como vetor da existência do próprio Estado deve ser tido como princípio de caráter absoluto.
Assim não há de se admitir que a dignidade da pessoa humana se concretize através tão somente dos direitos de liberdade de primeira dimensão, mas ela ao reclamar a atuação efetiva e positiva do Estado através dos direitos sociais.
O Brasil seguindo a tendência do constitucionalismo contemporâneo incorporou expressamente ao seu texto o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), definindo-o como fundamento da República e do Estado Democrático de Direito.
Não há como se conceber um Estado Democrático de Direito, que tenha como fim único a proteção de direitos e garantias em face do Estado, na medida em que como já dito, o fundamento desse Estado deve ter a dignidade da pessoa humana como fim primeiro, desta forma como Ingo Wolfgang Sarlet preceitua: a dignidade reclama a atuação estatal positiva que não se efetiva se os direitos sociais são desconsiderados. [27]
Ainda Sarlet :
“Por direitos sociais entende a potencialidade que detém todo ser humano, de agir, de receber, de obter do Estado, garantias pelo mesmo, asseguradas quer em sede constitucional, quer por normas ordinárias. Os direitos sociais, como gênero, têm por titular, toda pessoa humana, independente de sexo, de idade, de cor, de estado civil, de condição religiosa, submetida à determinada Organização política. O sujeito passivo dos direitos sociais é o Estado.”[28]
Os direitos sociais têm por objeto determinada forma de prestação de serviço, correspondente ao trabalho, ao lazer, à saúde, à educação, e outros, na Constituição Federal Brasileira, descritos no artigo 6º [29] e decorrem quer no nosso país quer no plano internacional do compromisso civilizatório em busca da justiça social, nessa toada, Jorge Luiz Souto Maior :
“(…) Em segundo lugar, importa compreender que os direitos sociais são o fruto do compromisso firmado pela humanidade para que se pudesse produzir, concretamente, justiça social dentro de uma sociedade capitalista. Esse compromisso em torno da eficácia dos Direitos Sociais se institucionalizou em diversos documentos internacionais nos períodos pós-guerra, representando também, portanto, um pacto para a preservação da paz mundial. Sem justiça social não há paz, preconiza o preâmbulo da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Quebrar esse pacto significa, portanto, um erro histórico, uma traição aos nossos antepassados e também assumir uma atitude de irresponsabilidade com relação às gerações futuras. Os Direitos Sociais (Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social, com inserção nas Constituições) constituem a fórmula criada para desenvolver o que se convencionou chamar de capitalismo socialmente responsável.”[30]
Em razão do objeto do presente trabalho será tão somente analisado o trabalho como direito fundamental, desta forma dotado de validade, eficácia e especialmente das garantias contra o poder de reforma[31].
2. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO TRABALHO
A Constituição Federal estabelece os fundamentos do Estado Brasileiro no artigo 1° e são eles: a soberania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre cidadania, o pluralismo político.
2.1.DEFINIÇÃO.
Por tudo quanto exposto, especialmente no que se refere à dignidade da pessoa humana como principal fundamento de um Estado Democrático de Direito, a conceituação aqui considerada será a mesma já apresentada por ocasião da explanação acerca da teoria geral dos direitos fundamentais, qual seja, aquela apresentada por Sarlet buscando uma definição da categoria dos direitos fundamentais, que apresenta a distinção entre direitos fundamentais formais e materiais, ou seja, aqueles que por seu conteúdo e importância (fundamentalidade material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como, as que pelo seu objeto e significado possam lhes ser equiparadas, tendo, ou não, assento na constituição formal[32].
Assim os direitos fundamentais dos trabalhadores não são apenas aqueles expressos na Carta Magna de 1988, mas também todos aqueles que por seu conteúdo finalistico baseado na dignidade da pessoa humana, independentemente da posição desses direitos na estrutura normativa.
O artigo 5° § 2° da Constituição Federal de 1988[33] insere de forma expressa outros direitos fundamentais, além daqueles dotados de constitucionalidade formal, mas que se identificam com o conteúdo da dignidade da pessoa humana.
Não se pode negar que o catálogo de direitos fundamentais dos trabalhadores expressos na Constituição Federal é amplo, mas isso não significa de forma alguma que outros direitos, consagrados, quer no nível infraconstitucional, ou internacionalmente, os mesmo implicitamente estejam excluídos de fundamentalidade, sob pena se negar a própria razão de ser de um Estado Democrático de Direito.
2.2. TITULARIDADE.
Os direitos fundamentais dos trabalhadores consagrados na Constituição Federal de 1988, não gozam do atributo da universalidade da mesma forma que outros direitos fundamentais, sendo certo que o trabalhador é titular deles, na qualidade de pessoa e cidadão, tais como aqueles catalogados no artigo 5° e os outros direitos sociais expressos no artigo 6°.
O conteúdo e o alcance do artigo 7° da CF/88 obriga a análise da expressão “trabalhadores”, utilizada no caput do dispositivo.
Muito se discute se a expressão sob comento refere-se somente aos trabalhadores subordinados definidos na Consolidação das Leis do Trabalho e os avulsos por disposição expressa do texto constitucional, o que parece um desacerto senão uma verdadeira mácula ao fundamento do Estado Social Democrático de Direito, que se funda na dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho.
Essa interpretação restritiva que pairou e de certa maneira ainda paira na interpretação da constituição, relega, não apenas os autônomos, mas inclusive outras categorias que não os empregados e os avulsos, a uma verdadeira situação de desamparo, exemplo que pode ser considerado é o caso do trabalhador doméstico, que a despeito de avanços da legislação infraconstitucional com relação à estabilidade provisória da gestante, ainda encontra-se excluído do regime de duração da jornada de trabalho e da estabilidade e benefícios de natureza acidentária.
Não se diga que uma interpretação sistemática do artigo 7° da Constituição Federal Brasileira de 1988, por exemplo, demonstra que o dispositivo deve ser interpretado em sua literalidade gramatical em razão de direitos expressos como o descanso semanal remunerado, que não poderiam ser aplicados a outras categorias de trabalhadores que não aqueles subordinados.
O sistema constitucional de proteção aos trabalhadores não pode ser excludente, na medida em que isso não se coaduna com o princípio vetor já inúmeras vezes mencionado da dignidade da pessoa humana. Como núcleo essencial dos direitos fundamentais.
2.3. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO TRABALHADOR EM SEDE INFRACONSTITUCIONAL
Os direitos fundamentais dos trabalhadores estão inseridos no Título II, Capítulo II da Constituição Federal, logo, se submetem a aplicabilidade imediata do artigo 5° § 1° e no rol da cláusula pétreas do artigo 60§ 4° e a abertura material consagrada no artigo 5° § 2°.
O artigo 7° da Constituição Federal arrola os direitos fundamentais dos trabalhadores, consignando de forma expressa a natureza exemplificativa do dispositivo, ao inserir, a frase além de outros que visem à melhoria da condição social[34].
A expressão acima referenciada demonstra que não apenas o rol do artigo 7°, mas também outros direitos expressos na Constituição, tais como, o direito à liberdade sindical, os direitos de participação dos trabalhadores, são direitos fundamentais, mas também aqueles direitos fundamentais em sentido material, por seus atributos, importância e conteúdo relacionado à dignidade da pessoa humana, inclusive positivados nas normas decorrentes da autonomia privada coletiva, quais sejam, os acordos e convenções coletivas de trabalho.
2.4. DA EFICÁCIA DAS NORMAS DE DIREITO FUNDAMENTAL DO TRABALHO
Conforme já apresentado os direitos fundamentais em todas as suas dimensões são fruto da evolução da própria sociedade, em um primeiro momento, surge a função de defesa da liberdade do cidadão em relação ao Estado e a seguir em caráter evolutivo, concebido no papel de promoção do bem estar dos cidadãos através da adoção de políticas públicas ativas.
A Constituição Federal de 1988 de forma literal, nos termos do artigo 5º parágrafo 1º, conduz ao entendimento que todos os direitos fundamentais, sem exceção possuem aplicabilidade imediata.
Em apertada síntese as normas de direito fundamental do trabalho produzem efeitos não somente na proteção deste em relação ao Estado, mas também, têm incidência nas relações privadas, o que se denominada, respectivamente de eficácia vertical e horizontal dos direitos fundamentais.
Note-se com relação à eficácia denominada vertical, os seja aquela que se concretiza entre o cidadão e o Estado, não é restringida aos direitos de defesa, mas também se exige uma atividade estatal positiva na concretização dos direitos fundamentais, em outras palavras no Estado não tem apenas o dever de proteger, mas de promover o efetivo gozo dos direitos fundamentais.
Como relação jurídica entre particulares, especialmente considerando-se as especificidades dessa espécie de contrato havida empregado e empregador, norteada pelo requisito da subordinação, que coloca o último em relação de vulnerabilidade em relação ao primeiro, impõe – se a proteção dos direitos fundamentais, especialmente considerando-se o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Na origem, os direitos fundamentais foram concebidos como para a proteção dos indivíduos, pois sob a égide o Estado Liberal a violação aos direitos fundamentais tinham origem nos abusos praticados pelo poder no Estado Absolutista, na evolução da concepção de Estado de Direito não apenas a organização estatal coloca-se na condição de violador dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Nas relações privadas se configuram abusos que maculam a dignidade da pessoa humana, considere-se inclusive que na atualidade certamente as violações por práticas de abuso aos direitos fundamentais se potencializam nessas relações, na medida em que em um Estado Social Democrático de Direito as salvaguardas em relação aos entes estatais encontram-se positivadas.
Considerando a temática dos direitos fundamentais dos trabalhadores e a subordinação jurídica como caracterizadora da relação de trabalho subordinado, o terreno dessa espécie de prestação de serviço é frutífero para macula dos direitos fundamentais de caráter negativo, como a não discriminação, o direito à intimidade e etc.
Para Jorge Luiz Souto Maior:
“Uma efetiva luta pela justiça social, utilizando-se o direito do trabalho como instrumento, culmina com a constitucionalização das normas protetivas do trabalho e a normatização de seus princípios fundamentais, possibilitando a interpretação das normas infraconstitucionais com base nesses postulados. O direito do trabalho assim construído e aplicado é instrumento decisivo para a formação e a defesa da justiça social, ainda que, concretamente, em primeiro momento, só consiga minimizar as injustiças. Sob o prisma específico da teorização do direito do trabalho, o objetivo primordial é destacar que a sua origem histórica, que marca uma preocupação com e eliminação da injustiça, que é característica da relação capital X trabalho, integra-se em seu conceito, advindo daí a noção de justiça social como seu princípio maior”.[35]
Por tudo quanto exposto a eficácia das normas de direitos fundamentais que tenham como destinatários os trabalhadores é dotada de eficácia imediata e absoluta, sendo função do Estado a sua real concretização.
3. DO PRINCIPIO DO NÃO RETROCESSO SOCIAL
A despeito da Constituição da República Federativa do Brasil apresentar como princípio máximo o respeito à dignidade da pessoa humana, não se pode negar que inúmeros avanços sociais preconizados no texto magno não foram implementados, especialmente considerando-se que enorme parcela da população sequer tem satisfeitos pelo Estado direitos sociais básicos.
O princípio do não retrocesso social ou aplicação progressiva dos direitos sociais caracteriza-se pela impossibilidade de redução dos direitos sociais amparados na Constituição, ou que tenham sido positivados em normas infraconstitucionais, garantindo ao cidadão o acúmulo, proteção e perenidade de seu patrimônio jurídico e o avanço na concretude fática do conceito de cidadania.
3.1. PROIBIÇÃO DA PROTEÇÃO DEFICIENTE
Canotilho salienta que a noção de proteção aos Direitos Fundamentais engloba as categorias de proibição do excesso e da proibição da proteção deficiente, com relação a essa última categoria no sentido de busca da máxima efetividade dos direitos sociais:
“Há, porém, um outro lado de proteção que, em vez de salientar o excesso, revela a proibição por defeito (untermassverbot) Existe um defeito de protecção quando as entidades sobre quem recai um dever de proteção (schutzpflicht), adoptam medidas insuficientes para garanti uma proteccção constitucionalmente adequada dos direitos fundamentais. Podemos formular esta idéia usando uma formulação positiva: o estado deve adoptar medidas suficientes, de natureza normativa, ou de natureza material, conducente a uma proteção adequada e eficaz dos direitos fundamentais. A verificação de uma insuficiência de juridicidade estatal deverá atender à natureza das posições jurídicas ameaçadas e à intensidade do perigo de lesão dos direitos fundamentais.”[36]
Não bastasse a triste realidade que se verifica no Brasil da inconteste omissão do Estado que não protege, na medida em que não adota condutas de caráter normativo e material para a efetivação dos direitos fundamentais sociais, ai incluídos os direitos fundamentais do trabalhador, não são poucas também as investidas de concepção neoliberal no sentido de desmantelamento do que as normas já estabelecem essa categoria de direitos.
Vozes se levantam no sentido de que os direitos dos trabalhadores são demasiados e os responsáveis pelas crises econômicas e pelo não crescimento do Estado, o que se caracteriza em patente retrocesso social que macula o princípio estruturante da dignidade da pessoa humana.
Em tempos de globalização impõe-se a discussão acerca da vedação do retrocesso social, com fundamento que um Estado Democrático de Direito se constrói não somente através de consenso, mas principalmente de valores inarredáveis de segurança, confiança e efetividade máxima da constituição, não se relega aqui um papel secundário ao princípio da democracia de forma alguma, muito ao contrário a democracia somente e perene e completa através do respeito à dignidade humana..
No Direito Constitucional Brasileiro, o primeiro doutrinador a tratar da proibição do não retrocesso social foi José Afonso da Silva, para quem normas definidores de direitos sociais teriam sido concebidas como normas programáticas, que dependem da atividade do legislador vinculada às imposições constitucionais, onde a lei nova não pode desfazer o grau de efeitos da constituição.[37]
Luis Roberto Barroso apresenta o impedimento de retrocesso social como um princípio implícito, onde o comando constitucional não pode arbitrariamente ser ceifado.
“Nessa ordem de idéias, uma lei posterior não pode extinguir um direito ou uma garantia, especialmente os de cunho social, sob pena de promover um retrocesso abolindo um direito fundado na Constituição. O que se veda é o ataque à efetividade da norma, que foi alcançada a partir de sua regulamentação. Assim, por exemplo, se o legislador infraconstitucional deu concretude a uma norma programática ou tornou viável o exercício de um direito que dependia de sua intermediação, não poderá simplesmente revogar o ato legislativo, fazendo a situação voltar ao estado de omissão legislativa anterior.”[38]
A despeito da posição nos juristas acima mencionados, que restringem a vedação de retrocesso às normas expressas no texto constitucional, a hipótese da presente pesquisa reside que a vedação a medidas retrocessivas, se estendem não apenas aos direitos fundamentais expressos no texto constitucional, mas também ao acervo infraconstitucional relacionado à concretude e efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana, como um todo nas várias faces dos direitos sociais.
3.2. A SEGURANÇA JURÍDICA COMO COROLÁRIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL
O princípio do não retrocesso social não é expresso no texto constitucional desta forma, necessário que se coloque a premissa necessária para o seu reconhecimento no ordenamento jurídico brasileiro, como verdadeiro direito que recebeu a garantia de fundamentalidade, qual seja, a segurança jurídica.
Não se diga que o princípio do direito adquirido, inserto no artigo 5° inciso XXXVI da Constituição Federal e ainda no artigo 6º parágrafo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, é capaz de exaurir a completude de fundamentalidade no impedimento de retrocesso social.
Note-se, que a matiz do princípio do direito adquirido é por certo restritiva, na medida em que se refere a uma dada situação concreta[39], o que pode levar a concepção de que todas as situações que não se submetem ao conceito delineado do artigo 6º da LICC não estariam cobertas pela estabilidade e revestido de um formalismo de caráter restritivo.
O fundamento estruturante do Estado Social Democrático de Direito em conferir Segurança Jurídica às relações sociais através da materialização dos direitos fundamentais, e consecução do principio da dignidade da pessoa humana, é imprescindível para que se admita a existência da vedação do retrocesso social, assim como refere Canotilho:
“A segurança e proteção da confiança exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos de seus próprios actos. Deduz-se já que os postulados da segurança jurídica e da protecção da confiança são exigíveis perante qualquer ato de qualquer poder – legislativo executivo e judicial. O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo a idéia de protecção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o individuo têm do direito poder confiar em que aos seus actos ou às suas decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses actos jurídicos deixado pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico. As refracções mais importantes do principio da segurança jurídica são as seguintes: (1) relativamente a actos normativos- proibição de normas retroactivas restritivas de direitos ou interesses juridicamente protegidos;(2) relativamente a actos jurisdicionais = inalterabilidade do caso julgado;(3) em relação aos actos da administração – tendencial estabilidade dos casos decididos através de actos administrativos constitutivos de direitos”[40]
Note-se que a Segurança Jurídica, deve ser tomada como verdadeiro princípio constitucional norteador, ao lado da Máxima Efetividade das Normas Constitucionais, para que se sustente o princípio do não retrocesso social mesmo que não positivados, mais de importância inarredável para a realização da dignidade da pessoa humana, que somente pode se concretizar através da proteção dos direitos fundamentais, e o impedimento de medida retrocessivas, denominado por Canotilho como proibição de contra-revolução social ou revolução reaccionária.
Para o constitucionalista de Coimbra, na medida em que os direitos sociais atinjam um determinado grau de realização observa-se uma dupla face, ou seja, além de dotados de garantia institucional passam a constituir um direito subjetivo, sendo que medidas retrocessivas justificam a sanção da inconstitucionalidade, pois, são contrárias à Justiça Social.
Ingo Wolfgang Sarlet nessa linha aponta:
Negar reconhecimento do princípio da proibição de retrocesso significaria, em última análise, admitir que os órgãos legislativos (assim como o poder público de modo geral), a despeito de estarem inquestionavelmente vinculados aos direitos fundamentais e às normas constitucionais em geral, dispõem do poder de tomar livremente suas decisões mesmo em flagrante desrespeito à vontade expressa do Constituinte”.[41]
3.3. ALCANCE DO PRINCÍPIO DO NÃO RETROCESSO SOCIAL.
O alcance do princípio do não retrocesso social deve levar em consideração o caráter absoluto dos direitos fundamentais, a despeito de entendimentos contrários da doutrina, no que se refere à relativização.
Os direitos sociais estão umbilicalmente ligados ao princípio da dignidade da pessoa humana, assim considerá-los em caráter relativo, coloca em risco e na berlinda o principal princípio de um Estado Social e de Direito e o verdadeiro alcance do princípio do não retrocesso trata-se de verdadeira blindagem e proteção dos direitos fundamentais.
A tese de existência e valoração ligada à dignidade da pessoa humana do princípio do não retrocesso social tem sentido contrário o preconizado princípio da reserva do possível[42] de matiz desconectada da relevância e fundamentalidade dos direitos sociais, e justificador da omissão estatal no que se refere à efetivação de políticas públicas falsamente justificadas por fatores de ordem econômica.
A aplicação do princípio da reserva do possível principalmente em países periféricos ou em desenvolvimento acaba por justificar discursos de cunho neoliberal autorizador ação política visando à implementação de medidas retrocessivas que afrontam o Estado Social Democrático de Direito muitas vezes sob falsas premissas de inexistência de recursos, que se revelam de fato por alocação de recursos equivocadas dissociada de políticas públicas destinadas a consecução do princípio da dignidade da pessoa humana e distantes das reais necessidades dos cidadãos.
O princípio do não retrocesso social faz parte da essência de um Estado de Direito, pois, só através dele é possível a concretização da segurança jurídica, e que se materializa através de todas as atividades estatais, quer as de natureza legislativa, onde a atuação do legislador deve se pautar nos fundamentos e estruturas definidas pela constituinte originários e nos valores da sociedade, nas de natureza administrativa na concepção e efetivação de políticas públicas de inclusão e erradicação das mazelas que permeiam a sociedade, e por fim, nas funções judiciários, de verdadeiro guardião do Estado de Direito através de medidas corretivas às ações que visem macular o princípio da dignidade da pessoa humana.
Nessa toada uma vez concretizados os direitos fundamentais em sede legislativa, esses direitos passam a exibir estatutos negativo próprio dos direitos de primeira dimensão, inclusive em relação ao legislador, que não pode impedir através da atividade legiferente a concretização dos direitos fundamentais, sem a criação de mecanismos equivalentes, sob pena de ato atentatório a justiça social.
3.4. O PRINCÍPIO DO NÃO RETROCESSO SOCIAL E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO TRABALHO NO BRASIL, NO CENÁRIO DA GLOBALIZAÇÃO
O retrocesso social significa o descumprimento por ato comissivo da imposição ligeferante como imposição de edição de normas que regulamentem as disposições de direitos fundamentais sociais, bem como, a abstenção do legislador no sentido de edição de normas que revoguem disposições jus fundamentais independentemente da topologia que essas normas tenham no sistema normativo.
O processo de globalização em curso está desafiando cidadania na medida em que ataca de forma gritante os direitos sociais fundamentais, inclusive os direitos fundamentais dos trabalhadores.
Os impactos da globalização hoje, reorientam o Estado e os interesses das elites dominantes conferindo-lhes perspectivas não territoriais e extra-nacionais com o avanço do comércio global, maior mobilidade do capital financeiro e de políticas macroeconômicas de exclusão social.
Assim nesse cenário o reconhecimento da existência do principio do não retrocesso social é fundamental para manutenção dos patamares civilizatórios, na medida em que só esse princípio é capaz de solidificar o desenvolvimento da sociedade.
CONCLUSÃO
A possibilidade de flexibilização ou desregulamentação de direitos laborais que constituem verdadeiro patrimônio jurídico dos trabalhadores é em tempos de globalização, matéria costumeiramente discutida, sendo certo, que em muitas ocasiões observa-se a justificativa da necessidade de adequação do ordenamento trabalhista as perspectivas e necessidades do mercado globalizado, sendo que o homem sujeito de direitos, equivocadamente é relegado à condição de mercadoria, sem qualquer cerimônia.
A Constituição da República Federativa promulgada em 1988 elevou os valores sociais do trabalho a fundamento e inseriu o trabalho no rol dos Direitos Sociais, explicitando de forma exemplificativa, diversos direitos básicos no artigo 7°, que mesmo inseridos na Carta Magna, para a sua efetivação necessitam da inconteste atuação do Estado.
As relações de trabalho encontram-se mescladas a todas as dimensões dos Direitos Fundamentais, especialmente partindo-se das características de irrenunciabilidade, inalienabilidade, inviolabilidade, universalidade, efetividade, complementaridade e interdependência.
A globalização da economia que envolve a mudança de paradigmas no processo produtivo e nas relações de trabalho, sob a ótica da integração e a internacionalização do capital financeiro, coloca a seguinte ordem do dia: existem países que “globalizam” e outros que são globalizados, estes últimos certamente são os que se defrontam com os piores reflexos dessa nova ordem social, pois, não adianta dizer não a globalização, ela se impõe custe o que custar, não respeita pessoas, fronteiras, padrões éticos comezinhos, nem ao menos as soberanias nacionais assim e de fundamental
O legislador constitucional originário de 1988 optou por eleger a dignidade da pessoa humana e o trabalho como princípios fundamentais do Estado brasileiro[43]·, que se expressam em diversos dispositivos do texto magno assim, não há de se admitir, que sob o falso pretexto do desemprego estrutural que garantias sociais sejam desprezadas sem qualquer cerimônia e muitas vezes sob o manto do Estado, quer na sua função de legislador, quer na função de julgador.
A dignidade da pessoa humana deve ser o vetor da produção legislativa infraconstitucional, bem como, o princípio norteador da interpretação de todo o ordenamento jurídico, especialmente no que se refere ao Direito do Trabalho.
Sob a ótica da fundamentalidade dos direitos do trabalho foi necessário o estudo e compreensão do fenômeno histórico percorrido pela sociedade na definição dos Direitos Fundamentais e de forma especial os Direitos Fundamentais do Trabalho, a sua inserção no ordenamento jurídico e os fundamentos teóricos para sua efetividade e proteção de forma que se impeça o retrocesso social, ou como se refere Canotilho a verdadeira revolução contra social.
Partindo-se do pressuposto que os direitos laborais são de natureza fundamental como corolário do mega princípio da dignidade da pessoa humana e necessitam da atividade legislativa infraconstitucional para sua efetiva concretização constituindo-se em verdadeiro patrimônio do trabalhador e de toda sociedade não há de se admitir, sob pena de mácula ao principio do não retrocesso social medidas de caráter supressivas ou de alterações in pejus das normas que consagrem direitos fundamentais dos trabalhadores.
[1] Denominações utilizadas pela CF: Direitos humanos (art. 4º II, artigo 5º § 3º da CF e art.7º ADCT) Direitos e Liberdades fundamentais (Artigo 5º XLI) Direitos Fundamentais da Pessoa Humana (art.15 caput), Direitos da pessoa humana (art. 17), direitos sociais individuais (preâmbulo).
Informações Sobre o Autor
Maria Vitoria Queija Alvar
Professora dos Cursos de Graduação e Pós Graduação em Direito e Processo do Trabalho do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU, Coordenadora do Curso de Especialização em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho da FMU, advogada militante em Santo André- SP