Natureza jurídica do nome empresarial

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Resumo: O presente artigo tem como escopo definir a natureza jurídica de um antigo instituto de Direito Comercial: o nome empresarial. Para levar tal investigação ao seu fim, a exegese dos textos legais tem, em especial através de analogia, importância primordial, à luz do novo centro axiológico do Código Civil, a saber, a dignidade da pessoa humana. Dessa forma, o nome empresarial da sociedade empresária é comparado ao nome civil e o nome empresarial do empresário individual é comparado ao pseudônimo. Ora, o nome civil e o pseudônimo são direitos de personalidade (artigos 16 e 19 do Código Civil). Logo, o nome empresarial deve ser considerado como direito de personalidade. Este trabalho foi orientado pelo Professor Bruno Brasil de Carvalho e Professora Ana Amélia Barros Miranda.


Palavras – chaves: Analogia, Nome, Personalidade.


Abstract: This article defines the juridical nature of an old institute of commercial law: the business name. And to lead its investigation to an end, the exegesis of legal texts has, especially by analogy, main importance, under the perspective of the new axiological centre of the Civil Code, namely, the human dignity. Thus the business name of the company is compared to the civil name and the business name of the individual entrepreneur is compared to the pseudonymous. The civil name and the pseudonymous are both personality rights (articles 16 and 19 of the Civil Code). Thereby the business name shall be considered as a personality right.       


Key words: Analogy, Name, Personality.


Sumário: 1. O problema. 1.1. Delimitação do problema. 1.2. Definições terminológicas. 1.3. Relevância prática da questão. 2. Análise do problema. 2.1. Definição de nome empresarial. 2.2. Princípios informadores do nome empresarial. 2.3. Posições doutrinárias quanto à natureza do nome empresarial. 2.4. Novo Código Civil e sua relevância decisiva. 2.4.1. Justificativa de sua relevância. 2.4.2. Rerum Novarum; ou o novo animus do Código. 2.4.3. Exposição de dispositivos do Código Civil de 2002 e de sua regulamentação por lei ordinária. 2.5. Análise do nome comercial: determinação de sua natureza. 2.5.1. Qual a natureza do nome empresarial? 2.5.2. Os direitos de personalidade são exclusivos da pessoa natural em nosso Direito? 2.5.3. Reforço legal e doutrinário à tese do direito de personalidade. 2.5.4. Comparação entre nome empresarial e marca. 3. Considerações finais.


1. O problema


1.1. Delimitação do problema


Segundo a lição de Miguel Reale (2002, p. 16-17), a Ciência do Direito tem “por objeto o fenômeno jurídico tal como ele se encontra historicamente realizado”. Portanto, há de ter como escopo a compreensão científica do Direito positivo, em sua concretização histórica.


Insere-se neste estudo o nosso problema: compreender a natureza jurídica das relações jurídicas provenientes do instituto do nome empresarial.  Afinal, o que é nome comercial? Seria um direito de personalidade, um direito real (ou mesmo de propriedade industrial) ou direito pessoal, concernente a relações obrigacionais?


1.2. Definições terminológicas


Miguel Reale (2002, p. 8) escreveu, ao tratar da linguagem do Direito e se dirigindo ao leitor, que “é necessário, pois, que dediquem a maior atenção à terminologia jurídica, sem a qual não poderão penetrar no mundo do Direito”.


Como já afirmava Agostinho (2007, p.85), preocupado com a exegese das Escrituras cristãs, “o sinal é, portanto, toda coisa que, além da impressão que produz em nossos sentidos, faz com que nos venha ao pensamento outra idéia distinta”.


O idioma seria então composto por sinais lingüísticos; quando falamos certa palavra não nos referimos a ela enquanto coisa (um som organizado), mas sim fazendo referência a outra coisa, da qual ela é o signo.


Paul Tillich (2005, p. 315), vivendo no século XX, em sua meta de reinterpretar o cristianismo a partir da filosofia existencialista, vai mais longe:


“esse pressuposto nominalista – de que as palavras são apenas sinais – deve ser rejeitado. As palavras são o resultado do encontro da mente humana com a realidade. Portanto, elas não são apenas sinais, mas também símbolos, e não podem ser substituídas por outras palavras como se fossem sinais convencionais.”


Aqui, chama-se a atenção para o fato de existir uma ligação entre palavra e realidade, em especial na gênese daquela. A linguagem jurídica não foge a essas considerações, em especial pela cultura jurídica romana herdada pelo nosso Direito, a qual implica num vasto campo para o estudo terminológico. 


Dada a importância que as palavras têm para a devida comunicação interpessoal, e atendendo ao apelo do professor Miguel Reale, consideramos importante algumas definições, que poderão ser mais explicitadas ao longo deste trabalho.


Por direito de personalidade entendemos, conforme a lição de Stolze Gagliano e Pamplona Filho (2009, volume I, p. 136), “aqueles que têm por objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais”. São direitos inerentes à personalidade jurídica, desprovidos de caráter patrimonial; “direitos essenciais à pessoa humana, que a doutrina moderna preconiza e disciplina, a fim de resguardar a sua dignidade”, nas palavras de Orlando Gomes (2010, p. 113).


Por direito real entendemos o poder atribuído a uma pessoa sobre uma coisa, “submetendo – a em todos (propriedade) ou em alguns de seus aspectos (usufruto, servidão, superfície)”, na lição de Stolze Gagliano e Pamplona Filho (2009, volume II, p. 295).


Por direito pessoal (patrimonial ou não) entendemos o poder atribuído a uma pessoa sobre determinada atividade de outra, a qual está adstrita a cumprir. Portanto não é poder sobre a pessoa inteira, mas sim restrição à liberdade da pessoa quanto à prática (ou abstenção) de determinado ato em favor do titular do direito. É um vínculo jurídico entre pessoas, geralmente “o laço, que prende duas pessoas de si mesmo livres, e independentes, e pelo qual uma delas se torna obrigada à outra por alguma coisa”, na lição de Vieira da Silva (2008, p. 295), ao dissertar sobre a obrigação no Direito Romano.


1.3. Relevância prática da questão


Saber qual a natureza jurídica do nome comercial ganha relevo prático a partir de uma nova hermenêutica que se impõe pela derrubada da concepção da “supremacia da lei”. No lugar desta se erige a “vontade suprema do Direito”, a ser buscada criativamente pelo juiz, ao “dar à norma geral e abstrata aplicável ao caso concreto uma interpretação conforme a Constituição, sobre ela exercendo o controle de constitucionalidade se for necessário, bem como viabilizando a melhor forma de tutelar os direitos fundamentais”, na dicção de Fredie Didier Júnior (2009, p. 71-72).


Não bastaria ao magistrado simplesmente consultar as leis concernentes a nome empresarial para conceder a tal instituto a melhor interpretação possível; deve ter em vista os escopos principiológicos do Direito.


Ainda mais, deverá o intérprete fazer a devida conexão entre a legislação infraconstitucional e o sistema de valores e princípios da Constituição. É o que, na doutrina moderna, tem sido denominado de “força normativa da Constituição”[1].  Os fundamentos (art. 1º, CF) e os objetivos (art. 3º, CF) da República Federativa do Brasil ganham importância decisiva neste contexto.


Nossa cultura jurídica tem se tornado pós-positivista. Decerto, o Direito Positivo continua a ser o objeto da ciência jurídica, tal como o positivismo o fazia. Porém, se abandona a pretensão de fundar uma ciência pura do Direito, tal como a preconizada por Hans Kelsen[2] abstraída de considerações políticas, econômicas, axiológicas e morais, em troca de um estudo contextualizado do ordenamento, quiçá interdisciplinar.


Neste sentido, não mais é possível fazer uma equivalência entre Direito positivado e textos legais. A moderna hermenêutica jurídica não admite a máxima in claris non fit interpretatio, antes a norma jurídica positiva será aquele que o intérprete constrói a partir dos documentos normativos lidos à luz dos valores e princípios fundamentais do sistema jurídico. Tal noção de “sistema positivo construído a partir da interpretação em cima dos princípios” é levada às últimas conseqüências lógicas na concepção do Juiz Hércules de DWORKIN[3] e sua “resposta certa”.


ROBERTO BARROSO e PAULA DE BARCELLOS (2006, p. 336) explicitam a problemática contemporânea na ciência jurídica:


“O pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras (…). A valorização dos princípios, sua incorporação, explícita ou implícita, pelos textos constitucionais e o reconhecimento pela ordem jurídica de sua normatividade fazem parte desse ambiente de reaproximação entre Direito e Ética.”


Nesse contexto de revalorização da argumentação jurídica, voltada para os Princípios Constitucionais e para os Direitos Fundamentais da Pessoa Humana, perguntamos: o que é nome empresarial?


2. Análise do problema


2.1. Definição de nome empresarial


Como já falamos antes, é de alta importância conceituar o objeto estudado cientificamente. Portanto, se queremos conhecer a natureza do nome é preciso antes ter um conceito.


Fábio Ulhoa (2009, p. 177) traz a seguinte definição: “nome empresarial é aquele utilizado pelo empresário para se identificar, enquanto sujeito exercente de uma atividade econômica”. Rubens Requião (2007, p. 231) o define da seguinte forma: “é a designação que tanto serve para denominar o do comerciante como o do exercício da atividade que empreende”.


O Código Civil Brasileiro, em capítulo exclusivo para a disciplina desse instituto, no artigo 1.155 assim o define: “Considera-se nome empresarial a firma ou a denominação adotada, de conformidade com este Capítulo, para o exercício de empresa.”


Por meio de uma exegese gramatical desse texto, é possível perceber que há um elemento implícito na construção frasal. Aquilo que é adotado deve ser adotado por alguém para algo, portanto, poderíamos reformular o texto da seguinte forma “firma ou denominação adotada, (…), [pelo empresário] para o exercício de empresa”. Logo, a definição encontrada em Fábio Ulhoa parece-nos mais adequada, no sentido de que nome empresarial é sinal que distingue pessoa física ou jurídica, enquanto exercente de empresa, em relação aos demais empresários (ou sociedades empresárias), identificando-a.


Por óbvio, a reputação ligada ao nome empresarial reflete na valorização do estabelecimento comercial, enquanto titularizado pelo empresário de boa reputação. Porém, vê-se logo a ligação apenas indireta e dependente ao nome comercial, que por excelência designa sujeito, não o estabelecimento, que é um conjunto unitário de coisas, “o conjunto de bens que o empresário reúne para a exploração de sua atividade econômica”, segundo a lição de Fábio Ulhoa (2009. P. 96).


2.2. Princípios informadores do nome empresarial


Existe um sentido social no instituto do nome, seja este civil[4] ou empresarial. Em face deste aspecto, o nome comercial serve à segurança nas relações jurídicas, obedecendo ao princípio da veracidade e da novidade.


Pelo princípio da veracidade, a firma individual deve ser composta pelo nome do empresário individual, a firma ou razão social deve ser composta pelo sobrenome dos sócios ou, pelo menos, de um deles, e a denominação deve designar o objeto social. Essa normatização tem por fim impedir a fraude, ao assegurar ao nome empresarial um papel informativo, seja da(s) pessoa(s) por detrás do exercício de empresa, seja do objeto da sociedade empresária.


Pelo princípio da novidade, restringe-se a escolha do nome pela proibição da coexistência de dois nomes empresariais idênticos ou semelhantes (homonímia) na mesma unidade federativa. Caso ocorra isso, será dada a preferência ao empresário ou sociedade empresária que tenha adotado o nome por primeiro, através do procedimento legal, em relação ao outro. Essa normatização torna a identificação do empresário mais precisa e inequívoca, nos limites do território estadual específico, evitando os males da homonímia.


Em sede do recurso especial nº262643, ementa do STJ alista as finalidades precípuas deste tipo de regramento[5]:


“2. Colidência entre nomes empresariais. Proteção ao nome comercial. Finalidade: identificar o empresário individual ou a sociedade empresária, tutelar a clientela, o crédito empresarial e, ainda os consumidores contra indesejáveis equívocos”.


Em encontro ao teor do pronunciamento deste excelso Tribunal, Sérgio Campinho (2005, p. 2), por sua vez, sintetiza o papel social do nome empresarial:


“É sob ele [nome empresarial] que o empresário exerce sua empresa, se obrigando aos atos a ela pertinentes e usufruindo dos direitos a que faz jus. Funciona como o elo de identificação do titular da empresa perante a comunidade onde exerce sua atividade econômica.”


2.3. Posições doutrinárias quanto à natureza do nome empresarial[6]


Em nosso país, Pontes de Miranda, ilustre jurista, defendeu a tese de que o nome comercial era um direito de personalidade. No mesmo sentido, Alexandre Freitas de Assumpção Alves e Gladston Mamed, autores contemporâneos. É a postura que assumimos aqui.


Outros há que atribuam a tal instituto o caráter de direito real, no sentido de propriedade sobre um bem incorpóreo. Segue esta orientação, Clóvis Bevilácqua, redator de nosso primeiro Código Civil, entre outros autores.


Porém, há autores que distinguem entre aspecto objetivo e subjetivo do nome comercial.  Tal distinção vem da doutrina italiana, em especial com Tamburrino. Segundo essa concepção, conhecida como “teoria mista”, o nome designa tanto “o comerciante no exercício do comércio” quanto “o organismo técnico e econômico em que a empresa se concretiza”, na lição de Rubens Requião (2007, p. 230). Assim, sobre o aspecto objetivo, se trataria de uma propriedade, por se tratar de um bem incorpóreo que se agregaria ao estabelecimento. O aspecto subjetivo torna-se (quase) irrelevante. No contexto brasileiro, Requião e Ulhoa seguem esse entendimento. Em Portugal, Adriano de Cupis[7] assume posicionamento semelhante.


Em número reduzido, há quem defenda a natureza (exclusiva) de direito pessoal patrimonial para o nome empresarial. É a opinião de J. X. Carvalho de Mendonça.


2.4. Novo Código Civil e sua relevância decisiva


2.4.1. Justificativa de sua relevância


Já passou o tempo em que as codificações, monumentos jurídicos aspirantes a uma relativa imortalidade, eram tidas como máxima expressão da racionalidade do Direito[8] e de exaustiva disciplina normativa, em especial no âmbito jurídico privado. R. C. van Caenegem (1999, p. 195) cita declaração de J. J. Bugnet, jurista francês do século XIX, que é expressão ímpar desta concepção: “Não conheço o direito civil, ensino apenas o Código Napoleão”.


Porém, se é impossível a disciplina total de um ramo do Direito em apenas uma lei, os Códigos têm sua importância, inclusive porque têm suas vantagens, expostas por PAMPLONA e por STOLZE (2009, volume I, p. 37) em seu Curso de Direito Civil, os quais chegam à conclusão de que “os códigos devem ser realmente feitos para durar, com animus de definitividade. (…) a sua interpretação deve respeitar os valores da época em que vive o intérprete”.


Uma das vantagens referidas por esses autores chama a atenção por ser de nosso interesse aqui: trata-se da “própria idéia de unificação do Direito vigente em determinado país por um critério uniforme” (2009, volume I, p. 37). O Código Civil de 2002, a despeito de seu nome, procurou abranger o âmbito civil e comercial ao mesmo tempo, unificando-os parcialmente, de modo que Sérgio Campinho (2005, p. 1-2) fala em “aplicação supletiva da legislação comercial”:


“Caberá, pois, ao intérprete verificar em que pontos as leis comerciais extravagantes conflitam com o Código Civil para: a) realizar as devidas adaptações; b) deixar de aplicá-las por inteiro, por restarem revogadas; c) deixar de aplicá-las em parte (…).”


Decerto não houve uma unificação total com o advento desse novo Código. Ensina Rubens Requião (2007, p. 23), seguindo o comercialista italiano Cesare Vivante, que “será ilusória a unificação do direito obrigacional se permanecer a falência como instituto especificamente mercantil”. A falência remanesce como relativa apenas à atividade empresarial, inexistindo nas relações civis, o que, segundo a doutrina, permite falar em unificação parcial do Direito Privado, em especial no tocante à Teoria Geral das Obrigações.


Precisamos então ter em vista a este fenômeno novo em nosso ordenamento (o da unificação), para esboçarmos uma solução ao problema proposto.


2.4.2. Rerum Novarum; ou o novo animus do Código


Antes de tudo, precisamos falar do novo espírito que anima ao Código de 2002. Trata-se do princípio da dignidade humana, que dá novo alento ao trabalho doutrinário civil. A pessoa humana torna-se centro do ordenamento jurídico e os direitos de personalidade ganham uma tutela maior. Na lição de Danilo Doneda (2007, p. 35):


“O Código Civil brasileiro dedica todo um capítulo aos direitos de personalidade, categoria da qual o legislador se ocupa da primeira vez. Seu posicionamento, na parte geral do código, reflete uma mudança paradigmática do direito civil, que se reconhece como parte de um ordenamento cujo valor máximo é a proteção da pessoa humana.”


Porém, aqui é preciso fazer uma ressalva. Em doutrina, foi apontada a insuficiência axiológica do texto codificado frente à Constituição Federal, inclusive Fachin e Ruzyk (2000, p. 243 e seguintes) defenderam a inconstitucionalidade do Projeto de Código Civil que viria a se tornar o atual. O Projeto era da década de 70, diga-se de passagem.


Porém, apesar desse quadro, à primeira vista, desanimador, é possível perceber a adequabilidade do Código para uma exegese que suprima, via interpretação, as insuficiências referidas, tendo em vista certos avanços inegáveis inerentes ao texto, dentre os quais, em especial, a técnica de cláusulas gerais. Esta solução exegética perpassa pela adoção positiva do paradigma da “constitucionalização do Direito Privado”.


Referindo-se ao labor interpretativo do novo Código Civil à luz da Nova Constituição, Gustavo Tepedino (2007, p. XV) põe a descoberto, a meta exata:


“Afinal, o momento é de construção e é preciso retirar do elemento normativo todas as suas potencialidades, compatibilizando-o, a todo custo, à Constituição da República. Esta louvável mudança de perspectiva, que se alastra no espírito dos civilistas, não há de ser confundida, contudo, com uma postura passiva e servil à nova ordem codificada. Ao revés, parece indispensável manter-se um comportamento atento e permanentemente crítico em face do Código Civil para que, procurando lhe conferir a máxima eficácia social, não se percam de vista os valores consagrados no ordenamento civil-constitucional.”


Assim, é de se esperar que tal emergência de valores solidarísticos (alicerçados na dignidade humana) no seio do Código Civil, na medida do compatível, influenciará também o Direito comercial, para evitar uma grave ambigüidade no Direito Privado: a Teoria Geral do Direito Civil defende, em grau crescente, a personalidade enquanto valor central do sistema normativo, enquanto ao Direito Comercial o que importaria seria o dinheiro e o patrimônio.


Não se trata de negar a óbvia importância que o Direito Empresarial atribui ao patrimônio e ao dinheiro, afinal se trata da regulação da atividade de empresa, não das atividades de uma irmandade franciscana, porém reduzir apenas a isso a análise comercial a tornaria dissonante quanto à tendência contemporânea acerca da valorização da pessoa na tutela jurídica.


2.4.3. Exposição de dispositivos do Código Civil de 2002 e de sua regulamentação por lei ordinária


Na parte geral do Código Civil, em seu livro I (Das Pessoas), no título I (Das Pessoas Naturais), no Capítulo II (Dos Direitos de Personalidade), determinam-se os direitos essenciais à pessoa na vida civil. O artigo 16 constitui o nome em direito de personalidade, à primeira vista para a pessoa natural, pois fala que o nome compreende o prenome e o sobrenome, portanto, trata-se, na literalidade, do nome civil.


Na lição de Pamplona e Stolze (2009, volume I, p. 111), “O nome da pessoa natural é o sinal exterior mais visível de sua individualidade, sendo através dele que a identificamos no seu âmbito familiar e no meio social.”


Merecedor de tutela também é o pseudônimo, o signo de identificação escolhido pela pessoa natural para atuar em determinado âmbito de atividades. Doneda (2007, p. 52) faz uma importante observação sobre a disciplina do Código:


“A proteção do nome é estendida ao pseudônimo pelo art. 19, reconhecendo-se assim uma posição doutrinária já estabilizada. O dispositivo deixa claro que, ao se tutelar o nome, vai-se além da simples afirmação de um direito ao nome enquanto tal e tutela-se um verdadeiro aspecto do direito à identidade pessoal.”


O título II fala nas pessoas jurídicas e não se repete uma sessão acerca de direitos de personalidade, porém o artigo 52 institui que “aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos de personalidade”, portanto, é possível aplicar, para a pessoa jurídica, por analogia, a tutela da personalidade, tal como se protege a pessoa física.


Ao se passar para o Livro II (Do Direito de Empresa), em seu título IV (Dos Institutos Complementares), no capítulo II (Do nome Empresarial), há a disciplina do nome comercial, em suas linhas gerais, que é regulamentada pela Lei nº 8.934/94, a qual, ao regulamentar o Registro Público de Empresas Mercantis, disciplina também esse instituto em seus artigos 33 e 34.


No Código Civil, há a equiparação da denominação das sociedades simples, associações e fundações com o nome comercial para efeitos de proteção legal (art. 1.555, parágrafo único), a exigência do princípio da novidade, pelo qual o nome tem de ser diferente em relação a todos os já inscritos no mesmo registro (art. 1.163), a inalienabilidade do nome comercial (art. 1.164), a exclusividade do nome empresarial é assegurada ao empresário que o registrou conforme os princípios da novidade e veracidade, este último sendo aquele pelo qual o nome deve refletir, em linhas gerais, os nomes dos sócios e/ou o objeto social (art. 1.166) e, por fim, o modo de cancelamento do nome (art. 1.168).


A lei do Registro Público das Empresas determina que o nome empresarial deve ser protegido desde o “arquivamento dos atos constitutivos de firma individual e de sociedades, ou de suas alterações”, segundo o artigo 33.


2.5. Análise do nome comercial: determinação de sua natureza.


2.5.1. Qual a natureza do nome empresarial?


O Direito Privado contemporâneo tutela os direitos de personalidade de toda pessoa. Em regra, o nome empresarial é titularizado por sociedades empresárias, isto é, pessoas jurídicas, tendo em vista as vantagens econômicas da limitação de responsabilidade patrimonial por parte dos sócios de determinados modelos societários previstos no Código. Porém há a figura do empresário individual, que tem direito ao nome comercial, sob a figura da firma. Portanto, tanto pessoa natural quanto jurídica pode ser titular de nome empresarial.


Ora, o nome comercial não designa o estabelecimento (coisa), nem a empresa (atividade), mas sim o empresário (pessoa), tal como o nome civil identifica a pessoa natural nos atos da vida civil. No caso de empresário individual, se titularizam dois nomes: um para os atos da vida civil em geral e um enquanto exercente de empresa.


O jurista português Adriano de Cupis (2004, p. 179) salienta o sentido da proteção ao nome:


“O indíviduo, como unidade da vida social e jurídica, tem necessidade de afirmar a própria individualidade, distinguindo-se dos outros indivíduos, e, por conseqüência, ser conhecido por quem é na realidade. O bem que satisfaz esta necessidade é o da identidade, o qual consiste, precisamente, no distinguir-se das outras pessoas nas relações sociais. (…) Entre os meios através dos quais pode realizar-se o referido bem, tem um lugar proeminente o nome, sinal verbal que identifica imediatamente, e com clareza, a pessoa a quem se refere.”


O nome sempre é sinal que distingue uma pessoa, por isso mesmo a Lei protege o nome civil como direito de personalidade. Mas e o nome empresarial?


Nossa tese é a de que ele se enquadra na hipótese do artigo 52 do Código, logo, se trata de um instituto análogo ao do nome civil, devendo receber tutela como direito de personalidade, respeitadas as suas peculiaridades próprias.


Quanto ao empresário individual, poderia se aplicar, por analogia, o disposto quanto ao pseudônimo, já que a firma se trata de um nome escolhido para o exercício de uma atividade lícita, a de empresa, porém sendo conferido a ele um status diferenciado pelo Código exatamente por estar relacionado à vida empresarial (enquanto o pseudônimo à vida civil).


Se o nome da sociedade empresária não for protegido como direito de sua personalidade, sob o argumento de existirem conseqüências econômicas ligadas à reputação do empresário que aumentam o valor de mercado de seu estabelecimento, não haveria sequer sentido em falar de outros direitos de personalidade da pessoa jurídica comercial, pois todo uso impróprio, seja do nome, seja da sua imagem (outra possível “candidata” à tutela de personalidade), por exemplo, tem repercussões patrimoniais.


Sob pena de esvaziar-se o sentido do artigo 52, faz-se necessária precaução contra uma associação irrefletida de “conseqüências econômicas” com “direitos patrimoniais”, que implicasse numa necessidade de, quando o primeiro está presente, haja necessariamente o segundo. Um direito de personalidade pode ter repercussão patrimonial, ao mesmo tempo em que, em si mesmo, detém caráter extrapatrimonial.


De outra forma: “quando há direito patrimonial, sempre há repercussão econômica”; porém o juízo lógico inverso, “quando há repercussão econômica, sempre há direito patrimonial”, não pode ser admitido.


Pensemos em um exemplo da vida civil: um advogado que fosse ofendido em seu direito à imagem, que é de personalidade, por conta de certo ato ilícito de outrem, sofreria repercussões extrapatrimoniais (por exemplo, dor emocional) e patrimoniais (por exemplo, clientes perderiam a confiança nele). Outro exemplo: uma pessoa se passa pelo advogado, utilizando seu nome e operando de forma incompetente; o advogado sofrerá conseqüências extrapatrimoniais (por exemplo, sua imagem fica prejudicada em relação a seus amigos) e patrimoniais (por exemplo, sua imagem fica prejudicada em relação a seus clientes).


Generalizando, diríamos que um ato ilícito contra direito de personalidade pode causar dano moral (extrapatrimonial) e material (patrimonial), desde que a pessoa contra o qual o ilícito atentou desempenhe uma atividade econômica, empresária ou não, cujo sucesso esteja em função de reputação ou bom nome.


Atos antijurídicos contra o nome de uma pessoa são contrários ao direito de personalidade cujo objeto é a “identificação da pessoa”, o que permite distinguir as pessoas entre si, seja na vida civil, seja enquanto no exercício de empresa. Se o objeto de ambos os direitos (ao nome civil e ao comercial) é o mesmo, sendo diferenciados apenas pelo âmbito de seus exercícios (um à vida civil, o outro à vida empresarial), porque suas naturezas seriam diferentes? Não vemos razoabilidade nisto.


Logo, podemos dizer que, em analogia ao nome civil e ao pseudônimo assumido para atividades não empresárias, se pode tutelar como direito de personalidade o nome comercial da sociedade empresária e do empresário individual, respectivamente.


2.5.2. Os direitos de personalidade são exclusivos da pessoa natural em nosso Direito?


Aqui é preciso falar da posição contrária, afirmada por Gustavo Tepedino e outros juristas, segundo a qual os direitos de personalidade são apenas aqueles que protegem situações existenciais humanas, portanto, só fariam referência a pessoas naturais. Referindo-se à extensão da proteção dos direitos de personalidade às pessoas jurídicas pelo Código, Tepedino (2007, p. XXIX) afirma:


“Assim é que o texto do art. 52 parece reconhecer que os direitos da personalidade constituem uma categoria voltada para a defesa e para a promoção da pessoa humana. Tanto assim que não assegura às pessoas jurídicas os direitos subjetivos da personalidade, admitindo, tão somente, a extensão da técnica dos direitos da personalidade para a proteção da pessoa jurídica.”


Com a devida vênia, discordamos dessa tese. Seus defensores alegam que a pessoa jurídica não pode ter direitos de personalidade, porém pode gozar da técnica de sua proteção. Porém, se um direito será tutelado “como se fosse” de certa modalidade, e da mesma maneira será tutelado o direito que seja efetivamente classificado nessa modalidade, que diferença haverá entre ambos? Pensamos que deveríamos favorecer a hipótese mais simples, já que ambas chegam ao mesmo resultado prático no final. Logo, favorecer a hipótese da existência de direitos de personalidade às pessoas jurídicas, tendo em vista os valores societários referentes a situações similares àquelas existenciais da pessoa natural para as quais esta categoria foi originalmente formulada.


Ainda mais, é possível simplesmente transplantar a técnica protetória de uma modalidade (de direito subjetivo) inteira, para outra completamente diversa? É verdade que, no início do século passado, tenha o Direito pátrio adotado a tese, em especial através da atuação de Rui Barbosa, do cabimento de interditos possessórios para o resguardo de direitos pessoais[9], porém ali se tratava da tese de ser a posse existente tanto para bens corpóreos quanto incorpóreos (aqui inclusos os direitos pessoais). Portanto, a discussão não era sobre a natureza em si dos direitos diversos, mas sim acerca de que tipos de bens são suscetíveis de posse. Aliás, quando a questão da natureza jurídica entrou em consideração, Lucio Picanço Facci (2003, p. 9) nos mostra o resultado:


“Entende, hoje, a doutrina que, sendo a posse a exteriorização da propriedade e correspondendo esta a um direito eminentemente patrimonial, não se pode, em conseqüência, utilizar-se os interditos possessórios para realizar a pretensão de tutela a direitos pessoais ou obrigacionais, de conteúdo extrapatrimonial.”


Ainda que fosse possível (ou conveniente) fazer tal extensão, seria realmente o caso do art. 52? Neste dispositivo, permite-se a aplicação da proteção dos direitos de personalidade às pessoas jurídicas, via analogia, pela semelhança com as situações em que se aplica às pessoas naturais. Aquilo que, para a pessoa natural, seja direito real ou pessoal, se titularizado pela pessoa jurídica não poderá jamais ser abrangido por tal norma, por outro lado, aquilo que, para a pessoa natural, seja direito de personalidade, se algo semelhante for titularizado pela pessoa jurídica, estará neste horizonte normativo. Com isso, admite-se, para a pessoa jurídica, a existência de certos direitos que não podem ser classificados, nem entre reais, nem entre pessoais. Então, por que temer em chamá-los de direitos de personalidade da pessoa jurídica, semelhantes aos da pessoa humana?


2.5.3. Reforço legal e doutrinário à tese do direito de personalidade


Pamplona e Stolze (2009, volume I, p. 142) falam algo pertinente à argumentação desenvolvida no tópico anterior, em seu Curso:


“Se é certo que uma pessoa jurídica jamais terá uma vida privada, mais evidente ainda é que ela pode e deve zelar pelo seu nome e imagem perante o público-alvo, sob pena de perder largos espaços na acirrada concorrência de mercado. Se é óbvio que o dano moral, como dor íntima e sentimental, não poderá jamais atingir a pessoa jurídica, não podemos deixar de colocar que o dano à honra ou à imagem, por exemplo, afetará valores societários e não sentimentais, (…).”


Assim, ainda que não haja, quanto à sociedade empresária, principalmente em sociedades de capitais, nenhum (ou fraco) liame sentimental para com o nome empresarial, existe sim um valor societário em relação ao mesmo, que deve ser tutelado enquanto expressão da personalidade da sociedade.


Um segundo argumento importante deriva do fato de que somente a pessoa pode ter nome, assim, somente a pessoa empresária pode ter nome empresarial.


Sociedades despersonalizadas, tal como a sociedade em comum, não constitui uma personalidade que poderia ser identificada através de um nome comercial. Porém, tais sociedades podem assumir, por exemplo, obrigações de crédito (isto é, direitos pessoais patrimoniais) no nome de seus membros individuais, ainda que não seja pessoa. Assim fica excluído o caráter de direito pessoal patrimonial para o nome empresarial.


Também não poderia ser um direito pessoal extrapatrimonial, porque este seria o direito que uma pessoa tem para com certa atividade de outra, de caráter não-econômico em si (por exemplo, o dever de fidelidade mútua que os cônjuges têm entre si, que se trata de um valor moral, não utilitário, tutelado pelo Direito). Contudo, o direito ao nome não se exerce em face de uma pessoa determinada, mas sim erga omnes, da mesma forma que um direito de personalidade. “O caráter absoluto dos direitos de personalidade se materializa na sua oponibilidade erga omnes, irradiando efeitos em todos os campos e impondo à coletividade o dever de respeitá-los”, na lição de Pamplona e Stolze (2009, p. 145).


Para ter direito à tutela do nome comercial, basta que a pessoa desenvolva atividade empresarial, com registro na Junta Comercial, e ninguém mais poderá usar aquele nome, dentro do território da Junta.


Portanto, o objeto do direito ao nome comercial não é a atividade (ou inatividade) de alguém com o qual se tem um vínculo específico, mas sim a identificação em si da pessoa, em face de todas as demais.


Terceiro argumento é o fato de o legislador ter optado por tornar inalienável o nome empresarial. Assim, o nome empresarial não pode ser transmitido, nem renunciado, apenas sendo passível de alteração, seja por mudança no quadro societário, se for firma, ou no objeto social, se for denominação. Afinal, é através de seu nome que o empresário assume direitos e obrigações por seus atos no exercício de empresa, e não poderia operar sem nome.


Quando o empresário reúne bens, corpóreos e incorpóreos, para o exercício de empresa, conferindo a eles uma organização dirigida ao escopo de lucro, a isto se denomina de estabelecimento. Porém, quando há trespasse (isto é, a alienação definitiva do estabelecimento) não há alienação do nome empresarial, no máximo podendo o alienante e o adquirente, contratualmente, acordarem a condição de sucessor ao adquirente (art. 1.164, parágrafo único, CC), o que resulta na identificação do adquirente como sucessor do alienante na composição do nome comercial. Logo, o nome não faz parte do estabelecimento, nem é uma coisa.


Por fim, queremos ressaltar a analogia entre pseudônimo e firma individual. Ora, é possível conferir à seguinte redação ao artigo 19 do Código, ao combiná-lo à regra da firma individual, para explicitar adequadamente a norma em questão: “O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome, porém se a atividade for a de empresa será adotada firma individual, que obedecerá a regulação mais rigorosa da lei empresarial”.


Ou seja, o sinal distintivo do indivíduo, diferente do nome civil, que se utiliza em atividades civis, é denominado pseudônimo, e sua escolha é livre; o sinal distintivo do indivíduo, diferente do nome civil, que se utiliza em atividades empresariais, é denominado firma individual, e sua escolha é adstrita às determinações legais, para garantir uma segurança jurídica maior nas relações de âmbito empresarial. Há uma clara relação entre os mesmos, apesar de diversas disciplinas.


2.5.4. Comparação entre nome empresarial e marca


Para aclarar ainda mais o caráter personalíssimo do nome empresarial, válido é fazer uma comparação breve em relação a um instituto próximo: a marca.


Optamos pela definição de marca presente na lição de Fábio Ulhoa (2009, p. 141):


“as marcas são sinais distintivos que identificam, direta ou indiretamente produtos ou serviços. A identificação se realiza pela aposição do sinal no produto ou no resultado do serviço, na embalagem, nas notas fiscais expedidas, nos anúncios, nos uniformes dos empregados, nos veículos, etc”.


Três diferenças seriam fundamentais entre os dois sinais distintivos. Primeira, o nome identifica o sujeito de direito, a marca identifica produtos ou serviços. Segunda, o nome é protegido pelo registro na Junta Comercial, a marca é protegida pelo registro no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (lei nº 9.279/96). Terceira, o nome é regulado no Código Civil e na lei do Registro de Empresas, enquanto a marca é regulada na Lei da propriedade industrial.


“APELAÇÃO CÍVEL. NOME COMERCIAL. MARCA. COLIDÊNCIA. PROTEÇÃO. A proteção conferida ao nome comercial, em razão do registro, exaure-se nos limites do Estado da Federação a que pertença à Junta Comercial, diferentemente do que se dá com a concedida a marca, nacional”.[10]


Como se vê, a lei confere uma disciplina bem diferente quanto ao nome e à marca. A marca é tida como bem incorpóreo do empresário que a registrar, e se destina a identificar coisas ou atividades, não uma pessoa. O artigo  129, da lei nº 9.279, afirma explicitamente: “A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos arts. 147 e 148”. Por isso mesmo, seu registro se dá no INPI, como propriedade industrial.


A opção por tornar o nome registrável na Junta Comercial, ao invés de no INPI, é reveladora. Afinal, demonstra que a proteção ao nome decorre da aquisição da personalidade jurídica, o que manifesta o estreito laço que há entre personalidade e nome, diferente do que ocorre com a marca.


A doutrina também vê, de modo geral, a marca como um bem que integra o patrimônio empresarial e o próprio estabelecimento comercial. Acrescente-se a isso o fato de que a marca pode ser alienada.


Assim, pode-se perceber a diferença substancial entre marca e nome. Enquanto a marca é um bem sobre o qual o empresário tem um direito real, o nome é expressão da própria personalidade do empresário.


3. Considerações finais


O direito a ter um nome empresarial é atribuído pelo Direito às pessoas que promovam atividade de empresa (produção ou circulação de bens e serviços) em correspondência às formalidades legais e serve à finalidade de devida identificação neste âmbito.


A razão precípua a orientar a noção jurídica de nome é a identidade pessoal, pela qual o ser humano se individualiza de seu semelhante, para ser por este reconhecido. Pré – requisito de toda união, é a distinção; quando é indistinto quem é quem, não há sociedade possível. O conhecimento do outro vem antes do conhecimento de si mesmo.


A “identificação”, cujo objeto é a identidade pessoal, é um dos pilares nos quais se sustenta todo intercâmbio humano, inclusive econômico, e precisa ser resguardada pelo Direito, na técnica estabelecida para tal fim protetório. Em se tratando de Direito Brasileiro, só entrevemos a técnica de tutela dos direitos de personalidade.


Isso pela perspectiva civil-constitucional. O centro axiológico do Direito Civil atual é um dos fundamentos da república, mais especificamente o constante do art. 1º, III, CF, a saber, a dignidade da pessoa humana. Falando em termos de Direito Privado, a primazia da personalidade e de seus valores elementares e essenciais, o que se traduz como proteção (reforçada) aos direitos de personalidade.


Como estamos numa fase de transição paradigmática, ainda há certa incerteza sobre quais institutos deveriam ser abrangidos nesta tutela maior, não somente na seara comercial, mas no próprio ramo civil. Pensamos que o nome empresarial deve ser pensado em termos de direito de personalidade, tal como o nome civil e o pseudônimo.


A existência de regras “restritivas” da livre determinação do teor do nome empresarial (tal como para o nome civil) não prejudica, antes potencializa o respeito à personalidade, tendo em vista o interesse público orientado ao bem comum e o interesse privado de evitar a confusão e o erro quanto à pessoa que integre certa relação jurídica.


 


Referências bibliográficas:

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Notas:

[1] Cf. a obra inaugural neste sentido, “A força normativa da Constituição”, de Konrad Hesse

[2] “Quando a si própria se designa como ‘pura’ teoria do Direito, isso significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental”; in KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006. P. 1. A ciência do Direito deveria estar separada da sociologia, da ética e da teoria política, “para evitar um sincretismo metodológico” (op. cit. p. 2).

[3] “Podemos, portanto, examinar de que modo um juiz-filósofo poderia desenvolver, nos casos apropriados, teorias sobre aquilo que a intenção legislativa e os princípios jurídicos requerem. Descobriremos que ele formula essas teorias da mesma maneira que um árbitro filosófico construiria as características de um jogo. Para esse fim, eu inventei um jurista de capacidade, sabedoria, paciência e sagacidade sobre-humanas, a quem chamarei de Hércules”; DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2007. P. 165. Mais especificamente o ensaio “Casos Difíceis”, constante da op. cit

[4] DE CUPIS esclarece: “O interesse público conexo com o nome não deixou de afirmar-se. O Estado, na verdade, tem necessidade de individualizar exatamente os súditos, por múltiplas razões, que vão desde a repressão dos delitos à atividade do fisco, ao recrutamento militar, e outras. (…) Por isto, fez caminho a idéia de que fosse necessário tanto a imposição como a conservação do nome, existindo uma obrigação para com o Estado ao uso devido do próprio nome, sendo excluída toda a possibilidade de mudança arbitrária.” In Os Direitos da Personalidade. Campinas: Romana, 2004. P. 182

[5] STJ, 3ª Turma, REsp 262643 / SP, Rel. Min. Vasco della Giustina, data da publicação: DJe, 17/03/2010; fonte: LEXSTJ vol. 247, p. 88

[6] Para este tópico, vide Fábio Ulhoa (2007, p. 178), Rubens Requião (2007, p. 230) e Marlon Tomazette (2006).

[7] “Com efeito, ela [a firma] não é somente um sinal distintivo da empresa, mas também um sinal distintivo do titular da empresa. Tem, portanto, um duplo aspecto, objetivo e subjetivo: ao lado da firma objetiva pode falar-se da firma subjetiva (…)”; in DE CUPIS, Adriano. Os Direitos da Personalidade. Campinas: Romana, 2004. P. 319-320. Porém, é preciso atentar às diferentes disciplinas acerca da firma em Portugal e no Brasil, em especial a transmissibilidade da firma na “terra de Camões”.

[8] “Intentava-se [com as codificações] por fim à multiplicidade de normas, emanadas das mais variadas fontes, (…) fundando o Direito sobre regras simples e harmônicas, derivadas de uma hipotética razão universal, de forma a garantir a segurança jurídica e adaptar o direito às necessidades de uma economia capitalista em processo de expansão”. SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004. P. 89

[9] Tal tese foi levantada por causa da inexistência de um instrumento satisfatório para a proteção de tais direitos diante das ilegalidades perpetradas (ou que poderiam o ser) pelo Poder Público. A solução legal para tal lacuna foi o estabelecimento de um remédio constitucional, o mandado de segurança, na Constituição de 1934

[10] TJ – RS, 6ª Câmara Cível. Apelação cível nº 598004901. Relator: Antônio Janyr Dall’Agnol Júnior. Data: 01/07/1998. Fonte: Diário de Justiça eletrônico


Informações Sobre o Autor

Valdenor Monteiro Brito Júnior

Estudante de Direito.


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