O projeto de lei de iniciativa do Executivo, que aumenta o IPTU em 30% para imóveis residenciais e em 45% para imóveis não residenciais e os não edificados por meio de reavaliação dos valores do metro quadrado da construção e do terreno expressos nas PGVs anexas à Lei nº 10.235/86, está sofrendo uma resistência acentuada na Câmara Municipal que quer reduzir aqueles percentuais para 20% e 35%, respectivamente. Entretanto, a forma confusa e nebulosa de promover a progressividade do imposto depois dele ser apurado, ao arrepio da Emenda Constitucional nº 29/00, continua inalterável. Mas, essa é uma questão que já foi por nós abordada em outro texto divulgado anteriormente, onde está demonstrada que a progressividade deixou de ser uma modalidade de tributação para se constituir em um fator de redução ou de acréscimo do imposto regularmente apurado por meio de lançamento (Cf. Exame do projeto de lei que aumenta o IPTU).
O Prefeito parece concordar com a redução pretendida pela Câmara, mas reservando para o ano de 2015 um novo aumento do IPTU numa eloquente demonstração do exercício da futurologia, como se já tivesse amadurecido o plano de governo para o ano de 2015. Seria o plano bienal?
O objetivo deste artigo é o de demonstrar, em poucas palavras, as equivocadas razões invocadas para o aumento do imposto: a grande valorização dos imóveis superando os índices inflacionários; e a necessidade de compensar o congelamento da tarifa resultante dos protestos de junho passado. As razões invocadas improcedem. Vejamos:
(a) A grande valorização dos imóveis da Capital
Basta poucas palavras para refutar esse argumento que apenas aparentemente tem fundamento lógico.
Primeiramente, o governo municipal não é sócio dos contribuintes em relação ao patrimônio imobiliário deles. Em segundo lugar, valorização de imóveis não implica, por si só, aumento de despesas a cargo do Poder Público municipal; não há uma relação de causa e efeito que justifique a majoração do IPTU em função desse fator. Em terceiro lugar, eventual aumento do imposto pode dar-se por meio simples e transparente, consistente na elevação de alíquotas, sem necessidade de remexer e manipular as Plantas Genéricas de Valores como faz o projeto legislativo em discussão. Dir-se-á que a elevação de alíquota torna visível o aumento da carga tributária causando insatisfação popular, mas a transparência tributária é um princípio constitucional.
(b) Necessidade de compensar o congelamento das tarifas de ônibus decorrente da mobilização popular de junho último
Primeiramente, revela-se a absoluta falta de compreensão do movimento cívico de junho passado ao apegar-se às causas imediatas: deficiências no setor de transporte, educação e saúde. O movimento, na verdade, representou o transbordamento de insatisfações populares acumuladas ao longo do tempo, por conta da ação de políticos incompetentes e ímprobos, que desperdiçam os recursos financeiros retirados dos contribuintes que não mais suportam o peso da carga tributária. Em segundo lugar, o transporte coletivo de passageiros, por força de expresso dispositivo constitucional (art. 30, V, da CF), tem caráter de serviço público de natureza essencial, significando a manutenção desse serviço por meio de tarifas subsidiadas, conhecidas como tarifas sociais. Em terceiro lugar, como decorrência do aduzido no item antecedente compete ao administrador municipal incluir o serviço de transporte coletivo de passageiros no seu plano de ação governamental, conferindo-lhe tratamento privilegiado na Lei Orçamentária Anual para assegurar a prestação efetiva e eficiente do serviço público de caráter essencial. Dir-se-á que isso é um trabalho para o estadista, espécime em extinção, e não para um burocrata curioso que só sabe “governar” com os produtos de arrecadação tributária vinculados a cada setor ou a cada programa de governo, contra expressa vedação constitucional (art. 167, IV, da CF). A Constituição obriga o governante elaborar a Lei Orçamentária Anual de forma a refletir o plano da ação governamental que deve incorporar o que foi apregoado nas campanhas políticas.
Considerações finais
A elaboração do Orçamento Anual pressupõe preexistência do plano de governo. Na prática isso vem invertido. O governo implementa a sua ação de acordo com a direção dos ventos, dentro do critério da oportunidade e conveniência. Muda-se de ideias e programas como se muda de camisas diariamente. A ação governamental é imprevisível, o que retira a sensação de segurança por parte da população sujeita ao humor do governante. De repente o cidadão acorda com as estreitas vias públicas literalmente tomadas por faixas exclusivas por onde trafegam ônibus bisanfonados (com 29 metros de comprimento) espalhando o caos no trânsito da cidade e infernizando a vida da sofrida população motorizada. Há ainda faixas exclusivas para motos e outras para bicicletas. Por que não para as mulas que no passado eram meios eficientes de transporte? Tudo é improvisado. As invertidas de mãos de direção; a variação das velocidades permitidas; a interdição indiscriminada de importantes vias de circulação por ‘n’ motivos; as intermináveis obras de abrir e tapar buracos etc. já se incorporaram na rotina da administração municipal.
Se é para desestimular o uso do automóvel a política de incentivo ao setor automobilístico dever ser revista. O que não faz sentido é incentivar a aquisição de veículos para gerar bastantes tributos (IPI, ICMS, ISS, IPVA, pedágio, taxa de inspeção etc.) e ao mesmo tempo limitar indiretamente a sua utilização.
Resultado disso tudo que há um verdadeiro abismo entre as despesas legalmente consignadas nas diversas dotações, daquelas efetivamente executadas. Por isso, quando se ouve falar em reforçar as verbas para os setores da saúde, educação e transporte o cidadão consciente sabe que algo está errado. Aumentar os recursos orçamentários nesses setores sem mudança de postura do governo é o mesmo que aumentar o montante de desvios. Basta tão só executar os recursos legalmente destinados a esses setores e eles apresentarão resultados bem melhores do que estão apresentando em uma situação caracterizada pela improvisação na utilização de recursos orçamentários, atingidos por intermináveis realocações por meio de transposição, transferência e remanejamento de verbas, tudo ao sabor dos interesse do momento.
Por derradeiro, o governante ao invés de projetar novo aumento para o exercício de 2015, como anunciado, deveria se debruçar nos estudos, levantando os dados referentes ao nível de imposição tributária municipal dos últimos anos e fazer um esforço para não elevar esse nível que já está saturado de longa data. Não cabe ao governo arregalar os olhos com a explosão do setor imobiliário com vista à tributação. Cabe isto sim preocupar-se com o nível da arrecadação tributária total do Município, esforçando-se para a sua redução gradual devolvendo aos poucos o oxigênio retirado do setor produtivo.
Se não diminuir a pressão tributária a tampa poderá um dia explodir, causando um estrondo maior do que aquele provocado pelo movimento de junho passado.
Informações Sobre o Autor
Kiyoshi Harada
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.