1. A legislação do Simples resultou de uma tentativa – frustrada em razão do limite de faturamento imposto para fins de enquadramento, o qual permanece congelado há quase dez anos – de retirar da informalidade e trazer para a legalidade milhões de empresas!
2. Mas, mesmo beneficiária de regime tributário privilegiado, nem sempre pode a empresa menor assumir a carga tributária estipulada, inobstante comparativamente inferior àquela exigida das demais empresas.
3. É da natureza dos negócios comerciais a volatilidade, total ausência de previsibilidade, ou, noutro dizer, o risco – risco de dar-se muito bem chegando ao ponto de dispensar, em razão de seu faturamento, o tratamento privilegiado. Ou o de soçobrar, o que inúmeras vezes se sucede. A esta regra submete-se a microempresa como qualquer outra.
4. Daí porque plenamente admissível poder ver-se às voltas com dificuldades no recolhimento de suas obrigações tributárias. Nesse contexto, o acesso ao parcelamento de débitos tributários é não apenas lógico como, sobretudo, expressamente garantido pela Constituição Federal.
5. Dever para o fisco federal não é “privilégio” de grandes ou pequenas corporações. Todas estão sujeitas a essas mazelas da vida. O grande problema é que as empresas enquadradas no Simples Federal que atrasem os recolhimentos de tributos sujeitam-se a uma punição com efeitos devastadores a que as demais, por razões óbvias, não se sujeitam: exclusão do Simples. Todas tornam-se devedoras de multa, juros e correção. Mas as empresas optantes do Simples submetem-se a essa punição adicional!
6. Como se isto não bastasse, uma vez excluídas do Simples justamente por não conseguirem pagar seus débitos tributários em dia, quando requerem parcelamento ordinário (não nos referimos aqui ao Refis, Paes, etc., senão ao parcelamento comum), vêem indeferidas suas pretensões sob fundamento de que, por se tratarem de débitos originados e relativos ao período em que estavam no Simples, tais débitos não podem ser parcelados!!!
7. Ocorre que essa restrição é de uma inconstitucionalidade e ilegalidade sem limites!!!
8. Há casos de empresas que permaneceram enquadradas no Regime Tributário das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte, em razão do que recolhiam seus tributos no Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte (SIMPLES) de que cuida a Lei 9317/96. E que pediram exclusão desse regime posto ultrapassado o limite de faturamento, passando então a recolher pelo regime de lucro presumido. Veja-se, não foram do regime excluídas por falta de pagamento.
9. Como faturamento sabidamente não é sinônimo de saúde econômica, em razão de dificuldades que se foram acumulando deixaram de recolher o imposto de renda.
10. Nesses casos, pretendendo parcelar os débitos em atraso relativos ao período em que enquadradas no Simples, são informadas do impedimento, pela Receita Federal, cujo fundamento é o disposto na Lei 9317/96, art. 6º, § 2º, por se tratar de débito relativo a período em que enquadrada no regime do Simples.
A – INCONSTITUCIONALIDADE DA RESTRIÇÃO IMPOSTA PELO § 2º DO ART. 6º DA LEI 9.317/96
11. Tal restrição, entretanto, revela-se absolutamente inconstitucional na medida em que a Ordem Econômica e Financeira (Título VII) preconiza em seu Capítulo I (“Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica”), que:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(…)
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
(…)
Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de sua obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.”(grifamos)
12. A lei a que se refere o art. 179 da Constituição Federal, originariamente Lei 7256/84, foi posteriormente revogada pela Lei 9317/96 – vigendo com alterações introduzidas pela Lei 9732/98 –, a qual instituiu o regime tributário para as Micro-empresas e Empresas de Pequeno Porte.
13. Em 1999 foi promulgada a Lei 9841 (Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), a qual passou a assegurar às ME e EPP tratamento jurídico diferenciado e simplificado nos campos administrativo, tributário, previdenciário, trabalhista, creditício e de desenvolvimento empresarial.
14. Em que pese o art. 10 da Lei 9964/00 tenha vindo dispor que o tratamento tributário simplificado e favorecido das ME e das EPP continua sendo aquele estabelecido pela Lei 9317/96 e alterações posteriores, não sendo aplicável, para tal efeito, as normas do Estatuto das ME/EPP (Lei 9841/99), tal disposição legal não afastou, isto é, não revogou, ab-rogou ou derrogou, em hipótese alguma, a disposição programática de natureza geral preconizada a teor do disposto no Capítulo I (“Do Tratamento Jurídico Diferenciado”) da Lei 9841/99 (art. 1º) [1], a qual tem por fundamento de validade jurídica diretamente a Constituição Federal, arts. 170 e 179.
15. É dizer, o tratamento tributário simplificado e favorecido das ME e das EPP não encontra esteio jurídico em lei ordinária. Muito mais que isto, tem assento direto na Constituição Federal.
16. Daí porque as disposições insertas no art. 1º da Lei 9841/99, porquanto derivadas diretamente da Constituição Federal, inobstante a fracassada tentativa de vinculação e submissão sua às disposições da Lei Ordinária 9317/96 – máxime submissão às restrições desta última nos termos da Lei 9964/00, art. 10 – perseverou válida porque desta última independente.
17. Ainda que as disposições da Lei 9841/99 não derivassem diretamente na Constituição Federal, ainda assim teria ela derrogado as disposições em contrário da Lei 9317/96 por aplicação das disposições da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo as quais lei posterior revoga a anterior quando seja com ela incompatível [2].
18. De modo que a despeito da ressalva do art. 10 da Lei 9964/00, tais empresas continuam desfrutando de tratamento jurídico diferenciado também no campo tributário (Capítulo I da Lei 9841/99).
19. Exatamente por isso, de validade nenhuma a restrição constante do § 2º do art. 6º da Lei 9317/96, porquanto posta em aberto confronto com a Constituição Federal.
20. Tal dispositivo encontra-se assim vazado:
“Art. 6º. O pagamento unificado de impostos e contribuições, devidos pela microempresa e pela empresa de pequeno porte, inscritas no SIMPLES, será feito de forma centralizada, até o décimo dia do mês subseqüente àquele em que houver sido auferida a receita bruta.
§ 1º – Para fins do disposto neste artigo, a Secretaria da Receita Federal instituirá documento de arrecadação único e específico (DARF-SIMPLES).
§ 2º – Os impostos e contribuições devidos pelas pessoas jurídicas inscritas no SIMPLES não poderão ser objeto de parcelamento.” (grifamos)
21. Indigitada restrição chegou a ser revogada pelo art. 44 da Medida Provisória 75 (24.10.02) [3]. Entretanto referida MP foi rejeitada pelo Congresso por Ato Declaratório de 18.12.02, tornando sem efeito o ato revocatório.
22. Inúmeros precedentes judiciais justificam a vedação do acesso de tais empresas ao parcelamento com o fato de serem já incentivadas pagando carga tributária reduzida enquanto enquadradas no Simples, benefício este de que não gozam as demais empresas!
23. Ora, o argumento que embasa tal tese não desfruta de validade jurídica alguma justamente porque não guarda, em sua essência, razões jurídicas. Nem mesmo razões lógicas. Menos ainda quaisquer razões, a não ser econômico-financeiras. Mas estas refogem por completo da alçada do Direito porquanto eminentemente pré-juridicas.
24. Por outro lado, considerem-se as razões seguintes, essencialmente lógicas, sobretudo jurídicas:
a) Qual o limite para a concessão de benefícios às empresas enquadradas no Simples? A limitação constitucional deve ser apreciada no sentido de delimitar a carga e as obrigações tributárias para baixo? Ou seria para cima?
b) Tratando-se de estímulo objetivo concedido em razão do porte econômico das empresas beneficiárias o limite só pode ser estabelecido para cima já que, diz a Carta Política (art. 179): “tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações (…) tributárias (…), ou pela eliminação ou redução destas …”; de modo que para baixo, i. e., no sentido de desoneração, os incentivos são ilimitados até alcançarem completa eliminação, exatamente como determinado pela Carta Política;
c) E, para cima, qual o limite? O parâmetro só pode ser o tratamento atribuído às demais empresas; esse o limite máximo da oneração, quer considerada a carga (obrigação principal), quer as obrigações tributárias acessórias, de modo que entre a obrigação/carga tributária mínima e aquela definida para as demais empresas, tem aí o legislador ordinário poder discricionário, não lhe tendo sido conferido poder irrestrito, muito menos o de eliminar benefícios de que são titulares as microempresas, principalmente se concedidos a empresas não enquadradas no Simples, como é exemplo o direito de parcelamento;
d) O comando constitucional (arts. 170 e 179) ¾ apenas viabilizado no mundo do Direito pelas normas infra-constitucionais (Leis 9317/96 e 9841/99) – não contém restrições alguma aptas a validar o entendimento de que, por já serem incentivadas pagando carga tributária reduzida enquanto enquadradas no Simples, benefício este de que não gozam as demais empresas, não teriam, a fortiori, direito de acesso ao parcelamento;
e) O fato dos arts. 179 e 170, X, da Carta Política, definir que os entes políticos dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte tratamento jurídico diferenciado favorecido visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei, não outorgou ao legislador ordinário, de modo algum, poder para impor limites à concessão de tais estímulos já que resulta tal de ordem que promana diretamente da Constituição;
f) Os limites conferidos pela Constituição ao legislador ordinário para impor restrições aos benefícios e incentivos a que fazem jus tais empresas são delineados, unicamente no seu teto, pelas concessões feitas a empresas não-enquadradas no Simples; essa, a verdadeira resposta à indagação inicial, retro (“qual o limite para a concessão de benefícios para as empresas enquadradas no Simples?”);
g) Desse modo, se empresas não-enquadradas no Simples desfrutam do direito de parcelar seus débitos – e aqui nem se cogita de parcelamentos especiais como Refis ou Paes porquanto muitas vezes não é isto que se postula senão mero parcelamento ordinário –, com muito mais razão haverão de intitular-se a tais benefícios existentes aquelas postulantes de mero parcelamento ordinário, regularmente admitido para quaisquer empresas;
h) A tese fundante apenas evidencia o óbvio: o princípio constitucional da isonomia não pode ser frustrado pelo entendimento, enviesado, de que sendo as empresas outrora enquadradas no Simples contempladas com incentivos na forma de redução em sua carga tributária, benefício de que não gozam as demais empresas, todas seriam então titulares do direito de parcelamento de seus débitos, exceto as optantes pelo regime do Simples!!!
i) Entender assim equivaleria a admitir inovação na Constituição Federal pela inclusão de um novo princípio lex legum, “princípio da compensação”, pelo qual compensar-se-iam os benefícios do seguinte modo: as empresas em geral assumem ônus tributário excessivo; as tributadas pelo regime do Simples, carga tributária módica; aquelas podem, exatamente por isto, deixar de recolher os tributos e aderir ao parcelamento, possibilidade vedada a estas porquanto já beneficiadas!;
j) O Supremo Tribunal Federal, aplicando corretamente o princípio da isonomia já decidiu, acertadamente, que essas empresas são titulares de benefícios justamente devido ao seu porte e fragilidade, aos quais não devem ter acesso aquelas providas de mais e melhores condições de concorrer no mercado sem a tutela do Estado. As maiores, porque melhores aquinhoadas, não podem exigir igualdade de condições com as optantes do Simples. Mas estas não podem sofrer restrições a benefícios e incentivos concedidos às de maior porte porquanto a tal equivaleria, como dito, aplicação do princípio da isonomia às avessas [4].
25. Milita igualmente contra a restrição imposta pela legislação ordinária (§ 2º do art. 6º da Lei 9317/96) o fato de já em algumas oportunidades o legislador ordinário ter concedido acesso ao parcelamento de débito às empresas enquadradas no Simples.
26. Ora, fosse válida a tese de que as empresas optantes pelo Simples, porquanto já por demais beneficiadas não seriam, ipso facto, titulares de mais benefícios (parcelamento), então tal conclusão, para ser juridicamente válida não poderia, jamais, encontrar exceções. A existência de uma simples exceção destrói a tese por inteiro!!!
27. E as exceções são encontradas na Lei 10684/03 a qual, em seu art. 1º, § 4º, dispôs sobre o parcelamento das empresas enquadradas no Simples.
28. Nova exceção foi instituída pela Lei 10925/04, a qual autorizou o parcelamento, em até 60 meses, de débitos vencidos até 30.06.04. Todavia essa autorização vigorou somente até 30.09.04 (art. 10, caput, § 1º, I e III).
29. A denominada MP do Bem (MP 252 de 15.06.05), acrescentando o § 5º ao art. 15 da Lei 9317/96, veio permitir a permanência no Simples, mediante comprovação junto à Receita Federal, da quitação do débito inscrito no prazo de 30 dias contados a partir da ciência do ato declaratório de exclusão. Todavia só tem aplicação prospectiva, beneficiando apenas as dívidas novas das microempresas.
30. Obviamente que se levantaria o argumento de que, porque a Constituição Federal invoca a lei (art. 179: “ … tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de sua obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.”) como instrumento apto a veicular os benefícios a que se intitulam as empresas optantes pelo Simples, ao legislador ordinário teria sido conferido discricionariedade suficiente, inclusive o poder de ora autorizar, ora vedar o acesso ao parcelamento.
31. Mas esse entendimento, como já exposto, é não apenas absolutamente injurídico, como sobretudo inconstitucional, assim como as disposições legais veiculadoras de tais restrições. Isto porque a restrição de acesso a um benefício concedido às demais empresas importa “tratamento jurídico diferenciado” inaceitável posto inconstitucional por ofender diretamente o comando do art. 179 (CF) eis que, a ser assim, quem pode mais tem mais e quem pode menos, tem menos!!!
32. Tal conclusão desconsidera, por completo, a isonomia e a capacidade contributiva eis que a capacidade de pagamento de uma empresa maior é também maior. Logicamente, o de uma empresa menor, é igualmente menor. Assim, a carga tributária mais gravosa imposta à empresa maior é compatível com sua capacidade de pagamento. Mesmo assim, ao acumular atrasos no recolhimento dos tributos devidos é autorizada ao parcelamento.
33. Pela mesma razão, a empresa menor só tem carga tributária menor porque é isso que pode assumir. Essa foi a condição para trazê-las para a legalidade com a introdução do regime simplificado (Simples).
34. Restrições infra-legais não se comportam dentro da Ordem Constitucional razão para sua inconstitucionalidade. Mormente se àquelas que, por seu faturamento reúnem melhores condições, o acesso ao parcelamento é plenamente franqueado, defeso entretanto às empresas menores, as quais justamente por ordem direta da Constituição são beneficiárias de tratamento privilegiado (favorecido).
35. Como é de ver, essa questão impõe seja enfrentada com lógica porque o direito é, por sua própria natureza, instrumento da lógica (jurídica). Mas não apenas. O emprego do bom-senso é também de rigor sem o qual viabiliza-se o acúmulo de decisões disparatadas capazes de formar jurisprudência absolutamente contrária à ordem constitucional.
36. Exatamente por isto a restrição legal fundada na tese de que os incentivos tributários concedidos já traduzem benefício por demais expressivos a dispensar a necessidade de parcelamento ofende, além do princípio da isonomia, também o princípio da capacidade contributiva.
37. É isso mesmo: a quem pode pagar é autorizado o parcelamento; a quem não pode, é vedado!!! Afinal o Estado não é instituição financeira, cuja política comercial consiste justamente em conceder créditos a quem pode pagar (geralmente quem não precisa) e veda acesso a quem não pode e, por isso mesmo, necessita desesperadamente de crédito!!!
38. Outro argumento utilizado no sentido de que a ordem judicial da qual resultasse determinação à administração pública no sentido de obrigá-la a aceitar o pedido de parcelamento de empresa na época dos débitos enquadrada no Simples implicaria invasão de competência do Judiciário no Executivo, ou mesmo de que revelar-se-ia atribuição própria de legislador positivo, o que o Judiciário definitivamente não o é, carrega a eiva de inconstitucionalidade já que outra coisa não se cogita, no caso, senão o reconhecimento de uma afronta à Constituição. E a apreciação de inconstitucionalidades, ninguém duvida, encontra-se no âmbito de competência exclusiva do Judiciário.
39. Inaplicável no caso, outrossim, as disposições do art. 155 do CTN ao argumento de que a moratória não gera direito adquirido, podendo ser revogada de ofício sempre que se apure que o beneficiado não satisfazia ou deixou de satisfazer as condições ou os requisitos para a concessão do favor. Isto porque o que se postula é justamente sua concessão; não há insurgência contra sua revogação posto sequer ter sido em algum momento concedido o parcelamento.
40. Ininvocáveis, outrossim, as disposições do art. 155-A do CTN eis que o parcelamento, inobstante submetido às condições e forma estabelecidas em lei específica, não pode tal lei contrastear a Constituição Federal restringindo acesso às empresas por sua dimensão obrigatoriamente tuteladas pelo Estado. Portanto o limite da lei é a própria Constituição Federal.
41. Conclusão inescapável: a administração pública desfruta de liberdade, observadas as condições pela lei estabelecidas para cada postulante, in concreto, para conceder ou negar o parcelamento. Não pode entretanto, em absoluto, vedar o acesso às empresas enquadradas no Simples se tal direito for facultado às demais empresas em geral, posto traduzir tal restrição ofensa direta à Constituição Federal (arts. 170, XI c/c 179), em aberto confronto com os princípios da isonomia e capacidade contributiva (art. 150, II e 145, § 1º).
B – IILEGALIDADE NA VEDAÇÃO DO PARCELAMENTO ÀS EMPRESAS DESENQUADRADAS DO REGIME DO SIMPLES
42. Igualmente intoleravelmente tenebrosa, por sua flagrante ilegalidade, a negativa de autorização de parcelamento para empresa que, à época da solicitação de parcelamento, encontrava-se já desenquadrada do Simples.
43. Veja-se que o dispositivo legal hostilizado (§ 2º do art. 6º da Lei 9317/96) dispõe que “Os impostos e contribuições devidos pelas pessoas jurídicas inscritas no SIMPLES não poderão ser objeto de parcelamento”. Ora, coteje-se, entretanto, as disposições insertas nos arts. 9º, XI, 13, II, “a”, § 1º e 15, II, todos da referida Lei 9317/96, os quais dispõem:
“Art. 9º. Não poderá optar pelo SIMPLES a pessoa jurídica:
(…)
XV – que tenha débito inscrito em Dívida Ativa da União ou do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, cuja exigibilidade esteja suspensa.
Art. 13. A exclusão mediante comunicação da pessoa jurídica dar-se-á:
(…)
II – obrigatoriamente, quando:
a) incorrer em qualquer das situações excludentes constantes do art. 9º;
§ 1º – A exclusão na forma deste artigo será formalizada mediante alteração cadastral.
(…)
Art. 15. A exclusão do SIMPLES nas condições de que tratam os arts. 13 e 14 surtirá efeito:
(…)
II – a partir do mês subseqüente ao que incorrida a situação excludente, nas hipóteses de que tratam os incisos III a XIX do art. 9º; [5]
(…).”
44. Com efeito, a legislação (§ 2º do art. 6º da Lei 9317/96) nega acesso ao direito de parcelamento apenas às pessoas jurídicas inscritas no SIMPLES. Ora, se o art. 9º, XV, exclui do Simples as empresas com débito, há uma evidente contradição na negativa de parcelamento porquanto, quando excluídas do Simples já não mais se sujeitam a tal vedação. Aliás, nem mesmo se submetem legalmente a restrição alguma.
45. Invoque-se o emprego da inteligência lógica, da perspicácia, na exegese legal. Note-se que – com as devidas ressalvas apontadas retro quanto às inconstitucionalidades –, só existe uma única interpretação possível para os dispositivos retrocitados: às empresas optantes pelo Simples é vedado pedir parcelamento (§ 2º do art. 6º da Lei 9317/96). Têm que pagar todo o débito em atraso em parcela única e, ainda assim, antes de sua inscrição na Dívida Ativa. Essa a condição para optar pelo Simples (art. 9º, XV da Lei 9317/96).
46. Uma vez afastadas desse regime (Simples) exatamente porque existentes débitos inscritos, isto é, porquanto inobservadas as regras do art. 9º, XV, não pode haver qualquer restrição ao parcelamento.
47. A restrição legal só tem um único efeito jurídico o qual deve ser assim sintetizado: havendo débitos inscritos torna-se vedada a opção pelo SIMPLES. E se já optante por esse regime simplificado de recolhimento de tributos vier a ter débitos inscritos, perde a condição de optante.
48. Perdida a condição de optante – por ser esta a única penalidade contida na norma – seu direito de parcelamento do débito em atraso é plenamente recuperado, total, integralmente!!!
49. Ainda mais porque, afastada do regime simplificado (Simples) – qualquer seja a razão, inclusive por ter ultrapassado o excesso de faturamento e não por falta de pagamento –, a postulante adentra na regra geral a qual defere o parcelamento às empresas não enquadradas no Simples!!!
50. Qual a dúvida quanto a isto? É tão evidente que revela-se um desperdício de tempo e recursos privados e públicos a movimentação da máquina Judiciária para fazer prevalecer o óbvio. Não tão óbvio, contudo, para a Administração Pública!
51. A norma só é eficaz quando contém previsão penal. Mas a pena deve estar sempre expressa, inadmitida pena implícita. E a pena no caso ressalta evidente da norma: há débitos, logo vedada opção pelo Simples!
52. Não há na norma, nem de longe, a extensão exegética emprestada pela Administração Pública tocantemente à pena a qual, no seu espúrio entender, segue a seguinte lógica: a) existentes débitos; b) logo vedada a opção pelo Simples; c) do que decorre então a exclusão do Simples; d) portanto, “logicamente” vedado o parcelamento!!!
53. A exegese legal (Lei 9317/96, art. 9º, XV) não pode ser elastecida para ser nela incluída restrição que o legislador não desejou.
54. Qualquer restrição no sentido daquela aqui vergastada significa não apenas a extensão e perpetuação da pena como, ainda, penalização não contemplada pela legislação (Lei 9317/96).
55. Com acerto, pois, a decisão unânime prolatada pela E. 2ª Turma do Tribunal Regional Federal – 5ª Região, na Remessa Ex-Officio 81977 (02.09.03), Desembargador Federal Lázaro Guimarães (DJ 29.01.04), assim ementada:
“Tributário. Pedido de Parcelamento de débitos anteriores à opção pelo regime tributário SIMPLES. Possibilidade. Remessa oficial improvida.”
56. Ora, não apenas possível o pedido de parcelamento de débitos anteriores à opção pelo regime tributário do Simples, como, outrossim, débitos posteriores pois do contrário é imputar dupla penalização quando a norma preconiza apenas uma única (exclusão do Simples).
57. Portanto, não apenas inconstitucional a restrição imposta como, outrossim, absolutamente ilegal porquanto não contemplada na referida lei, ainda que considerada ela, apenas para argumentar, conforme com a Constituição (§ 2º do art. 6º da Lei 9317/96).
58. Desse modo, o direito de parcelamento dos débitos em atraso é absoluto porquanto constitucional. E sua restrição, por ofender a Constituição revela-se, por isso mesmo, inconstitucional, além de ilegal, razão para mais que suficiente a justificar a legitimidade das presentes razões.
C – CONCLUSÃO
59. Esclareça-se que a matéria aqui apresentada dissemelha-se de tudo o que vem sendo postulado no Judiciário envolvendo Simples e parcelamento na medida em que: a) não se discute aqui direito de enquadramento no Simples em razão da atividade explorada; b) tampouco se persegue qualquer enquadramento no Simples; c) menos ainda, advoga-se o direito de enquadramento em regime de parcelamento especial (Refis, Paes, etc), senão mero direito ao parcelamento ordinário.
60. De modo que, pelas razões expostas, o direito de parcelamento ordinário é de rigor posto que sua restrição revela-se:
a) inconstitucional por malferir os princípios da isonomia e capacidade contributiva na medida em que empresas maiores intitulam-se ao parcelamento mas, não assim, aquelas que, por sua diminuta capacidade contributiva devem, por isso mesmo e com fundamento na Constituição Federal, ser titulares de proteção estatal especial;
b) exatamente por isso a outorga de parcelamento a todas as demais empresas não enquadradas no Simples e restrição de acesso àquelas enquadradas nesse regime simplificado revela-se aplicação do princípio constitucional (isonomia) às avessas, o que fere de morte a proteção constitucional outorgada às microempresas;
c) a Constituição Federal não estabeleceu piso, senão teto, à concessão de benefícios para as microempresas (art. 179) eis que os incentivos de que são beneficiárias, no sentido de desoneração, são ilimitados sob pena de, entendimento contrário implicar limitação não contemplada no Texto Supremo em total confronto com suas disposições;
d) a vedação de parcelamento ordinário (não especial como Refis, Paes, etc) à empresa anteriormente enquadrada no Simples colide com o texto legal (Lei 9317/96) já que a punição prevista para quem, enquadrado no Simples atrasa o recolhimento de tributos e contribuições é justamente sua exclusão do regime simplificado de recolhimento (Simples), de modo que uma vez excluído exaure-se aí a pena, não podendo ser perpetuada pela vedação ao parcelamento;
e) para desfrutar de validade jurídica a restrição ao parcelamento – acaso já não fosse inconstitucional –, deveria esta restar expressa da lei, o que no caso à toda evidência inocorre.
61. Ante o exposto, demonstrada a liquidez e certeza jurídica da tese uma vez que o dispositivo hostilizado (§ 2º do art. 6º da Lei 9.317/96) revela-se flagrantemente inconstitucional, do mesmo modo que absolutamente ilegal a restrição ao direito de parcelamento por empresa outrora enquadrada no Simples (art. 9º, XV c/c 13, II, “a”, § 1º da Lei 9317/96). Trata-se de questão de lógica, a qual requer justo escrutínio. Impossível decisão justa quando desprezada a lógica e o bom-senso!
62. Portanto, absolutamente legítima a concessão liminar ou tutela antecipatória para determinar o afastamento da restrição ao parcelamento ordinário (não especial), como única forma de evitar danos irreparáveis pois do contrário constrange-se ilegal e inconstitucionalmente as empresas à execução fiscal e inclusão no CADIN, caso em que para se defender vêem-se compelidas a vincular patrimônio na forma de garantia da execução (penhora) assim como impõe-se-lhes os encargos da Lei 1025/69, da ordem de 20% sobre o valor da execução, inadmissíveis não apenas ante a flagrante ilegalidade como, ainda, dada a difícil situação financeira pela qual passam tais empresas, obviamente comprovada com a necessidade de parcelamento porquanto não fosse assim não precisariam dele, considerando que o parcelamento ordinário não desfruta de qualquer benefício especial!
Informações Sobre o Autor
Adonilson Franco
Advogado de Empresas em São Paulo; Pós-Graduado em Direito Tributário; Assistente no Curso de Pós-Graduação em Direito Tributário do Centro de Estudos Universitários (CEU); Autor de matérias publicadas na Revista Tributária e de Finanças Públicas (RT) e na Revista Dialética, além de em sites especializados.