Resumo: O presente artigo buscará analisar a necessidade de um capital social mínimo nas empresas individuais de responsabilidade limitada, como descrito no artigo 980-A do Código Civil, recentemente incluído pela Lei 12.441 de 11 de julho de 2011, que vigorará dentro de 180 (cento e oitenta dias), assim como as conseqüências daquela necessidade para os empresários e para a própria coletividade.
Palavras-chaves: Capital Social. Empresa. Responsabilidade.
Sumário: 1. O Capital Social. 1.1. Conceito. 1.2. Função. 2. O Capital Social na Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. 2.1 Necessidade e Conseqüências. 3. Conclusão.
1. O CAPITAL SOCIAL
1.1. CONCEITO
O capital social é cláusula obrigatória nos contratos sociais, nos termos do artigo 997, IV, do Código Civil[1], dividindo-se em quotas, iguais ou desiguais, aos sócios, como prescreve o artigo 1.055 do mesmo Codex[2].
Melhor esclarecendo, tem-se que o capital social pode ser descrito como o montante investido pelos sócios para a formação da própria sociedade, não se confundindo com o patrimônio desta, como lembra Sérgio CAMPINHO[3]:
“O capital social, como curial, não se confunde com o patrimônio social, mas sua vocação é a de constituir o fundo originário, o núcleo inicial do patrimônio da pessoa jurídica, através do qual se viabilizará o início da vida econômica da sociedade. Destarte, deve o capital ser sério, real e efetivo…”
No mesmo sentido, tem-se a lição de José Edwaldo Tavares BORBA[4]:
“Verifica-se, por conseguinte, que o capital é um valor formal e estático, enquanto o patrimônio é real e dinâmico. O capital não se modifica no dia-a-dia da empresa – a realidade não o afeta, pois se trata de uma cifra contábil. O patrimônio encontra-se sujeito ao sucesso ou insucesso da sociedade, crescendo na medida em que esta realize operação lucrativas, e reduzindo-se com os prejuízos que se forem acumulando.
O patrimônio inicial da sociedade corresponde a mais ou menos o capital. Iniciadas as atividades sociais, o patrimônio líquido tende a exceder o capital, se a sociedade acumular lucros, e a inferiorizar-se, na hipótese de prejuízos.”
Estabelecido o conceito inicial, assim como a diferenciação entre capital social e patrimônio social, convém, agora, verificar qual é a exata função do primeiro, posto que com base nesta premissa será possível avaliar se a prescrição de um capital social mínimo é necessária ou não às empresas individuais de responsabilidade limitada.
1.2. FUNÇÃO
O ponto é bastante controverso, adotando a doutrina nacional entendimentos contrários uns aos outros, ora prescrevendo que o capital social tem a função precípua de representar o valor mínimo necessário para o desenvolvimento de uma atividade, ora que aquele serve de garantia a terceiros.
O fato, todavia, é que a função do capital social não é representar um valor mínimo necessário, já que não há necessariamente vínculo entre ele e a atividade desenvolvida ou mesmo porque os investimentos sociais podem vir de terceiros não necessariamente conectados à sociedade; tampouco é de garantia, já que, como há distinção clara entre capital social e patrimônio social, o valor do capital não representa os bens sociais ou o valor que a sociedade dispõe no momento da contratação com terceiros, não servindo, portanto, como garantia alguma.
Ao que parece, está certo o doutrinador Fábio Leandro TOKARS[5], ao dizer que:
“…o capital social representa a somatória das contribuições pessoais declaradas pelos sócios para o desenvolvimento da atividade empresarial, tendo como função primordial servir de base para a distribuição do poder de voto de cada sócio.”
Desta forma, tem-se que a principal função do capital social é estabelecer o poder dos sócios dentro da sociedade, sendo caracterizado pelos valores declarados pelos sócios no momento da constituição daquela.
2. O CAPITAL SOCIAL MÍNIMO NA EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA
A prescrição de um valor mínimo para o capital social das empresas individuais de responsabilidade limitada está no novo artigo 980-A do Código Civil[6], criado pela Lei 12.441 de 11 de julho de 2011, que diz ser necessário a contribuição mínima de 100 (cem) vezes o salário-mínimo vigente no momento da constituição da sociedade.
Não se fará, aqui, crítica ao nome dado ao novo tipo societário (já que empresa não é sujeito de direitos, sendo melhor se a opção fosse por sociedade unipessoal de responsabilidade limitada, como no âmbito de grande parte dos países europeus), ponto que merece discussão própria, mas sim, exclusivamente, ao fato de que há necessidade de um capital social mínimo.
Entendendo pela necessidade, assim leciona Sérgio CAMPINHO[7]:
“Para gozar, entretanto, dessa limitação, a empresa individual deveria ter um capital mínimo necessário à sua formação, à semelhança do que se têm na lei alemã de 4 de julho de 1980 e na lei portuguesa de 25 de agosto de 1986, que seria garantia mínima inicial para seus credores, com um controle efetivo do órgão responsável pelo registro, da autenticidade dessas entradas para a formação do capital.”
Para o autor, seria imprescindível o capital social mínimo como garantia para os credores da sociedade; porém, como já se estudou, havendo distinção clara entre capital social e patrimônio social, uma contribuição mínima não tem qualquer efeito de garantia.
Melhor dizendo, tem-se que se for constituída uma empresa individual com capital social de 100 (cem) salários mediante contribuição em dinheiro, no dia seguinte esses valores podem ser integralmente despendidos, não sobrando nos cofres da sociedade valor algum; ou seja, o capital social permanece inalterado (é estático, como visto), enquanto o patrimônio social é zero (é variável), fato que, além de não beneficiar (servir de garantia) aos credores, os prejudica, já que eles terão a falsa idéia de que estão seguros por aquele valor mínimo.
Desta forma, é possível concluir que atribuir um valor para o capital social mínimo, sem exigir, por exemplo, o depósito bancário deste valor (como forma de verificar se ele efetivamente existe ou se não é mera abstração contábil), não se presta para qualquer fim.
Aliás, considerando-se que o intuito da constituição desta empresa individual é o de desburocratizar e reduzir a utilização de terceiros com participações mínimas (laranjas), o capital social mínimo relativamente superior ao normalmente utilizado, ao tempo em que dispensa a utilização de terceiros, incrementa a integralização fraudulenta (sem lastro) deste capital.
Dito de outro modo, dispensando a legislação brasileira o depósito da monta supostamente integralizada, não haverá garantia alguma de que o valor declarado como capital social realmente existe, tampouco haverá garantia de que o único sócio efetivamente detinha este valor no momento da constituição da sociedade.
Pelo exposto, é inócua a prescrição legal, sendo totalmente dispensável, somente contribuindo para o incremento das integralizações sem lastro, fato que torna ainda mais dificultosa a situação dos credores, em nítido prejuízo para toda a economia (a ausência de segurança – a constituição de um capital social mínimo meramente contábil – aumentará o risco para os credores e, consequentemente, os custos de transação).
3. CONCLUSÃO
Conclui-se, pelo exposto, que o capital social serve essencialmente para a averiguação do montante investido pelos sócios e distribuição do poder entre eles, não tendo função de identificar um valor mínimo para o desenvolvimento de uma atividade, tampouco serve de garantia aos credores.
Por outro lado, a exigência de um capital social mínimo incrementará a integralização fraudulenta (sem lastro), posto que o valor mínimo é relativamente alto para a grande maioria dos empreendedores, tornando, via de conseqüência, maior a insegurança dos credores que não terão como aferir ou diferenciar o patrimônio social daquele capital.
Assim, ao passo em que referida exigência trará somente prejuízos sociais (aumentos dos custos de transação) na maneira como conduzida, seria possível remediar esta insegurança prescrevendo-se a necessidade de comprovação desta integralização (por depósito bancário, por exemplo), como já acontece em alguns países europeus.
[1] Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará:(…)
Informações Sobre o Autor
Daniel Fernando Pastre
É mestre em Direito. É advogado e professor de Direito Empresarial na Faculdade Nacional de Educação e Ensino Superior do Paraná – FANEESP. É membro do Comitê Brasileiro de Arbitragem – CBAr, do Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional – IBRAC e da Associação Brasileira de Direito e Economia – ABDE.