Elementos da responsabilidade civil

Como assentamos em nossa obra Ofensa à Honra da Pessoa Jurídica (Ed. LEUD, São Paulo, 2004), a área da responsabilidade civil é profunda, misteriosa e sempre reveladora de sua absoluta inexplorabilidade, tal qual os oceanos e os mares. Entrementes, não podemos cerrar-lhe os olhos por ser fundamental o seu estudo e provavelmente um dos institutos que mais fundamentam as ações que diuturnamente assoberbam o Poder Judiciário.

Doutrina de escola pondera que os elementos da responsabilidade são normalmente a lesão do direito alheio, em virtude do não cumprimento do dever jurídico, e a imputabilidade do agente, abrangendo o dolo e a culpa. Afigura-se que a questão é mais extensa. Deveras, suscita-se dos artigos 186 e 927 do Código Civil os elementos que compõem o dever de indenizar, quais sejam: a) elemento subjetivo da conduta: voluntariedade e culpabilidade em sentido estrito; b) elemento normativo da atividade: violação de direito ou causação de prejuízo; c) elemento objetivo da atividade em sentido estrito: ação ou omissão; d) elemento integrativo: liame de causalidade.

O item a tem respaldo na dicção legal “ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência”; o item b funda-se no verbete “violar direito, ou causar prejuízo a outrem”; o item c refere-se ao resultado de uma força física ou moral, à faculdade ou possibilidade de executar ou não alguma coisa, independentemente de qual seja a reação ulterior, de qual seja o resultado atingido; e o item d está fundamentado na teoria geral da responsabilização, força da qual não se pode imputar a prática de ato ilícito àqueles que não tenham, de algum modo, relação entre a atividade em sentido estrito e o elemento normativo da atividade, devendo haver um mínimo de correspondência entre a pessoa a quem se imputa a responsabilidade civil e o dano ou a ofensa alegada pela vítima.

A voluntariedade, também conhecida como dolo, e a culpabilidade em sentido estrito (negligência, imprudência ou imperícia), são dispensadas em certos casos. Não o são, porém, para a regra fixada no Código Civil de 1916, por ter o legislador cristalinamente estampado que acolheu a teoria da responsabilidade civil subjetiva sufragada desde o Código Civil de Napoleão. Essa a regra. Exceção é a responsabilidade civil objetiva, quando então não se perquirirá o elemento subjetivo da conduta, sendo esta de todo irrelevante. Por ser exceção, tem de vir expressamente disciplinado em lei, dado que não se admite restrição de direito ou ampliação de responsabilidade senão nos casos expressamente previstos em lei.

Em regra, portanto, o elemento subjetivo da conduta, inerente à culpa em sentido amplo, é indissociável do dever de indenizar, tanto assim que a segunda parte do artigo 159, do Código de 1916, determinava “a verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade”.

Lembra-o bem, Hans Kelsen, que “o momento a que chamamos ‘culpa’ é uma parte integrante específica do fato ilícito: consiste numa determinada relação positiva entre o comportamento (atitude) íntimo, anímico, do delinqüente e o evento produzido ou não impedido através da sua conduta externa; consiste na sua previsão ou na sua intenção, àquele evento dirigida” (Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000, trad. João Baptista Machado, p. 137). Estas palavras foram versadas por Kelsen para dar a idéia de responsabilidade pelo resultado, mas dão bem uma noção do que seja culpa: determinada ação ou omissão, pressuposto de uma conseqüência do ilícito, através da qual é produzido ou não é impedido um evento indesejável.

É no elemento subjetivo da conduta que se inclui a imputabilidade. É relevante requisito da responsabilidade civil, mormente a subjetiva. Ainda que um terceiro seja quem deverá arcar com a reparação da ofensa, mister se faz apurar se o fato ou ato é ou não imputável. É causa excludente desta imputabilidade, pois, a ocorrência de fato necessário da natureza, ou do próprio homem, que se desenhe imprevisível ou inevitável pela média argúcia. O caso fortuito ou a força maior, assim, exclui a imputabilidade e, via oblíqua, a responsabilidade civil. Como excludente da culpabilidade, não se aplica à responsabilidade civil objetiva, o que não se vê, contudo, na imputação do fato exclusivamente a terceiros, de vez que atua como quebra do nexo de causalidade e não da culpabilidade.

A linha fronteira entre o império das forças cegas é a previsibilidade do evento. Esta previdência tem a ver com a conduta, que de sua vez, atrela-se à culpabilidade. Daí ser quebra da culpa, e não do nexo causal. Em suma: caso fortuito e força maior só têm cabência na responsabilidade civil subjetiva, pois são excludentes da culpabilidade; quando versar responsabilidade civil objetiva (em que a conduta – culpa – é irrelevante), só cabem excludentes de nexo de causalidade.

O elemento normativo da atividade é imprescindível, sempre. Não se admite haja dever de indenizar se não houver o que indenizar, ressarcir ou reparar. Há, nesse item, dois aspectos destacáveis: a causação de prejuízo ou a violação de direito. Pode-se dizer que um é aspecto físico, constatável ipso facto, facilmente demonstrável em juízo; outro de natureza intangível, que não se pode tocar, de tal sorte que a comprovação judicial é amplamente dificultosa e exige argúcia daqueles que desejam encontrá-lo.

Outrossim, um é situação puramente de fato, enquanto o outro é essencialmente de direito. É por isso que entendemos tenha o legislador disciplinado, ainda que inadvertidamente, os institutos dos danos materiais (lucros cessantes e danos emergentes) num caso e da ofensa imaterial noutro (v. g., violação a direitos da personalidade, ofensa à honra etc.), respectivamente causar prejuízo ou violar direito.

De todo modo, dano é o elemento que menos discussões suscita na doutrina. Há de ser certo, e não hipotético. Tem de ser atual, existindo quando da distribuição da ação, ou ainda que sem dúvida advirá (caso de perigo concreto, ou risco iminente). O dano, ainda, deve ser subsistente, carecendo direito à indenização se o responsável já o tenha reparado integral e espontaneamente, por si ou por interposta pessoa. Deve ser demonstrado, à exaustão, seja ele de que ordem for; mas, em relação a danos morais, muitas das hipóteses dispensam sua prova irrefutável, posto presumidos in re ipsa ou se revela público e notório, sendo que fatos públicos e notórios não exigem provas. Cingem-se os danos materiais ao que efetivamente perdeu ou razoavelmente deixou de lucrar.

O elemento objetivo da atividade em sentido estrito atrela-se simplesmente à ação ou omissão, própria ou alheia. Aqui é despiciendo, posto ainda prematuro, indagar se o resultado obtido era ou não desejado pelo ofensor, ou ainda que tenha ele agido com incúria, descuido, despido de virtudes que o levassem a conhecer e praticar o que convém a todos. Não interessa se tenha sido incauto, ou se tenha agido sem circunspeção ou tino. Irrelevante, ainda, que a ação ou a omissão tenha sido lícita ou ilícita. Basta tenha havido atividade (ação ou omissão) própria ou de coisas e pessoas sob custódia, porquanto se tem em mira aqui unicamente um dos extremos do nexo de causalidade.

Diz-se prematuro indagar da culpa ou do dolo, pois tais têm a ver com o que vem logo em seguida. Para se elucidar, tenha-se em vista que a culpa é a túnica que será vestida e ajustada ao corpo (no caso, a atividade) para descrever-lhe uma ou mais qualidades. Em suma: não se indaga se a ação ou a omissão tenha sido culposa ou dolosa; indaga-se apenas se houve ação ou omissão.

Conquanto tênue a linha que divisa um do outro, não parece haver muitas dificuldades em separá-los, principalmente quando se estuda a responsabilidade civil objetiva e a subjetiva, quando nesta se discute também a conduta (além da atividade) e aquela apenas a atividade (sendo prescindível a conduta).

Assim sendo, quando se fala em ação ou omissão, refere-se a qualquer pessoa, inclusive direta ou indiretamente, ou seja, por ato próprio ou ato de terceiro pelo qual o agente esteja de algum modo civilmente responsável, bem assim os danos causados por animais ou coisas que pertençam àquela pessoa indiretamente responsável.

E chega-se ao derradeiro elemento integrativo. Aqui se ressalta a velha máxima “a toda ação corresponde uma reação”. Deveras, se houve um ato ou fato comissivo ou omissivo, e dele nasceram conseqüências juridicamente apreciáveis, indisputáveis se tornarão a coerência e a conexão entre eles. Tem de haver um mínimo de correspondência entre a causa e o efeito, ainda que indireta. Diz-se “ainda que indireta”, porquanto casos há em que a responsabilidade não é por ato próprio, mas por de terceiros sobre os quais deveria manter vigilância, ou sobre coisas e fatos que estão diretamente ligados à custódia daquele a que a lei atribui responsabilidade de preservação. Aqui, pois, o Direito Material trata da necessidade da existência do nexo de causalidade. Este representará o liame havido entre a atividade (comissiva ou omissiva) do agente e o dano sofrido pela vítima, sem o qual não há que se falar em obrigação de indenizar.

Enfim, cumpre-nos observar que o estudo desses elementos mostra-se indispensável a qualquer um que pretenda atuar na esfera da responsabilidade civil. Especificamente sobre as teorias da culpa e do risco, interessa sobremaneira o elemento subjetivo da conduta, pois, como retro mencionado, é a culpa o único requisito que, conforme o caso, pode ser dispensado. Daí decorrem duas teorias: a que delimita responsabilidade civil objetiva, ou teoria do risco; e, da responsabilidade civil subjetiva, ou teoria da culpa.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Alex Sandro Ribeiro

 

Advogado, Escritor e Consultor.
Pós-Graduado em Direito Civil pelo uniFMU.
Membro do IV Tribunal de Ética da OAB/SP.
Autor dos livros Ofensa à Honra da Pessoa Jurídica e
Arrematação e Adjudicação de Imóvel: Efeitos Materiais.
Autor de dezenas de artigos e trabalhos publicados.
Consultor especializado em ME e EPP.

 


 

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