Intervenções em áreas de proteção permanente anteriores à edição da Resolução CONAMA n° 303/2002 – estudo do caso da orla de Porto Seguro – BA

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Resumo: O presente artigo analisa o caso das barracas de praia construídas na orla de Porto Seguro –BA previamente à edição da Resolução CONAMA n° 303/2002. Entendo que, no caso, a área é considerada como de preservação permanente foi força da legislação estadual, que atraiu para a região todas as limitações administrativas impostas às APPs. Não obstante a construção anterior à edição da Resolução do CONAMA, o ordenamento jurídico pátrio não abriga o direito adquirido à degradação ambiental


Palavras-chave: restinga, área de preservação permanente, empreendimentos, adequação, norma ambiental


Sumário: I. Introdução. II. Restinga como área de preservação permanente. III. Da legislação aplicável às intervenções na Orla de Porto Seguro.


I. Introdução


O presente estudo se propõe a analisar a regularidade dos empreendimentos (barracas de praia) instalados na orla de Porto Seguro antes da edição da Resolução CONAMA n° 303/2002.


II. Restinga como área de preservação permanente


Para responder ao primeiro questionamento — sobre a aplicação da Resolução CONAMA n° 303/2002 aos empreendimentos instalados antes da sua vigência —, faz-se necessário, preliminarmente, verificar se a Resolução CONAMA n° 303/2002 se aplica ao caso concreto.


O art. 2° da Lei 4.771/65 define as áreas que são consideradas como de preservação permanente simplesmente por apresentarem as características previstas em lei — são as áreas de preservação permanente legais. Nesse rol, desde a redação original do Código Florestal, estão incluídas as áreas de restinga, desde que desempenhem a sua vegetação exerça a função de fixar dunas ou estabilizar mangues.


Já o art. 3° da Lei 4.771/65 elenca determinadas funções exercidas por florestas e outras formas de vegetação naturais que podem levar determinadas áreas a serem declaradas como de preservação permanente por ato do Poder Público. São as áreas de preservação permanente administrativas.


Em ambos os casos, a dimensão da APP e as limitações ao seu uso aplicam-se também a suas ocorrências nas áreas urbanas, conforme entendimento majoritário da doutrina, consolidado na Orientação Jurídica Normativa n° 22/2010/PFE/IBAMA (anexa).


A Medida Provisória n° 2.166-67 promoveu várias alterações no corpo da Lei n° 4.771/65, dentre as quais a do art. 4°, que passou a regulamentar a supressão de vegetação e a intervenção em áreas de preservação permanente da seguinte forma:


“Art. 4o  A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto.


§ 1o  A supressão de que trata o caput deste artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente, ressalvado o disposto no § 2o deste artigo.


§ 2o  A supressão de vegetação em área de preservação permanente situada em área urbana, dependerá de autorização do órgão ambiental competente, desde que o município possua conselho de meio ambiente com caráter deliberativo e plano diretor, mediante anuência prévia do órgão ambiental estadual competente fundamentada em parecer técnico.


§ 3o  O órgão ambiental competente poderá autorizar a supressão eventual e de baixo impacto ambiental, assim definido em regulamento, da vegetação em área de preservação permanente.


§ 4o  O órgão ambiental competente indicará, previamente à emissão da autorização para a supressão de vegetação em área de preservação permanente, as medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser adotadas pelo empreendedor.


§ 5o  A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, ou de dunas e mangues, de que tratam, respectivamente, as alíneas “c” e “f” do art. 2o deste Código, somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública.


§ 6o  Na implantação de reservatório artificial é obrigatória a desapropriação ou aquisição, pelo empreendedor, das áreas de preservação permanente criadas no seu entorno, cujos parâmetros e regime de uso serão definidos por resolução do CONAMA.


§ 7o  É permitido o acesso de pessoas e animais às áreas de preservação permanente, para obtenção de água, desde que não exija a supressão e não comprometa a regeneração e a manutenção a longo prazo da vegetação nativa.”


Em suma, a supressão e a intervenção nas áreas de preservação permanente podem ser autorizadas, via de regra, em três hipóteses: utilidade pública, interesse social e baixo impacto ambiental. Nos casos de nascentes e restingas, desde que fixadoras de dunas e estabilizadoras de mangues, só poderá ser autorizada a supressão nos casos de utilidade pública.


A MP 2.166-67 promoveu outra alteração substancial no sistema de proteção das áreas de preservação permanente ao incluir a possibilidade de o CONAMA, por meio de Resolução, possa definir outras obras, planos, atividades ou projetos como de utilidade pública ou de interesse social. Com a nova redação dos incisos IV e V do art. 1° do Código Florestal, operou-se delegação legislativa para que o CONAMA possa identificar outras hipóteses de supressão ou intervenção em área de preservação permanente, exercendo seu poder regulamentar[1].


Assim, em março de 2002, foi editada a Resolução CONAMA n° 303, com o objetivo de regulamentar o art. 2° da Lei 4.771/65 (APP legais) e estabelecer parâmetros, definições e limites referentes às Áreas de Preservação Permanente. Especificamente no que tange à Restinga, a Resolução assim dispôs:


“Art. 2º Para os efeitos desta Resolução, são adotadas as seguintes definições:


(…)


VIII – restinga: depósito arenoso paralelo a linha da costa, de forma geralmente alongada, produzido por processos de sedimentação, onde se encontram diferentes comunidades que recebem influência marinha, também consideradas comunidades edáficas por dependerem mais da natureza do substrato do que do clima. A cobertura vegetal nas restingas ocorrem mosaico, e encontra-se em praias, cordões arenosos, dunas e depressões, apresentando, de acordo com o estágio sucessional, estrato herbáceo, arbustivos e abóreo, este último mais interiorizado;


Art. 3º Constitui Área de Preservação Permanente a área situada:


(…)


IX – nas restingas:


a) em faixa mínima de trezentos metros, medidos a partir da linha de preamar máxima;


b) em qualquer localização ou extensão, quando recoberta por vegetação com função fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues;”


Da leitura do texto da Resolução, poder-se-ia chegar à conclusão de que, por força da Resolução CONAMA n° 303/2002, toda a faixa de 300 m (trezentos metros) contados a partir da linha da preamar máxima (atual), situada em áreas de restinga, é considerada como área de preservação permanente. Esse entendimento, porém, extrapola os critérios definidos na Lei 4.771/65, que servem de baliza para o exercício do poder regulamentar do CONAMA.


Para o Código Florestal, a vegetação localizada em área de restinga é considerada área de preservação permanente pelo só efeito da lei quando exerce a função de fixar dunas ou estabilizar mangues. A lei vincula a função exercida pela vegetação para determinar a incidência da norma insculpida no art. 2° e as decorrentes limitações. Se a vegetação em área de restinga não exerce, não exerceu e não poderá exercer essa função, em razão da ausência de dunas ou mangues em sua proximidade, a sua área de ocorrência não pode ser considerada como de preservação permanente legal. Por certo, a área pode vir a ser reconhecida como de preservação permanente por ato do Poder Público, nos moldes no art. 3° da Lei 4.771/65. Se não foi editado o ato formal de reconhecimento da área de ocorrência da vegetação da restinga como APP, sobre ela não incidem as competentes limitações administrativas.


Por conseguinte, só é considerada como área de preservação permanente a faixa de 300 m (trezentos metros) da linha da preamar máxima em área de restinga cuja vegetação exerça, tenha exercido ou possa exercer a função de fixadora de duna ou estabilizadora de mangues. Se, para exercer essas funções, for necessário preservar uma faixa superior a 300 m (trezentos metros), deverá ser observada a alínea b) do inciso IX do art. 3°.


Em diversos julgados, o Supremo Tribunal Federal reconhece a legalidade do exercício do poder regulamentar por órgãos do Poder Executivo, que, por meio dos regulamentos, viabilizam a execução das leis e fornecem os critérios de natureza eminentemente técnica e que sofrem freqüentes alterações para alcançar os efeitos desejados pelo legislador.


No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 3.540-1, o STF reconheceu expressamente a legalidade da delegação legislativa operada pela MP 2.166-67, que conferiu ao CONAMA o poder-dever de definir critérios para o reconhecimento, por todos os entes da federação, da utilidade pública ou do interesse social para a intervenção em APP[2].


A definição desses critérios precisa, entretanto, respeitar os parâmetros fixados no Código Florestal. A Lei n° 4.771/65 definiu, em seu art. 1°, §2°, II, como de preservação permanente “área protegida nos termos dos arts. 2o e 3o desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”. Especificamente no caso das áreas de preservação permanente legais, previstas no art. 2°, a Lei não delegou competência ao CONAMA para ampliar as hipóteses de incidência da norma.


Se o CONAMA não tem competência para inovar no ordenamento jurídico por meio da criação de nova hipótese de APP legal, a única interpretação viável do art. 3°, IX da Resolução n° 303/2002 é no sentido de que a faixa de 300 m (trezentos metros), em área de restinga, só é APP se exercer a função de fixar dunas ou estabilizar manguezais. Nessa toada, se a área técnica afastou a caracterização da área nos termos do art. 2°, alínea “f”, da Lei 4.771/65, em tese, não poderá enquadrá-la no art. 3°, IX, da Resolução n° 303/2002, pois esta norma deve ser interpretada em harmonia com a lei federal que deu origem ao regulamento.


Nesse contexto, é importante destacar alguns princípios estruturantes que regem as relações entre leis e regulamentos no ordenamento jurídico brasileiro[3]:


“O princípio da hierarquia é o principal inspirador de um ordenamento piramidal, e basicamente significa que os atos normativos não têm todos a mesma hierarquia. Segundo esse princípio, as normas jurídicas de cada fonte de direito não se situam no plano horizontal, mas vertical. É o princípio da hierarquia que fundamenta a preferência da lei (…), sendo que a norma hierarquicamente superior fundamenta duas modalidades de preferência: “(1) preferência de validade, tornando nulas as normas anteriores contrárias (…) e servindo de limite jurídico às normas posteriores também em contradição a elas; (2) preferência de aplicação, porque mesmo não aniquilando a validade da norma contrária, ela deverá ser aplicada no caso concreto com a conseqüente desaplicação da norma inferior.”


O princípio do congelamento do grau hierárquico (…) significa basicamente que, regulada uma determinada matéria por lei, o grau hierárquico fica congelado, e só uma lei poderá posteriormente intervir nesse âmbito material. Por força desse princípio, o regulamento não pode dispor contrariamente a matéria já tratada por lei, sob pena de invalidade por evidente ilegalidade. O congelamento do grau hierárquico, como nota Canotilho, não impede rigorosamente a deslegalização. (…)”[4]


No caso em tela, a definição das áreas de preservação permanentes legais está no art. 2° da Lei 4.771/65, que, por sua vez, não operou a deslegalização da matéria, não a sujeitou à regulamentação do CONAMA — restando configurado o congelamento de seu grau hierárquico. Assim, pelo princípio da preferência da aplicação, ao caso concreto deve se aplicar a condicionante do Código Florestal para que a área seja caracterizada como APP legal, ou seja, a formação vegetal da área de restinga deverá fixar dunas ou estabilizar manguezais.


Noutro giro, as APPs administrativas, previstas no art. 3° da Lei 4.771/65, podem ser declaradas por ato do Poder Público, em razão da expressa previsão legal nesse sentido. No caso específico do estado da Bahia, as áreas de restinga são consideradas como áreas de preservação permanente por força do art. 3° da Lei 4.771/65.


A constituição do estado da Bahia, que data de 1989, em seu art. 215, IV[5], expressamente declarou as restingas áreas de preservação permanente. A lei estadual que regulamentou o art. 215 da Constituição estadual foi editada em 2006 e assim tratou a questão:


“Lei Estadual n° 10.431/2006


Dos bens e espaços de preservação permanente

Art. 89 – Sem prejuízo do disposto na legislação federal pertinente, são considerados de preservação permanente, na forma do disposto no artigo 215 da Constituição do Estado da Bahia, os seguintes bens e espaços:


(…)


IV – as dunas e restingas, sendo que a sua ocupação parcial depende de estudos específicos a serem aprovados por órgão competente”;


O Decreto n° 11.235/2008[6], que regulamentou a Lei estadual n° 10.431/2006, praticamente reproduziu o texto do supra transcrito art. 89, exigindo a prévia aprovação de estudos de impacto ambiental para autorização de ocupação das restingas.


As normas estaduais não fazem referência à vegetação que exerce a função de fixar dunas ou estabilizar manguezais. Fazem, sim, referência aos espaços, permitindo concluir que a intenção do legislador é proteger a área do acidente geográfico ou formação geológica, conforme descrição do MEMO – 275/2009 – GEREX/IBAMA/BA.


Daí tem-se que, por força do art. 3° da Lei 4.771/65; art. 215, IV da Constituição do estado da Bahia; art. 89, IV, da Lei estadual n° 10.431/2006; e art. 277, IV, do Decreto estadual n° 11.235/2008, a orla de Porto Seguro é área de preservação permanente por estar localizada em área de restinga e não pela função que a sua vegetação exerce.


Ao declarar, por ato(s) do Poder Público, as restingas como áreas de preservação permanente, o estado da Bahia passou a atrair todas as normas regentes da matéria e todas as limitações administrativas que incidem sobre APPs, independentemente de sua extensão, bastando apenas que a área contenha as características definidas no art. 2° da Resolução CONAMA n° 303/2002.


IiI. Da legislação aplicável às intervenções na Orla de Porto Seguro


Firmado o entendimento de que a orla de Porto Seguro é área de preservação permanente, é necessário enfrentar a questão dos empreendimentos instalados nessa região.


O Código Florestal prevê três hipóteses de intervenção nessas áreas: utilidade pública, interesse social e baixo impacto ambiental. A Resolução CONAMA n° 369/2006 assim dispõe sobre a matéria:


“Art. 2°. O órgão ambiental competente somente poderá autorizar a intervenção ou supressão de vegetação em APP, devidamente caracterizada e motivada mediante procedimento administrativo autônomo e prévio, e atendidos os requisitos previstos nesta resolução e noutras normas federais, estaduais e municipais aplicáveis, bem como no Plano Diretor, Zoneamento Ecológico-Econômico e Plano de Manejo das Unidades de Conservação, se existentes, nos seguintes casos:


I – utilidade pública:


Omissis


II – interesse social:


Omissis


III – intervenção ou supressão de vegetação eventual e de baixo impacto ambiental, observados os parâmetros desta Resolução.


Art. 4 o Toda obra, plano, atividade ou projeto de utilidade pública, interesse social ou de baixo impacto ambiental, deverá obter do órgão ambiental competente a autorização para intervenção ou supressão de vegetação em APP, em processo administrativo próprio, nos termos previstos nesta resolução, no âmbito do processo de licenciamento ou autorização, motivado tecnicamente, observadas as normas ambientais aplicáveis.


§ 1 o A intervenção ou supressão de vegetação em APP de que trata o caput deste artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente, ressalvado o disposto no § 2 o deste artigo.


§ 2 o A intervenção ou supressão de vegetação em APP situada em área urbana dependerá de autorização do órgão ambiental municipal, desde que o município possua Conselho de Meio Ambiente, com caráter deliberativo, e Plano Diretor ou Lei de Diretrizes Urbanas, no caso de municípios com menos de vinte mil habitantes, mediante anuência prévia do órgão ambiental estadual competente, fundamentada em parecer técnico.


§ 3 o Independem de prévia autorização do órgão ambiental competente:


I – as atividades de segurança pública e defesa civil, de caráter emergencial; e


II – as atividades previstas na Lei Complementar n o 97, de 9 de junho de 1999, de preparo e emprego das Forças Armadas para o cumprimento de sua missão constitucional, desenvolvidas em área militar.


Art. 5°. O órgão ambiental competente estabelecerá, previamente à emissão da autorização para a intervenção ou supressão de vegetação em APP, as medidas ecológicas, de caráter mitigador e compensatório, previstas no § 4 o , do art. 4 o , da Lei n o 4.771, de 1965, que deverão ser adotadas pelo requerente.


§ 1° Para os empreendimentos e atividades sujeitos ao licenciamento ambiental, as medidas ecológicas, de caráter mitigador e compensatório, previstas neste artigo, serão definidas no âmbito do referido processo de licenciamento, sem prejuízo, quando for o caso, do cumprimento das disposições do art. 36, da Lei n o 9.985, de 18 de julho de 2000.


§ 2° As medidas de caráter compensatório de que trata este artigo consistem na efetiva recuperação ou recomposição de APP e deverão ocorrer na mesma sub-bacia hidrográfica, e prioritariamente:


I – na área de influência do empreendimento, ou


II – nas cabeceiras dos rios”.


Da leitura dos excertos legais extraem-se as seguintes conclusões: qualquer intervenção ou supressão de vegetação nas áreas de restinga (1) devem obedecer às exigências da Lei 4.771/65, da Resolução CONAMA n° 369/2006 e, também, de outras normas federais, estaduais e municipais aplicáveis, bem como no Plano Diretor, Zoneamento Ecológico-Econômico e Plano de Manejo das Unidades de Conservação, se existentes; e (2) necessitam de autorização dos órgãos ambientais competentes — autorização essa que pode ser emitida no processo de licenciamento.


Quanto ao ponto (1), vale lembrar a incidência das normas federais relativas ao licenciamento ambiental, o Plano de Gerenciamento Costeiro e, ainda as normas de proteção da Mata Atlântica.


O art. 10 da Lei 6.938/81 inaugura no ordenamento jurídico a obrigatoriedade de se obter prévia licença ambiental para a construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como capazes de causar degradação ambiental. A Resolução CONAMA n° 237/97, em seu anexo I, lista as atividades sujeitas ao licenciamento ambiental, dentre as quais inclui as obras civis e a construção de complexos turísticos e de lazer.


A Lei n° 7.661/88 instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, que é parte integrante da Política Nacional do Meio Ambiente e tem como objetivo orientar a utilização nacional dos recursos na Zona Costeira, de forma a contribuir para elevar a qualidade de vida de sua população e a proteção de seu patrimônio natural, histórico étnico e cultural (art. 2°, caput). De acordo com seu artigo 3°, o zoneamento dos usos e atividades na Zona Costeira dará prioridade à conservação e proteção das restingas (art. 3°, I).


A Lei prevê, ainda, que o licenciamento da instalação, funcionamento e ampliação de atividades que acarretem alterações das características naturais da Zona Costeira deve respeitar as diretrizes dos Planos de Gerenciamento Costeiro e deve ser precedida da elaboração de estudo de impacto ambiental, in verbis:


“Art. 6º. O licenciamento para parcelamento e remembramento do solo, construção, instalação, funcionamento e ampliação de atividades, com alterações das características naturais da Zona Costeira, deverá observar, além do disposto nesta Lei, as demais normas específicas federais, estaduais e municipais, respeitando as diretrizes dos Planos de Gerenciamento Costeiro.


§ 1º. A falta ou o descumprimento, mesmo parcial, das condições do licenciamento previsto neste artigo serão sancionados com interdição, embargo ou demolição, sem prejuízo da cominação de outras penalidades previstas em lei.


§ 2º Para o licenciamento, o órgão competente solicitará ao responsável pela atividade a elaboração do estudo de impacto ambiental e a apresentação do respectivo Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, devidamente aprovado, na forma da lei.”


Nesse sentido, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região fixou entendimento[7] de que o Estudo de Impacto Ambiental é obrigatório para todos os empreendimentos na Zona Costeira, por expressa previsão da Lei 7.661/88, independentemente dos impactos do empreendimento:


“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL


PARA LICENCIAMENTO DE OBRA EM ZONA COSTEIRA.


1. A autoridade administrativa não pode prescindir da elaboração de prévio Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e da apresentação de seu respectivo relatório (RIMA) aprovado pelo órgão competente para o licenciamento de obra em zona costeira, louvando-se, apenas, em pareceres de seus técnicos, que não têm o alcance e a complexidade do EIA-RIMA.


2. Em se tratando de obra em zona costeira, a lei presume a existência de possibilidade de dano ao meio ambiente e exige o respectivo estudo de impacto ambiental.


3. Agravo de instrumento ao qual se dá parcial provimento”.


(AG 2002.01.00.010801-2/BA, Rel. Desembargadora Federal Maria Isabel Gallotti Rodrigues, Sexta Turma,DJ p.216 de 19/05/2003)


Lei nº 11.428/2006, que dispõe acerca da utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, definiu as vegetações de restingas como Mata Atlântica[8], sujeitando a intervenção nessas áreas ao regime instituído por esta lei.


O parágrafo único do art. 2°, na verdade, restringe a incidência da Lei 11.248/2006 aos remanescentes de vegetação nativa no estágio primário e nos estágios secundário inicial, médio e avançado de regeneração na área de abrangência, sendo que os critérios técnicos para a definição desses estágios será fixado pelo CONAMA. Nesse sentido, conclui com percuciência Rodolfo Ribeiro de La Fuente[9]:


“Por tudo quanto exposto, é possível concluir que a exploração e supressão da restinga demandam, previamente e de forma impostergável, a definição de seus estágios sucessionais, via edição da competente Resolução CONAMA em cada Estado. Esta exigência não restou suprida pelo advento da genérica Resolução CONAMA 417/09, que serve tão somente para balizar a elaboração das Resoluções de cada unidade da federação. No caso específico da Bahia, por expressa disposição, a Resolução CONAMA 05/94 não se aplica às restingas, razão pela qual permanece vedada sua remoção, até a edição do competente diploma, definindo referidos estágios sucessionais.


Neste diapasão, naqueles Estados ou Municípios em que as Constituições Estaduais ou leis municipais conferirem status de Área de Preservação Permanente às Restingas, a exploração destas estará subordinada, concomitantemente, à observância do art. 4º, da Lei 4.771/65 e da Lei 11.428/06.”


Ainda em relação ao ponto (1), impende também o registro feito na Informação n° 001/2011 AT_NUBIO/IBAMA-BA sobre o art. 214, IX, da Constituição baiana[10], que proíbe qualquer construção particular na faixa de 60 m (sessenta metros) contados a partir da preamar máxima.


Diante do exposto, tem-se que qualquer atividade efetiva ou potencialmente poluidora na orla de Porto Seguro deverá ser objeto de licenciamento ambiental, o qual dependerá da expressa autorização para intervenção em área de preservação permanente, nos termos da Resolução CONAMA n° 369/2006; da adequação ao Plano de Gerenciamento Costeiro; do cumprimento das exigências previstas na Lei 11.248/2006, dependendo do estágio da vegetação nativa de restinga presente na área; e do respeito à faixa non aedificandi instituída pela Constituição baiana.


E, mais importante, todas essas normas devem ser cumpridas independentemente de quando o empreendimento foi instalado, vez que não se cogita, no ordenamento constitucional pátrio, de um direito adquirido a poluir ou degradar o meio ambiente, como bem observou Herman Benjamin[11]:


“Considerando o meio ambiente, na visão constitucional, como “bem de uso comum do povo” e essencial à sadia qualidade de vida, é possível extrair diversas conseqüências jurídicas e práticas, merecendo quatro delas maior atenção: a inapropriabilidade, a inalienabilidade, a imprescritibilidade e a inexistência de direito adquirido, todas já mencionadas, quando se abordou a fundamentalização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.


Ao dizer ser o meio ambiente bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, quis o legislador assegurar a inapropriabilidade, a inalienabilidade, a imprescritibilidade e sua ojeriza à alegação de direito adquirido à poluição anterior, pois não há direito contra o Direito, muito menos contra a Constituição. É clássica a regra de que “os bens públicos de uso comum do povo (mares, rios, estradas, ruas, praças, pontes viadutos) são inapropriáveis”; e, se inapropriáveis, também inalienáveis, pois a ninguém é lícito dispor daquilo que não lhe pertence. Essa máxima ganha contornos mais rígidos e claros na norma constitucional de tutela do meio ambiente.”


No julgamento do vetusto RE 94.020/RJ[12], o Supremo Tribunal Federal analisou a legalidade de exigência criada pela Lei 5.772, de 21.12.1971 — a de que a pessoa domiciliada no estrangeiro constituísse e mantivesse procurador domiciliado no Brasil — para o exercício do direito de propriedade intelectual, nos casos em que a marca havia sido registrada sob a égide de legislação que não previa essa exigência. Ao reconhecer a constitucionalidade da lei que estabelece uma conditio iuris para a conservação de direito absoluto anteriormente constituído, asseverou o Ministro Moreira Alves:


“Em outras palavras, a lei nova estabeleceu, mesmo com relação ao direito de propriedade de marca constituído antes dela, uma condição de direito (conditio iuris) para a conservação da propriedade.


Ao fazê-lo, o atual Código violou direito adquirido do titular da propriedade da marca?


Impõe-se a resposta negativa.


Com efeito, em matéria de direito adquirido, vigora o princípio – que este Tribunal tem assentado inumeráveis vezes – de que não há direito adquirido a regime jurídico de um instituto de direito. Quer isso dizer que se a lei nova modificar o regime de determinado instituto de direito (como o é a propriedade), essa modificação se aplica de imediato.


Por isso, o próprio GABBA – o grande teórico do direito adquirido –, em matéria análoga em causa (a hipótese de a lei nova exigir, o que não era exigido pela legislação antiga, a renovação do registro da hipoteca, sob pena de perder-se esse direito ou o direito ao grau dela), reconhecia que a lei nova se aplicava de imediato, sem qualquer ofensa a direito adquirido:


Omissis


Esses princípios se aplicam, evidentemente, ao caso sub judice. Também aqui se trata de direito absoluto (propriedade de marca), que, para constituir-se, necessita de registro (como é o caso da hipoteca), e de direito absoluto temporário (o que sucede também com a hipoteca), verificando-se que a lei nova criou um pressuposto legal (condictio iuris) de conservação desse direito (à semelhança do que ocorre nas hipóteses apreciadas pela doutrina), e estabeleceu prazo para cumprimento dessa condictio, sob pena de decadência do direito (o que, igualmente, se verifica nas espécies acima aludidas). A analogia é perfeita”. (negrito daqui)


Ora, se uma lei nova pode criar uma exigência que condicione a própria existência do direito de propriedade, já consolidado sob a vigência de norma anterior, com muito mais razão uma lei nova pode tão-somente restringir o exercício da atividade econômica.


Também merece especial atenção a constatação de que o inciso XXIII do art. 5º da Constituição Federal de 1988 estatui que a propriedade atenderá a sua função social. Frente ao conteúdo da garantia fundamental, a própria Lei Maior, de forma sistemática e harmônica, fixa a função social da propriedade e a defesa do meio ambiente como princípios da Ordem Econômica, que, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna (art. 170, incisos III e VI).


O princípio da função social da propriedade se sobrepõe à autonomia privada, com a finalidade de proteger os interesses de toda a coletividade em torno de um direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Somente a propriedade que cumpre a sua função social é constitucionalmente protegida. Por esta razão, o descumprimento desta função, importa em aplicação de uma sanção: a expropriação compulsória. Esta deverá ser suportada pelo proprietário em razão do exercício irresponsável e da gestão inadequada dos recursos naturais.[13]


O Código Civil também registra que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas (§ 1º do art. 1.228).


Assim é que a propriedade e o seu uso estão sujeitos às alterações no regime jurídico, em especial, quando visam a garantir o cumprimento da função social, que tem como um de seus elementos a proteção ao meio ambiente. E isso vale tanto para a propriedade pertencente ao particular como a pertencente à União.


Os terrenos de marinha são bens da União cuja definição se encontra no art. 2° do Decreto-lei 9.760/46:


“Art. 2º – São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar médio de 1831:


a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;


b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se façam sentir a influência das marés.


Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.”


Apesar de serem de propriedade da União, são passíveis de ocupação pelos particulares por meio do instituto do aforamento, também nos termos do Decreto-lei 9.760/46.


Especificamente quanto à orla marítima, sua extensão foi definida no Decreto 5.300/2004, que regulamentou a Lei do Plano de Gerenciamento Costeiro Nacional:


“Art. 22.  Orla marítima é a faixa contida na zona costeira, de largura variável, compreendendo uma porção marítima e outra terrestre, caracterizada pela interface entre a terra e o mar.


Art. 23.  Os limites da orla marítima ficam estabelecidos de acordo com os seguintes critérios:


I – marítimo: isóbata de dez metros, profundidade na qual a ação das ondas passa a sofrer influência da variabilidade topográfica do fundo marinho, promovendo o transporte de sedimentos;


II – terrestre: cinqüenta metros em áreas urbanizadas ou duzentos metros em áreas não urbanizadas, demarcados na direção do continente a partir da linha de preamar ou do limite final de ecossistemas, tais como as caracterizadas por feições de praias, dunas, áreas de escarpas, falésias, costões rochosos, restingas, manguezais, marismas, lagunas, estuários, canais ou braços de mar, quando existentes, onde estão situados os terrenos de marinha e seus acrescidos.”


Diante desse contexto normativo, pode-se concluir que toda a área de restinga do município de Porto Seguro é área de preservação permanente e, em toda sua extensão, deverão ser observadas as limitações de uso e regularização do Código Florestal e pertinentes Resoluções do CONAMA. Em razão de sua abrangência, dentro dessa área, estão a orla marítima (em maior extensão) e os terrenos de marinha.


Nas áreas que integram a orla marítima, em que os terrenos são de domínio particular, as obras ou empreendimentos potencial ou efetivamente poluidores devem ser licenciados, mediante a elaboração de estudo de impacto ambiental e a obtenção de autorização do órgão ambiental competente para intervenção em área de preservação permanente. No caso dos terrenos de marinha, a ocupação deverá atender às normas ambientais e poderá ser regularizada por meio do instituto do aforamento junto à Secretaria de Patrimônio da União, nos termos da Seção V, do Decreto-lei 9.760/46.


II.3. Das medidas administrativas a serem adotadas pelo Ibama


O exercício do poder de polícia ambiental pelos entes federais decorre do comando constitucional do art. 225, § 3° e do art. 23, VI e da letra expressa do art. 70, § 1° da Lei 9.605/98 e não há, no ordenamento jurídico pátrio, norma que limite o exercício da competência fiscalizatória.


Ao analisar a competência do IBAMA para fiscalizar empreendimento licenciado pelo órgão estadual, o Ministro Gilmar Mendes, na decisão monocrática proferida nos autos da Suspensão de Tutela Antecipada n° 286/BA, assim se posicionou:


“É preciso destacar que não há dúvida de que existe uma fiscalização inerente ao exercício de licenciamento ambiental por parte do órgão competente para tanto. O que se espera, nesse sentido, é que o órgão competente para licenciar exerça amplo controle e fiscalização nos limites do processo administrativo de licenciamento ambiental, sem interferências de outros órgãos integrantes do SISNAMA, ressalvadas eventuais exceções previstas em lei. Entretanto, o artigo 23 da Constituição e a legislação federal como um todo apontam como dever de todos os entes integrantes do SISNAMA a fiscalização de descumprimento das normas ambientais e o impedimento de degradações ambientais indevidas, fornecendo-lhes instrumentos adequados para a prevenção e a repressão de eventuais infrações contra a ordem ambiental.Esse é o entendimento que está disciplinado, por exemplo, nos artigos 70 a 76 da Lei n.º 9.605/98, que tratam da definição das infrações administrativas e do dever de todos os órgãos do SISNAMA em preveni-las e reprimi-las mediante o exercício do seu poder de polícia ambiental, sob pena de sua omissão configurar, inclusive, corresponsabilidade, como dispõe o art. 70, §3º, da Lei n.º 9.605/98: “A autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de co-responsabilidade.”

O licenciamento ambiental, nas palavras de Trennepohl, “tem caráter preventivo, para evitar ou minimizar os danos ao meio ambiente”[14], é processo que se inicia com a provocação do empreendedor, que busca adequar o desenvolvimento da atividade econômica à proteção ao meio ambiente, tornando-o sustentável. A fiscalização, por seu turno, é atividade de caráter repressivo (e educativo), executada sempre que constatada qualquer ação ou omissão que viole as regras de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente, independentemente de existir um prévio processo de licenciamento.


Assim, por mais que a competência para o licenciamento das atividades efetiva ou potencialmente causadoras de degradação ambiental seja do órgão estadual ou municipal, os agentes de fiscalização do IBAMA podem sempre exercer o poder de fiscalização.


Quanto ao fato de que toda a área de restinga ser considerada como de preservação permanente, vale lembrar que tanto o Código Florestal como a Resolução CONAMA n° 369/2006 prevêem a possibilidade de intervenção em APP quando configurado interesse social, utilidade pública ou o baixo impacto ambiental, o que permite a regularização das atividades enquadradas nessa categoria. Ademais, como a restinga da orla de Porto Seguro não exerce a função de fixar dunas ou estabilizar manguezais, fica afastada a restrição do art. 4°, § 5° da Lei 4.771/65[15].


É também importante ter em mente que o Decreto 5.300/2004 determina que a seja elaborado um Plano de Intervenção para a gestão da orla marítima, que deve se basear nas características naturais da área e, também, nos tipos de usos e ocupação já existentes e os projetados. A partir da classificação dos trechos da orla marítima em três classes genéricas[16], são definidas estratégias de intervenção predominantes para cada classe com ações eminentemente preventivas, de controle ou corretivas, dependendo do grau de urbanização da orla.


Em atenção ao comando do Decreto, está em fase de execução o Plano Projeto de Gestão Integrada da Orla Marítima (Projeto Orla), que é uma ação conjunta entre o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, no âmbito da sua Secretaria do Patrimônio da União (SPU/MPOG). Suas ações buscam o ordenamento dos espaços litorâneos sob domínio da União, aproximando as políticas ambiental e patrimonial, com ampla articulação entre as três esferas de governo e a sociedade. Dentre os objetivos do Projeto, destaca-se “o estabelecimento de critérios para destinação de usos de bens da União, visando o uso adequado de áreas públicas, a existência de espaços estratégicos (como portos, áreas militares) e de recursos naturais protegidos[17].


Vê-se, portanto, que já está sendo desenvolvido um projeto de alcance nacional para adequação do uso da orla marítima às exigências ambientais. No caso da Bahia, o projeto conta a participação direta do Estado por meio da Coordenação do Programa Estadual de Gerenciamento Costeiro, instituída pelo Decreto estadual n° 10.969/08, para atuar no estado em consonância com o Projeto federal. Essas ações reforçam o entendimento de que é possível a regularização das atividades desenvolvidas na orla de Porto Seguro para adequá-las às normas ambientais e as que regem o uso dos terrenos de marinha.


III – Conclusão


Por força do art. 3° da Lei 4.771/65; art. 215, IV da Constituição do estado da Bahia; art. 89, IV, da Lei estadual n° 10.431/2006; e art. 277, IV, do Decreto estadual n° 11.235/2008, a orla de Porto Seguro é área de preservação permanente por estar localizada em área de restinga.


Partindo dessa premissa, entendo que qualquer atividade efetiva ou potencialmente poluidora na orla de Porto Seguro, não importando o momento em que teve início, deverá ser objeto de licenciamento ambiental, o qual dependerá da expressa autorização para intervenção em área de preservação permanente, nos termos da Resolução CONAMA n° 369/2006; da adequação ao Plano de Gerenciamento Costeiro; do cumprimento das exigências previstas na Lei 11.248/2006, dependendo do estágio da vegetação nativa de restinga presente na área; e do respeito à faixa non aedificandi instituída pela Constituição baiana.


O descumprimento das normas que exigem o licenciamento ambiental dá ensejo à lavratura do competente auto de infração pelos agentes de fiscalização do órgão ambiental federal, com fulcro no art. 60 da Lei 9.605/98, art. 66 do Decreto 6.514/08, art. 6° da Lei 7.661/88


Caso a intervenção antrópica na área de restinga não possa ser enquadrada em nenhuma das condutas descritas no art. 66 do Decreto 6.514/08, pode ser lavrado auto de infração com fulcro no art. 43 do Decreto 6.514/08, por utilizar área de preservação permanente em desacordo com as normas de proteção.


 


Notas:

[1] “O poder regulamentar pode ser compreendido como a faculdade do Poder Executivo de baixar normas que ‘traduzem os seus comandos, sua orientação, seus critérios de direção’ das políticas públicas de sua competência. Mesmo assim, vale ressaltar de pronto que, ‘embora de natureza infralegal, tem o regulamento a mesma força coercitiva da norma legal, por isso que é editado para sua fiel execução’. (SADDI, Jairo. Crise e regulação bancária – navegando mares revoltos. São Paulo: Texto Novo, 2001, p. 32)

[2] A possibilidade de o CONAMA definir outros critérios para caracterização da utilidade pública ou do interesse social foi questionada na ADI n° 3.540-1, que, ao final, foi julgada improcedente nos seguintes termos:

(…)

O ART. 4º DO CÓDIGO FLORESTAL E A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.166-67/2001: UM AVANÇO EXPRESSIVO NA TUTELA DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. – A Medida Provisória nº 2.166-67, de 24/08/2001, na parte em que introduziu significativas alterações no art. 4o do Código Florestal, longe de comprometer os valores constitucionais consagrados no art. 225 da Lei Fundamental, estabeleceu, ao contrário, mecanismos que permitem um real controle, pelo Estado, das atividades desenvolvidas no âmbito das áreas de preservação permanente, em ordem a impedir ações predatórias e lesivas ao patrimônio ambiental, cuja situação de maior vulnerabilidade reclama proteção mais intensa, agora propiciada, de modo adequado e compatível com o texto constitucional, pelo diploma normativo em questão. – Somente a alteração e a supressão do regime jurídico pertinente aos espaços territoriais especialmente protegidos qualificam-se, por efeito da cláusula inscrita no art. 225, § 1º, III, da Constituição, como matérias sujeitas ao princípio da reserva legal. – É lícito ao Poder Público – qualquer que seja a dimensão institucional em que se posicione na estrutura federativa (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) – autorizar, licenciar ou permitir a execução de obras e/ou a realização de serviços no âmbito dos espaços territoriais especialmente protegidos, desde que, além de observadas as restrições, limitações e exigências abstratamente estabelecidas em lei, não resulte comprometida a integridade dos atributos que justificaram, quanto a tais territórios, a instituição de regime jurídico de proteção especial (CF, art. 225, § 1º, III).

(ADI 3540 MC, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 01/09/2005, DJ 03-02-2006 PP-00014 EMENT VOL-02219-03 PP-00528)

[3] Conforme citação de CYRINO, Canotilho indica os princípios da hierarquia, da competência e o princípio básico sobre a produção de normas jurídicas. Este último princípio consiste na vedação de que fonte de direito crie outra de mesma hierarquia ou superior. Ele decorre de disposição expressa da Constituição Portuguesa e não se aplica com o mesmo rigor ao ordenamento brasileiro, pois a Constituição pátria dispõe sobre a matéria de maneira diversa. Por isso, são citados acima apenas os princípios aplicáveis ao caso brasileiro.

[4] CYRINO, André Rodrigues. O Poder regulamentar autônomo do Presidente da República: a espécie regulamentar criada pela EC n° 32/2001. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 78-81

[5] Constituição do estado da Bahia:

Art. 215 – São áreas de preservação permanente, como definidas em lei:

(…)

IV – as dunas e restingas;

[6] Decreto n° 11.235/2008

Art. 277 – Sem  prejuízo do disposto na  legislação federal pertinente, são considerados de preservação permanente, na  forma do  disposto no artigo 215 da Constituição do  Estado da Bahia, os seguintes bens e espaços:

(…)

IV – as dunas e restingas, sendo que a sua ocupação parcial depende de estudos específicos a serem previamente aprovados pelo IMA;

[7] No mesmo sentido:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA DECISÃO QUE ORDENA

APRESENTAÇÃO DE RELATORIO DE IMPACTO AMBIENTAL. LOTEAMENTO

LOCALIZADO EM ZONA COSTEIRA. INCIDENCIA DOS ARTS. 2, PARAGRAFO

UNICO, E 6, PARAGRAFOS 1 E 2 DA LEI 7.661/88, ART. 2, ALINEA F DA

LEI 4.771/65 E ART. 225, PARAGRAFOS 1, IV E VII, 3 E 4 DA CF/88.

AGRAVO DESPROVIDO DECISÃO MANTIDA, POR SEUS PROPRIOS FUNDAMENTOS

(FLS. 35/38).

(AG 93.01.20296-4/MA, Rel. Juiz Hércules Quasímodo, Segunda Turma,DJ p.18878VLM p. de 28/04/1994

[8] Lei 11.248/2006

Art. 2o  Para os efeitos desta Lei, consideram-se integrantes do Bioma Mata Atlântica as seguintes formações florestais nativas e ecossistemas associados, com as respectivas delimitações estabelecidas em mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, conforme regulamento: Floresta Ombrófila Densa; Floresta Ombrófila Mista, também denominada de Mata de Araucárias; Floresta Ombrófila Aberta; Floresta Estacional Semidecidual; e Floresta Estacional Decidual, bem como os manguezais, as vegetações de restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves florestais do Nordeste. 

Parágrafo único.  Somente os remanescentes de vegetação nativa no estágio primário e nos estágios secundário inicial, médio e avançado de regeneração na área de abrangência definida no caput deste artigo terão seu uso e conservação regulados por esta Lei.

[9] Regime Jurídico Aplicável às Restingas – Ecossistema Associado à Mata Atlântica. Peculiaridades, disponível em <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.31060>

[10] Art. 214 – O Estado e Municípios obrigam-se, através de seus órgãos da administração direta e indireta, a:

(…)

IX – garantir livre acesso às praias, proibindo-se qualquer construção particular, inclusive muros, em faixa de, no mínimo, sessenta metros, contados a partir da linha da preamar máxima.

[11] BENJAMIN, Antônio Herman. Constitucionalização do ambiente e ecologização da Constituição brasileira in CANOTILHO, Joaquim Gomes Canotilho; LEITE, José Rubens Morato (organizadores). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 124/125

[12] O fato de o julgado datar de 4.11.1981 em nada afeta a discussão em voga, pois a Emenda Constitucional n° 1/69, em seu art. 153, § 3°, dispunha que “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”

[13] CANOTILHO, Joaquim Gomes Canotilho; LEITE, José Rubens Morato (organizadores). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p.266.

[14] TRENNEPOHL, Curt; TRENNEPOHL, Terence. Licenciamento ambiental. Niterói: Impetus, 2007, p. 12

[15] Lei 4.771/65

Art. 4o  A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto.

Omissis

§ 5o  A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, ou de dunas e mangues, de que tratam, respectivamente, as alíneas “c” e “f” do art. 2o deste Código, somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública.

[16] Decreto 5.300/2006

Art. 27.  Para efeito da classificação mencionada no inciso II do art. 25, os trechos da orla marítima serão enquadrados nas seguintes classes genéricas:

I – classe A: trecho da orla marítima com atividades compatíveis com a preservação e conservação das características e funções naturais, possuindo correlação com os tipos que apresentam baixíssima ocupação, com paisagens com alto grau de conservação e baixo potencial de poluição;

II – classe B: trecho da orla marítima com atividades compatíveis com a conservação da qualidade ambiental ou baixo potencial de impacto, possuindo correlação com os tipos que apresentam baixo a médio adensamento de construções e população residente, com indícios de ocupação recente, paisagens parcialmente modificadas pela atividade humana e médio potencial de poluição;

III – classe C: trecho da orla marítima com atividades pouco exigentes quanto aos padrões de qualidade ou compatíveis com um maior potencial impactante, possuindo correlação com os tipos que apresentam médio a alto adensamento de construções e população residente, com paisagens modificadas pela atividade humana, multiplicidade de usos e alto potencial de poluição sanitária, estética e visual.

[17] Informação disponível em http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=11, acesso em 2.3.2011


Informações Sobre o Autor

Micheline Mendonça Neiva

Mestre em Direito Público pela Universidade de Brasília procuradora federal com atuação na área de Direito Ambiental perante os Tribunais Superiores


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