Empresários e trabalhadores diante da regulamentação da terceirização no Brasil: é possível um acordo mínimo?

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Resumo: Empresários e trabalhadores percebem o fenômeno da terceirização no Brasil a partir de perspectivas diametralmente opostas: os primeiros enfatizam a importância da focalização, especialização, produtividade e competitividade; os segundos destacam a perda de empregos, redução de salários e precarização do trabalho. Diante destes ângulos muito distintos de observação do fenômeno, não resta dúvida de que esta é uma das áreas contemporâneas do conflito entre capital e trabalho. Este artigo tem como objetivo por em evidência a questão a partir do atual debate em torno da regulamentação da terceirização no Brasil. [1]


Palavras-chave: terceirização, subcontratação, relações de trabalho


Abstract: Employers and employees perceive the phenomenon of outsourcing in Brazil from diametrically opposed perspectives: the first emphasizes the importance of concentrating in the core business of the enterprise, expertise, productivity and competitiveness; the latter emphasize the loss of jobs, wage cuts and job insecurity. Given these very different angles of observation of the phenomenon, there is no doubt that this is one of the contemporary conflict between capital and labor. This article aims to highlight the issue from the current debate over the regulation of outsourcing in Brazil.


Keywords: outsourcing, subcontracting, labor relations


Sumário: 1. Terceirização: fenômeno novo ou novo formato de um antigo processo? 2. Breve painel da terceirização no Brasil. 3. A terceirização no ordenamento jurídico brasileiro. 4. A perspectiva empresarial da regulamentação da terceirização. 5. A perspectiva das representações sindicais diante da terceirização. 6. Limites e possibilidades do diálogo: a busca de espaços de mediação. 7. É possível um acordo mínimo entre empresários e trabalhadores em torno da regulamentação da terceirização?


1. Terceirização:  fenômeno novo ou novo formato de um antigo processo?


A terceirização não é propriamente uma novidade no mundo empresarial. Ela já estava presente, por exemplo, no chamado sistema de putting out, no início da Revolução Industrial inglesa, no século XVIII.  Naquele sistema, os mercadores deixavam as matérias-primas com os trabalhadores-artesões, que, em suas casas, com ferramentas próprias ou arrendadas e a ajuda de auxiliares iniciantes, produziam artigos têxteis, vestuários e calçados. Estes produtos eram entregues novamente aos mercadores que os comercializavam. Além da valorização mercantil, o sistema permitia o aumento da superexploração do trabalho, por meio do controle direto dos auxiliares, posto que muitos dos artesãos recebiam incentivos para que seus colaboradores não se “dispersassem” no trabalho[2]. Vê-se, assim, que também não é novo o pêndulo da terceirização em favor do capital nas relações de trabalho.


É de longa data a existência da terceirização nas relações entre empresas e no processo produtivo. De uma maneira abrangente, pode-se afirmar que o ato de terceirizar é indissociável do próprio processo de divisão social do trabalho. Em qualquer sistema econômico baseado na divisão do trabalho – seja ele capitalista ou não – a terceirização será elemento constitutivo, já que a divisão do trabalho resulta sempre em especialização e troca.


Há algo, contudo, que diferencia e caracteriza a terceirização nas últimas três décadas. A terceirização, que foi adotada e difundida em praticamente todos os setores da atividade econômica (indústria, agricultura, comércio, serviços, sistema financeiro, administração pública, entre outros), guardou estreita relação com a abertura de mercados, a globalização, os sistemas de comunicação e os meios de transporte. A rapidez nos fluxos de mercadorias e serviços constituiu-se em um indubitável incentivo à terceirização.


A atual terceirização foi também impulsionada pelas mudanças do sistema capitalista, que resultaram em crescente instabilidade econômica e acirramento da concorrência. Neste contexto, as empresas procuram formas de aumentar sua flexibilidade e de reduzir custos totais. A transferência de serviços e atividades produtivas para “terceiros” é uma das possibilidades que a empresa tem para atingir estes objetivos. Transformando-se em “contratante de serviços”, ela pode ajustar sua compra de serviços terceirizados às oscilações de seu próprio faturamento, e desta forma transformar custos fixos em custos variáveis.


Os defensores da expansão da terceirização argumentam, à maneira microeconômica, que, se cada empresa centrar-se no foco de sua atividade (atividade-fim), e transferir para empresas terceiras especializadas parte ou todas as atividades que não pertencem à sua área de atuação principal, o aumento da produtividade será generalizado.


No Brasil, a redução de custos por meio da terceirização é potencializada pela enorme heterogeneidade existente no mercado de trabalho do País. São grandes as diferenças de salários, benefícios, jornadas de trabalho, condições de trabalho e organização sindical, que se verificam entre as grandes, médias e pequenas empresas; entre as  multinacionais e nacionais; entre as regiões do País; entre os setores de atividade. Neste quadro, a terceirização pode, de fato, significar para a empresa que terceiriza acentuada redução de custos.


Contudo, o mesmo ato de terceirizar que representa redução de custos para a empresa contratante significa, não raro, a precarização do trabalho no País. Isto porque, a terceirização freqüentemente traz consigo a redução de salários e benefícios, o aumento das jornadas, a diminuição do poder dos sindicatos mais fortes. Em vários setores, a difusão da terceirização também está correlacionada com o aumento dos acidentes de trabalho e as doenças profissionais. Por tudo isto, os sindicatos brasileiros têm grande resistência em relação ao tema da terceirização[3].


Um caso exemplar de como acontece este processo de precarização é o do setor financeiro. Os trabalhadores diretamente contratados pelos bancos e que fazem parte da categoria dos “bancários” estão regidos por um acordo coletivo nacional relativo às relações de trabalho nos bancos. Todavia, os trabalhadores terceirizados que prestam serviços aos bancos são enquadrados em sindicatos mais frágeis e regidos por outros acordos, via de regra, com pisos salariais, jornadas, benefícios etc muito inferiores aos dos bancários.  Dissertação de Mestrado de SANCHES (2006) verificou que trabalhadores terceirizados que exerciam atividades anteriormente realizadas por bancários – como, por exemplo, nas funções de caixa e escriturário – recebiam salários em torno de 53% inferiores às remunerações dos trabalhadores efetivos. Por sua vez, nos setores de retaguarda e compensação, a jornada diária contratual dos terceirizados era 46% superior (6h diárias entre os trabalhadores efetivos dos bancos e 8h e 48 min entre os terceirizados).  Em muitos dos casos, os trabalhadores terceirizados têm auxílio refeição inferior a 50% do que recebem os efetivos; e não recebem auxílio alimentação, creches e Participação nos Lucros e Resultados – o que acaba aumentando de modo muito significativo a diferença entre ambos os tipos de trabalhadores, haja vista que estes benefícios costumam ser relativamente altos entre os bancos.


Como conseqüência desta acentuada diferença, expandiu-se aceleradamente a terceirização também no sistema financeiro brasileiro[4], como mostra a tabela 1.


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2. Breve painel da terceirização no Brasil


Não há ainda pesquisas abrangentes, regulares, detalhadas e baseadas em trabalho de campo sobre a terceirização no Brasil. Por isto, é necessário justapor informações das pesquisas existentes, que, complementarmente, possam fornecer uma fotografia preliminar do processo no País.


Uma delas constituiu-se no levantamento realizado pelo Sindicato das Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros, Colocação e Administração de Mão-de-obra e de Trabalho Temporário no Estado de São Paulo (SINDEPRESTEM), que, investigando o fenômeno pela ótica das empresas prestadoras de serviços, apontou para um total, em 2007, de quase 30 mil empresas que realizam serviços terceirizáveis no País, das quais mais de metade delas estão no Sudeste (51,8%). Também é expressiva a presença dessas empresas no Sul (21,5%) e no Nordeste (17,3%), como mostra a tabela 2.


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O SINDEPRESTEM constatou igualmente, como mostra a tabela 3, que a demanda de serviços terceirizados distribui-se entre os diferentes setores da atividade econômica. O segmento da indústria é o que mais contrata serviços terceirizados, seguido pelo de comércio e de serviços.


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A difusão da terceirização no setor industrial foi também captada por recente pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), intitulada “Sondagem Especial: Utilização de serviços terceirizados pela indústria brasileira”, divulgada em abril de 2009. A pesquisa baseou-se em uma amostra de 1443 empresas industriais, das quais, em relação ao porte, 798 eram pequenas; 433, médias; 212, grandes. A coleta das informações ocorreu no bimestre setembro-outubro de 2008.


Algumas das conclusões da pesquisa da CNI são expostas no quadro 1 a seguir.


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A tabela 4 mostra que, em relação à utilização de trabalhadores terceirizados, há uma clara diferenciação entre os segmentos industriais que fizeram parte da amostra. Alguns segmentos (como Refino de petróleo, Indústrias extrativas, Vestuário, Papel e Celulose, Metalurgia Básica) possuem percentuais elevados das respostas que apontam que a empresa possui mais de 25% de terceirizados. Por outro lado, vários outros segmentos (Minerais não Metálicos, Produtos de Metal, Limpeza e Perfumaria, Equipamentos Hospitalares e de Precisão, Alimentos, Têxteis, Máquinas e equipamentos, Couros e Móveis) possuem percentuais maiores de respostas das empresas que afirmam que possuem até 10% de terceirizados.  A nosso ver, uma das explicações disto é que muitas empresas da pesquisa podem não ter contabilizado como terceirizados os chamados trabalhadores pessoas jurídicas (“PJ”). Outro motivo é que as empresas poderiam ter contabilizado como “terceirizados” apenas aqueles trabalhadores que são de empresas terceiras e que atuam no interior de suas instalações.


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A mesma pesquisa diagnosticou que a qualidade menor que a esperada e o custo maior que o previsto constituem-se nos principais problemas enfrentados pelas empresas na utilização de serviços terceirizados. Surpreendentemente, a oposição dos sindicatos não está entre os “problemas” com maior participação percentual das respostas das empresas. Entre os segmentos cujas empresas industriais tiveram mais de 20% das respostas centradas no item “oposição dos sindicatos” estão: refino de petróleo (20%); química (26%); máquinas e materiais elétricos (24%); veículos automotores (21%); outros equipamentos de transporte (20%).


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Destaca-se também a pesquisa realizada por POSCHMANN (2007), para o Sindicato dos Empregados em Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros, Colocação e Administração de Mão-de-obra, Trabalho Temporário, Leitura de Medidores e Entrega de Avisos do Estado de São Paulo (SINDEEPRES), sob o título de “Superterceirização dos contratos de trabalho”. São as seguintes as principais conclusões desse trabalho, cuja área de observação foi o Estado de São Paulo:


a) No Estado, houve a geração de 3 milhões de empregos formais no período de 1985 a 2005. Deste total, 12,1% foram de ocupações geradas nos empreendimentos envolvidos com a terceirização de mão-de-obra.


b) O número de trabalhadores formais em empresas de terceirização passou de 60.476 em 1985 para 424.973 em 2005. Isto significa que, enquanto o número de empregos formais foi multiplicado por 1,4 vezes, o total de trabalhadores em empresas de terceirização foi multiplicado por 7 vezes.


c) O número de empresas de terceirização de mão-de-obra passou de 257 para 6.308 empreendimentos.


d) O ritmo de criação de empreendimentos terceirizados foi bem mais intenso que o do total dos empregos gerados: em 2005, cada empresa de terceirização de mão-de-obra tinha em média 67 empregados contratados, contra 235 em 1985.


e) Foi também expressivo o crescimento de trabalhadores contratados na forma de pessoa jurídica (PJ). Em 2005, 33% das empresas de mão-de-obra não tinham empregados, contra menos de 5% em 1985. Em 20 anos, o número de PJs no Estado de São Paulo aumentou 174 vezes.


f) O crescimento de PJs guarda relação com a terceirização da atividade-fim das empresas. Em muitos dos casos, os terceirizados passaram a serem constituídos de gerentes, técnicos, vendedores, inspetores de qualidade, analistas e supervisores, entre outros[5].


3. A terceirização no ordenamento jurídico brasileiro


Apesar da forte expansão do processo de terceirização e de seus imensos efeitos sobre as relações de trabalho, não há no Brasil uma lei específica que regule as várias dimensões da terceirização, especialmente no campo das relações de trabalho. O que existem são algumas leis, decretos, súmulas e enunciados que, direta ou indiretamente, regulamentam alguns dos aspectos comerciais e trabalhistas do fenômeno. Os principais instrumentos da precária regulação da terceirização são expostos no quadro 2 a seguir.


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Todavia, o principal instrumento jurídico regulador na área é, de fato, o Enunciado nº 331, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), de 17/12/1993. Diz o Enunciado nº 331, do TST:


“I – A contratação de trabalhadores por empresa de terceira interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei n. 6.019, de 03/01/1974);II – A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Funcional (art. 37, II, da Constituição da República);


III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei n. 7102, de 20/6/83), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação direta; IV- O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (artigo 71 da Lei n. 8666/93)”.


O Enunciado nº 331 determina que a contratação de mão-de-obra por empresa interposta é ilegal, à exceção do trabalho temporário. Por ele, poderão ser terceirizados os serviços de vigilância, conservação e limpeza e os serviços especializados ligados à atividade-meio da  empresa tomadora.


Cabe dizer que o Enunciado nº 331 já havia representado uma flexibilização do Enunciado nº 256 do TST, de 1986. Este último estabelecia a proibição da contratação de terceiros por empresa interposta. As exceções admitidas eram o trabalho temporário e o de serviço de vigilância. Fora disso haveria o vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços.


Uma das polêmicas em relação à leitura do Enunciado nº 331 repousa no entendimento de serviços especializados. Afinal, no Enunciado a especialização está ligada ao serviço do empregado terceirizado ou da empresa terceira?


De acordo com o trabalho de CONCEIÇÃO, M.C.V. (2002), as decisões judiciais nos últimos anos evidenciam que, apesar do conceito genérico de atividade-fim e atividade-meio serem conhecidos, não é nada fácil na prática definir a linha divisória entre ambos. Em outras palavras, há uma grande dificuldade dos juízes em definir as áreas-fim e meio de uma empresa.  Também por esta razão, verificam-se diferenças acentuadas entre os julgados.


Mais ainda: nota-se recentemente uma espécie de flexibilização do Enunciado nº 331 por parte do judiciário – flexibilização esta que permite maiores graus de terceirização nas empresas, mas que, em troca, exige nas relações entre as empresas o cumprimento de pelos menos dois itens fundamentais: a idoneidade e a especialização das empresas contratadas Na prática, esta flexibilização do Enunciado nas decisões judiciais tem possibilitado a terceirização da própria atividade-fim da empresa.


4. A perspectiva empresarial da regulamentação da terceirização


Pode-se dividir em três momentos o posicionamento recente do empresariado frente à regulamentação da terceirização. 


O primeiro momento refere-se à década de 1990, quando a posição majoritária do empresariado foi pela não regulamentação da terceirização. Recorde-se que, neste período, as empresas viviam sob o fogo cruzado da combinação de uma série de fatores que afetaram bruscamente  suas margens de rentabilidade. De tal modo que a própria sobrevivência da empresa foi posta em risco.  Entre estes fatores estavam a abertura de mercados e a conseqüente intensificação da concorrência nacional e internacional, o congelamento do câmbio, os custos financeiros elevados gerados por altas de juros e o aumento da carga tributária.


A globalização das economias, fortemente impulsionada nesta década, promoveu também a aproximação e a convergência das práticas de gestão da produção e do trabalho das empresas. O chamado modelo japonês (produção enxuta ou lean production) constituía-se no paradigma a ser seguido por todas as empresas, tendo em vista que seus parâmetros de produtividade e competitividade eram mais elevados. E neste modelo de produção a terceirização – juntamente com os conceitos de modularização dos componentes e do fornecimento global – exercia um papel-chave[6].


A redução de custos em todas as áreas possíveis, associada ao esforço em reproduzir práticas gerenciais consideradas “modernas”, tornou-se quase que obsessão das empresas. Neste contexto, a terceirização foi uma das possibilidades que as empresas passaram a levantar para reduzir custos e “modernizar” seus processos.   Assim, cada empresa procurou estudar área por área, departamento por departamento, insumo por insumo as possíveis alternativas de terceirização de serviços e etapas do processo produtivo.


Deste modo, qualquer empecilho “externo” à empresa que tivesse o efeito de obstaculizar, dificultar ou diminuir a terceirização – tais como legislações, acordos coletivos etc – era prontamente rechaçado pelas representações empresariais. Em última instância, se não havia da parte de governo e das representações dos trabalhadores pressão suficiente para a regulamentação, não seriam os empresários que pressionariam por ela. Neste ambiente de hegemonia das idéias neoliberais em favor do livre mercado, a ausência de regulamentação era o melhor cenário para aqueles que queriam acelerar o processo de terceirização a todo custo.


A perspectiva empresarial começa a mudar no final da década de 1990, quando o empresariado, premido já pela expansão dos crescentes processos trabalhistas, buscou legitimar a forma como concebem a terceirização por meio da  aprovação de uma regulamentação específica no âmbito do Congresso Nacional. O consenso entre os empresários é de que esta lei deve, entre outros, permitir a terceirização tanto na atividade-meio quanto na atividade-fim; além de descaracterizar o vínculo empregatício entre o trabalhador terceiro e a empresa contratante.


Um dos primeiros projetos que tiveram apoio de parte expressiva do empresariado foi o Projeto de Lei nº 4302/1998, de iniciativa do Poder Executivo, à época sob o comando de Fernando Henrique Cardoso. Este Projeto, que ainda está em tramitação, propõe, indiretamente, a regulamentação da terceirização por meio de alterações na Lei nº 6019/1974. Com contornos de uma reforma trabalhista, o referido projeto sugere mudanças na duração dos contratos e no próprio caráter do trabalho temporário[7], admitido na legislação para situações excepcionais como, por exemplo, para substituir empregados em períodos de férias, licença médica ou outros afastamentos e, ainda, por aumento extraordinário da produção.


O Projeto de Lei nº 4302/1998 amplia a duração dos contratos temporários dos atuais 90 dias para 01 ano ou mais. O cômputo inicial passa a ser de 180 dias, com possibilidade de ampliação para mais 90 dias e novas prorrogações por meio de negociação coletiva com os sindicatos representantes dos trabalhadores terceirizados. Por ser uma contratação por tempo determinado, o término dos contratos não prevê multa de 40% sobre o FGTS, nem a indenização de aviso-prévio. Tampouco assegura outras garantias previstas na CLT.


Em realidade, o tipo de contrato de trabalho permitido pelo Projeto de Lei nº 4302, por ser bastante atraente para as empresas em termos de redução de custos, pode se transformar em paradigma de contratação, em detrimento de contratos mais estáveis, como o contrato por tempo indeterminado.


Mais ainda: por se tratar, em tese, do trabalho temporário, o referido projeto libera a terceirização em qualquer parte da atividade da empresa, seja ela considerada meio ou fim; regulamenta a atuação de empresas prestadoras de serviço rurais ou urbanas e define expressamente a ausência de vínculo empregatício com a empresa tomadora. Em sua última versão, a aprovada pelo Senado Federal, o PL 4302/1998 estabelece a responsabilidade subsidiária das empresas pelas obrigações trabalhistas.


Mencione-se que no início do primeiro mandato do governo de Luís Ignácio Lula da Silva, a pedido das Centrais Sindicais, foi encaminhada a mensagem presidencial nº 389/2003, que solicita a retirada do Projeto de Lei nº 4302/1998 da pauta do Congresso Nacional, com a perspectiva de construção de uma proposta tripartite no âmbito do Fórum Nacional do Trabalho – espaço de negociação que trataria dos temas da reforma sindical e reforma trabalhista – o que acabou não sendo efetivado.


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O tema da terceirização voltou à pauta do Congresso Nacional em 2004 por meio do Projeto de Lei nº 4330/2004, do Deputado Sandro Mabel (Partido Liberal de Goiás), que havia sido relator do Projeto de Lei nº 4302/1998 e sobre o qual ele havia emitido parecer favorável.


 Ao contrário da iniciativa anterior, o Projeto de Lei nº 4330/2004 propõe de forma direta a regulamentação da terceirização; permite a terceirização da atividade-fim; desconfigura vínculo empregatício entre a empresa contratante e os trabalhadores ou sócios das prestadoras de serviços; autoriza sucessivas contratações do trabalhador por diferentes prestadoras de serviços a terceiros, que prestem serviços à mesma contratante; menciona (sem os devidos cuidados necessários) a terceirização nos serviços públicos.


Em que pese serem alvos de várias críticas por parte dos trabalhadores, juristas e até mesmo de parte do empresariado, os dois projetos em questão continuam em tramitação no Congresso, sendo que o PL nº 4302/1998 vem, nos últimos meses, ganhando força no Congresso, tendo inclusive sido aprovado ao longo de 2008 em todas as comissões de trabalho da Câmara.


Um dos itens que fraciona os interesses do empresariado é o da Responsabilidade Subsidiária (versus Responsabilidade Solidária). As empresas contratantes defendem a Responsabilidade Subsidiária; ao passo que as empresas fornecedoras de serviços, a Responsabilidade Solidária[8].


Frise-se que este segundo momento da posição do empresariado, que se inicia no final da década de 1990, no qual este segmento buscou aprovar uma legislação adequada aos seus interesses, explica-se, sobretudo, pelo aumento da insegurança jurídica, gerada pela expansão de processos trabalhistas (a maior parte deles com pedidos de configuração de vínculo de emprego). Algumas das decisões judiciais representaram derrotas significativas para as empresas.


O terceiro momento do posicionamento empresarial em relação à regulamentação da terceirização  reside nas iniciativas da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) em procurar um certo diálogo com as Centrais Sindicais, para a construção de alguns consensos mínimos em torno de uma legislação da terceirização.


Sublinhe-se que a iniciativa da FIESP em chamar as Centrais Sindicais para o diálogo em torno do tema da terceirização foi motivada, em grande medida, pela insegurança jurídica gerada por decisões judiciais recentes, como foram os casos da Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG) e da Volkswagen Caminhões e ônibus em Resende (Rio de Janeiro)


Em junho de 2007, a CEMIG foi condenada em Ação Civil Pública, ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, a acabar com a terceirização em áreas essenciais, isto é, nas atividades-fim da empresa (construção, extensão e modificação de RDA; ligação de unidades consumidoras; manutenção de iluminação pública; leitura de medidores, entre outras). A decisão deu-se na 4ª Vara de Justiça do Trabalho de Belo Horizonte, após aproximadamente quatro anos do ajuizamento da ação. À empresa foi estabelecido prazo de nove meses para promover concurso público visando o preenchimento dos cargos[9].


Igualmente no caso da Volkswagen Caminhões e Ônibus, em Resende, a decisão judicial de novembro de 2007 da Vara do Trabalho daquela cidade determinou que a empresa não poderá mais contratar mão-de-obra por meio de intermediação de empresas, para a prestação de serviços ligados à atividade-fim. Mais absurdo ainda neste caso é que, segundo a decisão judicial, a Volkswagen contratava, entre outras, a Associação para Valorização e Promoção de Excepcionais (AVAPE), entidade beneficiente e sem fins lucrativos, para realizar atividades ligadas à manutenção, qualidade, finanças, faturamento, entre outras[10]. A multa diária pelo descumprimento da decisão foi estabelecida em R$ 5 mil por trabalhador irregular[11].


É tendo este pano de fundo em mente, que, em janeiro de 2008, a FIESP convidou as Centrais Sindicais para, em sua sede, tratar do tema da terceirização. A entidade, por meio do seu Conselho Social (Consocial) – cuja função é elaborar diagnósticos e proposições de políticas sobre determinados temas nas áreas do trabalho, saúde e educação – apresentou documento intitulado “Terceirização Protegida”, com considerações e sugestões sobre o tema. Uma síntese do documento é a que se segue:


a) A terceirização é um “fenômeno irreversível”, que faz parte do processo moderno de organização da produção[12].


b) Sob o prisma dos princípios gerais que norteiam o ordenamento jurídico brasileiro, a terceirização de atividades e serviços não deve sofrer qualquer restrição sustentada na polarização “atividade-fim versus atividade-meio”, já que a Constituição Federal garantiria, em seu artigo nº 170, o livre exercício da atividade econômica, além do Código Civil assegurar e disciplinar a liberdade de contratar “toda espécie de serviço ou trabalho lícito” (art. 421 e 593 e seguintes)[13].


c) Portanto, são ilegais, abusivas e inconstitucionais as ações trabalhistas que têm por base a definição de atividade-fim da empresa.


d) Na medida em que o Enunciado nº 331 do TST (que justamente proíbe a terceirização na atividade-fim e estabelece a responsabilidade subsidiária) é hoje a principal orientação no âmbito do Direito do Trabalho, e que boa parte das decisões recentes adotadas pelo Judiciário nele se baseiam, o enunciado nº 331 causa insegurança jurídica no meio empresarial (passivos trabalhistas, fiscalizações “arbitrárias”) e engessamento do mercado de trabalho.


e) A responsabilidade solidária é o resultado prático de algumas das decisões judiciais recentes. Ela livra as empresas prestadoras da repartição de riscos, penalizando as tomadoras.


f) O Brasil necessita de um marco regulatório que possibilite a “terceirização protegida” – proteção esta tanto ao trabalhador quanto às empresas envolvidas.


A proposta apresentada pela FIESP consiste basicamente em 4 pontos:


1) Constituir a lei da ‘terceirização protegida” com base no seguinte princípio: “terceirize o que você quiser, mas o faça bem feito”. Isto é, a terceirização deve ser livre, mas sua ocorrência deve ocorrer dentro de um marco regulatório que proteja tanto o empresário quanto o trabalhador.


2) Determinar requisitos mínimos para as empresas terceirizadas: idoneidade, capital mínimo, especialização.


3) Estabelecer a responsabilidade subsidiária e permitir a possibilidade de “co-administração do contrato”.


4)  Garantir a proteção dos direitos trabalhistas e previdenciários. Isto significa, de acordo com a FIESP, a “fiscalização ativa do cumprimento das Normas Regulamentadoras (NRs) pelos órgãos competentes (Delegacias Regionais do Trabalho, Ministério Público do Trabalho, Sindicatos), com o objetivo de melhorar o ambiente de trabalho (proteção à saúde e segurança do trabalhador) e reverter os índices de acidente dos terceirizados em relação aos trabalhadores do quadro próprio”. Significa também “estabelecer novos parâmetros para a renovação do contrato e remuneração”.


Em suma, a proposta de “terceirização protegida” explicita as preocupações do empresariado industrial paulista referente às mencionadas decisões judiciais recentes.


5. A perspectiva das representações sindicais diante da terceirização  


O sindicalismo, com destaque para a CUT vem buscando aprimorar sua estratégia nos últimos anos. Busca-se agora, mais propositivamente, interferir nas decisões e nas conseqüências da terceirização, seja por meio de novas formas de organização sindical (organização de terceirizados; comissão de trabalhadores por empresa composta por trabalhadores da empresa contratante e trabalhadores terceirizados), seja por meio do debate da legislação, ou da negociação[14].


Desta forma, desde 2004, a CUT, sob a coordenação de sua Secretaria Nacional de Organização, aprofundou em seu interior um conjunto de ações sindicais de enfrentamento em relação ao tema.


Em face das contradições existentes no seio do próprio sindicalismo, o GT de Terceirização defrontou-se com um conjunto de questões polêmicas acerca da regulamentação da terceirização, as quais, pela tradição democrática da Central, ousamos compartilhar publicamente. Entre as principais polêmicas destacamos as seguintes: A CUT deveria ou não propor um Projeto de Lei (PL), a ser apresentado no Congresso Nacional, para regulamentar a terceirização? O PL deveria proibir a terceirização e obrigar a “primeirização”; ou deveria incentivar a informação prévia e a negociação coletiva? O PL deveria ser um único para o setor privado e o setor público; ou deveriam ser elaborados dois projetos distintos? O PL deveria proibir a terceirização na atividade-fim e deixar ao Judiciário decidir os impasses; ou deveria proibir a terceirização na atividade-fim e deixar à negociação coletiva definir estas atividades em cada setor? O PL deveria ou não fazer referência ao assunto da representação sindical dos terceirizados? O PL deveria prever que os terceirizados decidiriam qual o sindicato os representará; ou deveria prever que o sindicato representante dos terceiros será o da atividade preponderante? O PL deveria obrigar a igualdade de salários e benefícios entre os terceiros e os empregados diretos; ou deveria garantir um piso nacional de salário para as categorias? O PL deveria ou não aceitar a limpeza, a vigilância e os temporários como atividades terceirizáveis, tendo em vista a regulamentação já existente e a difusão da terceirização nestas atividades? O PL deveria prever a arbitragem para solucionar os conflitos; ou o Judiciário deveria ser sempre procurado para solucionar os impasses da negociação?


Como resultado do amadurecimento de um intenso debate interno, envolvendo os vários ramos de atividade representados pela CUT, foram estabelecidos determinados parâmetros que serviram para estruturar a proposta de projeto de lei da Central sobre a terceirização – parâmetros estes que acabaram sendo posteriormente encampados pelo ex – Presidente da CUT e atual Deputado Federal Vicente Paulo da Silva (Partido dos Trabalhadores, SP), em seu Projeto de Lei de nº 1621, de 2007.  São os seguintes os parâmetros:


1. A terceirização na atividade-fim da empresa deve ser proibida;


2. Na atividade-fim, somente poderá haver trabalhadores diretos;


3. Garantia, aos terceirizados, das mesmas condições de salários, jornadas, benefícios, condições de saúde, ritmo e segurança no ambiente de trabalho;


4. Informação prévia aos sindicatos quanto à pretensão de se implantar projetos de terceirização (seis meses de antecedência);


5. A empresa tomadora é proibida de manter empregado em atividade diversa daquela para a qual ele foi contratado pela prestadora de serviços;


6. Empregados da prestadora não poderão ser subordinados ao comando disciplinar e diretivo da tomadora. Esta não poderá exigir a pessoalidade na prestação de serviços;


7. A contratação de prestadoras de serviços constituídas com a finalidade exclusiva de fornecer serviços de mão-de-obra é proibida – ressalvados os casos previstos em lei;


8. Responsabilidade solidária da tomadora no cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias, no tocante ao período em que ocorrer a prestação dos serviços pelos empregados da prestadora;


9. A prestadora é obrigada a fornecer à tomadora, mensalmente, a comprovação do pagamento dos salários, do recolhimento das contribuições previdenciárias e do FGTS – informações que serão fornecidas também às representações sindicais sempre que solicitadas;


10. A tomadora assegurará o pagamento de salários, 13º salário, férias e recolhimento de FGTS, se a prestadora deixar de cumprir estes compromissos com seus trabalhadores;


11. Haverá vínculo empregatício entre a tomadora e os empregados da prestadora, sempre que presentes os elementos que caracterizam uma relação do emprego previstos na CLT;


12. O sindicato representativo dos trabalhadores poderá representar os empregados judicialmente, na qualidade de substituto processual.


De todos os posicionamentos das Centrais Sindicais, a proposta da CUT é a mais completa e detalhada.  De certa forma, ele orientou a colocação das outras Centrais Sindicais sobre o tema. Isto fica evidente quando se analisa a “Carta aberta aos parlamentares”, assinada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical (FS), Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST) e União Geral de Trabalhadores (UGT), em 7 de outubro de 2007, e que apontou as seguintes “diretrizes de consenso” das Centrais Sindicais em torno de uma legislação sob das Centrais Sindicais sobre o tema:


a) Direito à informação prévia;


b) Proibição da terceirização na atividade-fim;


c) Responsabilidade solidária da empresa contratante pelas obrigações trabalhistas;


d) Igualdade de direitos e de condições de trabalho;


e) Penalização das empresas infratoras.


6. Limites e possibilidades do diálogo: a busca de espaços de mediação


Tomando como ponto de partida os parâmetros formulados pela CUT para a regulamentação da terceirização e os seus desdobramentos em relação às demais Centrais Sindicais, o posicionamento de parte dos empresários expresso na proposta da Fiesp, apresentada anteriormente, estabelece pontos que ainda guardam uma diferença bastante grande no que tange à construção de um marco regulatório negociado da terceirização.


Um dos problemas da proposta da Fiesp, à luz das posições da CUT, está em remeter para a esfera contratual entre empresas uma relação que é essencialmente trabalhista, estabelecendo o Código Civil como parâmetro legal em detrimento do Direito do Trabalho. Em que pese o formalismo jurídico não ser o único ponto de referência para o diálogo, trata-se de uma inversão significativa da mediação contratual, que desprotege ainda mais os trabalhadores.


Também é importante notar que os conceitos de atividade-fim e atividade-meio (ou inerente e acessória; essencial e secundária), hoje repelidos pelas entidades empresariais, foram promovidos pelo próprio empresariado no curso da década de 1990. Em diversos discursos e pronunciamentos naquele período lideranças empresariais enfatizaram a necessidade da modernização por meio do chamado “core business”, isto é, da focalização da empresa em sua “atividade-fim” e da terceirização de tudo o mais que fosse possível.


Admitir a terceirização de tudo o que a empresa “quiser”, a partir do princípio da liberdade de iniciativa empresarial, significaria também a existência de uma legislação de proteção generalizada ao trabalho no Brasil, o que ainda está  longe da realidade brasileira que , dentre outros aspectos, não reconhece o direito de organização sindical no local de trabalho, tampouco favorece a negociação e a contratação coletiva em níveis mais amplos. Neste sentido, a livre terceirização representa o risco concreto do incremento da precarização do trabalho.


Um dos pontos nevrálgicos do debate sobre o marco regulatório para terceirização, que vai para além de uma questão conceitual, reside na hierarquização dos processos de trabalho em termos de etapas principais e secundárias, fim ou meio. Isto porque esta tem sido a base do Enunciado nº 331 que, como vimos  é o principal instrumento legal regulatório da terceirização vigente hoje no país, portanto referência acerca da sua legalidade ou ilegalidade.


Outro aspecto importante é a responsabilidade subsidiária ou solidária. A responsabilidade subsidiária, sugerida pela FIESP, já está garantida pelo Enunciado nº 331 e não tem sido suficiente para resolver os inúmeros problemas enfrentados  pelos trabalhadores no campo das ações no Judiciário. O que as Centrais Sindicais almejam é a responsabilidade solidária.


Por fim, mas não menos importante, um aspecto do documento da FIESP que se diferencia das posições da CUT reside nos direitos trabalhistas e previdenciários, em especial no que se refere à proteção da saúde dos trabalhadores. Ao invés de se comprometer com condições de trabalho adequadas e com a proteção efetiva da saúde dos trabalhadores, o documento da FIESP remete à esfera burocrática, da fiscalização, um dos problemas mais graves da gestão do trabalho, portanto de responsabilidade das empresas, que é o desrespeito à vida e à saúde dos trabalhadores, expresso de forma dramática, e ainda assim parcial, nos elevados de acidentes e doenças do trabalho.


Em que pese a situação de vulnerabilidade do conjunto dos trabalhadores frente às novas formas de organização da produção e do trabalho, a realidade tem demonstrado que os trabalhadores terceirizados vem sendo mais penalizados no tocante ao incremento de situações de risco e à incidência de acidentes de trabalho, inclusive graves e fatais.


Diante da polarização de posições em torno das premissas para regulamentação da terceirização, o Ministério do Trabalho e Emprego, por solicitação das Centrais  Sindicais, reinstalou um espaço tripartite de discussão sobre o tema, que acabou não evoluindo para a construção coletiva e negociada de uma proposta.


7. É POSSÍVEL UM acordo MÍNIMO entre empresários e trabalhadores em torno da REGULAMENTAÇÃO da terceirização?


Tanto os empresários quanto as representações sindicais avançaram, nos últimos anos, em explicitar o conteúdo da regulamentação que desejariam ser aprovada no Congresso Nacional. Contudo, o que se verifica no presente momento é que nenhuma das partes tem força suficiente para aprovar um projeto de lei perfeitamente de acordo com seus interesses.


Diante do exposto, é preciso avançar neste diálogo, posto que a ausência de regulamentação, se já não interessa ao empresariado, também é bem menos interessante para os trabalhadores, maiores vítimas deste vácuo de regulamentação.


Um eventual avanço no diálogo entre capital e trabalho pode significar a construção de um Projeto de Lei negociado entre as partes, com uma chance maior de aprovação no Congresso Nacional.


Assim, com base na comparação das perspectivas iniciais de que partem empresários e representações sindicais, sugerem-se alguns pontos que poderiam orientar um “consenso mínimo” sobre o tema:


1. Iniciar o diálogo com a explicitação do que ambas as partes consideram como elementos fundamentais para a construção de um projeto de regulamentação da terceirização.  O esforço é produzir princípios negociados visando a elaboração de uma futura legislação.


2. Acordar que o objeto do diálogo deve ser as relações de trabalho nos atos de terceirização no setor privado. A terceirização no setor público deve ser tratada em legislação à parte e sua eventual negociação deve envolver outros interlocutores.


3. A priori, princípios que são do interesse empresarial como “modernização da produção”, “especialização”, “eficiência” e “segurança jurídica” não são necessariamente excludentes com os princípios e interesses dos trabalhadores. O ponto central para os trabalhadores é a qualidade das relações de trabalho.


4. O cuidado com a idoneidade das prestadoras é de interesse de trabalhadores e tomadoras.


5. No mesmo sentido, firmar que a atividade-fim não pode ser passível de terceirização por parte da tomadora. Contudo, os setores, áreas e atividades que compõem a “atividade-fim” em cada ramo de atividade deveriam ser objeto de negociação entre empresas e representações sindicais.  A terceirização somente poderia ocorrer após esta definição em contratação coletiva.


6. Além dos pontos listados acima, outros itens deveriam ser dialogados: a) garantia de informação e negociação prévias; b) proibição de terceirização por empresas que sejam exclusivamente fornecedoras de mão-de-obra; c) manutenção do nível de emprego, realocação e re-treinamento do pessoal afetado); d) garantias efetivas de proteção da saúde e segurança; f) fornecimento de comprovantes de quitação de débitos do FGTS e previdência social pelas empresas terceiras; g) exigência de informações sobre os terceiros; h) representação sindical; i) piso salarial por função no ramo; j) vínculo empregatício.


A regulamentação da terceirização atingida por meio de acordo  poderá não ser a melhor, a luz dos interesses específicos de capital e trabalho, vistos isoladamente. Mas será a regulamentação possível. E, assim, é muito provável que, sem resolver todas as contradições geradas pela terceirização no Brasil, ela possa ao menos contribuir para a instituição de um quadro menos perverso em termos de seus efeitos sobre o mundo do trabalho.  Em outras palavras, se, em muitos dos casos, a terceirização é um processo de fato irreversível, ela deve justificar-se por fatores como especialização, qualificação e ganhos de escala, e não pelo rebaixamento de salários, incremento de jornadas e piora nas condições de trabalho, como acontece atualmente.


 


Referências Bibliográficas:

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DAU, Denise Motta. Enfrentar a precarização do trabalho: por uma legislação de combate à terceirização. 7 fev. 2006a. Disponível em: <http;//www.cut.org.br/organizacao/index.php?option=com_content&task=view&id=14&Itemid=36>.

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SANCHES, Ana Tercia. Terceirização e terceirizados no setor bancário: relações de emprego, condições de trabalho e ação sindical. 2006. 155 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC, São Paulo.

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Notas:

[1] Artigo publicado originalmente no livro “Terceirização no Brasil: do discurso da inovação à precarização do Trabalho no Brasil”, organizado por Denise Motta Dau, Iram Jácome Rodrigues e Jefferson José da Conceição. Editora Annablume, 2009. 

[2] Para uma análise do sistema de putting-out no contexto da Revolução Industrial e da primeira fase do capitalismo industrial ver HOBSBAWN (1977)

[3] Para um histórico dos dilemas do sindicalismo frente à terceirização, ver também MARTINS (1994) e DIEESE (2007).

[4] SANCHES (2006) também constatou que nos cinco maiores bancos do País verificou-se um crescimento médio de aproximadamente 300% com as despesas relativas a serviços terceirizados no período entre 1999 e 2005.

[5] Para uma recuperação das recorrentes iniciativas de lobbies empresariais para legitimar a chamada “pejorização do trabalhador”, ou seja, a ilícita transformação do trabalhador da condição de empregado para pessoa jurídica, o trabalhador “PJ”, ver CONCEIÇÃO, M.C.V. (2007)

[6] Para uma recuperação dos principais elementos da chamada “reestruturação produtiva”, e nesta o papel exercido pela terceirização, ver CONCEIÇÃO, J.J (2001).

[7] A respeito deste projeto, ver informações mais detalhadas em “Nota sobre o Substitutivo do Senado Federal ao Projeto de Lei nº 4302-B, de 1998: nova lei do trabalho temporário; regulamentação da terceirização, elaborada pela Secretaria Nacional de Organização da  CUT / Subseção DIEESE, em outubro de 2008.

[8] CONCEIÇÃO, M.C.V (2002) explica a diferença entre ambos: “Nos casos de ações trabalhistas, pouco importa a alegação da [empresa] tomadora acerca dos cuidados que tomou para verificar, por exemplo, o recolhimento de contribuições previdenciárias, fiscais ou de FGTS. O fato da empresa terceira não pagar as verbas rescisórias do empregado, por si só já caracteriza a sua inidoneidade, tornando-se presumida a culpa da tomadora. Subsidiária (…) quer dizer secundário. Assim, em não conseguindo receber da empregadora, o empregado poderá executar a tomadora, que responderá subsidiariamente. A responsabilidade solidária não se presume, ela decorre de lei. Há solidariedade quando na mesma obrigação concorrem mais de um credor ou devedor. Na solidariedade passiva, o credor tem direito de exigir de um ou de alguns a dívida toda ou parte dela, ficando os que não participaram da demanda, sujeitos às ações regressivas daqueles que quitaram a dívida toda. No Direito do Trabalho, em algumas situações específicas garante-se a responsabilidade solidária. A Lei 6.019, que regula o trabalho temporário, prevê em seu artigo 16, a responsabilidade solidária do tomador, no caso de falência da tomadora. O artigo 2º, Par. 2º da CLT também prevê a responsabilidade solidária entre as empresas do mesmo grupo econômico, neste sentido, sob a mesma direção, controle e administração de outra. A Lei Maior, em seu artigo 37, Par. 6º, remete à responsabilidade solidária das empresas públicas ou privadas, prestadoras de serviços públicos, responsáveis pelos danos que os seus agentes causarem a terceiros”.

[9] Extraído de mensagem da Assessoria de Comunicação da Procuradoria Regional do Trabalho da 3ª Região (PRT-3/MG).  Disponível em: <http:// www.observatoriosocial.org.br/conex2/?q=node/1688>. Acesso 6/6/2009.

[10] Extraído de mensagem da Assessoria de Comunicação Social da Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região (Rio de Janeiro).  Disponível em: <http:// www.observatoriosocial.org.br/conex2/?q=node/2197. Acesso 6/6/2009>.

[11] Vale notar que a Volkswagen Caminhões-ônibus, em Resende, inaugurada em 1996, é um dos casos extremos e paradigmáticos da terceirização no Brasil. Nesta fábrica, denominada de “consórcio modular”, a montagem do caminhão – que por suposto deveria ser uma das atividades-fim de uma “montadora” de veículos – é totalmente feita por empresas terceiras na própria linha de produção. As empresas terceiras fornecem e montam, no mesmo espaço físico da Volkswagen, os principais componentes do veículo: motores, chassis, eixos/suspensão, armação carrocerias, rodas, pintura e tapeçaria. A Volkswagen supervisiona o processo, garante qualidade e põe sua “marca” no Veículo. Em várias oportunidades, diretores da empresa alemã argumentaram inclusive que o “core business” da empresa não era mais propriamente produzir ou montar veículos, mas sim comercializá-los a partir da garantia de qualidade que sua marca proporcionava. Evidentemente este processo traz uma série de contradições e possibilidades de questionamentos jurídicos a luz da legislação brasileira atual. Basta notar que, embora todos os trabalhadores terceirizados sejam empregados de empresas diferentes, eles utilizam o mesmo uniforme (muda-se apenas o logotipo); pertencem à mesma categoria sindical; têm padrões médios de remuneração local e jornada comum; são representados pela mesma CIPA; há empréstimo de empregados entre as empresas. Diante deste conjunto de questões novas, o ex Ministro Presidente do TST, Francisco Fausto afirmou: “Essa [a terceirização no setor produtivo] parece ser uma tendência irreversível nas maiores montadoras do País (…) onde a fabricação de componentes de veículos é feita por várias empresas contratadas. Esse processo acelerado de terceirização, verificado nas indústrias, a ponto de dificultar a classificação de atividade-meio (serviço) e atividade-fim (produção), deve merecer reflexão por parte dos Ministros do TST”. Para mais detalhes sobre as políticas desenvolvidas na fábrica da Volkswagen Caminhões e os seus diferentes impactos sobre o Direito do Trabalho, ver CONCEIÇÃO, M. C. V. (2002 e 2007). 

[12] Esta linha é praticamente aceita por todas as entidades empresariais. Veja-se, por exemplo, posicionamento de um gerente de Relações do Trabalho da CNI, em 6/8/2008: “A terceirização é um processo irreversível dentro da dinâmica econômica, por isso é preciso melhorar a legislação para garantir a proteção dos trabalhadores e a segurança jurídica das empresas”. Extraído de <http://fiema2.interjornal.com.br/noticia_pdf.kmf?noticia=7570728>. Acesso 6/6/2009.

[13] Esta posição também é a da CNI: “Está muito clara a impossibilidade de distinguir entre atividade-meio e atividade-fim para definir o que se pode ou não terceirizar. A lei não pode estabelecer este empecilho”, diz gerente da CNI.  Ele cita o caso da construção civil, em que diversas etapas de uma obra, típicas de “atividade-fim”  como a fundação, são feitas por empresas especializadas. Extraído de <http://fiema2.interjornal.com.br/noticia_pdf.kmf?noticia=7570728>. Acesso 6/6/2009. 

[14] Para uma recuperação das discussões sobre a terceirização no interior da CUT, ver DAU (2006.a; 2006.b) e CUT (2009).


Informações Sobre os Autores

Jefferson José da Conceição

É desde janeiro de 2009 o Secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo de São Bernardo do Campo. É Prof. Dr. da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). Foi economista do DIEESE nas Subseções do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (1987-2003) e da CUT (2003-2008). Autor do livro “Quando o apito da fábrica silencia”. Santo André: ABCDMaior, 2008; e um dos autores do livro “O abc da crise”. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2009.

Claudia Rejane de Lima

psicóloga e assessora da Secretaria Nacional de Organização da CUT, responsável pelo tema da terceirização. É mestranda em Engenharia de Produção pela UFSCAR – Universidade Federal de São Carlos


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