Resumo: Neste trabalho se toma como marco teórico a doutrina da proteção integral do menor, referendada no ordenamento brasileiro com a publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Tal referencial assiste à análise das inovações na seara da adoção, trazidas pela Lei n. 12.010, de agosto de 2009. Referidas novidades serão investigadas à luz da questão da adoção “tardia”, considerando esta como reflexo de um problema social permeado pela exclusão, marginalidade e abandono das crianças maiores ou adolescentes. O preconceito ainda é algo latente nesta “modalidade” de adoção, razão pela qual se destaca o papel da informação como valor formativo de novas concepções na consciência coletiva. A sociedade que pretende adotar e as medidas tomadas pelo Poder Público para esta via necessitam ter em vista o princípio do melhor interesse do menor, informados pela premissa de que o instituto da adoção tem como escopo dar uma família ao menor, e não dar o menor a uma família sem filhos.
Palavras-chave: menor – adoção – inovações.
Abstract: This work takes the doctrine of full protection of the minor as a historic landmark, that has reference in the brazillian order with the publication of the Status of Child and Adolescent. This reference provides assistance for the innovations in the harvest of adoption analysis, that was brought about by Law 12.010(twelve thousand and ten), August 2009(two thousand nine). These news are going to be investigated by the “late” adoption issue, considering this as a reflection of a social problem permeated by exclusion, marginalization and neglect of older children or adolescents. Prejudice is still something latent in this type of adoption, reason why stands the importance of information as formative value of new ideas in the collective consciousness. The society that intends to adopt the measures taken by the government( Poder Público) for this route, must have in mind the principle of best interest of the child, informed by the premise that the institution of adoption has as a scope giving a family to a minor, not giving a minor to a family without children.
Keywords: minor. adoption. innovations
Sumário: Introdução. 1 Inovações na lei de Adoção de Crianças e Adolescentes com foco no Incentivo a Adoção. 1.1 Cadastro Nacional de Adoção. 2 Adoção de Crianças Maiores ou Adolescentes: um panorama da “adoção tardia” no Brasil. 3 Principio do Melhor Interesse do Menor e a Adoção de Crianças Maiores ou Adolescentes. Considerações Finais. Referências.
INTRODUÇÃO
Em agosto de 2010, fora publicada a Lei Federal n. 12.010, prometendo inaugurar um novo momento quanto à adoção no Brasil. Tendo em vista a questão da adoção de crianças maiores e adolescentes. Diante das inovações na seara do processo adotivo destes sujeitos, o presente trabalho se propõe a observar as mudanças trazidas no bojo da legislação supra com vista a acelerar o processo de adoção e solucionar o problema social em que crianças maiores e adolescentes são muito difíceis de serem adotados.
O tema ganha relevância quando analisado sob a ótica de um problema social, em que a grande maioria destes indivíduos permanece, praticamente, durante toda infância e adolescência, em abrigos institucionais ou abandonados nas ruas das grandes cidades. Muitos crescem marginalizados no seio da exclusão social, compondo os altos índices de prostituição infantil e insertos, desde a mais tenra infância, na convivência com o crime. Disto, tem resultado a participação de muitos adolescentes em infrações penais, o que acirra, na sociedade, o debate sobre a diminuição da menoridade penal, dentre outros. Em suma, práticas repressivas e punitivas.
No entanto, cumpre lembrar que as ações, políticas e leis que venham a se debruçar sobre a questão das crianças e adolescentes, com o advento da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente, devem se pautar pela doutrina da proteção integral. Tal paradigma visa enxergar o menor como sujeito de direitos, pessoa humana em desenvolvimento que necessita de cuidados e proteção especial e integral da sociedade e do Estado.
Nesse sentido, para GONTIJO e MEDEIROS (2010), “o ECA não focaliza as ações nas crianças como pobres, abandonadas ou delinqüentes, mas, sim, como cidadãs de pleno direito, conferindo a elas um status de prioridade absoluta”.
Assim, se abordará, ab inicio, em que medida as inovações trazidas pela Lei 12.010, de 2009, contribuem para incentivar a adoção de crianças maiores e adolescentes, verificando-se, em sequência, se e como o Cadastro Nacional de Adoção pode contribuir para agilizar o processo adotivo. Após, se fará um rápido levantamento sobre o panorama da adoção “tardia” no Brasil, dificuldades encontradas e perfil dos adotantes, analisando como a informação pode ter papel crucial na mudança de paradigmas entre estes. Por fim, será abordado o princípio do melhor interesse do menor e sua aplicação à adoção de crianças maiores e adolescentes em situação de acolhimento institucional e/ou abandono.
1 Inovações na lei de Adoção de Crianças e Adolescentes com foco no Incentivo a Adoção
A Lei Nacional de Adoção, Lei Federal nº 12.010, foi publicada em 03 de agosto de 2009, começando a vigorar com todos os seus efeitos legais em novembro do mesmo ano. O objetivo maior do novel diploma, que trouxe diversas transformações no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é promover o aperfeiçoamento de todo o sistema que envolve a garantia do direito ao convívio familiar pertencente à criança e ao adolescente.
Assevera a citada lei que a prioridade norteadora da intervenção estatal na questão adotiva será pela manutenção da criança ou adolescente em sua família natural, ocorrendo sua colocação em família substituta por meio das modalidades de guarda, tutela e adoção, somente em casos excepcionais.
Dentre as mudanças operadas, há aquelas que incentivam e visam acelerar o processo de adoção. De acordo com os §§ 1º e 2º, acrescentados ao artigo 19 do ECA, a criança ou adolescente que integre programa de acolhimento familiar ou institucional, “deverá ter sua situação reavaliada” em um período de, no máximo, seis meses. Também traz como dois anos o tempo limite para a permanência daqueles em acolhimentos institucionais. Tais dispositivos deixam clara a intenção do legislador em evitar que crianças e adolescentes cresçam e se desenvolvam em abrigos, vigiando para sua rápida recolocação na família natural ou encaminhamento para a adoção.
De acordo com o sítio eletrônico Portal Social,
“Impedir que crianças e adolescentes permaneçam vários anos em abrigos, tirando a chance delas encontrarem um lar adotivo ou retornarem para o convívio dos parentes é o principal objetivo da nova lei de adoção, que entra em vigor no dia três de novembro. A institucionalização por tempo indeterminado reduz, dia a dia, a possibilidade da criança encontrar uma nova família, já que a preferência dos casais brasileiros continua sendo por bebês ou meninas de até dois anos de idade.”
A nova lei também se preocupou em disciplinar outro modelo, visando dispensar os abrigos e estimular a adoção, que é o instituto do acolhimento familiar. Segundo a nova redação do artigo 34 do Estatuto da Criança e do Adolescente, as famílias acolhedoras, sob o regime de guarda, receberão e abrigarão crianças e adolescentes afastados do convívio familiar, enquanto o mesmo dispositivo, anterior a agosto de 2009, previa, de uma forma mais restritiva, que só participariam deste programa a criança ou adolescente órfão ou abandonado.
A referida medida, ainda que goze de preferência com relação ao acolhimento institucional, terá caráter excepcional e temporário, haja vista que, como mencionado supra, o objetivo maior é a recolocação do menor em sua família natural.
Ganha relevo, dentro dos incentivos trazidos à adoção pela Lei n. 12.010/2009, as normas que prevêem uma maior aceleração do processo de destituição e suspensão do poder familiar, previsto nos artigos 155 a 163 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Tais previsões, como o estabelecimento de prazo máximo de 120 dias para a conclusão do procedimento, são de extrema importância, tendo em vista que, segundo a Comunicação do Portal Social,
“(…) muitas das crianças que vivem em entidades assistenciais não estão livres para serem encaminhadas a uma nova família. Segundo pesquisa da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) apenas 10% das crianças nos abrigos podem ser adotadas, pois a maioria continua a ter algum tipo de vínculo familiar. A maioria deles foram vítimas de maus tratos, negligência ou porque seus parentes não tinham condições materiais de criá-los.”
Outra medida, que ganhou salutar atenção da Lei nº 12.010/2009, foi o disciplinamento dos Cadastros Nacional e Estaduais de adoção, visando à atuação integrada de ambos para otimizar o encontro de uma família substituta para crianças e adolescentes em situação de abandono. Os Cadastros têm como escopo acelerar o processo adotivo evitando, consequentemente, que as crianças ou adolescentes fiquem mais velhas, o que torna mais complexa e difícil a adoção.
No entanto, ainda conforme informações do sítio virtual Portal Social, é possível inferir que há uma discrepância entre os números do Cadastro e a realidade dos abrigos, devido à preferência manifestada pelos pretendentes à adoção no instante da inscrição.
“De acordo com o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), no Brasil existem 26.138 pretendentes aptos para adotar, enquanto que 4.364 crianças e adolescentes estão disponíveis – seja porque foram destituídos do convívio familiar, seja por terem sido entregue pelos pais ou, ainda, por serem órfãos. Mas a realidade das 600 instituições no País mostra que há ainda um número alto de jovens a espera de um lar. Em muitos casos, a demora para adotar se reflete no perfil exigido de quem fez essa opção. Talvez, por preconceito ou por hábito, a maioria ainda deseja crianças brancas, do sexo feminino e idade de até 18 meses, ao contrário da realidade que se encontra nos abrigos: crianças pardas, maiores de dois anos, muitas vezes com irmãos.”
É visando combater tal situação que também foi acrescentado o inciso VII ao artigo 87 do Estatuto, que trata das políticas de atendimento. Senão vejamos.
“Art. 87. São linhas de ação da política de atendimento: […]
VII – campanhas de estímulo ao acolhimento sob a forma de guarda de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar e à adoção, especificamente inter-racial, de crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos.” (grifo nosso)
1.1 Cadastro Nacional de Adoção
A Constituição Federal de 1988 informa ser função do Estado assegurar à criança o direito à convivência familiar. Nem sempre essa convivência é alcançada somente com a família biológica. Daí a adoção como forma de concretizar o dispositivo constitucional e instituir aquela criança ou adolescente de dignidade.
O Estatuto da Criança e do Adolescente determina, em seu art. 50, que a autoridade judiciária mantenha em cada comarca ou foro regional duplo registro: um de crianças e adolescentes em condições de serem adotadas e outro de candidatos à adoção. A finalidade das listas é agilizar o processo de adoção. Isto porque, se, primeiro, fosse necessário esperar a destituição do poder familiar para inserir a criança no rol dos adotáveis e, depois, se partisse em busca de alguém que a quisesse, para só então proceder à habilitação do candidato à adoção, muito tempo passaria, deixando-se de atender ao melhor interesse da criança.
Porém, em muitos casos, as listas têm se demonstrado mais como um entrave à adoção do que necessariamente uma agilidade. A necessidade de se ater às listas de adoção é tão grande que muitas vezes crianças que estão em condições de serem adotadas não o são por não constarem, ainda, na citada lista. Da mesma forma, casais que querem adotar não, necessariamente, vão encontrar a criança e, por ela se afeiçoar estando essa no mesmo município do casal. Muitas vezes, existem crianças que podem ser adotadas e estão em um determinado Estado, sendo que ela se adequa às características de um casal que está do outro lado do País, porém não conhece aquela criança ou adolescente.
Isto termina por obstacularizar o fim último do Cadastro, que é a aceleração da adoção. Desta forma, as crianças e os adolescentes vão crescendo e ficando cada vez mais velhos nos abrigos e, por conseqüência, mais difíceis de serem adotados.
Conforme uma pesquisa de 2004 feita nos abrigos ligados ao governo federal, onde moram 24.000 crianças, a maioria das crianças e adolescentes pesquisados vivia a dois anos nas instituições; 30% estavam nos abrigos num período entre dois e cinco anos. Poucos podiam ser adotados, e o mais alarmante: quase a metade deles não tinha sequer um processo judicial nas varas da Infância e da Juventude.
Mais da metade das crianças e adolescentes recebem visitas das famílias, mas voltar para casa é difícil. Muitos foram abandonados (18,8%), sofreram maus tratos físicos e psicológicos (11,6%), são filhos de dependentes químicos (11,3%) e sofreram abuso sexual dos pais (3,3%). Outros 24% foram abrigados por causa da pobreza – o que não deveria ser um motivo para crescer longe da família.
A pesquisadora diz que a rede de atendimento à criança e ao adolescente não consegue resolver tantos casos. “Ela não funciona de forma satisfatória, então não se pode dizer que é culpa só da instituição ou só do Judiciário:a gente tem abandono de todos os lados”, afirma Enid Rocha, coordenadora de Direitos Humanos do Ipea. “A necessidade é que a rede de atendimento de fato funcione como uma rede, para que se chegue a um diagnóstico adequado do que fazer com aquela criança”.
A burocracia e também as exigências de alguns futuros pais fazem um processo de adoção durar, em média, cerca de quatro anos. Diante desses fatos, a Frente Parlamentar da Adoção pressionou a Câmara para que acelerassem a votação da Lei Nacional de Adoção, publicada em 03 agosto de 2009. Entre outras medidas, dá agilidade ao processo de perda do poder familiar, que retira legalmente crianças da guarda dos pais naturais e é o primeiro passo para a formalização da adoção. Já o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) concluirá a implementação do primeiro cadastro nacional de crianças prontas para adoção e de adultos interessados em adotar.
O Cadastro, conforme salientado, tem como escopo acelerar a adoção em si e evitar que a criança e ou adolescente que se encontre na situação de adotável não perca essa infância ou adolescência em uma lista a espera de um lar. Através do Cadastro único visa-se eficiência, transparência, confiabilidade e um meio de unificar os procedimentos em todas as varas. O Conselho Nacional de Justiça informa aos tribunais de justiça os perfis dos adotáveis e dos adotantes, e assim, esses formam um banco de dados unificado com informação das crianças e adolescentes a serem adotados. Cada tribunal de justiça será responsável pelo levantamento e perfil dos abrigos de adoção no Estado. O cadastro nacional disponibilizará o histórico dos pretendentes, crianças e abrigos, a partir dos dados registrados no sistema, possibilitando o cruzamento de informações, garantindo assim maior agilidade nos processos de adoção.
As Comissões Estaduais de Adoção e as Comissões Estaduais de Adoção Internacional serão responsáveis pela centralização dos dados, disponibilização das senhas e capacitação das equipes técnicas. O sistema permite o cruzamento das informações cadastrais de crianças e pretendentes, utilizando critérios para uma solução que seja a melhor opção de adoção para a criança. Porém, existem ainda questões a serem aperfeiçoadas. Como, por exemplo, a manutenção dos dados, informando se houve desistências, falecimentos ou adoções em outros locais. A atualização evita que os dados fiquem defasados tornando a consulta lenta.
O mais interessante do Cadastro é a unificação de informação. Através do Cadastro haverá nacionalização das informações daqueles que podem ser adotados, aumentando, assim suas chances. Pois essa pessoa poderá ter sua chance de ter uma família viabilizada entre os casais que estão aptos a adotar do país inteiro, não somente daqueles que estão no mesmo município da criança. Muitos podem pensar se seria interessante retirar a criança do seu Estado. Porém cada caso será analisado tendo em mente o melhor para criança ou adolescente, e o melhor para uma pessoa é sempre crescer estabelecido em um lar saudável, com pessoas que tenham inteira atenção para ela.
Com o Cadastro vislumbra-se a possibilidade de uma maior rapidez no processo de adoção, conhecimento maior daqueles que podem ser adotados e aumento das chances de uma criança ter um lar. Ou seja, o Cadastro tende a ser uma forma de se retirar da lei garantias constitucionais sobre a criança e o adolescente e as tornar concretas. Dar eficácia à lei e tornar fato a dignidade da pessoa humana.
2 Adoção de Crianças Maiores ou Adolescentes: um panorama da adoção “tardia” no Brasil.
Segundo o IBGE, 200.000 crianças, no Brasil, não tem família, e destas, conforme pesquisa da AMB, 80.000 estão em abrigos. Nestes, embora sejam dotados de caráter provisório, em mais de 52,6% das crianças e adolescentes, segundo o IPEA, o tempo de acolhimento tem superado a marca dos dois anos. A maioria são meninos (58,5%), negros (63%), com faixa etária de 7 a 15 anos (61,3%).
Os principais motivos do abrigamento são carência de recursos materiais da família, abandono pelos pais ou responsáveis, violência doméstica, dependência química dos pais ou responsáveis, vivência de rua, orfandade, prisão dos pais ou responsáveis, abuso sexual praticado pelos mesmos.
Já o perfil de menores procurados pelos adotantes revela a preferência por meninas, com padrão fenotípico de pele e olhos claros, na faixa etária de 0 a 3 anos de idades e não sejam portadoras de algum tipo de deficiência, nem possuam trajetória de problemas médico-biológicos ou psico-sociais. Como se vê, o perfil dos menores abrigados e a preferência das pessoas aptas a adotar, se excluem mutuamente.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal divulgou, recentemente, que, para 390 pais habilitados para adotar, há atualmente 166 crianças a serem acolhidas. Tal número poderia ser animador caso não fosse o desencontro das filas de adoção. Segundo o referido Tribunal “o perfil de filho desejado pelas famílias é de crianças até dois anos, cor clara e sem comprometimento com saúde”. Infelizmente, este é um problema que se repete a nível nacional e tem preocupado não só o Poder Público, mas diversos setores da sociedade civil.
De acordo com Surama Gusmão Ebrahim, um dos principais entraves, apontados pelas pesquisas, à adoção tardia, no Brasil, é o medo. Segundo ela, parcelas dos adotantes possuem medo de acolher crianças maiores institucionalizadas, pelos maus modos que possam trazer, pela dificuldade em educar ou por estas saberem que estão sendo adotadas e não nasceram no seio daquela família. Neste sentido, a pesquisadora supõe que “as pessoas que adotam crianças maiores são mais altruístas, maduras e estáveis emocionalmente”.
Em sua pesquisa, restou evidenciado que a maioria de mães (74,1%) e pais (50%) que adotam crianças maiores, possui nível superior completo e renda salarial que perpassa a marca de 20 salários-mínimos (40,7%). Outro dado que se mostrou interessante é quanto ao estado civil dos referidos adotantes. Eles de dividem em casados (66,7%), solteiros (25,9%), viúvos (3,7%) ou divorciados (3,7%), sendo que a maior parte deles já possui, ao tempo da adoção, filhos biológicos. Já quanto aos adotantes convencionais, são em sua grande maioria casais (91,9%), não possuindo filhos biológicos (50,9%).
Neste sentido, argumenta Ebrahim que a grande procura por bebês tem transformado a adoção em uma alternativa para a infertilidade de muitos casais. Inverte-se, assim, a lógica protetiva de crianças e adolescentes insculpida no instituto da adoção. O seu objetivo estaria ligado à possibilidade de se oferecer um lar a estes menores despidos de cuidado e afeto familiar, e não oferecer filhos a indivíduos com dificuldades biológicas de gerar descendentes.
Longe de se questionar o grau de amor devotado à criança pelos adotantes convencionais, há de se perceber, no entanto, uma postura oportunista dos mesmos: eu amo porque tenho necessidade de amar, não porque alguém precisa de amor.
Isso também explica porque as pessoas que adotam adolescentes ou crianças maiores têm faixa etária e grau de formação ligeiramente maior. A informação é elemento essencial para a quebra de preconceitos que permeiam a adoção tardia. A própria denominação carrega em seu bojo vertente discriminatória, dando a entender que existe uma adoção fora do tempo, da normalidade, excepcional, tardia.
3 Principio do Melhor Interesse do Menor e a Adoção de Crianças Maiores ou Adolescentes
O princípio do melhor interesse do menor tem origem na Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aprovada em 20 de novembro, de 1989, na sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas, sendo ratificada pelo Brasil no Decreto nº 99.710, de 1990.
Além do Decreto citado, o referido princípio se encontra consubstanciado no artigo 227, da Constituição Federal de 1988, que assegura integral proteção à criança e ao adolescente, “com absoluta prioridade”. Da mesma forma, o Estatuto da Criança e do Adolescente e as inovações trazidas pela Lei n. 12.010 de 2009, como, por exemplo, a necessidade de oitiva prévia do menor, devendo este ter sua “opinião devidamente considerada”, nos processos que envolvam sua colocação em família substituta.
De acordo com Tânia da Silva Pereira, este tem sido um paradigma norteador de tratados e convenções humanitários e decisões de Tribunais. Diverso não é o entendimento da aplicação deste princípio nos órgãos do Judiciário pátrio no que diz respeito à adoção de menores. O Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, em matéria publicada em sua homepage, em fevereiro deste ano assevera que “as transformações e evoluções sociais, contudo, proporcionaram uma mudança de foco, indo da preocupação com a família à proteção e defesa do direito que crianças e adolescentes têm à convivência familiar.”
Vê-se, portanto, que a preocupação do ordenamento jurídico brasileiro hoje, com relação à adoção, não é, repita-se, encontrar filhos para uma família, mas sim, dar uma família à criança ou adolescente, revelando verdadeira atenção ao princípio do melhor interesse do menor e demonstrando que a criança e o adolescente, hoje, são devidamente tratados como sujeitos de direito e não objetos a reclamar apenas políticas públicas do Estado.
A realidade brasileira atual sustenta uma problemática social em que, cerca de duzentas mil crianças não têm família, segundo o Instituto de Geografia e Estatística (IBGE). Dentre elas oitenta mil estão nos abrigos, conforme relata a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), as demais estão em outras instituições de internação ou mesmo nas ruas.
Esse contexto abriga, ainda, a dificuldade de se viabilizar as adoções de modo mais célere. Seja por problemas individuais dos adotantes em relação aos adotandos – na preferência nacional predomina o perfil de meninas de pele e olhos claros; de 0 a 2 anos de idade – ou por entraves burocráticos. Um melhor esclarecimento sobre quais os requisitos e quem pode adotar, pode atuar também como dissipador de preconceitos. É necessário que se mude os valores que funcionam como impeditivos à adoção, principalmente quanto à adoção tardia.
É claro que existem discussões relativas ao perfil do adotante que também geram dificuldades quanto à família substituta. Ives Gandra Martins no texto “A família na Constituição”, aduz que:
“O instituto da adoção objetiva ofertar uma família à criança sem família. E família, pelo § 3º do art. 226 da Constituição Federal, só pode ser constituída por um homem e uma mulher e, se tiverem prole, por qualquer deles – se viúvo ou separado – e os filhos, que lhe cabe educar e preparar para a vida […] não há, constitucionalmente, família na união de pessoas do mesmo sexo. Podem elas fazer um contrato de natureza patrimonial, mas não são família e nem podem se casar.”
O fato é um grave problema que clama por soluções pacificadas. Neste sentido, conforme repisado acima, fora aprovada, em 03 de agosto de 2009, a Lei Federal nº 12.010, que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei Federal nº 8.069/90 – e revogou dispositivo do Código Civil de 2002 e da Consolidação das Leis do Trabalho.
A nova legislação pretende, em tese, solucionar problemas causados pelo Código Civil de 2002 no que diz respeito aos direitos da criança e do adolescente e a evolução desta questão. Porém, apesar de vários aspectos favoráveis, traz também pontos que já têm provocado questionamentos por parte do Ministério Público. Para o Ministério Público do Rio Grande do Sul, o mais grave do projeto é extrair-se do Estatuto da Criança e do Adolescente os temas relativos à adoção e destituição do poder familiar provocando um retrocesso no direito fundamental da convivência familiar.
Com relação à adoção de crianças maiores ou adolescentes, o termo “tardia”, dado pela doutrina, revela o preconceito que envolve estes entes, muitas vezes preteridos pelo mito que são problemáticos. De fato, existe algo de diferente neles. Um passado que deixou marcas de uma relação (ou não-relação) que, impõe um medo irresistível de ser vítima do abandono outra vez. O efeito pode ser difícil de lidar se os pais não entenderem que a criança tem uma facilidade muito maior de estabelecer vínculos do que o adulto. E, mesmo institucionalizadas, têm essa característica evidente. Deve compreender, também, que não se pode apagar a vida anterior, as lembranças e o sentimento de abandono e rejeição que tenham sofrido, pois o medo de reviver tais situações pode compeli-la a atitudes contrárias ao estabelecimento de novos vínculos como forma de defesa. Porém, o principal entrave à adoção tardia é, verdadeiramente, o preconceito.
Mario Lázaro Camargo traz em seu artigo dados estatísticos que, no contexto nacional conformam a imagem dos “não adotáveis” como crianças negras, acima de dois anos de idade, possuidoras de uma trajetória de problemas médico-biológicos ou portadoras de algum tipo de deficiência. Neste sentido, argumenta que
“são aquelas destinadas a um período muito extenso de institucionalização e vitimadas por múltiplos abandonos: o “abandono da família biológica” que, por motivos sócio-econômicos ou ético-morais, são impedidas de manter os seus filhos; o “abandono do Estado” que, por meio das limitadas legislações e deficitárias políticas públicas, tem os braços engessados para o acolhimento de seus órfãos; o “abandono da sociedade” que ainda não entendeu o sentido do termo inclusão, uma vez que se vê ocupada com a invenção de novas, refinadas e eficientes técnicas de exclusão do diferente e das minorias.”
A mudança na cultura da adoção é, sem dúvida, uma necessidade; pois, o senso comum tende a encarar esses personagens como ameaças ao bem estar. Ignora-se a reflexão sobre este tema, mas tentam-se elaborar artifícios para produzir remédios penais que mantenham longe a problemática. A discussão desse tema é apenas uma das muitas atitudes que a sociedade pode tomar a fim de gerar outro paradigma, no qual o direito ao convívio familiar converte-se a uma realidade que possa alcançar o máximo de crianças e adolescentes no Brasil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Lei Federal n. 12.010/2009, conhecida como Lei Nacional de Adoção, mas também chamada de Lei da Convivência Familiar, trouxe em seu bojo diversas inovações com fulcro a acelerar o processo adotivo, muito embora o seu maior escopo seja a recolocação da criança ou adolescente em sua família natural.
Tendo em vista a questão social brasileira, em que é cada vez mais crescente a permanência de crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional, estas inovações, tais como: limite máximo de permanência nos abrigos, criação do instituto do acolhimento familiar, aceleração da suspensão ou perda do poder familiar, otimização dos Cadastros Nacional e Estaduais de Adoção, dentre outras; contribuem, de fato, para uma maior rapidez no processo de adoção, evitando assim que as crianças fiquem maiores, fugindo, por conseguinte, do perfil procurado pelos adotantes.
No entanto, as medidas, embora festejadas, não são suficientes para ajudar a solucionar a questão da adoção tardia, uma vez que busca evitar que as crianças fiquem mais velhas nos abrigos e não dá muita ênfase quanto às políticas de incentivo à adoção de crianças maiores ou adolescentes, e daqueles portadores de doenças ou psicopatologias. Neste sentido, apenas foi incluído o inciso VII, ao artigo 87, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que, mesmo representando pouco na prática, já é alguma coisa.
Um dos exemplos mais interessantes desta questão diz respeito aos Cadastros de Adoção. Criados para agirem como facilitadores do processo adotivos, seus números chegam a ser discrepantes ao se observar, nas pesquisas, um número a maior de adotantes para outro a menor de crianças aptas a serem adotadas. Tudo isto em contraste com milhares de menores que ocupam os abrigos. A princípio, a conclusão seria que o problema não é tão grave assim. No entanto, os dados revelam que a maioria desses adotantes está esperando por crianças de colo, brancas e sem nenhum histórico de doenças. Estas, realmente, são escassas na realidade brasileira. Conclui-se que a simples otimização dos Cadastros não são suficientes para estimular o processo adotivo de crianças maiores e adolescentes.
Hoje, é assente tanto pela sociedade civil quanto pelo Poder Público, que a questão da dificuldade na ocorrência da adoção tardia, no Brasil, está longe de ser um problema localizado, mas sim, um problema social. São milhares de crianças e adolescentes abandonadas pelas ruas das grandes cidades, vítimas de maus tratos e insertas na prostituição e na criminalidade. Quando não estão abandonadas à própria sorte, nas valetas urbanas, padecem na péssima situação da grande maioria dos abrigos públicos e até particulares, sendo vítimas de todas as formas de violência, notadamente a violência sexual. Estes, aliás, é um dos principais motivos que levam os aptos a adotar não se interessarem por estes menores. Aqui, cumpre asseverar o papel crucial da informação, para despir, literalmente, pré-conceitos.
As pesquisas mostram que muitas famílias buscam filhos com a adoção, o que, pela lógica, não poderia ser diferente. No entanto, o Estado deve estar preocupado em oferecer uma família para as crianças, sejam elas maiores ou adolescentes, como deficiências ou não. O princípio que se deve sempre ter em vista é o do melhor interesse do menor e a possibilidade de lhe garantir, no seio familiar, todos os seus direitos.
O menor, o ser humano em desenvolvimento, é muito mais do que simplesmente um meio alternativo à infertilidade, à solidão. Ele precisa de cuidados, atenção, afeto, amor. Preconceitos realmente existem na sociedade, mas pensar no outro como um sujeito independente e dotado de direitos, e não como um objeto dos meus anseios emocionais, já permite quebrar um pouco esta barreira.
Informações Sobre o Autor
Edhyla Carolliny Vieira Vasconcelos Aboboreira
Mestranda em Ciências Jurídicas – Universidade Federal da Paraíba.