Existem aspectos do tema erro médico que se pode destacar. Entre eles salientamos aqui alguns, cuja descrição permite traçar um quadro do erro médico no Brasil em 2005.
Para um entendimento correto do erro médico dentro do sistema jurídico brasileiro, cabe mencionar que na Responsabilidade Penal, competência da Justiça Criminal, o médico, quando lhe imputada uma conduta antijurídica nesta área, poderá estar sendo acusado de um crime. Esta acusação, se for o caso, será feita, até mesmo obrigatoriamente, pela sociedade, à qual interessa preservar este bem jurídico (exemplificando: a vida, a integridade física). O acusador, representando a sociedade, via de regra, será o Promotor de Justiça. Em caso de condenação o médico sofrerá uma pena que poderá ser privativa de liberdade – já existem penas alternativas à de privação da liberdade. Quando imputada ao médico uma conduta antijurídica no terreno do Direito Civil, é porque o médico com seu agir causou um prejuízo patrimonial ou extra-patrimonial à algum paciente, estaremos no terreno da Responsabilidade Civil. Opcionalmente – se assim julgar conveniente – o paciente processará na Justiça Civil o médico, através de um advogado, buscando impor ao profissional uma condenação pecuniária, ressarcindo-se do prejuízo que julgue ter sofrido. Se, porventura, a acusação ao médico for de uma infração ética nos encontramos no terreno da Responsabilidade Ética. A competência para decidir se houve realmente uma infração ética é dos Conselhos de Medicina. O paciente, através de um advogado, se assim julgar conveniente, ou o próprio Conselho de Medicina, ex officio, acusarão o médico. Este, se julgado culpado, sofrerá uma sanção com repercussão na sua atividade profissional, ou seja, advertência, suspensão, ou até mesmo proibição definitiva do exercício da Medicina.
Já existe um seguro de responsabilidade civil para o exercício da profissão médica, oferecido por várias seguradoras no Brasil. A cobertura nas apólices de seguro limita-se ao ressarcimento dos danos até o limite da quantia contratada nesta apólice de seguro. Eventuais quantias para ressarcimento de danos, em que porventura, venha o médico a ser condenado, cujo valor exceda o contratado na apólice, e que venham a ter de ser ressarcidas por este, virão dos recursos financeiros pessoais do mesmo – do seu patrimônio. Tudo, portanto, depende da cobertura que a apólice de seguro vier a dar. Existem conjecturas de que a existência de um seguro poderia aumentar o número de pedidos de indenização judicial por erro médico. A par disto, tem havido manifestações de que vem aumentando a percentagem de médicos favoráveis ao seguro de responsabilidade civil para erro médico.
No exercício de sua atividade profissional é até indicado, do ponto de vista legal, que o médico assine um contrato, e o faça sempre, para delimitar aquilo que vai executar como tratamento médico, principalmente no que se refere a tratamentos cirúrgicos e outras manobras médicas intervencionistas. É entendimento no campo do Direito, não só nacional, como internacional, que a relação que se estabelece entre o médico e o paciente é contratual, ou seja, é um contrato. Este contrato pode até ser informal, como é numa marcação de consulta ou num telefonema entre o médico e o paciente, mas a tendência é que este relacionamento cada vez mais evolua para um relacionamento formal, onde seja expressado na forma escrita aquilo que ficar convencionado – contratado – entre o médico e o paciente. Neste contrato o médico se obriga, se compromete, com um paciente através de uma obrigação – compromisso – “de fazer”. Assim , tem que fazer algo para o paciente, e este fazer é o objeto jurídico deste contrato entre os dois. Este objeto do contrato que se estabelece entre os dois e que pode, e deve, tomar a forma escrita é “um adequado cuidado com a saúde do paciente”, dentro do estado atual da ciência médica naquele local e momento. Esta é uma obrigação de meios, com um objeto contratual bem definido, o correto (prudente, perito e diligente) atendimento do paciente, dentro do “estado da arte” médica.
Não existem estatísticas sistemáticas oficiais sobre o número de processos por erro médico médico no Brasil. Apenas levantamentos gerais e avaliações pessoais, impressões, sobre o aumento paulatino do número de ações judiciais contra médicos. No momento atual, aceita-se que é entendimento corrente, no meio jurídico, de que houve um recrudescimento bastante significativo no número de novas ações contra médicos.
Podemos citar, como problemas mais comuns que chegam aos tribunais, apenas para exemplificação, já que tem aumentado a gama – variedade – de motivos pelos quais o paciente ingressa em juízo contra o médico, por suposto erro médico, a insatisfação com o resultado estético em Cirurgia Plástica, insucesso de atendimento em urgência e emergência médicas, lesões em recém-nascidos, seqüelas em tratamentos ortopédico-traumatológicos, óbitos, lesões corporais com e sem dano estético, não-realização de exames complementares em trauma crâneo-encefálico, corpo estranho “abandonado” na cavidade abdominal, secção de ureter, acidente anestésico, entre outras. A falta de informação, por parte do médico ao paciente, sobre os procedimentos médicos realizados tem começado a aparecer como causa, isolada ou em conjunto com outras, nas ações judiciais por erro médico.
O trabalho em serviços de urgência e emergência médicas parece expor o profissional da medicina a maior número de situações em que lhe seja atribuída a responsabilidade por um eventual erro médico, que não se refletem só na área do Direito Civil (indenização, no terreno da responsabilidade civil, pelos danos ocorridos ao paciente), mas também na área do Direito Penal (omissão de socorro, lesão corporal culposa, homicídio culposo). Além disto nestas situações as infrações éticas também aparecem, assim como situações em que o médico tem que responder administrativamente perante as direções, publicas ou privadas, das instituições em que trabalha, mesmo que estas ocorrências não cheguem, eventualmente, aos tribunais.
As medidas preventivas que o médico deveria tomar para se prevenir de situações que ensejem processos judiciais, por danos aos pacientes, se situam no correto exercício profissional através da adoção de determinadas condutas, como as elencadas a seguir. Sempre utilizar o procedimento adequado na investigação, diagnóstico e tratamento. Deve manter-se atualizado. Utilizar apenas procedimentos aceitos pela comunidade científica (médica). Realizar consultas, quando necessário, a colegas com mais experiência e/ou conhecimento em determinadas áreas da medicina. Não extrapolar, no atendimento ao paciente, os limites da sua especialidade médica. Ao assumir um caso em tratamento com outro médico não tomar nenhuma medida sem antes fazer um contato com este. Preocupar-se em manter uma boa relação médico-paciente. Não receitar para quem não examinou (por exemplo, por telefone) e não fornecer atestado médico ou similar sem ter examinado o paciente. Deve o médico realizar um minucioso, e sistemático, preenchimento do prontuário do paciente, que deve ser o mais completo quanto possível. Ser rigoroso na informação ao paciente sobre o seu estado de saúde em todos os aspectos: investigação, diagnóstico, prognóstico, tratamentos, riscos e alternativas, através do preenchimento do adequado “Consentimento Informado” e, se necessário, complementá-lo com um “Protocolo” detalhado de cada um dos procedimentos médicos que venha necessitar realizar no tratamento do paciente. Encaminhar casos complexos a serviços médicos mais adequados ao manejo destes casos. Trabalhar com auxiliares e equipes médicas competentes. Não efetuar exames constrangedores sem a participação de um auxiliar habilitado. Não trabalhar em locais sem condições técnicas para o exercício de uma adequada medicina. Não dar informações sobre o paciente sem seu expresso – por escrito – consentimento ou, se for o caso, de seu representante legal. Não pode qualquer profissional médico, já que sua obrigação para com o paciente é de meios (ou seja, deve utilizar os meios adequados de tratamento, agindo com diligência, prudência e perícia), comprometer-se com um resultado específico – determinado, haja vista o grau de aleatoriedade que acompanha os procedimentos médicos. Se assim agir, assumir a responsabilidade pela obtenção de um resultado determinado, estará, qualquer médico transformando a sua obrigação de meios em uma obrigação de resultado (nesta o médico se compromete com um resultado determinado – específico). E, não obtendo, mesmo que parcialmente, com o tratamento realizado o resultado prometido ao paciente, será inadimplente – faltoso, devedor – na relação contratual com as evidentes implicações legais e econômicas daí decorrentes, qual seja, a possibilidade de vir a ser responsabilizado judicialmente pelos prejuízos que o paciente julgue ter sofrido com o tratamento médico.
Entre as especialidades mais expostas a processos judiciais podemos citar a Cirurgia plástica. Não quer dizer com isto que seja a mais sujeita, mas, atualmente, sem serem oficiais, e sem serem absolutos, estes dados, a Cirurgia Plástica (estética, embelezadora) parece ser a que apresenta maior número de casos nos tribunais brasileiros, em que há postulação de uma reparação em termos de responsabilidade civil por um eventual erro médico. Cabe ainda mencionar, apesar da relatividade dos números aos quais se tem acesso, que a Anestesiologia, que já foi citada como alvo freqüente de processos por erro médico, atualmente pode ser situada, em freqüência numérica, no que tange a ações por suposto erro médico em andamento nos tribunais brasileiros, após as especialidades de Ginecologia-Obstetrícia e Traumatologia-Ortopedia.
Ainda não é fácil fazer prova de um erro médico, a não ser que este seja grosseiro. Como compete, via de regra, ao paciente, que é quem acusa, fazer a prova do erro do médico, por ser a medicina uma ciência bastante diferenciada, tem este dificuldade de provar em juízo o erro do médico. Ainda é maior o número de decisões, que não admitem mais nenhum recurso judicial, em que o médico saiu vitorioso, ou seja, não teve que indenizar os prejuízos por uma acusação de erro médico. Mas é sentimento, por não haver levantamento estatístico oficial, nos meios jurídicos, de que já foi maior o número de insucessos em imputar nos tribunais ao médico a responsabilidade por um prejuízo decorrente de erro médico. É entendimento corrente de que os pacientes vêm tendo cada vez mais êxito nas ações impetradas por danos decorrentes de erro médico. Inclusive, é aceito que no estado do Rio de Janeiro esta situação já se inverteu.
O médico deve reunir provas sobre os casos que atende, e isto implica em um criterioso preenchimento do prontuário do paciente quando em atendimento hospitalar, e uma completa e detalhada ficha clínica quando este atendimento se realizar em consultório. Isto implica na correta elaboração em ambas as situações de um adequado “Consentimento Informado” (o bom para o paciente vai surgir de uma decisão em que ele sopese as alternativas de tratamento baseado numa interdependência entre o que se apresenta como o mais avançado na técnica médica associado à utilização da perícia de médicos especializados e os seus valores existenciais), que é um documento, decorrente de um processo de informação – instrução – do paciente sobre seu estado de saúde, onde o médico em linguagem clara e acessível, depois de orientação verbal e pessoal exaustiva, feita ao paciente ou seu responsável, deve expor todas as medidas que pretende tomar no atendimento a dado paciente, inclusive expondo alternativas e riscos do tratamento, tudo isso transposto para um documento assinado pelo paciente ou seu responsável e duas testemunhas. Assim fazendo, não se exime de um eventual erro por imprudência, negligência ou imperícia, mas cumpre com o seu dever de informar. Dever este que vem expresso em certas normas, que se encontram entre as utilizadas pelos tribunais quando do julgamento de uma eventual acusação de erro médico. Toda e qualquer maneira, ética e lícita, de documentar a correta atividade do médico será útil, na defesa do profissional, em caso de acusação contra este por erro médico.
Existem ocasiões em que o paciente omite informações, ao médico, sobre seu estado de saúde, suas condições pessoais no terreno médico, inclusive antecedentes, por vezes fundamentais no entendimento e manejo de seu quadro clínico pelo seu médico assistente. Se ficar comprovado que foi uma omissão do paciente, sua culpa exclusiva, e não um defeito da coleta de informações, junto ao paciente ou seu responsável, por parte do médico, isto poderá ser considerado, dependendo da análise do caso concreto, como uma excludente da culpabilidade do médico, ou pelo menos evidenciar que houve culpa concorrente do paciente (este é responsável por uma parcela do dano que sofreu), que, se não exime o médico da responsabilização judicial pelos danos sofridos em decorrência de um erro profissional, pelo menos é levado em consideração por ocasião do cálculo do montante da indenização devida ao paciente que sofreu o dano.
Há parâmetros para cálculo da indenização a ser paga. Os danos materiais, que se dividem em danos emergentes (diretos, imediatos), necessitam comprovação documental (recibos, notas fiscais e outros similares) e os lucros cessantes, ou seja, aquilo que o paciente deixou de auferir no exercício de sua atividade profissional por eventual dano por erro médico, se baseiam na comprovação da renda do lesado através de documentação idônea. Mesmo uma pensão mensal que seja devida ao paciente que ficar parcial ou totalmente inabilitado para o trabalho será calculada levando em consideração a sua renda, devidamente comprovada, anteriormente à lesão por erro médico. O ordenamento jurídico brasileiro somente admite a indenização pelos danos diretos e imediatos causados por um ato lesivo. Indenizações hipotéticas e futuras não encontram acolhida nas decisões dos tribunais em nosso país. Quanto aos danos morais (dentre eles o dano estético), estes são estabelecidos pelo juiz, dentro do seu livre arbítrio, mas sempre observando critérios presentes na literatura científica – doutrina – do Direito brasileiro e a jurisprudência (ou seja, como vêm decidindo os tribunais brasileiros) predominante em um dado momento.
O perfil do médico mais sujeito a processos por erro médico não tem nenhum levantamento recente, mas a visão que se tem, refletindo sobre o que anteriormente já foi escrito sobre o tema, e aceitando-se que há um perfil, é que seja um profissional já estabelecido profissionalmente, com seu lugar no mercado de trabalho. Alguns profissionais renomados aqui se incluiriam. Não é do seu perfil ser recém formado. Complementando, é bom ressaltar, já que assim menciona a literatura, que uma das características do médico sujeito a processos por erro médico, atualmente, é ter vários empregos – vários locais onde exerce as suas atividades – e, geralmente, sem as condições adequadas – necessárias – para o exercício da medicina corretamente. Também é divulgado que há preponderância de médicos do sexo masculino no número dos que estão sujeitos a tais processos.
O aumento do número de processos contra médicos não é abusivo. O número de processos no Brasil enquadra-se no perfil do país, que se não é desenvolvido está em desenvolvimento. Há um entendimento mundial, constatado por coleta de informações, de que nos países mais desenvolvidos há um maior número de processos por erro médico, e que quanto menos desenvolvido o país menor o número de processos por erro médico. Não quer isto dizer que nestes países o número de erros médicos seja menor. O Brasil, mesmo sem dados oficiais do número de casos de processos por erro médico, está abaixo do número dos países desenvolvidos do planeta, mas acima, em número de ações judiciais, dos países menos desenvolvidos. Porém, este número vem aumentando, não se podendo afastar que em breve tenhamos uma nova realidade brasileira, em termos numéricos, nos processos judiciais por erro médico.
Sem dúvida, em 2005, o erro médico chamou a atenção como fato social, principalmente no ambiente dos tribunais brasileiros. Se fossemos aqui destacar um aspecto do tema erro médico, o Consentimento Informado mereceria ocupar esta posição, já que parece emergir como uma necessidade, não só por ser um dever do médico, mas como expressão, que é, do tradicional processo de informação do paciente. O Consentimento Informado só pode adicionar, quando adequadamente se fizer presente na relação médico – paciente, tanto no tratamento do paciente, que é sempre um ser ontologicamente uno, como no manejo do erro médico pelos nossos tribunais.
Informações Sobre o Autor
Neri Tadeu Camara Souza
Advogado e Médico – Direito Médico
Autor do livro: Responsabilidade civil e penal do médico – 2003 – LZN