Resumo: Este artigo se propõe a abordar o instituto jurídico do habeas corpus como instrumento hábil a tutelar o direito a liberdade de locomoção do indivíduo. O Código de Processo Penal dispõe da possibilidade de impetrar habeas corpus em caso de coação ilegal, quando não houver justa causa para o inquérito policial ou ação penal. Assim, a doutrina e a jurisprudência possibilitam discussão acerca do writ processual para o trancamento do procedimento para afastar o abuso de poder ou ilegalidade da coação. O constrangimento acarretado pela existência de procedimento criminal judicial, ou extrajudicial, é patente, e a falta de justa causa se apresenta, sobretudo, na acusação livre de fundamento mínimo que a sustente. Neste norte, a autoridade competente não pode desvincular-se de examinar elementos mínimos de prova que fundamentam a acusação, sob pena de pactuar com o constrangimento ilegal por ele exercido. Portanto, o habeas corpus processual é o medida contra procedimento manifestamente injusto, desprovido de justa causa, da mesma forma que o habeas corpus constitucional é o remédio contra as coações ilegais à liberdade corporal e contra os constrangimentos ao direito de locomoção decorrentes de abuso de poder ou ilegalidade. Aqui, analisaremos as conseqüências jurídicas deste constrangimento ilegal
Palavras-chave: Habeas Corpus ; Writ ; Coação Ilegal ; Justa Causa ; Liberdade.
Abstract: This article aims to address the legal principle of habeas corpus as an effective instrument to protect the right to freedom of movement of the individual. The Code of Criminal Procedure has the opportunity to petition for habeas corpus in cases of unlawful coercion, when there is just cause for the police investigation or prosecution. Thus, the doctrine and jurisprudence allow discussion of the writ of procedure for the closing of the procedure to remove the unlawful abuse of power or coercion. The embarrassment brought about by the existence of judicial criminal proceedings, or otherwise, it is obvious, and the lack of just cause is presented mostly in the complaint-free foundation that maintains a minimum. In the north, the authority can not withdraw from an examination of the minimum evidence that underlie the complaint, otherwise condone the illegal constraint exercised by him. Therefore, the habeas corpus proceedings is obviously unfair measure against procedure, devoid of good cause, the same way that habeas corpus is the remedy constitutional constraints against the illegal freedom and against the bodily constraints to the right of locomotion resulting from abuse of power or illegality. Here, we review the legal consequences of illegal constraint.
Keywords: Habeas Corpus, Writ; Coercion Illegal, Just Cause, Freedom.
Sumário: 1. Introdução; 2. Conceito de habeas corpus; 3. A evolução do instituto do habeas corpus; 4. A natureza jurídica do habeas corpus; 5. Características do procedimento do habeas corpus; 6. A justa causa para prisão, inquérito policial e ação penal; 7. Habeas corpus por falta de justa causa; 8. O trancamento do inquérito policial e da ação penal; 9. Conclusão. Referências bibliográficas.
1 – INTRODUÇÃO:
A partir do advento da Constituição Federal de 1988, o fortalecimento do Estado Democrático se mostrou evidente e com isso reforçaram-se os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. Dentre esses direitos fundamentais, se encontra o direito à liberdade, ou seja, o de ir e vir, que são inerentes ao ser humano.Para resguardar os direitos e garantias fundamentais do indivíduo, a Carta Magna disponibilizou ao cidadão diversos remédios constitucionais, tais como o Mandado de Segurança, Mandado de Injunção, Habeas Corpus, Habeas Data e a Ação Popular.
O habeas corpus, previsto no artigo 5º, inciso LXVIII, é o recurso que visa garantir o efetivo exercício da liberdade de locomoção do cidadão brasileiro. Essa proteção à liberdade individual, através do habeas corpus, foi uma das maiores conquistas do Direito, resultando na restrição do poder do Estado frente ao indivíduo.
A propósito, a evolução do relacionamento indivíduo-Estado, houve necessidade de normas que garantissem os direitos fundamentais do ser humano contra o forte poder estatal intervencionista. Para tanto, tornou-se necessário que os países inserissem em suas Constituições regras de cunho garantista, que impões ao Estado e à própria sociedade o respeito aos direitos individuais, tendo o Brasil seguindo este viés a fim de garantir os direitos individuais do cidadão.
O Habeas Corpus, denominado pela doutrina de writ, possui tanta importância, que o Código de Processo Penal também o disciplina, especificando, inclusive, suas hipóteses de cabimento no art. 648 e seguintes. São nestes dispositivos que se verificam as possibilidades de impetrar habeas corpus quando for adotada alguma coação ilegal, mesmo que iminente, a liberdade do indivíduo.
Uma das possibilidades de coação ilegal à liberdade individual ocorre quando não há justa causa para a existência de um inquérito policial ou de uma ação penal. Nesse norte, iniciou-se uma discussão doutrinária acerca do conceito de justa causa para o processo penal, bem como da possibilidade de utilização do writ para evitar esse tipo de coação ilegal.
Sabe-se que o habeas corpus é um instrumento popular, que protege qualquer do povo contra o constrangimento à liberdade física sem justa causa, capaz, inclusive, de trancar o procedimento que não respeite os pressupostos e requisitos mínimos para sua legalidade, impondo àquele investigado, ou acusado, uma coação visivelmente ilegal.
Assim, há de se demonstrar que a ausência de justa causa é determinante para justificar a possibilidade de impetrar habeas corpus processual com propósito de trancar o inquérito policial ou ação penal e, assim, cessar o constrangimento ilegal efetivo ou sua ameaça.
2 – CONCEITO DE HABEAS CORPUS:
A expressão habeas corpus tem sua origem no latim e indica a essência do instituto, que, em seu sentido literal significa “tome o corpo” ou “exiba o corpo” ou “apresente a pessoa”. Isto é, tome a pessoa presa e a apresente ao juiz, para que seja procedido o seu julgamento. (MIRABETE, 2002. p. 709).
Ferreira (1988, p.06) nos informa: “Ter corpo, ou tomar o corpo, é uma metáfora, que significa a liberdade de ir e vir, o poder de locomoção, o uso dessa liberdade de locomoção livremente, salvo restrições legais a todos impostas indistintamente”
Posteriormente a expressão passou a ser entendida como a “ordem de libertação”, uma vez que tal instituto jurídico é destinado a tutelar a liberdade física do indivíduo, a liberdade de ir, ficar e vir. (MIRABETE, 2002. p. 709).
3 – A EVOLUÇÃO DO INSTITUTO DO HABEAS CORPUS:
O habeas corpus teve origem no direito romano, onde todo cidadão podia reclamar a exibição do homem livre detido ilegalmente por meio de uma ação privilegiada, conhecida por interdictum de libero homine exhibendo.
Parte da doutrina, porém, aponta sua origem no Capítulo XXIX da Magna Carta, outorgada pelo Rei João Sem Terra em junho de 1215. Nesta, o art. 48 previa que: “Ninguém poderá ser detido, preso ou despojado de seus bens, costumes e liberdade, senão em virtude de julgamento por seus pares, de acordo com as leis do país”.
Está previsto no direito brasileiro desde 1821, mas, de forma expressa apenas com a promulgação do Código de Processo Criminal em 1832, cujo art. 340 dispunha: “Todo cidadão que entender que ele ou outrem sofre uma prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade tem direito de pedir uma ordem de habeas corpus em seu favor”. Travava-se do chamado Habeas Corpus liberatório.
No decorrer do ano de 1871 o instituto foi estendido às hipóteses em que o sujeito se encontrava apenas ameaçado na sua liberdade de ir e vir. Ou seja, surgia então no Brasil, o habeas corpus preventivo, não conhecido nem mesmo na Europa.
Tourinho (2004) nos informa que a lei 2.033 de 20 de setembro de 1871 concedeu o caráter preventivo ao instituto, estendendo-o também para os estrangeiros.
Mas, foi somente em 1891 que “a Constituição Republicana elevou, pela primeira vez, o Habeas Corpus, ao status de uma garantia constitucional, estabelecendo no parágrafo segundo de seu artigo 72, a extensão do habeas corpus como amparo dos direitos pessoais e não só à liberdade física”. (FERREIRA, 1988. p. 31)
Segundo Tourinho (2004), tal artigo, exatamente por não falar em liberdade de locomoção, era passível de interpretação no sentido de ser cabível o remédio sempre que a liberdade física fosse condição necessária para que o paciente pudesse exercer algum direito.
Em 1926, ano em que ocorreu uma reforma constitucional, foi dada nova redação ao artigo 72 da Carta Magna, que passou a ter o seguinte texto: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofre violência por meio de prisão ou constrangimento ilegal na sua liberdade de locomoção”. Com tal modificação, os demais direitos subjetivos, que antes podiam ser salvaguardados por meio do referido instituto, não puderam mais ser objeto de tal remédio.
A Constituição de 1934, por sua vez, suprimiu a expressão “locomoção”. À mesma época, surgiu o Mandado de Segurança, que visava amparar outros direitos. Posteriormente, a Carta de 1946 restringiu o direito à proteção da liberdade ambulatória, e a de 1967, em seu artigo 150, parágrafo 20, manteve a mesma redação.
Atualmente, o instituto do habeas corpus está presente em quase todas as legislações do mundo, e encontra-se expresso na Carta Magna de 1988, em seu art. 5º, LXVIII, nos termos seguintes:
“Art. 5º. […]
LXVIII – conceder-se-á “habeas-corpus” sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.
Trata-se de um remédio constitucional disponível ao cidadão para proteger o direito a liberdade de locomoção atingido, ou ameaçado, por algum ato ilegal ou abusivo de autoridade competente. Sua acessibilidade é universal, visto que qualquer pessoa pode impetrá-lo, em favor próprio ou de outrem, com ou sem a interveniência de um advogado e, ainda, pelo Ministério Público ou pelo órgão jurisdicional, que pode concedê-lo ex officio.
A abrangência do writ[1] decorre de uma notável evolução histórica visando uma melhor proteção à liberdade contra violência ou coação sofrida ou iminente. Importa dizer que o moderno Direito Penal e Processual Penal apregoam a intervenção Estatal mínima, ficando a restrição a liberdade, por ser medida extrema a hora e a dignidade do indivíduo, deve ser adotada como ultima ratio.
4 – A NATUREZA JURÍDICA DO HABEAS CORPUS:
Como já dito, o Habeas Corpus está contemplado na Constituição Federal no capítulo destinado aos direitos e garantias fundamentais prevendo que o indivíduo tem o direito constitucional à liberdade e o habeas corpus um dos meios de se garantir esse direito, daí a razão dele estar inserido no referido capítulo da Lei Maior
Portanto, o habeas corpus é uma garantia constitucional que se obtém por meio de processo e é destinada a tutelar, de maneira eficaz e imediata, a liberdade de locomoção. É medida que tutela o direito de permanecer, de ir e vir, de não ser preso (a não ser no caso de flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, consoante determina o artigo 5º, inciso LXI da Constituição Federal); o direito de não ser preso por dívida, salvo nos casos do depositário infiel e do alimentante inadimplente (como previsto no inciso LXVII do mesmo artigo); o direito de não ser extraditado nas hipóteses previstas pela Carta Magna; o direito de freqüentar todo e qualquer lugar, ressalvadas as restrições impostas quando da concessão do sursis ou suspensão condicional do processo; o direito de viajar, ressalvadas as restrições impostas pelos artigos 328 367 do Código de Processo Penal.
Diante do exposto, pode-se afirmar que o Habeas Corpus tem natureza jurídica de ação popular penal constitucional, que pode ser ajuizado ou impetrado por qualquer um do povo, a fim de provocar o Judiciário para solucionar um conflito entre a pessoa que tem sua liberdade de locomoção ameaçada ou violada e o agente ou órgão constrangedor dessa liberdade de locomoção. A situação configura um ilícito penal, daí o caráter penal em sua natureza.
5 – CARACTERÍSTICAS DO PROCEDIMENTO DO HABEAS CORPUS:
O HC pode ser impetrado quando alguém sofrer alguma violência ou coação a sua liberdade de locomoção ou, simplesmente, se estiver ameaçado de sofrê-la. Desta forma, dois tipos de writ são cabíveis para o impetrante, o habeas corpus repressivo ou o preventivo. O habeas corpus repressivo visa por fim a violência ou coação já praticada. Já o preventivo, havendo ameaça iminente ao direito tutelado visa impedir a consumação de um constrangimento ilegal.
O procedimento, em razão de sua matéria, deve ser rápido e eficiente, tendo preferência sobre os demais. Para tanto, dispensa formalidades rígidas com finalidade de corrigir a ilegalidade apontada, sendo a competência originária da autoridade judiciária imediatamente superior àquela que determinou a coação.
O beneficiado, aquele que estiver sofrendo, ou ameaçado de sofrer, qualquer violência ou coação a liberdade de locomoção, seja por ilegalidade ou abuso de poder pela ordem de habeas corpus é denominado paciente e não necessariamente é o impetrante.
O impetrante pode ser o próprio paciente, ou qualquer pessoa capaz, conhecida ou não deste, não sendo necessário sequer representação por instrumento de procuração. Já o impetrado é aquele que, por ilegalidade ou abuso de poder, esteja violentando ou coagindo, até mesmo ameaçando, o direito de liberdade de alguma pessoa (paciente).
Apesar de estar o instituto encartado no Código de Processo Civil como recurso, e, muito embora possa desempenhar tal função, o habeas corpus é na realidade uma ação e como qualquer procedimento do direito processual, o habeas corpus também possui pressupostos a serem cumpridos, quais sejam:
a) Legitimidade ad causam – No caso do habeas corpus, dizemos que a legitimidade é extraordinária, uma vez que o texto expresso de lei autoriza alguém que não seja o sujeito da relação jurídica de direito material a demandar.
b) Interesse de agir – O Interesse de agir surge diante da resistência oferecida contra a pretensão de outrem, in casu, ao direito de liberdade de ir e vir do indivíduo. E nesse sentido o estudioso Greco Filho afirma que:
“o interesse processual decorre de uma relação de necessidade e de adequação (utilidade) porque é inútil a provocação da tutela jurisdicional se ela, em tese, não for apta a produzir a correção da violação do direito argüido no pedido inicial”. (GRECO FILHO, 1997. p. 107)
c) Possibilidade jurídica do pedido – Neste a tutela jurisdicional requerida deve estar incluída entre aqueles que a autoridade judiciária pode admitir, não sendo expressamente proibido ou ilícito.
Quanto à legitimidade passiva, o texto da lei que prevê o habeas corpus não se refere de forma expressa à “autoridade”, que representaria o Estado. Já no inciso seguinte, ao cuidar do mandado de segurança, estabelece que este seja concedido para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou pelo abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público.
Portanto, é pacífico que o instituto habeas corpus pode ser impetrado contra ato de particular, caso contrário, teria expressamente vedado tal possibilidade. Além disso, a Constituição Federal prevê como fator de violência ou coação não apenas o abuso de poder, mas também a ilegalidade, podendo esta ser praticada por qualquer um.
Quanto ao que se refere às autoridades públicas, normalmente pertencem à Polícia ou ao Judiciário, embora não esteja afastada a hipótese de constrangimento por parte de outros funcionários. Uma vez efetuada prisão ou instaurado inquérito policial por meio de portaria do Delegado de Polícia, será este o apontado como autoridade coatora no habeas corpus. Entretanto, se o inquérito policial foi instaurado por requisição do Juiz de Direito, será ele apontado como a autoridade coatora. O mesmo se aplica quando o Juiz de Direito defere requerimento do Ministério Público com a mesma finalidade, ou quando determina a realização de diligências por ele requerida.
O Juiz de Direito também tornar-se-á autoridade coatora quando tem a possibilidade de fazer cessar o constrangimento ilegal com a concessão ex officio do habeas corpus e não o faz.
Já o Promotor de Justiça pode ser autoridade coatora quando requisita a instauração de inquérito policial, determinando o indiciamento ou outras diligências constritivas ou, ainda, expedindo requisições ou notificações para o comparecimento.
Outro aspecto importante no que se refere ao procedimento do HC é que não há prazo para sua interposição, portanto, não há prescrição, sendo cabível, inclusive, contra decisão transitada em julgado. A sentença que denegue a ordem de habeas corpus não faz coisa julgada, podendo o pedido pode ser renovado, desde que com novos fundamentos.
Quanto à competência, a impetração do habeas corpus deve ser apresentada perante o órgão judicial superior àquela de quem parte a coação, conforme determina o parágrafo primeiro do artigo 650 do Código de Processo Penal: “A competência do juiz cessará sempre que a violência ou a coação provier de autoridade judiciária de igual ou superior jurisdição”. No mesmo sentido é a súmula 606 do Superior Tribunal de Justiça: “Não cabe habeas corpus originário para o Tribunal Pleno de decisão de Turma, ou do Plenário, proferida em habeas corpus ou no respectivo recurso.”
Desse modo, se a coação parte do Delegado de Polícia, a competência para apreciar o habeas corpus será do juiz criminal. Findo o inquérito e remetidos os seus autos ao Juízo, passa o juiz a ser a autoridade coatora, sendo o órgão de segundo grau o competente para apreciar a sua ilegalidade
É importante frisar que, dado sua abrangência, o habeas corpus, por ser uma ação, não substitui o recurso adequado para determinada situação, já que suas características não são alteradas, ou seja, não há fungibilidade. Deve-se tê-lo, apenas, como recurso heróico para situações extremas, mas atentando-se, sempre, para o prazo de oposição dos recursos específicos, sob pena de preclusão e perda do direito.
6 – A JUSTA CAUSA PARA PRISÃO, INQUÉRITO POLICIAL E AÇÃO PENAL:
A Constituição da República pátria consagrou o direito de locomoção do cidadão brasileiro, impondo ressalvas em detrimento de situações onde este direito poderia ocasionar um prejuízo maior ao Estado, como no caso da prisão, deportação, expulsão, internação em hospital de custódia, dentre outras hipóteses.
A prisão é uma das formas de impedir que o indivíduo exerça direito de locomoção, seja durante um procedimento penal ou decorrente de sentença transitada em julgado e no presente trataremos exclusivamente da prisão processual que resulta de flagrante delito ou determinação judicial.
Sua natureza cautelar exige a configuração do periculum in mora e do fumus boni iuris com intuito de assegurar e proteger os bens jurídicos envolvidos na relação processual se houver perigo à aplicação da lei penal, à ordem pública ou necessidade para instrução criminal, nos termos do art. 312 do CPP.
Observe-se que, nestas hipóteses, a justa causa para imposição da prisão apenas está demonstrada em situação de extrema necessidade, dada a gravidade da medida, caso contrário estará impedindo o exercício do direito de ir e vir do indivíduo ilegalmente.
O Código de Processo Penal exige como condição para o recolhimento à prisão a autuação do agente em flagrante delito, hipótese em que é demonstrada a justa causa para que seja imposta a prisão; caso contrário estará impedindo o exercício do direito de locomoção do indivíduo, o que será considerado ilegal.
A privação de liberdade por tempo superior ao permitido, quando inexiste causa que a determinou, quando ordenado por autoridade incompetente ou quando não admitidos fianças nos casos que a lei autoriza, a prisão torna-se ilegal, justificando a impetração de habeas corpus constitucional para garantir sua liberdade.
O inquérito policial também depende de justa causa para sua existência. Por ser um procedimento administrativo de natureza inquisitória, possui escopo de investigar a existência do fato criminoso e sua autoria, colhendo as provas tendo em vista as circunstâncias fáticas. Não se trata de pré-requisito para assegurar a ação penal, tanto que alguns procedimentos independem da existência do inquérito policial, bem como pode ser substituído por outros meios de informação, desde que suficientes para sustentar a acusação.
É instaurado ex officio, por portaria da autoridade policial, pela lavratura do auto de prisão em flagrante, mediante representação da vítima ou requisição do juiz ou Ministério Público e, sendo um procedimento administrativo extrajudicial, não se aplicam os princípios constitucionais do processo, como o contraditório e a ampla defesa, por exemplo.
Nos crimes de ação penal pública incondicionada ou havendo requisição do juiz ou Ministério Público, a autoridade policial deve iniciar as investigações qualquer que tenha sido o meio pelo qual a notitia criminis tenha chegado a seu conhecimento. Em se tratando de ação penal pública condicionada ou privada, somente se instaurará o inquérito policial com a representação ou a requerimento da vítima, ou seu representante legal.
As investigações durante a fase inquisitória objetiva dar elementos concretos acerca da autoria e materialidade para que o Querelante, ou Ministério Público, possam intentar ação penal com justa causa, sob pena de praticar coação ilegal ao acusado.
Findo o procedimento, a autoridade policial elaborará um relatório final sendo os autos remetidos ao conhecimento do Querelante ou Ministério Público para oferecimento da denúncia ou queixa.
A denúncia, ou queixa-crime deve atender às condições da ação, com a qualificação do denunciado, ou elementos suficientes sobre sua identidade, a descrição do fato praticado e sua co-relação ao tipo penal imputado, na forma do art. 41 do Estatuto Processual Penal.
A ausência de justa causa para o inquérito policial ou para ação penal é causa que prejudica o curso procedimental, configurando uma coação ilegal ao submeter o investigado, ou acusado, a um constrangimento pela existência de um procedimento judicial ou extrajudicial.
Neste sentido escreveu Vicente Sabino Júnior:
“Não se deve esquecer que a justa causa não se aprecia in concreto, mas in abstrato, por que ela só existe quando se atribua ao paciente procedimento que não constitua crime. Se embora em tese, o fato, que lhe é imputado, caracteriza uma infração penal, não há falta de justa causa, mesmo sendo injusta a imputação”. (SABINO JUNIOR, 1964, pág.341)
Havendo o recebimento da denúncia ou da queixa-crime inepta, a coação ilegal estará configurada, podendo-se, portanto, impetrar habeas corpus processual para trancar a ação penal face a ausência de justa causa, com base no art. 648, I do digesto Código de Processo Penal[2].
Por tal razão que, no processo penal, faz parte do interesse de agir a exigência de justa causa com fundamento probatório razoável para sustentar a acusação, salvo contrario será inepta por ausência de condições de ação. Afrânio Jardim, em Direito Processual Penal, pontua que a “justa causa é suporte probatório mínimo em que se deve lastrear a acusação, tendo em vista que a simples instauração do processo penal já atinge o chamado status dignitatis do imputado” (JARDIM, 2001, p. 95).
Sustenta o autor que só o ajuizamento da ação penal é suficiente para atingir o estado de dignidade do acusado, de modo a provocar graves repercussões em seu patrimônio moral, partilhado socialmente com a comunidade. Por isso, a peça acusatória deveria vir acompanhada de suporte mínimo de prova, sem os quais a acusação careceria de admissibilidade.
No mesmo sentido, o estudioso Guilherme Nucci considera que a justa causa esta relacionada com o interesse de agir, sustentando que a justa causa, em verdade, espelha uma síntese das condições da ação. Inexistindo uma delas, não há justa causa para a ação penal.
Assim, considerando a justa causa como elemento do interesse de agir é possível seu trancamento pela falta de justa causa, através de habeas corpus processual.
7 – HABEAS CORPUS POR FALTA DE JUSTA CAUSA:
Embora a Constituição da República tenha disposto acerca do habeas corpus como forma de proteção à liberdade de locomoção, o Código de Processo Penal, nos arts. 647 e 648 apresentam um rol com hipóteses do seu cabimento quando verificada coação ilegal.
“Art. 647 – Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.
Art. 648 – A coação considerar-se-á ilegal:
I – quando não houver justa causa;
II – quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei;
III – quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo;
IV – quando houver cessado o motivo que autorizou a coação;
V – quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza;
VI – quando o processo for manifestamente nulo;
VII – quando extinta a punibilidade.”
De acordo com o inciso I do art. 648 supra mencionado, a falta de justa causa, seja para a prisão, inquérito policial ou ação penal, constitui constrangimento ilegal contra a pessoa.
Nas lições de Magalhães Noronha (1986, p. 414), “justa causa é o fato cuja ocorrência torna lícita a coação”, fazendo entender que a coação será considerada ilegal quando exercida sem um motivo lícito, sendo o habeas corpus é o recurso cabível para confrontar a ilicitude da coação, não pela probabilidade de constatar a autoria e materialidade do delito, mas por, de forma inequívoca, sequer existir esta possibilidade.
A justa causa, como observa Sérgio Demoro Hamilton[3], fundado em Frederico Marques, “funciona como norma genérica ou de encerramento, porquanto toda coação antijurídica que não se enquadre nos demais itens do artigo 648, será subsumível no preceito amplo em que fala em justa causa”. A revogação da prisão preventiva por obra de “habeas corpus” pode prestar a este colorido constitutivo, produzindo o trancamento da ação penal, porventura em curso contra o paciente, desde que o provimento cautelar combatido ressinta da total ausência de seus fundamentos.
Vários juristas, também citados por Espínola Filho (200), diziam que a justa causa, não teria definição, em forma absoluta, pelo que afirmam ficar ao critério do Juiz apreciar a injustiça, ou justiça, da razão determinante da coação, afim de considerar legal, ou não, o constrangimento, pode informar-se que falta a justa causa, quando o constrangimento, a violência, não tem um motivo legal.
De acordo com o Professor Galdino Siqueira (1997, p. 251): “justa causa é o motivo legal, e, assim, a prisão é arbitrária si o seu motivo não encontra apoio na lei, como a falta de criminalidade do facto, a falta de prova, não identidade da pessoa[…]”.
O pedido juridicamente impossível impõe a rejeição da denúncia ou queixa-crime ou, se recebidas, tornam-se passíveis de trancamento por meio de habeas corpus processual.
Lado outro, apresentado a denúncia ou queixa-crime ao órgão jurisdicional, cabe uma análise preliminar dos elementos probatórios, com fulcro de verificar alguma ocorrência dos incisos contidos no art. 43 do CPP[4], e não sendo constatada justa causa, imperativa a rejeição da peça acusatória.
Contudo, a produção de prova, na maioria dos procedimentos, se dá durante a instrução criminal, não havendo contraditório prévio, tornando prejudicial a rejeição da exordial naqueles termos. Distintamente dos casos em que a lei exige a produção inicial de elementos de prova para instruir a inicial
Alguns estudiosos como José Barcelos de Oliveira refutam que a justa causa seria um elemento necessário para propositura da ação penal, sustentado que:
“Admitir-se a rejeição da peça acusatória sob tal fundamento (falta de justa causa) iria unicamente em favor dos interesses persecutórios, dado que permitiria o novo ingresso em juízo, após nova coleta de material probatório. Ora, se a acusação não tem provas nem as declina na inicial, não deveria propor a ação. Uma vez oferecida a denúncia, ou queixa, pode-se argumentar, a ação deveria ter seguimento, com a absolvição do acusado – e não a rejeição da denúncia, por falta de justa causa – se insuficiente a atividade probatória da acusação”. (OLIVEIRA, 2006, p. 95).
É nesse sentido que a falta de justa causa não pode ser comparada ou confundida com a insuficiência de provas. A exigência prévia de prova não deve ser fator para impedir o direito de promover a ação penal, visto que a própria legislação não exige. Entretanto, é necessária uma demonstração de elementos que comprovem a ocorrência do fato delituoso, não podendo fixar-se apenas em questões infundadas e/ou suposições.
Caso seja recebida uma denúncia ou queixa-crime que deveria ter sido rejeitada, o constrangimento ilegal por falta de justa causa para o processo estará configurado. E, ainda assim, se durante a instrução processual o juiz verificar a ausência de causa de pedir no procedimento, nada impediria a reconsideração do despacho de recebimento, extinguindo o procedimento por falta de justa causa (art. 516 do CPP)
Cumpre salientar que a decisão que rejeita a peça acusatória por falta de justa causa não é uma sentença terminativa de mérito pela improcedência da ação penal. Trata-se, apenas, de uma inadmissibilidade do procedimento, não fazendo coisa julgada material, tampouco impedirá que se levante um acervo probatório concreto para justificar a demanda.
Nesse norte, Heleno Fragoso (1967) em sua obra “Ilegalidade e abuso de poder na denúncia e na prisão preventiva” destaca que:
“[…] a denúncia não pode ser um ato de arbítrio e prepotência. O Ministério Público não funciona como uma espécie de inquisidor-mor, que possa trazer ao banco dos réus, num estado democrático, o cidadão, inventando em relação a ele um crime que não houve ou que ele evidentemente não praticou, ainda que a denúncia seja formalmente incensurável”. (FRAGOSO, 1967, p. 72).
A análise de provas, mesmo que de forma superficial, é necessária para a demonstração da inexistência da própria relação processual. Mesmo porque o cidadão se encontrará totalmente desamparado e violado em seus direitos constitucionais pelo simples fato de figurar como parte em um procedimento sem justa causa.
Cediço que o recebimento de uma denúncia ou queixa-crime para apuração do fato imputado, em tese, não geram nenhuma restrição à liberdade do ser humano. Entretanto, o constrangimento psicossocial gerado é tamanho que deve ter, no mínimo, justa causa para justificá-lo, sob pena de deflagrar um acervo de defeitos formais para o seu prosseguimento.
Existem decisões sustentando que o habeas corpus não se presta ao exame aprofundado de provas ou não é meio idôneo para reapreciação aprofundada de matéria de fato, bem como pela análise de elementos fáticos controversos, com o que concorda Diomar Ackel Filho:
“[…] uma coisa é deferir o remédio porque manifestamente a prova demonstra que não há nenhum crime cometido pelo paciente ou sequer indício deste. Outra é a possibilidade do crime, em tese, com necessidade de exame e valoração dos elementos de prova. Nesta hipótese, o “habeas corpus” não tem espaço”. (ACKEL FILHO, 1991, p. 29)
Não se defende a utilização desenfreada deste procedimento, fazendo necessário o exame da prova para julgamento da existência ou não de justa causa no inquérito policial ou processo penal, e não para exame da matéria em virtude de provas controvertidas ou complexas, que deve ser feito através de recurso de apelação ou revisão criminal, dependendo do caso.
OLIVEIRA (1998, p. 71) sustenta que “a prova é de ser considerada para impedir que alguém fique submetido a processo penal, quando evidenciada a falta de justa causa, que torna ilegal o constrangimento que o processo representa.” (OLIVEIRA, 1998. p. 71).
Sustenta, ainda, demonstrando que a justa causa deve estar inserida no contexto da demonstração do interesse de agir, ainda que:
“a questão não pode reduzir-se a uma disputa entre interesses de absolvição, pela manifesta ausência de provas, e interesses de acusação, no sentido mais específico de parte (acusadora). Do ponto de vista do exercício do Poder Público, não se deve, com efeito, admitir o desenvolvimento da atividade jurisdicional inútil, ou útil apenas em relação a determinados fins e interesses”. (OLIVEIRA, 2006, p. 95).
Portanto, as análises das provas através do habeas corpus estão adstritas àquelas substanciais para a comprovação da autoria e materialidade do delito, ou seja, aquelas que servem de subsídio concreto para fundamentar a denúncia ou queixa-crime. Não sendo admissível a valoração da prova para a avaliação da matéria fática pelo writ, mas sim para impedir a submissão do acusado a um procedimento penal (inquérito ou processo) manifestamente sem justa causa.
8 – O TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL E DA AÇÃO PENAL
A concepção adotada pelo direito processual penal acerca do writ é, também, de um remédio processual contra a ilegalidade e constrangimento sem justa causa e sua impetração impera diante de visível e manifesto constrangimento proporcionado pelo procedimento ilegal, visando o trancamento do inquérito policial e da ação penal.
Diferentemente do habeas corpus constitucional, que protege a liberdade de ir e vir do paciente, o processual acabou suprindo a falta de recurso próprio para trancar o inquérito policial, ou para trancar a ação penal cuja denúncia ou queixa-crime seja inepta.
O procedimento criminal apura um fato delituoso, buscando apontar sua autoria para efetiva aplicação da lei penal. Então, se o procedimento possuir alguma ilegalidade, constatar-se-á o constrangimento. Observa-se que o próprio legislador possibilitou a existência do habeas corpus processual quando dispôs, no art. 651 e 652 do CPP, que:
“Art. 651 – A concessão do habeas corpus não obstará, nem porá termo ao processo, desde que este não esteja em conflito com os fundamentos daquela.
Art. 652 – Se o habeas corpus for concedido em virtude de nulidade do processo, este será renovado”.
A ausência de justa causa, no modelo do inciso I, do artigo 648, do Código de Processo Penal, pode caracterizar a situação autorizadora de uma pretensão cautelar, toda vez, que o constrangimento, reputado ilegal, provenha de prisão preventiva. O mesmo se diga do “habeas corpus”, requerido contra prisão em flagrante, se o auto que o formaliza afasta-se da orientação do artigo 301 e seguintes do Código. A pretensão libertária deduzida, embora acolhida, incidindo conseqüentemente, prestação jurisdicional reconhecedora do direito à liberdade do paciente, apresenta-se, no entanto, incapaz de impedir o evoluir do processo, através de seus atos procedimentais.
Assim é que a falta de justa causa para a instauração de ação penal ou mesmo de inquérito policial tem dado ensejo à impetração do mandamus, objetivando o seu trancamento. Desde já, pode-se afirmar que em hipóteses como essas a ameaça à liberdade é, muitas vezes, bastante remota ou até mesmo impossível de acontecer, mormente se analisado o caso concreto em face de todo o ordenamento jurídico.
Com efeito, é de se lembrar a existência de disposições legais aptas a afastar a ameaça concreta da pena de prisão, como, por exemplo, o sursis, a conversão da pena privativa de liberdade não superior a 6 (seis) meses em multa (art. 60, § 2° do CP), as novas hipóteses de conversão da condenação em pena de multa e/ou restritiva de direitos (Lei n° 9.714/98), os diversos institutos da Lei dos Juizados Especiais Criminais, como a composição civil, a transação penal e a suspensão condicional do processo. Não obstante a existência de todos estes institutos afastadores da pena de prisão, que podem ser aplicados no caso concreto, o habeas corpus tem sido conhecido e processado normalmente.
A mera existência de um procedimento criminal contra alguém, uma vez detectada a falta de justa causa, já dá ensejo à impetração de habeas corpus, independentemente até mesmo de uma aferição da real ameaça à liberdade de locomoção do acusado. Isto porque, se fôssemos exigir em toda impetração de habeas corpus essa real ameaça à liberdade de locomoção, estaríamos retrocedendo, e muito, no avanço jurisprudencial e doutrinário até aqui alcançado, para só se admitir o remédio heróico em caso de prisão já efetivada ou na iminência concreta de sê-lo (p. ex., com a expedição de mandado de prisão ou ameaça ilegal de prisão por qualquer autoridade), o que de fato, como visto, não ocorre.
Ressurgindo nas últimas décadas através de nomes importantes como Luigi Ferrajoli, e principalmente, o garantismo jurídico vem com grande força abordar temas importantes dentro do Direito Penal, refletindo em profundas alterações na forma de se pensar o Direito Penal vigente, assim como o Processo Penal a ele vinculado.
O sistema garantista visa, justamente, buscar essa efetividade, através da diminuição da discricionariedade e controle de arbitrariedades estatais, além da maximização dos direitos fundamentais.
Assim, quando falta justa causa para o inquérito policial ou processo penal o que se requer com a impetração do habeas corpus é o trancamento do procedimento, já que não há razão para seu prosseguimento. A decisão que resolve pelo trancamento do inquérito policial, ou da ação penal, é sentença meramente processual, com objetivo de impedir a tramitação de procedimento manifestamente ilegal. Logo, não se trata de julgamento antecipado, tampouco se reporta ao mérito material do caso concreto por sua improcedência.
9 – CONCLUSÃO:
A jurisdição no Estado Democrático de Direito tem escopo principal, no âmbito penal, impor a penalidade adequada àquele que viola alguma norma penal sem contrariar as garantias do direito de liberdade de locomoção do indivíduo. A violação da legislação penal se configura com a verificação de uma conduta típica, antijurídica e culpável, elementos necessários para provocação da jurisdição pela denúncia, por parte do Ministério Público, ou pela queixa-crime por parte do ofendido, respeitada as legitimidades ad causam.
Em algumas situações, é imprescindível a instauração de um inquérito policial para apuração da conduta do agente, bem como levantamento de acervo probatório relativo ao fato delituoso. Não obstante, para o oferecimento da denúncia ou queixa-crime, imprescindível a demonstração de elementos mínimos que justifiquem a justa causa do petitório, sob pena de inépcia e, conseqüentemente, sua rejeição.
Os elementos de convicção que compõe o mínimo necessário para justificar a existência do inquérito policial, bem como a instauração de ação penal, são necessários tendo em vista que são procedimentos que constrangem o indiciado/acusado, possibilitando, assim, a impetração de habeas corpus, à inteligência do art. 648, I, do Código de Processo Penal.
A jurisdição penal não pode ser encarada de forma imperativa, onde o agente seria imediatamente processado, visando à punição, quando constatado o desrespeito à norma penal. O ordenamento jurídico brasileiro, pelas suas normas penais repressivas por natureza, objetiva alcançar a ressocialização do culpado pela infração penal, como forma de manutenção do equilíbrio social e não, simplesmente, sua punição.
Para provocação da jurisdição faz-se necessário a existência de indícios razoáveis de autoria e prova da materialidade delitiva, consubstanciada pelo princípio da ação penal do in dubio pro societate. Para tanto, a denúncia e a queixa-crime não necessitam vir acompanhadas de um convencimento absoluto sobre a existência do crime e de quem foi o agente, pois, presentes os indícios, a sociedade atrai a apuração dos fatos à submissão do Poder Judiciário.
Pela ausência destes indícios razoáveis que decorrem situações que permitem o trancamento do inquérito policial ou da ação penal por meio de habeas corpus processual.
Iniciado o procedimento inquisitório, ou postulatório, há uma ameaça ao estado de liberdade do acusado, vez que, mesmo havendo justa causa, provoca uma mudança significativa no meio social em que vive, pois afeta o seu caráter, sua dignidade e a sua moral. É por tal razão que o Estado necessita de um suporte mínimo de prova da autoria e materialidade do fato praticado para exercer a jurisdição. Assim não sendo, seria ilegítimo o “jus persequendi in judicio” utilizado sem um mínimo de fundamentação ou de provas aptas a viabilizar a ação penal.
Neste sentido, constata-se que a justa causa está intimamente ligada ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e da garantia a liberdade. Tratando-se de um Estado Democrático de Direito, cuja Constituição da República visa zelar e resguardar as garantias fundamentais do indivíduo, não se pode permitir que, a qualquer momento e sob quaisquer circunstâncias, estes direitos possam ser violados pelo próprio Estado, através de um procedimento completamente destituído de fundamento razoável, entendido este como um conjunto probatório mínimo.
A falta de justa causa afeta diretamente as condições da ação, viciando o interesse de agir da parte. Logo, ausente uma das condições da ação, demonstrada está à coação ilegal gerado pelo procedimento, o que possibilita o seu trancamento através recurso heróico do habeas corpus processual.
O cabimento do habeas corpus processual não é determinado pelo fato do Paciente não estar preso ou na iminência de o ser, ou seja, prestes a ver sua liberdade agredida por ato ilegal. Contrariamente, é um recurso heróico que, interpretado amplamente, possibilita trancar inquéritos policiais e ações penais manifestamente desprovidos de falta de justa causa.
Com este fundamento que a doutrina e jurisprudência destacam que não bastam denúncia ou queixa-crime encontrar-se tecnicamente perfeita, sendo imprescindível elementos de prova para sua instauração, onde a ausência de justa causa deve ser tratada com a máxima prudência, exclusivamente, para verificar se o procedimento se desvinculou por inteiro dos elementos formadores da sua fundamentação, o que acarretaria uma coação ilegal ao indivíduo.
Informações Sobre os Autores
Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas
Professora de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Estado de Minas Gerais e Faculdades Del Rey – UNIESP. Doutoranda e Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Tutora do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Servidora Pública Federal do TRT MG – Assistente do Desembargador Corregedor. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho. Especialista em Educação à distância pela PUC Minas. Especialista em Direito Público – Ciências Criminais pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Bacharel em Administração de Empresas e Direito pela Universidade FUMEC.
Cesar Leandro de Almeida Rabelo
Bacharel em Administração de Empresas e em Direito pela Universidade FUMEC. Especialista em Docência no Ensino Superior pela Pontifícia Universidade Católica do Estado de Minas Gerais. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pelo CEAJUFE – Centro de estudos da área jurídica federal. Mestre em Direito Público pela Universidade FUMEC. Advogado do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade FUMEC. Professor da Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira – FUNCESI, Faculdades Del Rey – UNIESP e Policia Militar de Minas Gerais.
Carlos Athayde Valadares Viegas
Bacharel em Direito pela Faculdade Pitágoras, Mestrando em Direito Público pela Universidade FUMEC. Servidor Público da Justiça do Trabalho da 3 Região