Resumo: A presente pesquisa trata de analisar o voto proferido pelo Ministro Gilmar Mendes do supremo tribunal federal na STA 175 onde figuravam como partes interessadas a União e o município de Fortaleza – CE. A decisão tem especial importância por demonstrar a sedimentação da judicialização das políticas públicas, em especial as relacionadas à saúde pública, de especial interesse de toda a sociedade.
Palavras – chave: Políticas públicas. Direitos sociais. Saúde pública. Sociedade. Judicialização.
Abstract: The present research examines the vote of Minister Gilmar Mendes of the Federal Supreme Court in STA 175 where the Union and the municipality of Fortaleza – CE appeared as interested parties. The decision is of particular importance for demonstrating the sedimentation of the judicialization of public policies, especially those related to public health, which are of particular interest to society as a whole.
Keywords: Public policies. Social rights. Public health. Society. Judiciary.
Sumário: 1. Conceitos iniciais: direitos sociais politicas públicas e judicialização. 2.A STA 175. 3. Repercussões do julgamento da STA 175. 4. Conclusão.
1. CONCEITOS INICIAIS: DIREITOS SOCIAIS, POLITICAS PÚBLICAS E JUDICIALIZAÇÃO
A concretização de direitos fundamentais é sempre assunto importante quando se trata da prestação de serviços públicos, mais especificamente no que tange a analise de sua adequação as previsões constitucionais relativas ao tema.
Os direitos fundamentais, ao longo do tempo, sofreram importantes mudanças no que se refere a sua interpretação. Foram inúmeras as fases até se alcançar, apesar de bastante óbvio atualmente, a idéia de direitos fundamentais coletivos, ditos direitos da sociedade ou sociais.
Na lição de Alexandre de Moraes (2016, p.202), os sociais “são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida dos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado Democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal”
A constituição federal tratou de alçar os direitos sociais a condição de direitos indisponíveis além de auto-aplicáveis, tudo com o objetivo de garantir máxima eficácia no momento de sua aplicação.
Interessante ainda notar que, em muitas situações os direitos sociais são entregues a sociedade através das chamadas políticas públicas, estas podem ser conceituadas, nas palavras do ilustre doutrinador José dos Santos Carvalho Filho como sendo:
“Políticas públicas, por conseguinte, são as diretrizes, estratégias, prioridades e ações que constituem as metas perseguidas pelos órgãos públicos, em resposta às demandas políticas, sociais e econômicas e para atender aos anseios das coletividades. Nesse conceito tem-se que diretrizes são os pontos básicos dos quais se originara a atuação dos órgãos; estratégias correspondem ao modus faciendi, isto é, aos meios mais convenientes e adequados para a consecução das metas obtidas mediante processo de opção ou escolha, cuja execução antecederá à exigida para outros objetivos; e ações constituem a efetiva atuação dos órgãos públicos para alcançar seus fins. As metas constituem os objetivos a serem alcançados: decorrem na verdade, das propostas que nortearam a fixação das diretrizes”. (CARVALHO FILHO, 2006, p.107)
Outro importante fator a ser informado inicialmente é que em muitos os casos o poder público se abstém de realizar determinadas ações que se constituem em verdadeiras obrigações sociais do Estado para com a sociedade, essa situação de abstenção estatal acaba gerando um conflito de interesses, de um lado o poder público alegando falta de receitas públicas suficientes para concretizar ações governamentais de caráter obrigatório, e, do outro os particulares lesados em seus direitos buscando, quase sempre judicialmente, a prestação estatal que lhe é devida.
Com o aumento desse problema e a constante busca da sociedade por uma prestação social através de uma decisão judicial positiva, surge na doutrina e jurisprudência a discussão a cerca desse fenômeno, o qual ficou batizado de judicialização das políticas públicas, que se constituem na busca ao judiciário como última alternativa para a obtenção da prestação de um dever estatal instrumentalizado em uma prestação social normalmente entendida como uma política pública.
O objeto do presente estudo é analisar a o voto do ministro Gilmar Mendes na STA 175 em que foi discutida justamente o tema da judicialização da saúde pública, tema este que se encontra em voga e cada vez mais vem tomando as rodas de debates acadêmicos pela sua essencial importância no contexto das políticas públicas relacionadas a saúde pública.
2. A STA 175
A suspensão de tutela antecipada 175 trata de um caso modelo em que o poder judiciário interveio em uma ação que versava sobre a prestação do direito à saúde pública, garantido assim que a tutela á esse direito social fosse satisfeita.
A lide versava sobre a entrega de medicamentos Zavesca (miglustat) à pessoa beneficiada na ação. Figurava como obrigados a União, o Estado do Ceará e o município de Fortaleza.
Os entes públicos alegaram, como de praxe, a violação do princípio da separação dos poderes, grave violação a ordem econômica e saúde pública para se abster de cumprir a obrigação que lhes é incumbida.
O que chamou a atenção no julgamento foram os apontamentos feitos pelo ministro Gilmar Mendes ao proferir seu voto, se posicionando favoravelmente ao direito à prestações estatais positivas em matéria de direitos sociais.
O que chamou mais atenção foi a quebra do argumento sempre corriqueiro em questões semelhantes em que o ente estatal alega violação do princípio da separação dos poderes na atitude do judiciário em buscar obrigar o ente público a prestar de forma positiva o direito a saúde do indivíduo, mesmo alegando reserva do possível nesses casos, Como se vê abaixo no trecho extraído do voto do relator ministro Gilmar Mendes:
“O fato é que a judicialização do direito à saúde ganhou tamanha importância teórica e prática que envolve não apenas os operadores do Direito, mas também os gestores públicos, os profissionais da área de saúde e a sociedade civil como um todo. Se, por um lado, a atuação do Poder judiciário é fundamental par o exercício efetivo da cidadania e para a realização do direito à saúde, por outro as decisões judiciais têm significado um forte ponto de tensão perante os elaboradores e executores das políticas públicas, que se vêem compelidos a garantir prestações de direitos sociais das mais diversas, muitas vezes contrastantes com a política estabelecida pelos governos para a área da saúde e além das possibilidades orçamentárias. (…)
(…) A intervenção judicial não ocorre em razão de uma omissão absoluta em matéria de políticas públicas voltadas à proteção do direito à saúde, mas tendo em vista uma matéria de políticas públicas voltadas à proteção do direito à saúde, mas tendo em vista uma necessária determinação judicial para o cumprimento de políticas já estabelecidas.”
O ministro Gilmar Mendes, com isso, buscou afastar a possibilidade de qualquer argumento no sentido de impossibilidade da prestação pública de serviço à saúde em virtude haver quebra da autonomia dos entes estatais.
Importante destacar que o ministro Gilmar Mendes ainda aponta que reconhece um direito público subjetivo a políticas públicas que promovam, protejam e recuperem a saúde, mas não há direito absoluto a todo e qualquer procedimento que recupere a saúde. Nesse sentido, o ministro constatou que muitos casos envolvendo o direito à saúde não configuram intervenção indevida do Judiciário na livre apreciação ou discricionariedade de formulação de políticas públicas pelos demais poderes. Isto se deve ao fato de muitas vezes o que se pede é o cumprimento de política já estabelecida, o que não caracteriza elaboração de políticas públicas pelo juiz.
Muitas vezes o que ocorre é somente a efetivação de políticas que já se encontram na esfera de obrigação do ente público, e que, o que ocorre é somente a imposição de seu cumprimento que não vem sendo prestado de forma regular ou se quer vem ocorrendo.
Esse entendimento, ampliado para os demais direitos sociais, leva a conclusão que a atuação judicial deve ser exceção, mas não impossível diante de omissões, sejam administrativas, sejam legislativas. Assim, quando não se têm obrigações específicas previstas na Carta Magna, diante da interpretação do art. 5, §1º, CF, não existem óbices a eventuais interferências judiciais para concretizar direitos sociais.
O poder judiciário não atua adentrando na competência, seja administrativa ou legislativa, dos demais órgãos e agentes públicos. O que se verifica na judicialização de direitos sociais como os em discussão, é tão somente a busca pelo poder judiciário em efetivar a prestação de serviços públicos.
3. REPERCUSSÕES DO JULGAMENTO DA STA 175
Muitas foram as discussões travadas em torno do julgamento da STA 175, a maioria no âmbito doutrinário onde se buscou traçar uma nova perspectiva na atuação do judiciário quando o assunto é o alcance de seus julgados.
O que se verificou foi que a judicialização de direitos se transformou em um debate sobre o papel do judiciário na sociedade. Há os que apontam que o mesmo deve se limitar a não interferir na esfera de competência de outros entes e também existem apontamentos que corroboram com a idéia de um poder judiciário social e atuante em matérias de cunho social.
Certo é que, a judicialização de matérias relacionadas a políticas públicas traz em si um desabafo da sociedade que em muitas situações se via de braços cruzados sem qualquer auxilio do poder público para que fossem efetivados seus direitos.
O judiciário ao instrumentalizar, de forma efetiva, a entrega de prestações positivas à sociedade mostra a obrigação dos entes púbicos de promover o bem social, mesmo que essa obrigação seja imposta ao ente público por outro ente estranho a entrega das prestações sociais positivas a que é incumbido.
A doutrina e jurisprudência nacionais ainda discutem a judicialização de políticas públicas acirradamente, estabelecendo limites e formas que tendem a evoluir muito, visto que a discussão apesar de grande ainda é jovem e tende a sofrer transformações.
4. CONCLUSÃO
Com isso, ficou clara a intenção do ministro Gilmar Mendes em deixar assentado que nem sempre se busca, pela via judicial, que o mesmo promova uma inovação em determinado plano de governo para que seja implementada determinada política social, muitas vezes essas políticas já existem e o que se busca é sua efetivação no campo social.
A própria constituição estabelece essa premissa quando assim expõe “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
Fica ainda clara a necessidade de medidas sociais de caráter preventivo e de prestação eficiente que evitem a busca constante ao judiciário. Os entes públicos devem criar meios céleres e efetivos de concretização de direitos sociais.
Existindo o direito fundamental à saúde no ordenamento, há o correspondente dever do Estado (União, Estados, Distrito Federal e municípios) em prestá-lo. A questão da garantia mediante políticas sociais e econômicas, para o Ministro Gilmar Mendes necessita de formulação de políticas públicas que concretizem o direito à saúde por meio de escolhas alocativas. Essas políticas devem visar à redução do risco de doença e de outros agravos – caráter preventivo – e o acesso universal e igualitário a todos, a reforçar a responsabilidade solidária dos entes da Federação.
O problema a ser solucionado talvez não seja o judiciário interferindo na administração como costumeiramente apontado pelos entes públicos, quando judicializando determinadas matérias busca implementar políticas sociais em matéria de saúde, uma vez que, em muitas vezes o que está em voga são políticas já existentes. Analisando isso como critério para decisão, o Ministro Gilmar Mendes demonstra que a existência, ou não, de política estatal (formulada pelo SUS) que abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte se mostra como um primeiro parâmetro a ser considerado. Porém, se esta não existir, deve-se distinguir entre três situações: se a não prestação decorre de uma omissão legislativa ou administrativa, de uma decisão administrativa de não fornecê-la ou de uma vedação legal a sua dispensa.
Com isso fica claro que a judicialização de políticas sociais, como por exemplo as voltadas a saúde pública, objeto do trabalho, nem sempre são obrigações impostas pelo judiciário à administração pública, e que interfiram nas metas e planos de governo que foram traçados. A judicialização busca trazer concretude a preceitos que já são deveres dos entes públicos e que são inerentes a própria atividade administrativa e em nada confronta o princípio da separação dos poderes, visto que a todo poder é dada a obrigação de cumprir os preceitos que estão estabelecidos na Constituição Federal.
Informações Sobre o Autor
Samuel de Jesus Vieira
Graduado em direito Centro Universitário de Goiás – Uni-anhanguera 2011-2015, especializando em Direito constitucional e Direito Administrativo na pontifícia universidade católica de Goiás 2016-2017